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A nova lei das prisões cautelares

03/08/2011 às 15:23

Resumo:


  • A Lei n. 12.403/2011 alterou o Código de Processo Penal em relação às prisões cautelares, eliminando a prisão em flagrante como modalidade de prisão provisória e estabelecendo novos requisitos para a decretação da prisão preventiva.

  • Foram criadas medidas cautelares diversas da prisão, que podem ser aplicadas isoladamente ou em conjunto com a liberdade provisória, visando um maior controle do Estado sobre os indivíduos que cometeram delitos.

  • O instituto da fiança foi modificado, permitindo agora que a autoridade policial possa arbitrá-la em crimes com pena máxima de até 4 anos, e o juiz em crimes com pena máxima superior a 4 anos, excluindo-se os crimes inafiançáveis por determinação constitucional.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Não há motivos para tanto alarde sobre a nova lei, pois, para os crimes graves e para os agentes reincidentes, não houve qualquer alteração significativa.

No dia 04 de julho de 2011 entrou em vigor a Lei n. 12.403, que modificou o Código de Processo Penal no tocante às prisões cautelares. A mídia em geral tem feito severas críticas, afirmando que, por conta da nova legislação, milhares de presos serão colocados em liberdade. Entretanto, como procuraremos demonstrar, a nova lei não é tão liberal como se propaga, mas apenas fez algumas alterações no Código de Processo Penal. Na realidade, ela passou a consagrar soluções que, na prática, já eram adotadas pela maioria dos agentes do direito. Vejamos as principais alterações e suas conseqüências.


1. Eliminação da prisão em flagrante como prisão provisória.

O direito brasileiro prevê duas espécies de prisão: a) provisória ou cautelar; b) prisão decorrente de sentença penal condenatória transitada em julgado, também chamada de prisão-pena ou pena definitiva.

As prisões cautelares não têm qualquer relação com o mérito do fato praticado pelo acusado, mas na necessidade de garantir, dentre outras, a eficácia da investigação ou de uma futura condenação, a garantia da ordem pública, a regular instrução do processo ou impedir que o agente continue a delinqüir.

Três eram as espécies de prisão provisória: a) prisão em flagrante; b) prisão temporária; c) prisão preventiva. Essas eram as hipóteses que autorizavam a prisão antes de uma sentença penal condenatória.

A nova lei aboliu a prisão em flagrante como modalidade de prisão provisória, mas não impede a prisão da pessoa flagrada na prática de crime. Doravante, quando alguém é surpreendido praticando um delito, pode e deve ser preso em flagrante, mas, nas 24 horas subseqüentes, o juiz, se entender que o investigado deve ser mantido preso, deverá converter o flagrante em prisão preventiva.

Assim, a eliminação da prisão em flagrante, como prisão cautelar, não impede a manutenção da prisão de pessoa que foi surpreendida cometendo delitos, mesmo aqueles de média gravidade, como demonstraremos no item subseqüente.


2. Novos requisitos para a decretação da prisão preventiva.

A prisão preventiva também é uma prisão provisória ou cautelar e os seus fundamentos são garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal. Nesse aspecto, não houve qualquer alteração com a nova legislação.

No tocante aos requisitos, na legislação antiga permitia-se a decretação da prisão preventiva nos crimes apenados com reclusão (qualquer que fosse a quantidade de pena) e nos crimes dolosos se o agente fosse reincidente.

A nova lei modificou esses requisitos e, doravante, só é cabível a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos com pena máxima superior a 4 anos ou, se o agente for reincidente, em crime doloso.

Assim, se alguém praticar um furto simples (pena máxima de 4 anos) e for primário, não há razão para a decretação da prisão preventiva pois, para essas hipóteses, o Código Penal autoriza a aplicação de penas restritivas de direitos, as chamadas "penas alternativas", regra essa que já era aplicada antes da nova lei. Não tem sentido prender preventivamente alguém se, de antemão, já se sabe que, depois da condenação, o agente não poderá ser preso. Essa foi a razão pela qual a Lei n. 12.403/11 prevê, como um dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, ter o crime pena superior a 4 anos. Logo, nesse requisito, não houve inovação.

