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O interrogatório por videoconferência.

Aspectos processuais constitucionais e penais

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2 ARGUMENTOS FAVORÁVEIS E DESFAVORÁVEIS ACERCA DA UTILIZAÇÃO DO MECANISMO TECNOLÓGICO

Existem duas correntes teóricas que ajudam a explicar os argumentos positivos e negativos da utilização desse novo mecanismo tecnológico.

A primeira delas, apoiada no garantismo penal, argumenta acerca dos aspectos desfavoráveis da medida, apontando que a videoconferência violaria o princípio fundamental da ampla defesa (tanto técnica quanto autodefesa), pelo fato de impedir a presença física do interrogado na audiência.

Gervan de Carvalho Almeida (2008, p.124), esclarece a política criminal defendida por tal corrente:

O Garantismo, por sua vez, situa-se como uma política de Direito Penal mínimo, eis que seu fundamento primordial é que o Direito Penal não é o grande "remédio para todos os males da sociedade", devendo, por conseguinte, ser reservado para aqueles casos mais graves.

Tal modelo penal não deseja a punição de todas as condutas criminosas, mas sim a dos delitos em que reste comprovada a culpabilidade do agente. Defende, assim, algumas medidas a serem adotadas pelo Poder Público, como a descriminalização de condutas insignificantes ou não mais reprováveis socialmente, a descarcerização e a despenalização, viabilizando a aplicação de penas alternativas.

Com base no exposto acima, faz-se mister salientar a importância da preservação do princípio da ampla defesa durante a fase de depoimentos, a fim de se garantir um efetivo contraditório, evitando-se o risco de se condenar inocentes e absolver culpados. Tal princípio em momento algum sofre qualquer risco de mitigação, pois a própria lei é expressa em garantir o direito de conversa reservada do réu com o seu defensor antes da audiência, bem como a presença de um defensor no fórum e outro no presídio.

Pacceli (2010, p. 35-36), na mesma esteira, complementa a importância do modelo garantista no atual Estado Democrático de Direito:

[...] a solução de um caso penal somente poderá obter legitimidade quando fundada em procedimento judicial no qual se permitam o mais amplo conhecimento dos fatos e a mais ampla possibilidade de argumentação jurídica. Procedimento, então, realizado em contraditório, para que possam os interessados (autor e réu) participar intensamente de todas as questões debatidas, e, mais que isso, em que a atividade defensiva seja a mais ampla possível.

Dentre os argumentos contrários à adoção do mecanismo, pode-se citar:

a) Violação ao princípio da publicidade dos atos processuais, pois como o ato será realizado numa sala do presídio a fim de garantir a segurança e manutenção da ordem pública, seria um contra-senso franquear amplo acesso da população interessada em assistir ao interrogatório, pois tal fato iria colidir com a finalidade preconizada pela inovação.

Neste sentido, Tourinho Filho (2009, p. 536) faz duras críticas ao modelo processual no tocante à violação do princípio da publicidade:

Difícil será fazer respeitar o princípio da publicidade, dogma constitucional. Decerto as autoridades responsáveis pelo presídio não irão abrir as portas do estabelecimento para que as pessoas que quiserem assistir ao interrogatório possam fazê-lo. Não irão nem poderão, por medida de segurança. Se por um lado há a vantagem de se evitar eventual fuga, por outro vamos voltar ao tempo da Inquisição, com os interrogatórios entre quatro paredes.

Entretanto, ao contrário do que acima foi afirmado, a adoção da medida acabaria por reafirmar o princípio da publicidade, uma vez que várias pessoas poderiam, por exemplo, acompanhar a audiência virtualmente pela Internet, inclusive os parentes e familiares que não quisessem comparecer à sessão poderiam valer-se da Internet para acompanhar a retransmissão simultânea dos atos praticados na sessão.

b) Impedimento do contato físico entre juiz e acusado, o que acarretaria em prejuízos para a instrução do feito, haja vista que o magistrado não teria possibilidade de conhecer e perceber a personalidade e o caráter do indiciado. Os adeptos dessa tese advogam que é extremamente necessário que o magistrado possa perceber as reações físico-emocionais do acusado para que consiga delinear o perfil do denunciado e formar sua convicção.

