Resumo: Tem por objetivo este trabalho monográfico desenvolver estudo acerca da autuação em flagrante nas situações de prisão cautelar administrativa existente na Polícia Militar de Alagoas em consonância com a ordem constitucional vigente, posto que, de acordo com o artigo 12, do Regulamento Disciplinar da PMAL, visando à preservação da disciplinar e do decoro da Corporação, e a ocorrência exigir uma pronta intervenção, a autoridade policial militar de maior antiguidade que presenciar ou tiver conhecimento de fato grave, praticado por policial militar, deverá tomar imediatas e enérgicas providências, inclusive, prender o transgressor em nome da autoridade competente. Em verdade, os policiais militares que, em tese, praticarem transgressão disciplinar lesivas à disciplina podem sofrer a prisão cautelar sem as formalidades que a medida constritiva de liberdade exige, dependendo, muitas vezes, do humor de uma das autoridades policiais militares arroladas nos incisos I, II, III, IV e V, do artigo 11, do RDPMAL, ferindo a ordem jurídica na medida em que atinge princípios constitucionais. Tem o trabalho como aporte teórico a utilização da melhor jurisprudência (Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça), bem assim a aplicação das doutrinas internacional e pátria, representadas por juristas da estatura de Alexy (1993), Canotilho (2011), Bonavides (2004), Barroso (2004), Streck (2004), Mello (2010), dentre outros, que, ao discorrerem em suas obras sobre normas principiológicas constitucionais, dão supedâneo a esta monografia. Assim, serviu de suporte para a sustentação teórica uma pesquisa qualitativa com abordagem bibliográfica e documental, fundamentada na análise, também, da legislação brasileira, em virtude de se tratar de estudo de reforma do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Alagoas, o qual está em dissonância com o ordenamento jurídico brasileiro. Nesses termos, o estudo realizado aponta para a necessidade de adequar o regulamento disciplinar aos ditames constitucionais em vigor. Sendo assim, é imperioso haver alteração no seu artigo 12, com as adaptações devidas, na conformidade do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar, visando a atender às exigências estabelecidas pela Constituição da República Federativa do Brasil.
Palavras-chave: Imprescindibilidade da autuação em flagrante. Prisão cautelar administrativa. Ordem constitucional. Princípios constitucionais. Autoridade policial militar.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a legislação disciplinar castrense estabeleceu a prisão administrativa cautelar, sem conferir ao militar estadual preso qualquer direito de se manifestar acerca do que haveria cometido para ensejar tal constrição da liberdade. Da mesma forma, inclusive nos dias atuais, não se ouve o depoimento de testemunhas, não se dá ciência à sua família, dentre outras medidas. Indaga-se: quantos militares já não foram vítimas desse instituto e ainda o são? Era apenas bastante – e ainda ocorre -, principalmente quando se tratava de parente ou amigo de algum Oficial, o queixoso dirigir-se ao quartel para depor em desfavor do policial. O local do cumprimento da sanção consistia, em regra, num cômodo de seis metros quadrados, com grades, sem a menor condição de um indivíduo se instalar dignamente, pois nem o fato e nem sempre a transgressão ocorria da forma como se interpretava. Isso remonta mesmo de épocas anteriores a 08 de março de 1875, data de edição do Decreto n° 5.884, o qual instituiu o primeiro Regulamento Disciplinar do Exército. Vale relembrar que até novembro de 1996, ano da decretação do vigente RDPMAL ainda se dispensava ao militar estadual preso essas condições insalubres.
Pelo que se tem notícia, a Polícia Militar de Alagoas, desde a sua criação, em 03 de fevereiro de 1832, sempre seguiu os passos da doutrina instituída pelas Forças Armadas, precisamente pelo Exército Brasileiro, o qual em todo tempo se utilizou desse meio coercitivo sob o pretexto de impedir as condutas lesivas à disciplina e ao decoro militares. É bem de acrescentar que, não poucas vezes, essas prisões eram (e ainda são) arbitrárias, abusivas, inclusive motivadas por questões de caráter pessoal.
O primeiro regulamento disciplinar da PMAL de que se tem notícia entrou em vigor através da Lei de 21 de junho de 1837 (TELES, 2010, p. 39). Após isso, foi instituído pelo Decreto n° 4.598, de 23 de janeiro de 1981, o novo regulamento disciplinar. Entretanto, no que coubesse, seriam aplicados pela Corporação a legislação do Exército, posto que, segundo o artigo 140, do antigo estatuto – Lei 3.696, de 28 de dezembro de 1976, eram adotados na Polícia Militar, em matéria não regulada na legislação estadual, as leis e regulamentos em vigor no Exército Brasileiro no que lhe fosse pertinente. Ainda hoje persiste tal vinculação porquanto é isso que estabelece o artigo 121, da Lei 5.346/92 (atual Estatuto): "São adotados na Polícia Militar, em matéria não regulada na legislação estadual, as leis e regulamentos em vigor no Exército Brasileiro, no que lhe for pertinente, até que sejam adotados leis e regulamentos específicos."
Assim, o regulamento anterior, no seu artigo 11, § 2°, estabelecia que a autoridade policial militar que presenciasse o fato deveria, para preservar a disciplina e o decoro da Corporação, e a ocorrência exigisse pronta intervenção, prender o infrator em nome da autoridade competente. Isso ocorria – e ainda ocorre, pois o dispositivo foi reproduzido no atual regulamento - sem haver formalidade alguma no sentido de estender as mínimas garantias possíveis ao suposto transgressor. Aliás, esse abuso ainda se comete.