Entretanto, se o mesmo crime de furto simples for praticado por um agente reincidente em crime doloso, cabível é a prisão preventiva com fundamento no artigo 313, II, CPP. Em outras palavras, não se exige para a decretação dessa modalidade de prisão que o agente pratique crime com pena superior a 4 anos e seja reincidente. Basta um ou outro requisito.

Como se vê, não houve alteração nos fundamentos da prisão preventiva, nem substancial modificação nos seus requisitos. Nos crimes graves como roubo, homicídio, tráfico de entorpecentes, latrocínio, extorsão, lesões graves, etc., continua sendo possível a decretação da prisão preventiva, mesmo aos agentes primários. Já para os crimes menos graves como furto simples, apropriação indébita, etc., a regra é permitir que o agente responda ao processo em liberdade. Entretanto, se ele for reincidente e, presentes os fundamentos do artigo 312 do CPP, continua sendo permitida a decretação da prisão preventiva.

Outra modificação na prisão preventiva está relacionada ao momento da sua decretação. Antes do advento da Lei n. 12.403/11, ela só podia ser decretada após o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público. Assim, ao receber a denúncia ou durante o processo, presentes os fundamentos e requisitos legais, o juiz podia decretar a prisão do acusado que até então estava solto.

Com a nova lei, a prisão preventiva pode ser decretada por conversão da prisão em flagrante (como demonstrado anteriormente) ou, caso o acusado esteja em liberdade, em qualquer fase da investigação ou do processo, como expressamente dispõe o artigo 311 do Código de Processo Penal.

Nesse aspecto a legislação se tornou mais rigorosa, pois possibilita a decretação da prisão cautelar, na modalidade preventiva, desde a prática do delito.


3. Modificações na liberdade provisória.

Ausentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva, concede-se a liberdade provisória sem qualquer condição ou mediante o pagamento de fiança (art. 310, III, CPP). Nesse aspecto, a nova lei não fez qualquer alteração.

A novidade foi a criação das medidas cautelares diversas da prisão que podem (para nós, devem) ser impostas, isolada ou cumulativamente, quando da concessão da liberdade provisória. São elas: a) comparecimento periódico em juízo para informar suas atividades; b) proibição de freqüência a determinadores lugares; c) proibição de manter contato com pessoa determinada; d) proibição de ausentar-se da Comarca; e) recolhimento domiciliar noturno e nos dias de folga; f) suspensão do exercício de função pública ou atividade de natureza econômica; g) internação provisória para os inimputáveis ou semi-imputáveis; h) fiança; i) monitoração eletrônica.

Essas medidas aparentam uma liberalidade da nova lei, mas na verdade possibilitam maior controle pelo Estado daqueles que delinqüiram, pois, o seu descumprimento pode ensejar a decretação da prisão preventiva. Se houver uma efetiva fiscalização, essas medidas contribuirão para impedir a prática de novos crimes, que é um dos objetivos da reforma legislativa (art. 282 do CPP).

Algumas vozes já se levantam contra essas medidas, tachando-as de inconstitucionais por terem a natureza de pena e por atentarem contra a dignidade da pessoa que praticou o crime.

Discordamos desse entendimento.Primeiro, porque condições semelhantes já são impostas aos réus que cumprem suspensão condicional do processo e nos casos de violência doméstica contra a mulher e, até hoje, não se cogitou da inconstitucionalidade. Segundo, porque o Estado pode, por meio de lei, restringir direitos e exercer controle sobre aqueles que são flagrados cometendo delitos, pois o Direito Penal é eminentemente sancionador. Terceiro, porque trocar a prisão pelo recolhimento domiciliar noturno ou por qualquer outra medida cautelar, além de mais vantajoso para o acusado, não lhe acarreta qualquer constrangimento. É óbvio que qualquer restrição a direitos causa indignação, mas cabe lembrar que as restrições são impostas àqueles que, voluntaria e dolosamente, praticam crimes.