Neste sentido é o posicionamento de Tourinho Filho (2009, p. 538):

É pelo interrogatório que o juiz mantém contato com a pessoa contra quem se pede a aplicação da norma sancionadora. E tal contato é necessário porque propicia ao julgador o conhecimento da personalidade do acusado e lhe permite também, ouvindo-o, cientificar-se dos motivos e circunstâncias do crime, elementos valiosos para a dosagem da pena. Ademais, malgrado meio de defesa, durante o interrogatório colhe o Juiz elementos para o seu convencimento. É natural, pois, a necessidade desse contato entre julgador e imputado, quando aquele ouvirá, de viva voz, a resposta do réu à acusação que se lhe faz.

No mesmo sentido, posiciona-se Dotti (apud NUCCI, 2009, p. 428) ao afirmar que:

A tecnologia não poderá substituir o cérebro pelo computador e muito menos o pensamento pela digitação. É necessário usar a reflexão como contraponto da massificação. É preciso ler nos lábios as palavras que estão sendo ditas; ver a alma do acusado através de seus olhos; descobrir a face humana que se escondera por trás da máscara do delinqüente. É preciso, enfim, a aproximação física entre o Senhor da Justiça e o homem do crime, num gesto de alegoria que imita o toque dos dedos, o afresco pintado pelo gênio de Michelangelo na Capela Sistina e representativo da criação de Adão.

Com a devida vênia do posicionamento dos renomados autores, não será o juiz o responsável por fazer este "laudo psicológico" acerca do acusado, mas sim os psiquiatras forenses. Ademais, não poderá o juiz fundamentar sua decisão com base em critérios subjetivos que pôde perceber quando do contato com o réu. Por mais que o magistrado fique convencido da falsidade das declarações ou inverdades proferidas, jamais poderá tomar estes elementos como referência para fundamentar sua decisão.

Ademais, a modalidade on-line não mitiga o princípio da necessidade de presença física do juiz, uma vez que a transmissão das imagens é em tempo real e interativa, na qual as indagações são feitas diretamente ao réu, sem intermediários. Ao magistrado, defensor do acusado e Promotor de Justiça são assegurados pleno contato com o réu durante a audiência. Existem dois monitores na sala, um focado no réu e captando todas as reações corporais por ele expressadas e outro que reproduz num ângulo de 360º a imagem panorâmica de todo o recinto da audiência.

O Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) e o Pacto de Nova Iorque (Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos) dos quais o Brasil é signatário, prevêem o direito do réu de prestar seu depoimento desde que na presença do juiz. A partir destes diplomas legais, inúmeras vozes ecoaram para defender a inconstitucionalidade da Lei 11900/09.

Porém, fazendo-se uma interpretação sistemática do dispositivo, apreende-se que não há exigência de que tal apresentação seja física, pessoal, nada impedindo que possa ocorrer virtualmente, desde que asseguradas todas as prerrogativas legais.

No mesmo sentido, a CR/88 não exige o comparecimento físico do acusado perante o juiz, conforme se extrai do seu art. 5º, LXII, in verbis: "a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre preso serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada".

