Este artigo não pretende propor soluções, mas trazer à baila uma questão:
Pode o registrador, sem autorização judicial, expedir certidão de inteiro teor de um registro de adoção a pedido do próprio adotado, quando este for maior e capaz?
A primeira resposta, que parecia pacífica, seria no sentido de que a autorização judicial se faz necessária, e, neste caso, sequer a autorização do Juízo Corregedor Permanente bastaria (autorização administrativa), vez que "a expedição de certidões contando a origem do ato dever[ia] sempre ser precedida de autorização do Juízo da Infância e da Juventude" [01][02].
De fato a necessidade de autorização judicial parece se sustentar em diversos dispositivos legais e normativos, assim:
- Artigo 227, §6º, da Constituição Federal que determina que "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação";
- O artigo 47, §4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, que diz que "Nenhuma observação sobre a origem do ato poderá constar nas certidões do registro";
- Os parágrafos 1º e 2º do artigo 6º da lei 8.560/1992, que prevêem que "§1º Não deverá constar, em qualquer caso, o estado civil dos pais e a natureza da filiação(...). §2º São ressalvadas autorizações ou requisições judiciais de certidões de inteiro teor", os quais receberam respeitável interpretação da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo no processo nº 2009/30593, estendendo a necessidade autorização a todos os casos.
- Os itens 47.3, 114 e 115 do Capítulo XVII das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que prescrevem: "47.3 As certidões de inteiro teor requeridas ao Oficial poderão ser extraídas por meio datilográfico, reprográfico ou informatizado e dependerão de autorização judicial somente nos casos dos artigos 45, 57, parágrafo 7º e 95, todos da Lei 6.015/73 e artigo 6º da Lei 8.560/92. (...) 114.3. Nas certidões do registro nenhuma observação poderá constar sobre a origem do ato. 115. A critério da autoridade judiciária, poderá ser fornecida certidão para a salvaguarda de direitos".
Em que pesem tais dispositivos e o então claro e consagrado posicionamento, levanta-se o debate à luz do novo texto do artigo 48 do Estatuto da Criança e do adolescente introduzido pela Lei 12.010/2009, o qual garante o direito fundamental à verdade biológica ao prever que: "O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos."
Em razão de tal texto, aparentemente, nada mais impede que a certidão de inteiro teor com informação relativa à adoção seja expedida nos casos em que o próprio adotado, com mais de 18 anos, seja o requerente.
Veja-se que a alteração introduzida no Estatuto da Criança e do Adolescente possibilita ao interessado o acesso irrestrito às informações de sua adoção após a maioridade, inclusive aos eventuais incidentes do processo.
Por esta disposição legal, vislumbra-se que a nova sistemática não mais limita o acesso do adotado às informações sobre sua adoção, após atingida a maioridade, o que incluiria o acesso à certidão de registro.
Não bastasse isso, há que se lembrar que, em que pese o disposto no inciso X do Artigo 5º da Constituição Federal [03], que ensejou o sigilo sobre informações de adoção (§4º do artigo 47 da lei 8.069/90), há que se analisá-lo em conjunto com o inciso XXXIV do mesmo artigo, que garante a qualquer pessoa o acesso a certidões para esclarecimento de situação pessoal [04].
Isto já havia sido reconhecido pela legislação infraconstitucional, franqueando-se ao interessado o acesso às informações sobre sua pessoa. Determina assim a Lei de Registros Públicos [05] nos casos em que consta a origem da filiação, bem como a lei 11.111/2005 [06].
A rigor, é direito do adotado, após a maioridade civil, obter tal certidão, independentemente de autorização.
Observe-se que a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, em elevada decisão no Processo 86.375/2010, incidentalmente deixou a entender que a autorização judicial se faz necessária, porém não enfrentou a questão diretamente.
Diante disso, propõe-se o debate, reformulando-se a questão inicial :
Em vista do disposto no artigo 48 da Lei 8.069/1990, e considerando-se o principio da legalidade que informa a atividade de registro, poderia o registrador se negar a fornecer certidão do inteiro teor do registro de adoção, quando esta é solicitada pelo próprio adotado maior de 18 (dezoito) anos?
Notas
- SANTOS, Reinaldo Velloso. Registro Civil das Pessoas Naturais. Porto Alegre:2006. safE, p. 81.
- Observe-se que, no caso de o adotante já ser maior de idade, essa competência parece ser deslocada do juízo da infância e da juventude para o juízo da família, todavia esta coluna não tem a pretensão de resolver questões de competência processual.
- X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação
- XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas:
- Artigo 19, § 3º Nas certidões de registro civil, não se mencionará a circunstância de ser legítima, ou não, a filiação, salvo a requerimento do próprio interessado, ou em virtude de determinação judicial.
- Artigo 7º, Parágrafo único. As informações sobre as quais recai o disposto no inciso X do caput do art. 5º da Constituição Federal terão o seu acesso restrito à pessoa diretamente interessada ou, em se tratando de morto ou ausente, ao seu cônjuge, ascendentes ou descendentes, no prazo de que trata o § 3º do art. 23 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
b) a obtenção de certidões em repartições públicas, para defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal;