I – Introdução.
O Direito Previdenciário pátrio não é discutido senão por um número muito pequeno de especialistas. Essa escassez de mentes pensantes denota a falsa ideia de que a questão securitária social não seja tão importante num cenário global de medicina pródiga e alargamento da expectativa de sobrevida. E o pior: como as graves questões econômicas nesta seara não são do conhecimento público, o legislador usa e abusa de artifícios para furtar os contribuintes exatamente onde eles são mais vulneráveis: no campo do desconhecido. É chegada a hora de o INSS enfrentar um inimigo que até hoje nunca teve a oportunidade de se manifestar: o conhecimento vulgar de suas nefastas práticas.
Este breve artigo não busca o leitor especializado, mas qualquer brasileiro que tenha uma visão previdente do futuro. Consiste num alerta do que é e aponta uma solução para o porvir. Afinal, de nada serve a crítica sem o aporte de uma via alternativa.
Pois bem: o regime geral de previdência privada no Brasil detém caráter contributivo, i. e., apresenta uma via de mão dupla: 1) o segurado se torna inscrito e filiado ao RGPS e efetua suas contribuições mensais; 2) para, ultrapassados os prazos e carências da legislação de regência, poder gozar dos benefícios existentes.
Além de ser contributivo, o RGPS também é sujeito a um teto de concessão de benefício. Sim, porque a seguridade social não se propõe a manter o mesmo padrão de vida que o segurado ostentava quando inserido no mercado de trabalho. O RGPS serve, isto sim, para colmatar as lacunas que os riscos sociais podem eventualmente trazer aos indivíduos como um todo.
Quem deseja preservar a mesma condição financeira após o encerramento das atividades laborais deve buscar a previdência complementar para atingir o seu desiderato.
Então, temos que o RGPS é de filiação obrigatória e sujeito a teto de concessão. Disso, acreditamos, todos já sabem. Ocorre que das considerações acima podem ser feitas várias ilações. Eis o motivo do presente ensaio.
II – Bases Atuais da Política Atuarial e Financeira do INSS.
Quem de nós conhece a ciência atuarial? Qual seria a fração dos nossos brasileirinhos, ávidos por um Brasil de 1° mundo, que já tenha ao menos uma vez ouvido falar no assunto? O questionamento tem sentido, já que este monstro incógnito rege o futuro de cada um de nós, pois especifica o que será de nós na 3ª idade.
Num resumo menos "chato" da matéria, poderíamos definir a ciência atuarial como o conjunto das técnicas específicas de análise de riscos e expectativas, principalmente na administração de seguros e fundos de pensão. Esta ciência aplica conhecimentos específicos das matemáticas estatística e financeira. Mesmo parecendo uma ciência recente, as origens da atuária (nome pela qual também é conhecida) remontam às primeiras preocupações em se criarem garantias aos indivíduos de uma sociedade e em se estudar quantidades de nascimento e morte das pessoas.
Vejam: a atuária se preocupa em estudar estatística para que os resultados encontrados sejam levados para uma determinada política, em números. Isso seria legítimo, coerente e até mesmo necessário.
A receita do RGPS advém não só das contribuições, mas também de parcelas de jogos de loterias, de torcedores pagantes em jogos de futebol etc., tudo para manter sempre equilibrada a balança atuarial do regime. Ocorre que o INSS, justificado pela suposta busca pela manutenção do equilíbrio atuarial e financeiro, tem ido longe demais. O "equilíbrio" atuarial no cenário atual brasileiro vem sendo buscado de forma totalmente covarde e inconstitucional, gerando em troca um desequilíbrio financeiro do contribuinte.
