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PEC dos recursos: equívocos e novas ideias

10/06/2011 às 11:04
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Com a devida vênia, há alguns equívocos que merecem ser reparados para que o ideal consagrado na proposta possa efetivamente ser alcançado sem derivar para outros problemas.

Com a coragem e espírito público que lhe é peculiar, o atual Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Cezar Peluso, apresentou, no contexto do chamado III Pacto Republicano, o anteprojeto do que já se denomina por PEC dos Recursos, a ser submetida ao Congresso Nacional "com o objetivo de reduzir o número de recursos ao Supremo e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dar mais agilidade às decisões judiciais de segunda instância".

A proposta de Emenda Constitucional, simples em sua essência, mas grande em efeitos, vem assim redigida em sua íntegra, acrescentando dois artigos à Constituição Federal:

"Art. 105-A. A admissibilidade do recurso extraordinário e do recurso especial não obsta o trânsito em julgado da decisão que os comporte.

Parágrafo único. A nenhum título será concedido efeito suspensivo aos recursos, podendo o Relator, se for o caso, pedir preferência no julgamento.

Art. 105-B. Cabe recurso ordinário, com efeito devolutivo e suspensivo, no prazo de quinze (15) dias, da decisão que, com ou sem julgamento de mérito, extinga processo de competência originária:

I – de Tribunal local, para o Tribunal Superior competente;

II – de Tribunal Superior, para o Supremo Tribunal Federal."

A ideia primordial é que, com o trânsito em julgado operado a partir das decisões em grau de apelo, inclusive assim as que resultem de reexame por Tribunal Superior ou pelo Supremo Tribunal Federal na qualidade de segunda instância, possam as decisões permitir a eficácia imediata por não obtido efeito suspensivo pelos recursos subsequentes.

Com a devida vênia e todo o respeito e consideração à proposição, há alguns equívocos que merecem ser reparados para que o ideal consagrado na proposta possa efetivamente ser alcançado sem derivar para outros problemas.

Ao início, cabe perceber que os recursos extraordinário e especial já não detém efeito suspensivo, mas tão só devolutivo, pelo que o parágrafo único do proposto artigo 105-A repete o que resta consagrado na legislação infraconstitucional da inexistência de impedimento à execução, sem que isso tenha inibido a remessa de autos ao STF ou ao STJ com o efeito negativo da exigência de cartas de sentença para a execução imediata e efetiva do julgado (CPC, artigos 497, 542, § 2º, e 543). A discussão, pois, permeia, sobretudo, outra circunstância: a de considerar o trânsito para efeitos penais, em que o acusado se aperfeiçoaria como condenado a partir da decisão de segundo grau e não necessariamente a partir da última decisão proferida, por vezes assim a do Supremo Tribunal Federal, no que se passaria a conter a eficácia do artigo 5º, LVII, da Constituição Federal, quando assevera como direito fundamental não ser ninguém considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, pela mera alteração do marco significativo da condenação. Assim, a redação proposta para o artigo 105-A que seria acrescido à Constituição Federal envolve a antecipação do trânsito em julgado para logo após proferida a segunda decisão judicial, independentemente da interposição de recurso especial ou de recurso extraordinário.

Não bastasse a repetida anomalia de olvidar a proposta dos efeitos noutros ramos judiciários, sobretudo a Justiça do Trabalho, que se vê desprovida de certos efeitos e acaba numa dissintonia com o que aconteceria em relação a decisões dos tribunais de segunda instância da Justiça Comum, federal ou estadual, haveria, ainda, uma indagação não respondida: como se situaria a ação rescisória, se tem por marco inicial e decadencial o trânsito em julgado da decisão rescindenda?

Nesse efeito, outras duas indagações emergem: como ficaria a previsão constitucional de ação rescisória contra decisões do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, se já não operariam trânsito em julgado próprio, e como ficaria, ainda, a concomitância de recursos e ações rescisórias contra as decisões dos tribunais, já que possíveis ainda, recursos extraordinários e/ou recursos especiais, enquanto o marco inicial para a ação rescisória também se consubstanciaria ao mesmo instante, ainda que pudesse envolver fluxo maior?

