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Novos rumos do Direito Empresarial brasileiro: a Lei nº 12.441/2011 e a empresa individual de responsabilidade limitada

06/09/2011 às 12:33
Leia nesta página:

A medida possibilita a limitação da responsabilidade do empreendedor individual, sem que, para isso, seja obrigado a contratar sociedade.

Introdução

Sancionada em 11 de julho de 2011, com vacatio legis de 180 dias, a lei 12.441/2011 passa a prever, no ordenamento jurídico pátrio, a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI).

A medida é salutar e atende a um anseio antigo de todos aqueles que operam com o direito empresarial, possibilitando a limitação da responsabilidade do empreendedor individual, sem a necessidade de que, para isso, seja obrigado a contratar sociedade.


1. As mudanças no Código Civil introduzidas pela lei 12.441/2011.

A lei 12.441/2011 alterou diversos dispositivos do Código Civil, a saber:

- art. 44:

O art. 44 traz o rol das pessoas jurídicas de direito privado. Foi incluído o inciso VI, contemplando lá as empresas individuais de responsabilidade limitada.

- art. 980-A:

Foram introduzidos, no Livro II – Do direito de empresa, o Título I-A e o conseqüente art. 980-A.

Esse novo Título I-A está inserido entre o Título I, que trata do empresário e o Título II, que trata da sociedade. A sua localização dentro Código Civil é importante, pois revela a natureza do novo instituto, demonstrando que não se trata nem de um empresário (individualmente considerado), nem de uma sociedade. Trata-se, sim, de uma figura nova, sem precedentes no direito brasileiro.

O art. 980-A traz a regulamentação dessa nova modalidade de empresa, como veremos adiante.

- art. 1033, parágrafo único.

O art. 1033 cuida da dissolução da sociedade limitada. Conforme o inciso IV, a falta de pluralidade de sócios constitui motivo para a dissolução da sociedade. O parágrafo único previa a possibilidade de o sócio remanescente requerer a transformação da sociedade para empresário individual. A lei 12.441/2011 modificou a redação desse parágrafo único para incluir também a possibilidade de o sócio remanescente requerer a transformação da sociedade em empresa individual de responsabilidade limitada, em consonância com a criação do novo instituto.


2. Importância e finalidade dessas mudanças.

Antes da inovação trazida pela lei em comento, havia apenas duas formas de se exercer a empresa: como empresário individual (art. 966 do Código Civil), que será sempre pessoa física, ou como sociedade empresária (art. 981 do Código Civil), que é pessoa jurídica.

Nos dizeres de Fábio Ulhoa Coelho, "a empresa pode ser explorada por uma pessoa física ou jurídica. No primeiro caso, o exercente da atividade econômica se chama empresário individual; no segundo, sociedade empresária" [01].

O grande problema dessa divisão se dá em relação à responsabilidade.

O empresário individual responde ilimitadamente, com todo o seu patrimônio, pelas obrigações contraídas em decorrência de sua atividade empresarial. Destarte, aquele que pretendesse exercer a empresa de maneira individual deveria se registrar na Junta Comercial como empresário individual (art. 967 do Código Civil) e sujeitar todo o seu patrimônio pessoal – presente e futuro – ao cumprimento das obrigações contraídas no exercício da atividade empresarial, ex vi do disposto no art. 591 do Código de Processo Civil.

Como lembra Gladston Mamede, "a empresa, quando titulada por empresário individual, é apenas uma parte do patrimônio da pessoa natural; não há outra personalidade jurídica, nem outro patrimônio, ao contrário do que ocorre na hipótese de sociedade empresária (...)" e por isso mesmo que "em relação ao empresário individual, a empresa é parte de seu patrimônio, podendo ser alcançada por obrigações assumidas fora das atividades empresariais, da mesma forma que as obrigações assumidas no âmbito das atividades empresariais alcançam seus bens e direitos fora das atividades empresariais (...)" [02], no mesmo sentido das lições de Mônica Gusmão: "Empresário individual é a pessoa natural que se obriga através de seu próprio nome, responde com seus bens pessoais, assume responsabilidade ilimitada (...)" [03], e de Wilges Bruscato: "exercendo a pessoa física a empresa individual, o seu patrimônio pessoal e o negocial se confundem e os bens pessoais respondem pelas dívidas do negócio. Não há limitação da responsabilidade" [04].

Por conta disso, para tentar fugir dessa responsabilidade ilimitada, o empreendedor individual muitas vezes se utilizava do subterfúgio de celebrar um contrato de sociedade limitada, no qual ele ficava com a parcela maior do capital – às vezes até 99% das quotas sociais – com uma pessoa que apenas exercia uma posição figurativa no contrato e na própria empresa.