A afirmação ora feita tem vários e tristes fundamentos:
1. A OMISSÃO RELEVANTE
Comecemos pela omissão de informação e algumas de suas causas e conseqüências: a) os servidores do INSS, em sua grande maioria, são anteriores à CRFB de 1988, tendo sido investidos num cargo tão importante sem concurso público. E, como sabido, o concurso público é o único meio de se separar o joio do trigo, quem sabe de quem não sabe. Desculpem a franqueza; b) o processo administrativo junto às agências tem duração certa, de 30 dias. Esse prazo é totalmente incompatível com a série de exigências que a autarquia faz aos segurados para que possam obter o benefício. Há, escancaradamente, tarifação de provas e indeferimento em massa mesmo quando os requisitos estão mais que à mostra. Parece até que o segurado está batendo à porta do INSS para pedir esmola; c) o Direito Previdenciário apresenta várias questões transitórias, já que a matéria sofreu diversas mudanças nas últimas duas décadas, com novos direitos, direitos antigos já constituídos e questões intermediárias para quem já tinha expectativa de direito; d) as informações ao público alvo de situações transitórias não são feitas nunca, e os indivíduos não tem jamais acesso aos milhares de reais a que teriam direito mês a mês; e) a própria Lei 8.213/91 chancela a omissão relevante do INSS ao disciplinar a partir de que data será feito o pagamento se o contribuinte não reclamar o direito em 30 dias. Ora, como pode um público órfão de informação sequer saber que tem tal direito? f) o único meio de se conseguir êxito num processo administrativo junto ao INSS, pelo menos se houver a menor controvérsia acerca do direito, é através de um defensor público ou de um advogado; g) e o mais preocupante: o patrocínio dos segurados por defensores públicos e advogados é eminentemente judicial, e não jurídico. Isso porque os defensores e advogados recorrem à justiça para resolver questões que poderiam ser resolvidas no INSS. Ora, estamos dizendo que o INSS dificulta a entrega do direito, mas seria demais dizer que obsta.
Poderíamos cansar o leitor com outros vários fundamentos, infelizmente. Entretanto, cremos que o alerta para a nefanda política da omissão relevante já tenha sido feito.
Relembrando: estudar estatística para definir a base atuarial é uma coisa. Criar mecanismos escusos para alterar seus valores através de omissão de informação, é outra.
2. DIREITO PREVIDENCIÁRIO TRIANGULAR
O Direito Previdenciário de hoje é pautado numa desigualdade que foi criada com a extinção do Abono de Permanência por Tempo de Serviço, embora à época as bases contributivas obrigatórias (anteriores à era Fernando Henrique) não fossem tão bem delineadas.
Em breve resumo, era outorgado um "abono" (nome esdrúxulo que nada mais fazia do que evitar o enriquecimento sem causa da autarquia no âmbito horizontal do teto de contribuição) para quem obtivesse o direito a aposentadoria e continuasse laborando.
Com a alteração da legislação, prevendo que o aposentado que voltasse ao trabalho passaria a ter que contribuir da mesma forma, iniciou-se a política do "contribua mas não receba nada em troca" do RGPS no Brasil.
Dois pontos aqui merecem atenção: a) mesmo exigindo contribuições, o segurado, após trabalhar, não sofre os reajustes a que faz jus pelo tempo de contribuição excedente àquele necessário para se aposentar; b) mesmo quem já esteja aposentado pelo teto de concessão, i. e., mesmo quem já receba o máximo que por lei é possível auferir deve assim mesmo continuar a efetuar as contribuições.
Numa proposição gráfica, podemos facilmente visualizar o disparate entre o total de recolhimento e o teto de concessão. Enquanto um não sofre limitações horizontais, o outro encontra limites verticais (valor) objetivos. Assim fica claro que a preocupação de igualdade se atém ao aspecto vertical (teto do valor de contribuição com teto do valor do benefício a ser concedido).
Claro está que, no aspecto horizontal, a desigualdade é patente. Considerando-se que no Brasil o segurado é obrigado a laborar ad eternum para manter seu padrão de vida, por todo o tempo excedente ao da aposentadoria estará dando dinheiro ao INSS a troco de nada.
E nem se diga que a postura deste indivíduo deveria ser essa mesmo, por uma preocupação social, numa acepção de socialização de riscos. Afinal, o adimplemento de todas as contribuições anteriores à aposentadoria já seria suficiente para que a autarquia já obtivesse um sobejo capaz de beneficiar terceiros.
3. LIMITES DA TEORIA DA "DESAPOSENTAÇÃO" (REAPOSENTAÇÃO)
Dissemos acima que o direcionamento triangularizado da previdência social traria dois pontos que mereceriam destaque: a) mesmo exigindo contribuições, o segurado, após trabalhar, não sofreria os reajustes a que faria jus pelo tempo de contribuição excedente àquele necessário para se aposentar; b) mesmo quem já fosse aposentado pelo teto de concessão, i. e., recebesse o máximo que por lei seria possível auferir deveria, assim mesmo, continuar a efetuar as contribuições.