Corroborando nosso entendimento, preleciona o desembargador Ferraz de Arruda (HC nº 52136/07-RJ):

O argumento de que o contato direto do juiz com o réu é necessário porque aquele pode aniquilar o caráter, a índole e os sentimentos para efeito de alcançar a compreensão da personalidade do réu, para mim, é pura balela ideológica. Em vinte anos de carreira, não li e nem decidi um Processo fundado em impressões subjetivas minhas, extraídas do interrogatório ou depoimento pessoal do réu. Mesmo porque a capacidade humana de forjar, de dissimular, de manipular o espírito alheio é surpreendente, de tal sorte que é pura e vã filosofia que de um único interrogatório judicial se possa extrair alguma conclusão segura sobre a índole e personalidade do réu. Aliás, nem um experiente psiquiatra forense conseguiria tal feito, ainda mais quando o juiz é obrigado a seguir as formalidades do artigo 188 e incisos, do Código de Processo Penal.

c) Enormes gastos para a compra de equipamentos, montagem e manutenção dos mesmos nos fóruns e presídios, o que acabaria por inviabilizar o objetivo primordial da lei que é dar tramitação rápida a processos de réus de alta periculosidade.

d) Dificuldade da espontaneidade do ato, uma vez que por realizar-se dentro do estabelecimento prisional, o réu geralmente ficaria constrangido e com medo de delatar outros infratores que com ele praticaram o ato criminoso, ficando receoso com as atitudes dos outros presos caso descubram que ele o entregou. O medo se estende a de pagar com sua própria vida a confissão.

Em contraposição aos argumentos da 1ª corrente, surgiu uma segunda, denominada Eficientismo, defendendo a utilização da videoconferência, apoiando-se em premissas ligadas à economia processual e celeridade dos julgamentos. Um dos críticos das ideias por ela defendidas é o notável jurista Luigi Ferrajoli.

Ferrajoli (1985, p. 23) esclarece os ideias do Eficientismo:

O Eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado "políticas criminais autoritárias", anti-garantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita e seus corolários. Essa política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende obter reside em que nenhum culpado fique impune.

Tal modelo busca a redução da criminalidade pela atuação estatal, a qual tem sido ineficiente, provocando assim a criação de novas figuras típicas pelo Legislativo, a supressão de garantias individuais e a utilização de tortura para obtenção de confissões e delações. Tais medidas acabam gerando um aumento no número de crimes, ocasionando, novamente, a atuação das autoridades policiais, agora de maneira mais repressiva e interventiva, configurando dessa forma um círculo vicioso interminável.

As principais teses argumentativas favoráveis à adoção da medida são as seguintes:

a) Preservação da integridade física do juiz, dos serventuários da Justiça e dos membros do MP, evitando-se que se desloquem até o presídio para colheita do depoimento do réu, principalmente em virtude de alta periculosidade do mesmo, muitas vezes integrante de facções criminosas. Assim, o interrogatório por videoconferência evitaria um contato físico próximo que pudesse colocar em risco a integridade física de qualquer dos presentes na sessão. Vale ressaltar que se o Estado tem sido ineficiente no cumprimento de sua obrigação de garantir segurança básica ao cidadão comum, o que dizer da integridade de membros do poder público quando em contato com outros presos de facções criminosas ou quadrilhas de extermínio?

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b) Possibilidade de maior liberdade e autonomia para que as testemunhas possam prestar seus depoimentos, uma vez que a presença do acusado juntamente com seus familiares poderia intimidá-las ou amedrontá-las em virtudes de possíveis ameaças, retaliações ou coações que pudessem vir a sofrer antes ou após a audiência.

As recentes reformas do Judiciário, principalmente após a vigência da EC 45/04, pautam-se pela busca da efetivação e celeridade processuais no julgamento dos feitos, uma vez que a espera do cumprimento de cartas em outra jurisdição e tomada de depoimento de testemunhas em comarcas contíguas acaba por retardar a entrega da prestação jurisdicional. Com a utilização do interrogatório virtual, seria possível um encerramento e entrega da resposta jurisdicional num lapso temporal menor.

