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As medidas de segurança e o devido processo legal no procedimento do júri

28/08/2011 às 11:48
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"É provável que se julgue chocante que eu não me resigne ao silêncio depois do ato que cometi, e também a impronúncia que o sancionou e da qual, segundo a expressão espontânea, eu me beneficiei.

Mas, não tivesse eu esse benefício, e deveria ter sido julgado. E, se tivesse sido julgado, teria de responder.

Este livro é a resposta à qual, de outra forma, eu teria sido submetido. E tudo o que peço é que isso me seja concedido; que me concedam agora o que então poderia ter sido uma obrigação.

Evidentemente, tenho consciência de que a resposta que tento aqui não é adequada às regras de um julgamento que não ocorreu, nem à forma que então ela teria assumido. Pergunto-me, todavia, se a falta, passada e para sempre, desse julgamento, de suas regras e de sua forma, finalmente não expõe mais ainda à apreciação pública e à sua liberdade o que vou tentar dizer. Em todo caso, é o que desejo. É me destino só pensar em acalmar uma inquietação arriscando-me a outras, indefinidamente." (Louis Althusser).


Introdução

A epígrafe deste trabalho é a apresentação do livro "O futuro dura muito tempo". Seu autor, Louis Althusser, foi impronunciado pela morte de sua mulher, nos termos da lei francesa, por ter sido considerado inimputável.

Fazendo um contraponto com a legislação brasileira, a impronúncia francesa, neste caso, equivaleria à nossa absolvição sumária (art. 415, inciso IV e parágrafo único do CPP) e imprópria.

No entanto, a absolvição sumária, no procedimento do júri, parece contrariar o princípio constitucional do devido processo legal, ao suprimir a segunda fase deste procedimento, na hipótese do réu estar, no momento dos fatos que ensejaram a instauração do processo penal, em sofrimento mental. Provavelmente, temos muitos "Louises" internados em nossos "hospitais de custódia".

Portanto, este trabalho é dedicado à análise do (des)respeito ao princípio do devido processo legal, nos casos de absolvição sumária baseada na inimputabilidade do réu.


Desenvolvimento

O art. 415, IV, c/c respectivo parágrafo único, ambos do CPP, dispõe que o juiz, fundamentadamente, absolverá o acusado quando demonstrada causa de isenção de pena, sendo que, na hipótese de inimputabilidade, a absolvição sumária somente ocorrerá se esta for a única tese defensiva.

Sobressaem, deste dispositivo, várias afrontas aos princípios constitucionais regentes do direito penal, destacando-se o devido processo legal, pois será suprimida a segunda fase do procedimento do júri, sem uma justificativa plausível.

Primeiramente, há de se destacar que a duplicidade de fases no procedimento do júri interfere substancialmente na defesa: na primeira fase a defesa, essencialmente, trabalha para evitar uma sentença de pronúncia, sendo que na segunda fase, o objetivo é o convencimento dos jurados.

Ainda sob o ponto de vista da defesa, cabível ressaltar que o simples fato de ter sido defendida apenas a tese da inimputabilidade, não implica, necessariamente, ser esta a única sustentação possível.

Pelo sustentado anteriormente, percebemos que a expressão "quando esta for a única tese defensiva", constante da parte final do parágrafo único do art. 415 do CPP, não pode dizer respeito à atuação da defesa até o momento das alegações finais, até mesmo porque, se o acusado não estiver satisfeito com a atuação de seu defensor, pode constituir outro.

Do ponto de vista do julgador, apesar do dispositivo em questão exigir decisão fundamentada, a absolvição sumária baseada na inimputabilidade se reveste de arbitrariedade, pois, pelas razões apontadas anteriormente, não há um critério objetivo capaz de permitir verificar se a tese defendida na primeira fase do procedimento de júri será mantida até o final da segunda fase.

Portanto, podemos concluir, sem receio de incidir em erro, que a absolvição sumária baseada na inimputabilidade contraria o princípio do devido processo legal. Este desrespeito acaba alcançando outros direitos fundamentais.Primeiro, o da igualdade dos cidadãos perante a lei, por estabelecer-se tratamento processual diferenciado em virtude da ausência/presença de sofrimento mental. Em segundo lugar, a plenitude da defesa perante o tribunal do júri, uma vez que o cidadão em sofrimento mental tem tolhido o direito à instrução em plenário, inclusive com seu interrogatório ao final, oportunidade em que o acusado poderá exercer sua autodefesa.


Conclusão

Pelo sustentado anteriormente, percebemos que a absolvição sumária (e imprópria, repise-se) fundamentada na inimputabilidade do acusado, mesmo quando esta se mostre como única tese de defesa até o final da primeira fase do procedimento de júri fere o princípio do devido processo legal.

Em decorrência de tal ferida, são ofendidos também os princípios da igualdade e da plenitude de defesa perante o tribunal do júri. Portanto, penso que, ao final deste breve artigo, consegui demonstrar a inconstitucionalidade da absolvição sumária baseada na inimputabilidade do acusado.

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Sobre o autor
Anderson Henrique Gallo

Advogado criminalista atuante em Ouro Preto - MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GALLO, Anderson Henrique. As medidas de segurança e o devido processo legal no procedimento do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2979, 28 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19865. Acesso em: 28 mar. 2024.

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