Pois bem. A teoria da desaposentação veio exatamente para tentar resolver o primeiro. Em brevíssima síntese, para não destoarmos do objeto deste artigo, a precitada tese, de ordem doutrinária e jurisprudencial, busca fazer com que o segurado possa levar em conta todo o tempo excedente ao necessário para obter a aposentadoria a fim de que possa obter um acréscimo no valor do benefício já concedido.
Observem mais uma vez: a teoria da desaposentação não ultrapassa a questão vertical, embora seja utilíssima. O enriquecimento sem causa da autarquia não pode envolver uma preocupação de valor para valor, mas de valor para valor durante algum tempo.
A questão horizontal, referente a até que ponto no tempo o segurado deve contribuir, todavia, permanece desprotegida. Em suma, a presente teoria visa suprir as lacunas deixadas pela teoria da "desaposentação".
III – Conclusão: Proposta de Novas Bases do Direito Previdenciário Constitucional.
A aspiração constitucional crescente no Brasil, pelo menos no meio acadêmico, está delineando uma maturidade que poderá ser vista em curto prazo fora das faculdades de Direito. Quiçá com algum otimismo, imaginamos ser possível oxigenar a mente dos brasileiros como um todo para a importância daquele supremo documento normativo.
O fortalecimento da população nos quesitos conhecimento e informação, acreditamos, pode representar a força motriz para que as políticas públicas negativas sejam postas em evidência. Para realizar essa tendência, devem trabalhar juntamente as funções essenciais à justiça, como a imprescindível Advocacia e a nobre instituição da Defensoria Pública.
Sem pretender mudar o mundo, mas apenas cumprir nosso dever cívico de insatisfação com as injustiças pontuais, trazemos, a seguir e em conclusão, as novas bases propostas do direito previdenciário constitucional.
1. EQUILÍBRIO FINANCEIRO BIFRONTE
O equilíbrio atuarial e financeiro do INSS decorre das contribuições mensais efetuadas pelos segurados, sem embargo das demais receitas que decorrem da legislação de custeio. A preocupação com a manutenção da solvência do RGPS é sim necessária e justa, porque não há sociedade sem previdência social. Contudo, o equilíbrio do regime não pode ser alcançado com vias escusas que se beneficiem da ignorância da massa social sobre todo o leque de conceitos herméticos de uma ciência tão pouco difundida, a atuarial.
Além da preocupação de transparência, o RGPS deve se preocupar em manter o equilíbrio financeiro do próprio segurado, em respeito a dois postulados normativos constitucionais: a) igualdade, pois o equilíbrio de um não afetará o equilíbrio de outro; b) patrimônio, direito básico humano e fundamental de todos.
2. UM NOVO CONCEITO: DIREITO PREVIDENCIÁRIO QUADRILÁTERO OU "QUADRADO PREVIDENCIÁRIO"
A proposta de realização plena de igualdade e de preservação do patrimônio dos segurados passa pelo já pincelado conceito de desaposentação. Mas não é só. De uma vez por todas a busca pela justiça securitária deve culminar na preocupação horizontal de equilíbrio entre o teto de concessão do benefício e o tempo de serviço que deve ser sujeito ao recolhimento de contribuições.
Para facilitar o entendimento do que defendemos, eis uma proposta gráfica alternativa à existente:
Observem: segundo o quadro supra, há perfeita correspondência entre os valores de contribuição e de concessão, e mais: o tempo de recolhimento é delimitado com todo o tempo de contribuição necessário para que o segurado possa auferir o direito à aposentadoria. Todo o tempo excedente ao necessário para manter o equilíbrio atuarial e financeiro do RGPS deve ser imune a qualquer contribuição, por representar subtração indevida do patrimônio do indivíduo.
Não pretendemos aqui trazer à baila os questionamentos constitucionais de implementação da proposta acima, porque a discussão ganharia um contorno indesejado para um artigo que se destina a todos os brasileiros, indistintamente.
Basta, para o momento, alimentar a esperança dos nossos idosos com a fagulha de uma perspectiva mais justa para a 3ª idade.