Sabe-se que a Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988, bem como a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica – Decreto 798/92), Carta introduzida no ordenamento jurídico nacional com o nível de norma supralegal ou convencional, consagraram inúmeros direitos e garantias fundamentais, dentre eles a indisponibilidade do direito de ir e vir, direito de locomoção, não sendo, de forma alguma, permitida qualquer disposição deste direito. Contudo, mesmo após ser proclamada a Constituição, o dispositivo concernente à comentada prisão foi reproduzido ipisis litteris. Não é preciso dizer que a nova sistemática constitucional completará vinte e três anos e a tal prisão ainda permanece no novo regulamento disciplinar que, a despeito de editado oito anos após a Carta Política, preservou o mesmo texto, numa forma clara de inobservância às normas constitucionais.
Em razão disso, o policial militar fica suscetível a esta medida privativa de liberdade a qualquer momento, sem as formalidades que são peculiares à gravosidade do ato. É que, havendo a autuação flagrante da prisão disciplinar, a autoridade policial militar competente para o ato em referência deve ficar vinculada aos pressupostos legais exigidos para efetuar a medida cautelar extrema. Todavia, o que se vê é a autoridade competente ter uma liberdade sem barreiras, somente dependendo a prisão da sua vontade, posto que o artigo 12 em testilha deixa um campo bastante amplo para a sua atuação.
É exatamente esse tratamento adequado que se está propondo, a exemplo do que se observa na prisão em flagrante delito, devendo ser procedido o correspondente auto sob pena de ser considerado ilegal o cerceamento. Tudo isso em respeito aos princípios da presunção da inocência ou da não-culpabilidade, da dignidade da pessoa humana, da legalidade e da reserva legal, da isonomia e da proporcionalidade, consagrados na Constituição Federal e na Convenção Americana de Direitos Humanos.
Nesta medida, com o fito de fundamentar teoricamente este ensaio, foi utilizada a pesquisa do tipo qualitativa com uma abordagem bibliográfica e documental. Assim sendo, o trabalho foi distribuído em três capítulos de modo bem objetivo, buscando fundamento na melhor doutrina e na jurisprudência do STF e do STJ, bem assim na legislação brasileira, em virtude de se tratar de estudo de reforma do Regulamento Disciplinar da Polícia Militar de Alagoas, sobretudo, apoiando-se em normas principiológicas de grandeza singular, tais como os princípios acima elencados, constituindo-se todos em pedra de toque do presente proposta monográfica.
Em função disso, o trabalho foi desenvolvido em três capítulos. No primeiro, haverá uma abordagem acerca das Polícias Militares nas Constituições e na Legislação Ordinária. No segundo, será discutida a cautelaridade da prisão administrativa nos regulamentos disciplinares das forças armadas e das polícias militares. Por fim, no terceiro capítulo, será justificado o porquê da obrigatoriedade de autuação do policial militar encontrado em situação de flagrante transgressional em observância à ordem constitucional vigente.
1. AS POLÍCIAS MILITARES NAS CONSTITUIÇÕES E NA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA
Neste Capítulo será realizado um breve resumo da História da briosa Polícia Militar de Alagoas, cuja criação data de 03 de fevereiro de 1832, tendo a sua origem no Corpo de Guardas Municipais Voluntários, instituído em 19 de dezembro de 1831. No entanto, a data oficial de sua criação é 03 de fevereiro de 1832. Far-se-á uma abordagem acerca da missão das Polícias Militares prevista nas Constituições Federais desde 1937, pois as Cartas de 1824 e de 1891 não contemplaram esta Força Auxiliar. Inclusive, serão lembrados os atos institucionais, verdadeiros instrumentos despóticos nas mãos do Estado. Além disso, mencionadas serão as leis que disciplinam as matérias relativas ao regime castrense estadual, principalmente o Decreto-lei 667/69, o Decreto n° 88.777 (R-200) e a Lei 5.346/92 (Estatuto dos Policiais Militares de Alagoas, tendo como fundamento de validade a Constituição Federal.
1.1. BREVE ESCORÇO ACERCA DA HISTÓRIA DA POLÍCIA MILITAR DE ALAGOAS
A Polícia Militar de Alagoas completou no dia 03 de fevereiro do ano em curso cento e setenta e nove anos de existência. Trata-se de uma instituição quase bissecular que durante todos esses anos tem dignificado o nome da Terra dos Marechais. Verdadeiramente, no que se refere à data de sua criação, existem contradições, vez que, na Corporação, até hoje, comemora-se anualmente na data acima referida. Contudo, Teles (2010, p. 31), na sua interessante obra, Briosa – A História da Polícia Militar de Alagoas no olhar de um jornalista, contesta tal data, ancorado na tese de Amâncio Filho (1977, p. 21), ao afirmar que:
A desordem vigente na província obrigaria Alagoas a, através do Conselho Geral, criar seu Corpo de Guardas Municipais Voluntários (CGMV ou, apenas, CGM), dois meses após a edição da lei de outubro de 1831, fato ocorrido em 19 de dezembro daquele ano. O CGMV é, portanto, do ponto de vista legal, a primeira formação da atual Polícia Militar de Alagoas, criado por decisão do parlamento da província, com respaldo em Lei Imperial. Há fundamentos suficientes, desta feita, para concordar com José Amâncio Filho, quando ele argumenta, no Livro Fatos para uma história da PMAL (1977), que a criação da PMAL se deu em 19 de dezembro de 1831 e não em 3 de fevereiro de 1832.
No entanto, ao que parece, o seu nascedouro se dá bem antes. É que, na mesma obra, Amâncio Filho (op. cit., p. 21) assevera que a origem da Polícia Militar de Alagoas "remonta de 1819 quando o primeiro Governador da Província, Sebastião Francisco de Mello Póvoas, criou o primeiro troço de polícia."
Possivelmente, Teles tenha considerado como baliza o Decreto de 22 de outubro de 1831, consoante aponta Amâncio Filho. (op. cit., p. 21), a saber:
Doze anos depois, ou seja, em 1831, por um decreto da Regência do Império, datado de 22 de outubro, o antigo Corpo de Pedestres, da Corte do rio de Janeiro, foi transformado em Corpo das Guardas Municipais Permanentes, passando a existir, todavia, nas Províncias do Império, Companhias de Municipais Permanentes, tendo a de Alagoas um efetivo de 150 homens, em duas Companhias.
É oportuno destacar que a própria Polícia Militar de Alagoas, por meio do seu sítio - www.pm.al.gov.br -, informa que em 19 de dezembro de 1831 houve a criação do Corpo de Guardas Municipais Voluntários a pé, mais tarde, denominado Guardas Municipais Permanentes, instituído pela Lei Geral, de 10 de outubro de 1831, assinada pelo Regente Feijó. Porém, a data oficial de criação da PMAL é 03 de fevereiro de 1832.
Nesse cenário, portanto, o embrião, o ponto de partida para o surgimento da nossa Polícia Militar provém do início da província alagoana, nos idos de 1819, conforme assenta Amâncio Filho (op. cit., p. 21). Todavia, oficialmente, como se observou, a sua criação ocorreu em 22 de outubro de 1831, por força do Decreto da Regência do Império.
É evidente que a data de criação de uma instituição tão respeitada é algo interessante, pois se trata de um marco histórico no Estado de Alagoas, o que, às vezes, provoca discussões intermináveis. Contudo, o que mais interessa são os serviços prestados à coletividade pela Briosa, seja em conjunto com as Forças Armadas, nos combates externos, ou internamente, de acordo com a previsão constitucional.
Interessa consignar que o cargo de primeiro Comandante da PMAL foi ocupado pelo padre Cipriano Lopes de Arroxelas Galvão. Isso antes da reorganização da Polícia Militar de Alagoas, pois houve um período em que esta instituição foi extinta. É que, em virtude da concentração do poder político nas mãos de determinadas famílias, o presidente Hermes Ernesto da Fonseca afastou dos respectivos cargos essas oligarquias regionais. Em Alagoas, por exemplo, impôs ele fim ao reinado dos Malta, como averba Teles (op, cit., p. 70). Assim, o primeiro sucessor da família Malta foi Macário das Chagas Rocha Lessa que, alegando problemas de ordem financeira no Estado, extinguiu a Polícia Militar de Alagoas através do Ato de 1° de fevereiro de 1912. No entanto, a reorganização da PMAL ocorreu por intermédio do Decreto n° 564, de 3 de julho de 1912, imposta pelo então Governador do Estado de Alagoas, Clodoaldo da Fonseca, o qual nomeou Comandante o Capitão do Exército Brasileiro Arnaldo Bittencourt, que esteve à frente dos destinos da instituição no período de 06.07.1912 a 04.09.1913.
A Polícia Militar de Alagoas, desde a sua criação, sempre esteve presente na História de Alagoas, seja em crises internas ou externas. Nas crises internas, por ser responsável pela manutenção da ordem pública, consoante a dicção do artigo 144, § 5°, da Constituição Federal, verifica-se a sua atuação por meio do policiamento ostensivo fardado, atuando na segurança pública de modo preventivo e, eventualmente, repressivo. No que diz respeito às crises externas, quando chamada para participar de eventos em apoio ao Exército Brasileiro, a exemplo da Segunda Guerra Mundial, das Forças de Paz da ONU, dentre outros.
É de lembrar que a PMAL teve participação ativa em diversos eventos beligerantes em defesa da Pátria e, também, na defesa da ordem pública, quais sejam: 1. Atuação da PMAL no Segundo Reinado; 2. Guerra do Paraguai; 3. Combate à Coluna Prestes; 4. Participação na Revolução de 1930 e na Revolução Constitucionalista de 1932; 5. Combate ao bando de Virgulino Ferreira, o Lampião; 6. Participação na Segunda Guerra Mundial; 7. Participação na Revolução de 31 de março de 1964; 8. Emprego nas missões de Paz da ONU; 8. O conflito histórico de 17 de julho de 1997.
Com efeito, nos dias atuais, sobretudo pelo fato de haver estabilidade nas instituições democráticas, além da consciência da população no sentido de não mais aceitar conviver com conflitos armados, sendo cada vez mais remota a possibilidade de o Brasil se envolver em guerras externas, a Polícia Militar de Alagoas continua a executar a sua atividade típica, que é o policiamento ostensivo preventivo fardado, de acordo com os imperativos constitucionais. Porém, caso haja necessidade de também atuar de forma atípica, vale dizer, ir para a linha de combate, auxiliando ao Exército Brasileiro, mais uma vez estará perfilada para defender a soberania nacional.
1.2. AS CONSTITUIÇÕES FEDERAIS E AS POLÍCIAS MILITARES
As polícias militares, na Constituição vigente, estão inseridas no Capítulo III – Da Segurança Pública, especificamente no artigo 144, § 5°, da Constituição Federal. É órgão que realiza o policiamento ostensivo fardado, responsável pela preservação da ordem pública. Além disso, juntamente com os Corpos de Bombeiros Militares, é também força auxiliar e reserva do Exército, subordinando-se, a exemplo das polícias civis, ao Governador do Estado, de acordo com o § 6° do mesmo artigo da Constituição.
Em verdade, as polícias militares sempre foram reservas do Exército Brasileiro, aplicando-se-lhes a legislação daquela Força Armada. É imperioso lembrar que esse vínculo entre as duas instituições foi conduzido ao status constitucional na Carta Política de 1934, artigo 167, nos seguintes termos: "As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União." Na Constituição de 1937, sob a égide do Estado Novo getulista, foi suprimida do texto qualquer menção relativa às polícias militares. Na Carta Magna de 1946, artigo 183, a matéria tornou a ser constitucionalizada nas mesmas condições da de 1934. Na de 1967, manteve-se como reserva do Exército, no artigo 13, § 4°, bem assim na Emenda Constitucional n° 01, de 17 de outubro de 1969, no seu artigo 13, § 4°.
A propósito, é interessante destacar o que dizem as Constituições acerca das polícias militares, in verbis:
Constituição Federal, de 16 de julho de 1934
Art 167 - As polícias militares são consideradas reservas do Exército, e gozarão das mesmas vantagens a este atribuídas, quando mobilizadas ou a serviço da União.
Constituição Federal, de 10 de novembro de 1937
Art 16 - Compete privativamente à União o poder de legislar sobre as seguintes matérias:
[...]
XXVI - organização, instrução, justiça e garantia das forças policiais dos Estados e sua utilização como reserva do Exército;
Constituição Federal, de 18 de setembro de 1946
Art 183 - As polícias militares instituídas para a segurança interna e a manutenção da ordem nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, são consideradas, como forças auxiliares, reservas do Exército.
Parágrafo único - Quando mobilizado a serviço da União em tempo de guerra externa ou civil, o seu pessoal gozará das mesmas vantagens atribuídas ao pessoal do Exército.
Constituição Federal, de 24 de janeiro de 1967
Art 13 - Os Estados se organizam e se regem pelas Constituições e pelas leis que adotarem, respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nesta Constituição, os seguintes:
[...]
§ 4º - As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados forças auxiliares reserva do Exército, não podendo os respectivos integrantes perceber retribuição superior à fixada para o correspondente posto ou graduação do Exército, absorvidas por ocasião dos futuros aumentos, as diferenças a mais, acaso existentes.
Emenda Constitucional n° 1, de 17 de outubro de 1969
Art. 13. Os Estados organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem, respeitados dentre outros princípios estabelecidos nessa Constituição, os seguintes:
[...]
§ 4º As polícias militares, instituídas para a manutenção da ordem pública nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, e os corpos de bombeiros militares são considerados fôrças auxiliares, reserva do Exército, não podendo seus postos ou graduações ter remuneração superior à fixada para os postos e graduações correspondentes no Exército.
Constituição Federal de 05 de outubro de 1988
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
§ 5º - às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º - As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
Cumpre ressaltar que a EC n° 01/69, materialmente uma verdadeira Constituição, previa no artigo 8°, inciso XVII, alínea v, a competência da União para legislar sobre organização, efetivos, instrução, justiça e garantias das polícias militares e condições gerais de sua convocação, inclusive mobilização. A espécie normativa que regulamentava este dispositivo, o Decreto-lei n° 667, de 02 de julho de 69, fora recepcionado com algumas restrições pela nova ordem constitucional inaugurada em 05 de outubro de 1988. Tal instrumento normativo foi instituído para reorganizar as Polícias Militares e os Corpos de Bombeiros Militares dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal. O artigo 1° do Decreto-lei em evidência assim prescreve: "As Polícias Militares consideradas forças auxiliares, reserva do Exército, serão organizadas na conformidade deste Decreto-lei."
É bem de ver que o Decreto-lei 667/69, encontrava fundamento de validade no § 1°, do artigo 2°, do Ato Institucional n° 5, de 13 de dezembro de 1968. Em verdade, as constituições de 1967 e de 1969, a exemplo das de 37 e de 1824, existiam apenas formalmente, meros instrumentos jurídicos nas mãos dos militares, pois efetividade nem pensar. Como ensina Lassale (1969, p. 27), era uma verdadeira Constituição de Papel, sem qualquer representatividade do corpo social – os fatores reais do poder. Todavia, é imperioso mencionar que, antes mesmo do Decreto-lei n° 667/69, o Presidente da República já havia editado o Decreto n° 317, de 13 de março de 1967, com fundamento no Ato Institucional n° 4, de 4 de dezembro de 1966. A ementa do referido decreto diz o seguinte: "Reorganiza as Polícias e os Corpos de Bombeiros Militares e do Distrito Federal e dá outras providências." Em verdade, a essência era a mesma do ato normativo posterior que o revogou expressamente, consoante a dicção do seu artigo 30. Cumpre registrar que a situação do Brasil era tão crítica que eram os atos institucionais que imperavam e, modificando a própria Constituição, representavam tão somente a vontade do Presidente da República, como será visto adiante.
1.3. ATOS INSTITUCIONAIS: A IRRUPÇÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL ENTÃO VIGENTE
Foram os atos institucionais uma criação pós-Revolução de 31 de março de 1964 em que o Comando Supremo da Revolução os emitia ao sabor de sua vontade. O desrespeito à Constituição e às instituições era tão intenso que não havia submissão desses atos à apreciação do Poder Judiciário, pois era assim que previa a própria Constituição Federal de 67, no artigo 173, verbis:
Art 173 - Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como:
I - pelo Governo federal, com base nos Atos Institucionais nº 1, de 9 de abril de 1964; nº 2, de 27 de outubro de 1965; nº 3, de 5 de fevereiro de 1966; e nº 4, de 6 de dezembro de 1966, e nos Atos Complementares dos mesmos Atos Institucionais;
II - as resoluções das Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de Governadores, Deputados, Prefeitos e Vereadores, fundados nos referidos Atos institucionais;
III - os atos de natureza legislativa expedidos com base nos Atos Institucionais e Complementares referidos no item I;
IV - as correções que, até 27 de outubro de 1965, hajam incidido, em decorrência da desvalorização da moeda e elevação do custo de vida, sobre vencimentos, ajuda de custo e subsídios de componentes de qualquer dos Poderes da República. (grifo nosso).
Importa observar que a mesma Constituição previa, no artigo 150, §§ 3° e 4°, que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", bem como a "lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual." Entretanto, existia a liberdade de se editar atos que lesavam esses direitos, imune ao controle judicial, num evidente paradoxo.
As Polícias Militares, como reserva do Exército, foram instrumentos para a materialização desses atos. Daí a necessidade, mesmo que an passan, de discorrer sobre o instituto em discussão, dado o envolvimento e a importância dessas corporações militares no movimento revolucionário de 1964.
A rigor, o Poder Revolucionário atribuiu aos atos institucionais funções características de poder constituinte originário, porquanto eram idôneos a revogar qualquer dispositivo da Constituição de 1946, da Carta de 1967 ou da EC n° 01/69, sem que houvesse discussão quanto à sua constitucionalidade. Serviam como instrumentos legitimadores dos "desmandos" das Forças Armadas, mormente do Exército, estabelecendo diversos poderes extra-constitucionais. Evidente que, se as autoridades militares fossem desprovidas desses poderes, restaria prejudicada a execução do projeto da Revolução, pois se encontrava nesses instrumentos sub-reptícios a verdadeira essência dos seus propósitos, sendo que a Constituição de 67 e a EC 01/69, para "mascarar" o sistema repressor, consagravam em seus textos os direitos e as garantias individuais, os quais concretamente não existiam.
Quanto à aludida violência à Constituição de 46, não deixa dúvidas o Ato Institucional n° 01, de 09 de abril de 1964, ao estabelecer no artigo 1° que: "São mantidas a Constituição de 1946 e as Constituições estaduais e respectivas Emendas, com as modificações constantes deste Ato." É dizer, o poder constituinte foi usurpado, foi subtraído de quem tinha atribuição para tal, isto é, o Congresso Nacional, que funcionava como uma simples figura decorativa. Entretanto, o discurso dos militares era outro. O próprio AI 05, o mais violento de todos, em um dos seus CONSIDERANDOS, deixa bem clara essa fraude:
CONSIDERANDO que esse mesmo Poder Revolucionário, exercido pelo Presidente da República, ao convocar o Congresso Nacional para discutir, votar e promulgar a nova Constituição, estabeleceu que esta, além de representar ‘a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução", deveria "assegurar a continuidade da obra revolucionária’. (grifo nosso).
O texto acima consiste numa falácia. Indaga-se: desde quando o Congresso Nacional foi convocado para discutir, votar e promulgar a Constituição de 1967, bem assim a EC/69? Cuida-se essa "espécie normativa" de uma ficção jurídica – para não dizer invenção jurídica – dos militares. Esses atos foram justificados pelo então regime como oriundos do Poder Constituinte a fim de torná-los legítimos. O texto inserto no preâmbulo do Ato Institucional n° 01 é bem elucidativo:
A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte. Este se manifesta pela eleição popular ou pela revolução. Esta é a forma mais expressiva e mais radical do Poder Constituinte. Assim, a revolução vitoriosa, como Poder Constituinte, se legitima por si mesma. Ela destitui o governo anterior e tem a capacidade de constituir o novo governo.
Em verdade, houve uma ruptura do sistema constitucional de 1946. Ademais, como dito, a própria Constituição de 1967 e a EC/69 também sofreram a mesma irrupção do Poder Executivo. Com palavras lapidares, Vilanova (2003, p. 269) bem esclarece como se dá o processo revolucionário:
A revolução é um processo de mutação jurídica que não se comporta em limitações de um ordenamento, por isso que é a retomada da força. Dentro do ordenamento vigente, a força pressupõe infringência de uma norma e vem, por isso, como sanção, que é, assim, sempre condicionada à realização do antijurídico. A revolução desfaz os tipos de antijuricidade, ante os quais seria a consequência sancionadora. É a força, pois, sem ser sanção do antijurídico.
Cuida-se de um poder de fato, um poder ajuridicizado, extra-ordenamento jurídico, arbitrário, que afasta as normas oriundas do Poder Constituinte anterior legitimamente conferido pelo povo. Ou seja, quando se aplicam medidas que as normas constitucionalmente em vigor não agasalham, fere-se de morte toda a ordem jurídica.
Um exemplo marcante desse desprezo à Constituição se verifica também no Ato Institucional n° 4, artigo 1° e seus parágrafos, ipisis litteris:
Art 1º - É convocado o Congresso Nacional para se reunir extraordinariamente, de 12 de dezembro de 1966 a 24 de janeiro de 1967.
§ 1º - O objeto da convocação extraordinária é a discussão, votação e promulgação do projeto de Constituição apresentado pelo Presidente da República.
§ 2º - O Congresso Nacional também deliberará sobre qualquer matéria que lhe for submetida pelo Presidente da República e sobre os projetos encaminhados pelo Poder Executivo na última sessão legislativa ordinária, obedecendo estes à tramitação solicitada nas respectivas mensagens.
§ 3º - O Senado Federal, no período da convocação extraordinária, praticará os atos de sua competência privativa na forma da Constituição e das Leis.
Não é preciso qualquer esforço mental para se concluir que a Constituição de 1946 não foi observada. Pelo contrário, foi seriamente vilipendiada. Rigorosamente, a convocação para a formação da Assembleia Nacional Constituinte deveria ser feita por meio de Emenda à Constituição, como o fez a EC n° 26, de 27 de novembro de 1985, com vistas à elaboração da atual Carta Magna. Não por atos dessa natureza. Em síntese, a revolução "tem o poder como teleologia inerente, a força como meio." (op. cit., p. 285).
Neste diapasão, a ordem jurídica como um conjunto de normas destinadas a todos, inclusive às autoridades, não contempla tal ingerência. A coação, a força, deve ser um instrumento, um meio para que seja realizado o Direito, o bem coletivo, os fins a que o Estado se propõe, não um fim em si mesma. É o Direito, como ferramenta concebida pelo ente estatal, que se utiliza da força, que esta disciplina, para atender aos fins estabelecidos, não o contrário. Deve haver, pois, critérios para o exercício dessas medidas extremas, não podendo ser aleatórias. Neste sentido, são esclarecedores os ensinamentos de Bobbio (1980, p. 341-342):
El derecho, en cuanto conjunto de normas que disciplina el uso de la fuerza, tiene respecto al poder coactivo, que es el objeto de la reglamentación, principalmente cuatro funciones: a) determinar las condiciones en las que el poder coactivo puede o debe ser ejercido; b) las personas que pueden y deben ejercelo; c) el procedimiento con que debe ser ejercido en esas determinadas circunstancias y por esas determinadas personas; d) e l quantum de fuerza de que puede y debe disponer quien, observando ciertos procedimientos, está encargado de ejercer en determinadas circunstancias el poder coactivo.
Diante de tudo isso, é importante lembrar, consoante assentado em linhas anteriores, que as Polícias Militares, como força reserva e auxiliar do Exército, foram utilizadas pelas Forças Armadas para cumprirem os ideais revolucionários daquela época, sendo que as normas não advieram da ordem jurídica anteriormente estabelecida pelo ordenamento vigente, pois esses atos eram, verdadeiramente, de conteúdo discricionário, impostos de acordo com as conveniências dos militares, mesmo afrontando a Constituição. O artigo 6°, § 1°, do AI 05, bem demonstra o regime de exceção da época ao conceder poderes ilimitados ao Presidente da República, o qual nem mesmo dispensava os membros das polícias militares para fazer valer a sua "autoridade", a saber:
Art. 6º - Ficam suspensas as garantias constitucionais ou legais de: vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade, bem como a de exercício em funções por prazo certo.
§ 1º - O Presidente da República poderá mediante decreto, demitir, remover, aposentar ou pôr em disponibilidade quaisquer titulares das garantias referidas neste artigo, assim como empregado de autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista, e demitir, transferir para a reserva ou reformar militares ou membros das polícias militares, assegurados, quando for o caso, os vencimentos e vantagens proporcionais ao tempo de serviço. (grifo nosso).
Ao todo, foram nada menos que dezessete atos institucionais, sendo que o último foi o de n° 17, publicado em 14 de outubro de 1969. Sabe-se bem que essas manobras são peculiares nos governos totalitários, os quais, após a tomada do poder, elaboram Constituições baseadas no poder da força, sem legitimidade popular alguma. Exemplos por aqui não faltam. É só ver qual a origem das Constituições de 1824, 1937, 1967 e a EC/69. Foram outorgadas, resultado das mentes férteis dos caudilhos da época, os quais usavam um discurso populista para buscar o apoio de que necessitavam nas camadas mais humildes da população. Nesse sentido, são precisas as palavras de Bonavides (2004, p. 168):
Quanto à produção constitucional haurida no exercício de um poder constituinte legítimo, a história política do Brasil apresenta como principais frutos a Constituição de 24 de fevereiro de 1891, a Constituição de 16 de julho de 1934, a Constituição de 18 de setembro de 1946 e, de último, a Constituição de 5 outubro de 1988. São os quatro únicos documentos de organização constitucional do País que resultaram em rigor de Constituintes soberanas, livremente eleitas pelos cidadãos [...].
Assim, infere-se que as demais Constituições - a Constituição de 25 de março de 1824, a de 24 de janeiro de 1967 e a de 17 de outubro de 1969, foram todas impostas, outorgadas. É como diz Vilanova (op. cit., p. 266): "Se descontinua o processo constitucional, descontinua o ordenamento como o todo."
1.4. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA
As polícias militares são regidas por normas próprias, tendo como supedâneo o precitado Decreto-lei 667/69. Analogicamente falando, pode-se dizer que esta espécie normativa é a "Constituição" das corporações policiais militares, e cada Polícia Militar deve ter a sua legislação condicionada às suas prescrições.
Nesse diapasão, interessa destacar que a Constituição Federal também se encarregou de estabelecer a competência para legislar sobre normas gerais no tocante à organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares, segundo estabelece o seu artigo 22, in verbis:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
[...]
XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares;
Assim, trata-se de competência privativa da União, podendo, no caso do inciso XXI, as unidades federativas editarem normas específicas das respectivas polícias militares, sem, no entanto, conflitar com a lei nacional que traz normas de caráter geral.
