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Execução civil da sentença penal condenatória

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Executado o título formado pela sentença penal condenatória, caberá a exigência de repetição do indébito por parte do condenado, se comprovado afastamento da responsabilidade civil e se este o fizer dentro do biênio determinado para revisão da coisa julgada na seara cível.

Antecedentes históricos

Inicialmente os homens resolviam seus conflitos entre si de maneira grotesca e prejudicial para o meio social. No Código de Hamurabi, por exemplo, muitos séculos antes de Cristo, a principal regra que vigorava era a do "olho por olho" como uma referência àquele que cometia lesão contra outrem seria castigado pelo lesado de forma semelhante, de modo que viesse a sofrer o mesmo dano. O referido código acrescentava em outro artigo que, se o dano fosse cometido contra homem livre, o causador do dano deveria também realizar o pagamento de uma mina de ouro, de forma a reparar o dano causado [01].

Assim, o lesado, caso possuísse forças para tanto, exerceria o direito de ver seu opositor pagar pelo dano ocasionado, da mesma forma que ele sofrera. Isto ocorria em grande parte porque não havia Estado forte suficientemente para dirimir tais conflitos e controlar o ímpeto individualista dos homens da época, como também, inexistiam leis que pudessem realizar o regramento dessas situações [02].

Diante disto, aquele que "pretendesse alguma coisa que outrem o impedisse de obter haveria de, com sua própria força e na medida dela, tratar de conseguir, por si mesmo, a satisfação de sua pretensão. A própria repressão aos atos criminosos se fazia em regime de vingança privada" [03]. Quando o Estado passou a tomar pra si o poder de punir aquele que atingisse a esfera de liberdade alheia, o fez inicialmente, sob seus próprios critérios, sem a presença de pessoas imparciais ou desinteressadas.

1.2 NO DIREITO BRASILEIRO

Em 1830 o Código Criminal do Império tratava de reparação de dano em alguns de seus dispositivos, que versavam inclusive sobre a liquidação do dano [04]. Essa preocupação contida no ordenamento, muito avança para a época, se fez muito importante a escola positiva do Direito Penal contemporâneo [05].

O artigo 22 do mencionado código, já demonstrava a importância do tema: "A satisfação será sempre a mais completa que for possível, sendo, no caso de dúvida, a favor do ofendido".

Questão referente ao tema deste trabalho, o artigo 31 do Código Criminal do Império, que adotava o sistema de adesão (no qual uma única ação cumpre o objetivo de aplicar a sanção e determinar a reparação do dano) alvitrava que a satisfação da reparação do dano do lesado só poderia ocorrer depois de transitada em julgado a condenação do criminoso por sentença no juízo penal [06].

O mesmo artigo trazia em seus parágrafos três exceções ao que dispunha o caput: em caso de ausência do delinqüente, ou quando viesse a falecer o ofensor, poderia ser postulada a ação civil, ou quando contra ele o ofendido preferisse a ação civil [07].

Diante das exceções previstas nos parágrafos do artigo 31, o diploma acabava por consagrar a adesão facultativa. Diferentemente, o Código do Processo Criminal de 1832, impunha a adesão obrigatória, pois no próprio processo penal se apreciava e deliberava a existência e a extensão do dano [08].

O artigo 338 do código de 1832 preceituava o seguinte:

"A mesma sentença que condenar o réu na pena, o condenará na reparação da injúria e prejuízos, que se liquidação foi necessária".

Com o advento da Lei 261 de 03 de dezembro de 1841, que trouxe a reforma ao processo penal do império, houve o fim do sistema de adesão, tanto na forma facultativa, quanto obrigatória, prevalecendo o princípio da independência das ações civil e penal [09].

O primeiro Código Penal da República brasileira, no ano de 1890, previa que a reparação do dano sofrido pelo ofendido dependia de execução no juízo civil, fato que vem sofrendo modificações em nosso ordenamento, em função das alterações sofridas pelo Código de Processo Penal, como no caso do art. 63 [10].

O referido artigo, após a reforma trazida pela Lei nº. 11.719 de 20 de junho de 2008, que entrou em vigor sessenta dias após a data de sua publicação, foi modificado, sendo-lhe acrescido um parágrafo único, prescrevendo que a execução da sentença penal condenatória no juízo cível poderá ser efetuada pelo valor mínimo fixado pelo juízo criminal sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido.

Isto nos significa dizer que a partir da reforma sofrida, o título executivo formado pela sentença penal condenatória já poderá ser diretamente executado, sem que necessite para isso, passar pela fase de liquidação, uma vez que já é uma sentença que pode ser liquidada pelo mínimo estipulado pelo juízo penal.


PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E A COISA JULGADA

O princípio da segurança jurídica consiste no "conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das conseqüências diretas de seus atos e seus fatos a luz da liberdade reconhecida". Assim, o valor da segurança jurídica está especialmente relacionado com a necessidade de assegurar a estabilidade dos direitos subjetivos de cada cidadão [11].

Diante destas premissas, podemos afirmar que, quando uma pessoa provoca o Estado-juiz, há a presunção de que o litígio seja analisado e julgado, sendo garantido pela Constituição Federal que o processo será regido com imparcialidade pelo magistrado, que será dado o direito de resposta às ações praticadas pelas partes, e que aquilo que foi determinado, após o trânsito em julgado da decisão, será respeitado [12].

O princípio de proteção à confiança [13], assim, é o mínimo de previsibilidade que o Estado de Direito necessita oferecer ao cidadão, concernente às normas de convivência que este deve observar e qual delas poderá utilizar para travar relações jurídicas válidas e eficazes.

Além disso, o decisum emitido pelo Poder Judiciário deve exprimir confiança a quem o procurar para resolução do litígio, configurando que há a prática do princípio da moralidade, boa-fé e da lealdade [14].