Não parece razoável que houvesse ação rescisória contra a decisão recorrida ao Superior Tribunal de Justiça e/ou ao Supremo Tribunal Federal na concomitância dos respectivos recursos, mais ainda pela ilógica situação de poder haver recurso pendente de decisão rescindenda ou já rescindida, tanto mais na primeira hipótese, porque se para a última poder-se-ía alegar a prejudicialidade do apelo, como envolver a hipótese de recurso inverter a lógica do sistema e tornar prejudicada a rescisória? E como, também, situar a rescisória no âmbito daqueles dois excelsos tribunais, se não há mais trânsito em julgado operado a partir delas, ao menos trânsito material? Ou haveremos, doravante, que considerar dois marcos para trânsito em julgados?

A PEC dos Recursos, com a devida vênia, não responde tais indagações.

Nesse divagar, penso que deve ser dada pela Constituição maior respaldo às decisões colegiadas, ou ao menos assim às dos relatores como delegados destes e à conta de aplicação de precedentes, por sempre sujeitos às revisões mediante agravos internos, já que emerge daí o pressuposto de exame debatido e não meramente o julgamento solitário pelos magistrados de primeiro grau. Por isso, seja a confirmação ou alteração, no exame de recursos, seja nas causas originárias, as decisões dos tribunais de segundo grau merecem daí, como as dos que lhes seguem, a eficácia imediata pelo efeito meramente devolutivo que os recursos de natureza extraordinária atraem, dado o caráter de ordem pública da questão envolvida no reexame de matéria constitucional ou infraconstitucional, por isso a prevalência do interesse público sobre o do litigante para a enunciação da interpretação devida acerca de certa norma.

Com relação ao proposto artigo 105-B à Constituição Federal, emerge, ainda, o problema do conflito inequívoco com os atuais artigos 102, II, e 105, II, da Constituição vigente, que envolvem, exatamente, os recursos ordinários para o Supremo Tribunal Federal e para o Superior Tribunal de Justiça, respectivamente.

Ocorre que os artigos 102, II, e 105, II, da Constituição Federal, indicam os recursos ordinários para o STF e STJ em condição restritiva, assim possíveis de decisões de única instância dos Tribunais Superiores denegatórias de habeas corpus, habeas data, mandados de segurança e mandados de injunção, ou os crimes políticos examinados pela Justiça Federal, no caso do recurso ordinário ao Supremo Tribunal, ou, no caso de recurso ordinário ao Superior Tribunal de Justiça, as decisões de única instância ou última instância dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça denegatórias de habeas corpus e destes as de única instância em mandados de segurança, além das causas em que forem partes, de um lado, Estado estrangeiro ou organismo internacional e, doutro lado, Município ou pessoa residente no Brasil, examinadas antes pela Justiça Federal.

Como, então, ficaria o descompasso com o artigo 105-B que passa a admitir hipóteses mais largas para os recursos ordinários dirigidos aos tribunais superiores em geral (assim o STM, TSE, TST e STJ) ou ao STF?

Não creio pudéssemos dar, na compreensão de norma geral e norma específica, a prevalência dessa última, se há, ao menos em relação ao recurso ordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal, campo de inequívoca coincidência, não se podendo admitir que a norma constitucional derivada haja que merecer interpretação conforme à norma constitucional originária, sob pena de haver conflito interno que apenas poderia resultar na prevalência de uma sobre a outra, enquanto não há, propriamente, campo para a revogação da norma original, ao modo indicado na PEC.

Ademais, a considerar-se o efeito ampliativo decorrente do artigo 105-B proposto à Constituição, o Supremo Tribunal Federal passaria à condição de efetivo tribunal de segunda instância quando a causa for originariamente julgada por quaisquer dos Tribunais Superiores, no que a ideia de desafogar a nossa Corte Constitucional acabaria na transferência dos encargos hoje em voga nos recursos extraordinários para os recursos ordinários.

Ainda com relação ao artigo 105-B proposto à Constituição, há que se notar que a locução "tribunal local" afasta a incidência às hipóteses em que a Justiça Federal examina a causa originariamente e o recurso ordinário é dirigido diretamente ao STJ ou ao STF (artigos 109, II e IV, primeira parte, c/c artigos 105, II, "c", e 102, II, "b", respectivamente, da Constituição Federal), resultando numa anomalia em relação aos preceitos que tratam diretamente sobre os recursos ordinários dirigidos em geral ao STF ou ao STJ, como indica a proposta.

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Por isso, com todas as vênias, penso que deve ser dada nova moldura à proposta, para alcançar todos os demais recursos de natureza extraordinária (assim a revista dirigida ao TST e o recurso especial eleitoral dirigido ao TSE), descrevendo o aspecto de trânsito em julgado a partir da decisão colegiada originária ou de segundo grau, enquanto aqueles apenas teriam efeito de cassação em havendo repercussão geral, objeto capaz de postergar o trânsito em julgado e, assim, não operando os efeitos de concomitância com as ações rescisórias quanto ao marco inicial de propositura ou de interposição.