Ronaldo Pinto disserta sobre o tema em artigo denominado "Interrogatório on line ou virtual: Constitucionalidade do ato e vantagens em sua aplicação", argumentando que:

[...] A inovação privilegia, principalmente, a celeridade do processo. Celeridade, que é preciso se ressaltar, não é benéfica apenas à sociedade, que tem uma resposta mais eficaz frente ao delito cometido, mas, principalmente, ao réu que, preso, vê sua situação mais rapidamente definida. As constantes delongas que assolam o regular andamento do processo, causadas, como já apontamos, por problemas no deslocamento dos réus presos (isso sem falar nas mega-operações organizadas para o transporte de acusados perigosos, onde até helicópteros são utilizados e enorme contingente de pessoal mobilizado), são evitadas com o interrogatório a distância.

c) Economia burocrática e financeira, evitando-se gastos vultosos por parte do Estado no transporte, escolta e alimentação dos réus. [01]

d) Prevenção de fugas dos presos durante o trajeto até o Fórum onde irão prestar seus depoimentos, chegando a colocar em risco até mesmo a integridade dos policiais que estiverem na escolta, pois grupos armados ligados aos acusados poderão organizar forte esquema de ataque às viaturas onde se encontram tais bandidos. Com isso, pode-se refletir que a utilização da medida em muito contribuiria para um maior policiamento ostensivo nas ruas, garantindo segurança à população, vez que ocorreria significativa redução do efetivo policial utilizado na escolta, segurança e deslocamento de réus para prestarem seus depoimentos.

Em recente artigo publicado na Revista Jus Navigandi, intitulado "Lei que permite interrogatório por videoconferência economizará R$ 6 milhões", o pesquisador do IPC-LFG, Danilo Fernandes Christófaro, apresenta estudo estatístico realizado na cidade de São Paulo na qual conclui que a adoção da videoconferência acarretará em economia de 6 milhões de reais para as finanças do referido Estado, além de se disponibilizar cerca de 900 policiais para o policiamento ostensivo nas ruas. Tal pesquisa revelou que as locomoções de presos em 2008 para apresentação em juízo custaram aos cofres públicos R$ 6.637.868 e contaram com o emprego de 63.980 viaturas. Se somados os gastos dos três últimos anos, os valores ultrapassam a casa dos R$ 17 milhões, entre alimentação, estadia, salário de policiais, combustível e manutenção de veículos. Segundo dados coletados pela Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo no ano de 2008 (antes da vigência da Lei 11900/09), mais de 120 mil policiais foram usados na escolta de 186.437 presos e adolescentes para interrogatórios em juízo. Na época do levantamento desses dados, o Estado contava com aproximadamente 155 mil presos, que, na maioria das vezes, se deslocavam mais de uma vez por ano para apresentação em juízo.

Portanto, a efetiva utilização do mecanismo em muito contribuiria para que se reduzam os gastos do Estado e se alcance a tão desejada celeridade processual.

Vale registrar que a primeira iniciativa de implantação do sistema no Brasil deveu-se ao ato do então jurista à época, Luis Flávio Gomes.

Segundo relato do próprio jurista:

Em 1996, quando eu ainda era juiz de direito em São Paulo, realizei os primeiros interrogatórios on-line no nosso país (provavelmente os pioneiros também da América Latina). Naquela época dávamos a denominação modem-by-modem, porque não tínhamos recursos tecnológicos suficientes para se fazer a videoconferência (que hoje permite a interação de áudio e vídeo: um interlocutor veja e escuta o outro, pode dialogar com o outro). O tema gerou muita polêmica, que até hoje perdura.

Como se depreende da narração do renomado tratadista, houve grande evolução tecnológica capaz de permitir um aprimoramento de todo o sistema. Agora, incumbe ao Poder Público implantar e gerir todo o sistema, o que requer investimentos na manutenção de todo o aparato.

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Sobre os autores
Domingos de Araújo Lima Neto

Graduando em Direito na Faculdade Dinâmica do Vale do Piranga

Aroldo Martins Vital

Acadêmico do Curso de Direito da FADIP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA NETO, Domingos Araújo ; VITAL, Aroldo Martins. O interrogatório por videoconferência.: Aspectos processuais constitucionais e penais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3000, 18 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20005. Acesso em: 26 abr. 2024.

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Orientadora: Maria Antonieta Rigueira Leal Gurgel

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