Na hipótese prevista no inciso XXI, para regulamentar esse dispositivo, a União editou o Decreto-lei n° 667, de 02 de julho de 1969, que reorganiza as polícias militares e os corpos de bombeiros militares dos Estados e do Distrito Federal. Nos seus dispositivos, o Decreto-lei n° 667/69, recepcionado pela ordem constitucional vigente na condição de lei ordinária, traz regras de competência, de estrutura e organização, de pessoal, de instrução e armamento, de justiça e disciplina e de competência da Inspetoria-Geral das Polícias Militares. Sendo assim, os estatutos das polícias militares, ou quaisquer outras espécies normativas, não podem conter normas incompatíveis com a referida lei, excetuando-se aqueles dispositivos declarados não-recepcionados, a exemplo do artigo 9°, parágrafo único, e do artigo 24, ambos do Decreto-lei em destaque, que versam, respectivamente, acerca de ingresso nos quadros de Oficiais das policias militares, sem prestarem concurso público, Tenentes da Reserva de 2ª Classe das Forças Armadas com autorização do Ministério correspondente, bem como sobre vencimentos.
Impende consignar que o artigo 8°, do Decreto-lei n° 667/69, elenca os postos e graduações que devem existir nos quadros das polícias militares, dividindo-os em Oficiais de Polícia, Praças Especiais de Polícia e Praças de Polícia, a saber:
Art 8º A hierarquia nas Polícias Militares é a seguinte:
a) Oficiais de Polícia:
- Coronel
- Tenente-Coronel
- Major
- Capitão
- 1º Tenente
- 2º Tenente
b) Praças Especiais de Polícia:
- Aspirante-a-Oficial
- Alunos da Escola de Formação de Oficiais da Polícia.
c) Praças de Polícia:
- Graduados:
- Subtenente
- 1º Sargento
- 2º Sargento
- 3º Sargento
- Cabo
- Soldado.
Outrossim, cabe registrar que o Decreto n° 88.777 (R-200), de 30 de setembro de 1983, que aprovou o regulamento para as policias militares e corpos de bombeiros militares, regulamentou o Decreto-lei n° 667/69, prescrevendo assim o seu artigo 1°: "Este Regulamento estabelece princípios e normas para a aplicação do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969, modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983.
Dentre outras matérias que lhe são peculiares, o R-200 estabelece, no artigo 2°, conceitos de caráter operacional que devem ser observados pelas polícias militares e corpos de bombeiros militares. O mesmo artigo, item 27, diz o que é policiamento ostensivo, mister constitucional das polícias militares dos Estados, nos seguintes termos:
Art . 2º - Para efeito do Decreto-lei nº 667, de 02 de julho de 1969 modificado pelo Decreto-lei nº 1.406, de 24 de junho de 1975, e pelo Decreto-lei nº 2.010, de 12 de janeiro de 1983, e deste Regulamento, são estabelecidos os seguintes conceitos:
[...]
27) Policiamento Ostensivo - Ação policial, exclusiva das Policias Militares em cujo emprego o homem ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da ordem pública.
As medidas preventivas e repressivas neste caso, estão incluídas nas medidas de Defesa Interna e são conduzidas pelos Governos Estaduais, contando ou não com o apoio do Governo Federal. (grifo nosso)
É oportuno destacar que o artigo 3°, alínea a, do Decreto-lei 667/69, delimita bem a atividade típica das polícias militares, in verbis:
Art. 3º - Instituídas para a manutenção da ordem pública e segurança interna nos Estados, nos Territórios e no Distrito Federal, compete às Polícias Militares, no âmbito de suas respectivas jurisdições:
a) executar com exclusividade, ressalvas as missões peculiares das Forças Armadas, o policiamento ostensivo, fardado, planejado pela autoridade competente, a fim de assegurar o cumprimento da lei, a manutenção da ordem pública e o exercício dos poderes constituídos;
Importa frisar, outrossim, que o artigo 42, com redação dada pela EC nº 18, de 05.02.1998, assim dispõe: "Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. No seu § 1°, com redação dada pela EC nº 20, de 15.12.98, assim estabelece:
Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores. (grifo nosso).
Observa-se que o dispositivo acima remete a matéria, no respeitante à lei estadual específica, ao artigo 142, § 3°, inciso X. Diz o preceptivo indicado:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
[...]
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:
[...]
X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
De acordo com o dispositivo acima, conclui-se que a lei específica a que se refere o mandamento constitucional é o estatuto de cada polícia militar, pois é somente essa espécie normativa que pode tratar, no seu texto, sobre limites de idade, estabilidade, inatividade, direitos, deveres, remuneração, prerrogativas, dentre outras matérias. Quando o artigo 42, § 1°, da Carta Magna, fala em lei específica é porque pela melhor exegese somente pode versar sobre essas matérias apenas uma lei: o Estatuto. Prova disso é a Lei 5.346, de 26 de maio de 1992 (Estatuto dos Policiais Militares do Estado de Alagoas), que trata de todos esses assuntos, como se vê nos seus artigos 7°, 30, § 1°, XII, 31, 38, 42, §§ 2° e 3°, 47, 51 e 68.
A respeito disso, são valiosos os ensinamentos de Assis (2008b, p. 32):
Nesse sentido o § 3° do art. 142. da CF/88 consignou que ‘os membros das Forças Armadas são denominados militares’, fixando-lhes garantias e deveres, proibindo-lhes a sindicalização e a greve, dispondo sobre a perda do posto e da patente de seus oficiais, estendendo-lhe alguns direitos sociais, e, acima de tudo, estabelecendo que Lei especial disporá sobre o Ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, considerando as peculiaridades de suas atividades.
A Lei referida no dispositivo Constitucional é a Lei 6.880, de 09.12.1980, que, denominado-os militares, refere que os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, forma uma categoria especial de servidores da Pátria.