Por questão de técnica redacional, também desvio a proposta do artigo 105-letra (porque em sendo assim remanesceria na Seção III do Superior Tribunal de Justiça, a par de alcançar disciplina pertinente ao recurso extraordinário ou ao recurso ordinário dirigido ao Supremo Tribunal Federal) para novo artigo após o atual 97 da Constituição Federal, que envolve, pois, aspecto geral processual. Ainda, sinalizo pequena alteração em relação ao recurso extraordinário dirigido ao STF que poderia inibir o paralelismo de interposição de recursos no âmbito da jurisdição comum, nesse particular copiando o regime recursal da revista trabalhista, eis que o TST absorve também matéria constitucional e serve, assim, de filtro ao STF para o exercício devido de sua função como Corte Constitucional, ao instante em que pode o Tribunal Superior corrigir equívocos de ordem constitucional e evitar seja o Supremo Tribunal conclamado a fazê-lo, quando assim pode ser obtido igual efeito por atuação do tribunal imediatamente inferior, enquanto, ao final, descrevo, como ocorre no artigo 109 em relação à Justiça Federal, a regra de exceção das competências do STJ quando houver confronto com os Tribunais Superiores das jurisdições especializadas.

Sem afastar-me, pois, do ideal descrito sabiamente pelo eminente Ministro Cezar Peluso, ouso apresentar proposta substitutiva para, quiçá, o exame ainda oportuno por S.Exa. e pelos demais eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, ou ao menos para análise das consequências e alteração redacional pelo Congresso Nacional, se tarde se chegar à discussão da chamada PEC dos Recursos, como segue:

"Art. 97-A. As decisões proferidas por turmas recursais ou por tribunais, originariamente ou mediante recurso ordinário contra decisões de juízos singulares, transitam em julgado de imediato ao julgamento, ainda que possível a interposição de outros recursos.

§ 1º Os recursos subsequentes, ordinários ou de natureza extraordinária, dirigidos a Tribunais Superiores ou ao Supremo Tribunal Federal serão interpostos por instrumento e não terão efeito suspensivo, nem assim lhes será emprestado efeito a qualquer título, podendo os relatores, se for o caso, pedirem preferência para julgamento, dispensada revisão.

§ 2º O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores, em provendo recurso de natureza extraordinária, exercerão juízo de cassação da decisão recorrida, diretamente ou por decorrência de repercussão geral, assim exigida a prolação de outra com o contorno jurídico declarado ou a extinção da execução em curso.

§ 3º Contra o juizado, juízo, turma recursal ou tribunal que não observar a decisão de cassação proferida pelo Supremo Tribunal Federal ou por Tribunal Superior cabe reclamação para garantia da autoridade de suas decisões.

Art. 97-B. As ações rescisórias podem ser propostas, dentro do prazo decadencial de um ano, quando concluído o julgamento do último recurso cabível contra a decisão rescindenda, para reparar violação literal a dispositivo da Constituição ou de lei federal ou para afastar vício essencial, nos termos da lei, apenas cabendo efeito suspensivo em relação a eventual execução se demonstrada a plausibilidade da rescisão em súmula ou precedente do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Art. 97-C. As revisões criminais podem ser propostas a qualquer tempo, sempre que for indicada vício essencial na condenação, violação literal ao tipo penal ou à dosimetria da pena, ou for invocado novo fato ou prova capaz de alterar o julgamento anterior."

"Art. 103. (…)

(…)

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas, em única ou última instância, por Tribunais Superiores, quando a decisão recorrida:

(...)"

"Art. 105. (...)

I - (…)

(…)

b) os mandados de segurança e os habeas data contra ato de Ministro de Estado, dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica ou do próprio Tribunal, excetuados, em relação àqueles, os casos de competência do Tribunal Superior do Trabalho ou do Superior Tribunal Militar;

c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar;

d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, "o", bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos, ressalvados os conflitos internos do âmbito da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho ou da Justiça Militar;

(…)

III - (…)

(…)

d) contrariar a Constituição."

Brasília/DF, junho de 2011.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. PEC dos recursos: equívocos e novas ideias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2900, 10 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19301. Acesso em: 22 dez. 2024.

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