Tal manobra era feita porque a constituição da sociedade limita a responsabilidade do sócio ao valor de suas quotas. Mas, no fim, o que se tinha era uma sociedade de aparência, de fachada, apenas para cumprir a formalidade legal, mas sem a necessária affectio societatis.

A lei 12.441/2011 vem exatamente preencher essa lacuna com a criação da empresa individual de responsabilidade limitada.


3. Empresa individual?

Primeiro, é bom que se diga, ao tratar da empresa individual de responsabilidade limitada, a lei em comento contém uma imprecisão terminológica.

Empresa designa a atividade desenvolvida pelo empresário e se assim o é, não há sentido em se falar em empresa individual. Individual, no caso, será o empresário, que é o sujeito do direito empresarial.

A limitação referida pela lei é da responsabilidade do empresário e não da empresa. Quando a lei denomina uma sociedade como sendo limitada, ela está se referindo ao empresário coletivo (sociedade empresária), sujeito do direito empresarial, cujos sócios têm responsabilidade limitada ao valor de suas quotas, e não à empresa, que é a atividade que vai ser exercida por aquela sociedade.

Repete-se, então, um antigo equivoco cometido na CLT – e que pensávamos já estar superado –, que no seu art. 2º define o empregador como sendo "a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço". Convenhamos: na relação de trabalho, empregador não é a empresa, mas sim o empresário, que é o sujeito da relação e que tem a aptidão e capacidade para contratar.

De qualquer forma, e apesar da apontada imprecisão, usaremos então o termo empresa com o sentido em que o utilizamos no direito do trabalho, ou seja, como sendo o sujeito da relação jurídica [05]. Não é o melhor, mas é o que temos.


4. Limitação da responsabilidade da empresa individual

Imperfeições à parte, passemos à analise dos méritos dessa lei.

A primeira observação a ser feita é que essa empresa individual é uma nova modalidade de exercer a empresa, que não se confunde nem com o empresário individual nem com a sociedade empresária.

Embora seja constituída por uma única pessoa (razão pela qual não pode ser considerada uma sociedade, que pressupõe a existência de pelo menos duas pessoas), a empresa individual regularmente constituída será considerada uma pessoa jurídica de direito privado (art. 44, VI, do Código Civil), e por isso também se distingue do empresário individual.

Ser uma pessoa jurídica significa que ela terá personalidade jurídica própria e gozará de autonomia patrimonial que, num primeiro momento, não se confunde com a de seu titular.

O § 6º do art. 980-A dispõe que às empresas individuais se aplicarão as disposições previstas para as sociedades limitadas. Desta forma, à luz do que dispõe o art. 1052 do Código Civil, a responsabilidade do titular da empresa individual será limitada ao valor do capital social devidamente integralizado. Vale dizer, uma vez integralizado o capital social, o titular não terá, ordinariamente, mais nenhuma responsabilidade pelas obrigações contraídas pela empresa.

Esse é o grande trunfo dessa alteração: constituir um mecanismo para que o empreendedor individual possa limitar as suas perdas em caso de insucesso da empresa, sem que para isso tenha de constituir uma sociedade de fachada.


5. O veto presidencial ao § 4º e a desconsideração da personalidade jurídica.

O parágrafo 4º do novo art. 890-A foi vetado pela Presidenta da República. Ele tinha a seguinte redação:

§ 4º. Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constitui, conforme descrito em sua declaração anual de bens entregue ao órgão competente.

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Duas foram as razões apontadas para o veto: a primeira, porque a expressão "em qualquer situação" poderia gerar divergência em relação à aplicação da teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil; e a segunda, porque o § 6º já traz a previsão de aplicação, às empresas individuais, das regras da sociedade limitada, inclusive no que respeita à separação patrimonial.

Andou bem a Presidenta ao vetá-lo.

O § 4º representaria um retrocesso em termos de direito empresarial. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, desde quando apresentada a nós por Rubens Requião no fim dos anos 60, foi ganhando corpo e evoluindo, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, e conta, hoje, com amplo reconhecimento legal, não apenas em decorrência do art. 50 do Código Civil, mas – e principalmente – pelo art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Trata-se de um instituto que veio para ficar, não podendo se admitir o contrário.

Daí porque a expressão "em qualquer situação" era realmente despropositada.

É certo que a grande novidade dessa alteração é propiciar a separação patrimonial entre os bens da empresa individual e os de seu titular, de sorte que apenas os bens da empresa respondam por suas dívidas. Mas tal separação não pode ser absoluta, tal e qual previa o vetado § 4º, pelo uso da indigitada expressão "em qualquer situação".