Está em moda ceifar vidas, estuprar, seqüestrar, roubar, destruir lares e, quando flagrados, invocar os direitos fundamentais. Evidente que a todos os acusados devem ser assegurados os direitos fundamentais durante o processo e o cumprimento da pena, mas não podemos esquecer que o Direito e a Justiça Penal existem para sancionar aqueles que, ilegal e brutalmente, violam os direitos fundamentais alheios. Logo, no confronto entre os interesses do réu e os das pessoas lesadas, devem prevalecer os da coletividade.

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4. Alterações no instituto da fiança.

O instituto da fiança passou a constituir uma das medidas cautelares diversas da prisão. Ela podia ser arbitrada pelo delegado de polícia nos crimes apenados com detenção ou prisão simples (agora a autoridade policial pode arbitrá-la nos crimes cuja pena máxima seja igual ou inferior a 4 anos). O magistrado, por seu turno, podia arbitrá-la nos crimes cuja pena mínima cominada fosse igual ou inferior a 2 anos, enquanto que pela nova lei pode concedê-la em qualquer crime com pena máxima superior a 4 anos, exceto nos crimes de racismo, hediondos, tortura, tráfico de entorpecentes e terrorismo que, por expressa determinação constitucional, são inafiançáveis.

Outra mudança significativa é que na lei antiga não cabia fiança ao acusado reincidente. Na nova lei, não mais existe essa restrição, não cabendo a fiança apenas se presentes os motivos para a decretação da prisão preventiva.

Houve a atualização do valor da fiança que passa a ser de 1 a 100 salários mínimos para os crimes com pena máxima igual a 4 anos e de 10 a 200 salários para os crimes com pena máxima superior a 4 anos, valor que pode ser aumentado em até 1.000 vezes. Entretanto, caso o acusado não tenha recursos para pagar o valor, o juiz poderá reduzir o valor ou dispensá-lo do pagamento.

Sempre fomos contra o instituto da fiança como meio de se obter a liberdade provisória porque o acusado com condições econômicas paga sem qualquer problema, obtendo imediatamente a liberdade, enquanto o pobre, por não ter condições de pagá-la, fica preso ou então depende de uma decisão judicial sobre a dispensa do pagamento.


5. Conclusões

Sucintamente procuramos demonstrar que a nova lei:

a) revoga a prisão em flagrante como prisão cautelar ou provisória;

b) estabelece que a manutenção na prisão de uma pessoa flagrada na prática de crime, só é possível se presentes os motivos e requisitos da prisão preventiva;

c) possui mecanismos que permitem manter na prisão as pessoas que, embora praticando crimes de média gravidade, ostentam maus antecedentes, reiteram na prática de crimes ou, embora primários, atentam contra a ordem pública;

d) cria medidas cautelares diversas da prisão (medidas restritivas de direitos), que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente com a liberdade provisória, restrições essas que não nos parecem inconstitucionais;

e) aumenta o valor da fiança e as hipóteses em que ela é cabível, mas o agente de poucas posses pode obter a liberdade sem o seu pagamento.

Como vimos, não há motivos para tanto alarde sobre a nova lei, pois, para os crimes graves e para os agentes reincidentes, não houve qualquer alteração significativa, sendo possível a manutenção no cárcere dos que são surpreendidos praticando delito ou então a decretação da preventiva ainda na fase da investigação. Cabe aos agentes do Direito a responsabilidade de interpretar e aplicar a nova lei de modo a torná-la eficaz no combate à criminalidade.

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Sobre o autor
Jairo José Gênova

Promotor de Justiça em Marília (SP). Professor de Direito Penal dos cursos de graduação e pós-graduação do UNIVEM - Marília (SP). Mestre e Doutor e Direito Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÊNOVA, Jairo José. A nova lei das prisões cautelares. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2954, 3 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19688. Acesso em: 22 dez. 2024.

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