É a própria carta Magna, em seu art. 42, § 1°, que remete para Lei estadual a mesma competência da Lei federal referida no inc. X do art. 142. (grifo do autor).
Por fim, o artigo 144, da Carta Política, estabelece que a segurança pública é um dever do estado, direito e responsabilidade de todos, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Ferroviária Federal, Polícias Civis, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
O § 5º do mesmo artigo determina que às polícias militares e às polícias ostensivas cabem a preservação da ordem pública, ao passo que aos Corpos de Bombeiros Militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe-lhe a execução de atividades de defesa civil.
1.5. A LEGISLAÇÃO DISCIPLINAR DO EXÉRCITO APLICADA ÀS POLÍCIAS MILITARES AO LONGO DOS ANOS
Como é cediço, as Polícias Militares sempre seguiram a doutrina do Exército, principalmente nos exercícios de campo. Tal situação começou a mudar especialmente após a promulgação da Constituição de 1988. É que, ao entrar em vigor a atual Carta Política, com o avanço das liberdades públicas, aliado ao enfraquecimento do militarismo exacerbado imposto pelas Forças Armadas, ao que parece, as forças militares estaduais tomaram os seus próprios rumos, principalmente as polícias mais expressivas, tais como a PMSP, PMRJ, BMRS, PMMG, PMPE, que começaram a elaborar as respectivas legislações, evidentemente, limitando-se ao que prevê o Decreto-lei 667/69, por estabelecer normas gerais, de acordo com o artigo 22, inciso XXI, da Constituição da República. No que toca à matéria disciplinar, também não foi diferente, pois as polícias militares, ao longo dos anos, ou utilizaram os regulamentos disciplinares do Exército, ou editaram os seus com base no modelo verde-oliva. Vale dizer, os institutos existentes nos atos normativos daquela força armada foram, em regra, reproduzidos nos regulamentos das forças estaduais. Exemplo de corporações que utilizam até hoje o RDE são as polícias militares dos Estados do Maranhão, Paraná, Sergipe e do Distrito Federal.
Nesse sentido, no que se refere à prisão provisória administrativa, medida constritiva da liberdade imposta ao policial militar, prevista no artigo 12, do Regulamento disciplinar da PMAL, objeto específico deste trabalho, tal restrição à liberdade sempre foi tolerado nos regimes constitucionais pretéritos, não havendo qualquer resistência para a sua aplicação, notadamente em virtude de as próprias Constituições não darem a relevância devida aos direitos e garantias individuais, pelo menos nas suas concreções, como fez a novel Constituição, no artigo 5°, inciso LV, segundo o qual "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Cabe registrar que, além dessa disposição, o Texto de 1988, determina no inciso LIV, do mesmo artigo, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal."
Para ilustrar, o artigo 150, § 5°, da Constituição de 1967, cuja matéria foi reproduzida pelo artigo 153, § 15, da EC n° 01/69, apenas previa a ampla defesa, sem, entretanto, referir-se também ao contraditório, a saber:
Constituição Federal de 1967
Art. 150. - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pais a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
§ 15 - A lei assegurará aos acusados ampla defesa, com os recursos a ela Inerentes. Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção.
Emenda Constitucional n° 01, de 1969
Art. 153. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos têrmos seguintes:
[...]
§ 15. A lei assegurará ao acusados ampla defesa, com os recursos a ela inerentes. Não haverá fôro privilegiado nem tribunais de exceção.
(grifo nosso).
Observa-se, portanto, que os dispositivos não previram igualmente o princípio do contraditório, instituto imprescindível para a efetiva defesa do acusado, conforme se vê na Carta Política de 1988. Ademais, a Constituição de 1967 e a EC/69 não estabeleceram o dueprocess of law (devido processo legal), o qual tem como consectário o contraditório e a ampla defesa, dando destaque apenas ao último princípio.
Em razão da ausência de normas constitucionais que dessem direitos e garantias aos policiais militares, livrando-os das prisões provisórias arbitrárias nas hipóteses em que, eventualmente, afrontassem, mesmo que levemente, o regulamento disciplinar, sempre houve essa privação da liberdade quando a autoridade policial militar entendesse que o seu subordinado praticara ato transgressional. E, diga-se de passagem, mesmo naquelas situações em que o fato não correspondesse a uma medida tão severa ou a justificasse, era determinada a sanção provisória.
Assim, tal prisão, em virtude de a legislação vigente na época se revelar plenamente natural, não havendo discussão quanto à sua legalidade ou, até mesmo, à sua constitucionalidade, era considerado normal.
E, como historicamente a PMAL adotou a legislação do Exército, conforme dito antes, no que diz respeito à legislação disciplinar, de acordo com Teles (op. cit., p. 39), em 1837 surge o primeiro regulamento disciplinar da PMAL, todavia não há registro do seu conteúdo. Após isso, somente a partir de 1981 é que a instituição resolveu mudar o seu estatuto repressor, aprovado pelo Decreto n° 4.598, de 23 de janeiro.
Com efeito, a bem da verdade, em todos os regulamentos disciplinares, sejam das Forças Armadas ou das Polícias Militares havia dispositivos prevendo a prisão provisória administrativa. Nenhum deles, obviamente, não prescindiu dessa privação de liberdade. E ninguém contestava tais abusos, talvez em virtude de a repressão militar estar legitimada numa legislação infraconstitucional omissa e favorável, aliada a uma Constituição observada apenas retoricamente, o que deixava, principalmente os Oficiais, bem à vontade em determinar prisões ao seu talante.