Isso porque nos casos excepcionais, conforme previstos no art. 50 do Código Civil e art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, entre outros [06], o juiz estará autorizado a afastar a personalidade jurídica da empresa individual para atingir os bens de seu titular. E se assim o é, a separação patrimonial propiciada pela inovação não é absoluta, pois não se dará em qualquer situação.

Além disso, o vetado § 4º continha disposição redundante e desnecessária, na medida em que o § 6º prevê a utilização das regras da sociedade limitada, na qual já está inserida a separação patrimonial, com a responsabilidade limitada dos sócios no art. 1052.


6. Requisitos para a constituição da empresa individual.

A empresa individual, como o próprio nome diz, será composta por uma única pessoa, que será titular da totalidade do capital social.

Como a lei não faz distinção – e não cabe ao interprete fazê-la – o titular poderá ser pessoa física ou pessoa jurídica. Se for pessoa física, não poderá ser titular de outra empresa dessa mesma modalidade.

O nome empresarial, que pode ser do tipo firma ou denominação, deve ser seguido da expressão "EIRELI".

O capital social deverá ser, no mínimo, de valor equivalente a 100 vezes o valor do maior salário mínimo vigente no País. Empresa com capital social inferior a esse valor não poderá ser constituída sob a forma EIRELI.

Qualquer tipo de sociedade empresária poderá ser transformado em empresa individual, desde que ocorra, por qualquer motivo, a concentração de quotas em um único sócio. A sociedade que perder a pluralidade de sócios também poderá se converter em empresa individual (parágrafo único do art. 1033 do Código Civil). Tais situações deverão ser requeridas perante o Registro Público de Empresas Mercantis.


Conclusão.

A novidade deve ser saudada com entusiasmo.

De há muito se fazia necessário propiciar ao empreendedor individual um mecanismo legal para limitação da sua responsabilidade. A situação que até então se apresentava era, no mínimo, injusta: para contar com a limitação de sua responsabilidade, o empreendedor era obrigado – muitas vezes contra a sua vontade – a constituir uma sociedade. Àquele que pretendesse empreender sozinho, restava a responsabilidade ilimitada.

O empreendedor pode não ter ou pode não querer ter um sócio, e dar a ele tratamento diferenciado só por causa disso era realmente injusto.

A empresa individual de responsabilidade limitada vem para reparar essa injustiça. Antes tarde do que nunca.


Notas

  1. Curso de direito comercial, vol.1, Saraiva, 2009, p. 64.
  2. Direito empresarial brasileiro – vol. 1: Empresa e atuação empresarial, Atlas, 2004, p. 86.
  3. Lições de direito empresarial, Lumen Juris, 2009, p. 39.
  4. Manual de direito empresarial brasileiro, Saraiva, 2011, p. 94.
  5. O saudoso Valentin Carrion acentuava que o "importante é que a lei quis salientar a integração do trabalhador nesse conjunto, independentemente da pessoa que seja seu proprietário [...]. O vocábulo empresa é usado como pessoa física ou jurídica que contrata, dirige e assalaria o trabalho subordinado" (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, Saraiva, 2004, p. 26).
  6. Lei 8.884/94, art. 18 (Lei Antitruste); Lei 9605/98, art. 4º (Lei de Crimes Ambientais).
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Sobre o autor
Fernando Augusto Sales

Advogado em São Paulo. Mestre em Direito. Professor da Universidade Paulista - UNIP, da Faculdade São Bernardo - FASB e do Complexo de Ensino Andreucci Proordem. Autor dos livros: Direito do Trabalho de A a Z, pela Editora Saraiva; Súmulas do TST comentadas, pela Editora LTr; Manual de Processo do trabalho; Novo CPC Comentado; Manual de Direito Processual Civil; Estudo comparativo do CPC de 1973 com o CPC de 2015; Comentários à Lei do Mandado de Segurança e Ética para concursos e OAB, pela Editora Rideel; Direito Ambiental Empresarial; Direito Empresarial Contemporâneo e Súmulas do STJ em Matéria Processual Civil Comentadas em Face do Novo CPC, pela editora Rumo Legal; Código Civil comentado [em 3 vols], Manual de Direito do Consumidor, Direitos da pessoa com câncer, Direito Digital e as relações privadas na internet, Manual da LGPD, Manual de Prática Processual Civil; Desconsideração da Personalidade Jurídica da Sociedade Limitada nas Relações de Consumo, Juizados Especiais Cíveis: comentários à legislação; Manual de Prática Processual Trabalhista e Nova Lei de Falência e Recuperação, pela editora JH Mizuno.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALES, Fernando Augusto. Novos rumos do Direito Empresarial brasileiro: a Lei nº 12.441/2011 e a empresa individual de responsabilidade limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2988, 6 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19934. Acesso em: 5 nov. 2024.

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