Destarte, a segurança jurídica é o mínimo preciso de previsibilidade que o Estado deve oferecer a todo cidadão, a respeito de quais são as normas de convivência que ele deve observar e com base nas quais pode travar relações jurídicas válidas e eficazes, de modo a ter garantida a proteção dessa relação [15].

O art. 5º, XXXVI da nossa Carta Magna, que implicitamente contém o princípio da segurança jurídica, protege o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. A este trabalho, nos será importante levantar a questão sobre a proteção dada pelo referido artigo à coisa julgada.

3.1 COISA JULGADA

A coisa julgada é, de certo modo, um ato jurídico perfeito. Dessa forma, sua proteção já estaria sendo realizada pelo inciso XXXVI do artigo 5º quando da proteção deste último, mesmo que não fosse expressamente prevista. No entanto, o constituinte, diante da relevância da coisa julgada para a teoria da segurança jurídica, contemplou a proteção expressamente para o instituto [16].

Essa garantia constitucional à coisa julgada, além do que é disciplinado pelo ordenamento infraconstitucional, recebe legitimidade política e social, uma vez que conferem segurança as relações jurídicas atingidas pelos efeitos da sentença [17].

Deve ser destacado, no entanto, que a produção da decisão definitiva, a sua imutabilidade concedida através da coisa julgada, bem como o tempo que se leva para o alcance daquele fim (princípio da celeridade processual), carecem estar em pleno equilíbrio com a ponderação, para a produção de julgados justos. Destarte, o processo deve ser realizado de modo a produzir resultado justo, tão logo quando possível, sendo a decisão coberta pelo manto da coisa julgada [18].

Acrescenta Chiovenda, e com ele grande parte da doutrina, que a sentença é a afirmação da vontade da lei aplicada ao caso concreto. Na sentença há a afirmação, de modo concreto, da vontade contida na lei. Assim, o preceito contido na sentença é a afirmação da vontade da lei, declarada pelo juiz, como órgão do Estado [19].

O instituto da coisa julgada, por sua vez, é o grau máximo de estabilidade dos atos estatais, sendo definida por parte doutrina como a imutabilidade do conteúdo da sentença e de seus efeitos [20]. Há, no entanto, doutrinadores que entendem que a coisa julgada recai apenas sobre o conteúdo da sentença. Sobre a questão trataremos posteriormente neste trabalho.

Diante disto, a sentença, como vontade da lei sendo aplicada ao caso concreto, quando acobertada pela coisa julgada não mais poderá sofrer transformações, a princípio. A ressalva apresentada se dá em razão da coisa julgada, ainda que seja verdadeira autoridade de lei entre as partes, poder ser ameaçada pela propositura de Ação de Revisão Criminal no juízo criminal ou de Ação Rescisória no juízo cível.

Essa possibilidade de nova análise, dentro das hipóteses das ações de rescindibilidade de decisão final, faz-se necessária para que o ordenamento garanta a segurança de indiscutibilidade de sentença que não mais tem o que ser proposto contra ela após determinada sua imutabilidade.

O valor que penetra a coisa julgada como instituto é o do princípio da segurança nas jurídicas, gerando a estabilidade necessária ao nosso sistema jurídico, estabilidade que o mesmo não pode se desfazer [21].

Quanto à natureza do instituto da coisa julgada há na doutrina três entendimentos a ser destacados: o que considera a coisa julgada uma qualidade; outro que entende ser ela um efeito; e por fim, que entender ser a coisa julgada uma situação jurídica.

A doutrina encabeçada por Liebman considera que o instituto da coisa julgada é a qualidade que a sentença adquire depois de transcorrido o trânsito em julgado, tornando-se indiscutível e imutável [22].

Outra corrente doutrinária, porém, afirma ser a coisa julgada um efeito da sentença. No entanto, tal teoria possui como principal crítica o fato de que a imutabilidade e indiscutibilidade concebida a sentença quando coberta pelo manto da coisa julgada não é algo co-natural, e sim uma opção legislativa [23].

A última doutrina a ser apresentada é a que defende ser a coisa julgada uma situação jurídica. Isto porque, com o trânsito em julgado da sentença, surge uma nova situação, anteriormente inexistente, que seria a indiscutibilidade e imutabilidade que a sentença passa a ter [24].

No entanto, nos parece acertado dizer que a corrente mais coerente é a que defende ser a coisa julgada uma qualidade da sentença, uma vez que esta passa a ter a predicado da imutabilidade e da indiscutibilidade.

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O Código de Processo Civil prevê em seu artigo 467 que se denomina coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Diante do dispositivo podem ser retiradas algumas conclusões: influenciado o legislador pela teoria de Liebman, o referido código distingue a coisa julgada material da formal; diante desta distinção, apenas a coisa julgada material é protegida pelo condão da imutabilidade [25].

Deve ser esclarecido que não há dois institutos independentes, quais seja a coisa julgada formal e a material. Em verdade, trata-se do mesmo instituto, mas sob aspectos distintos, ambos responsáveis pela segurança nas relações jurídicas.

3.1.1 COISA JULGADA FORMAL

A coisa julgada formal pode ser conceituada como a sentença que não é mais suscetível de reforma por meio de recursos, depois de decorrido o seu trânsito em julgado, tornando-se imutável dentro do processo. A coisa julgada formal consiste, assim, em um fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos, pondo fim aos processos. [26]

Isto significa dizer que, quando estiverem esgotados os recursos previstos em nosso ordenamento, seja porque houve perda do prazo para sua interposição, seja porque todos os recursos cabíveis foram utilizados e julgados, ocorrerá a coisa julgada formal, sendo em verdade, o encerramento da relação processual [27].

Diante desta definição cabe destacar que as sentenças processuais, que extinguem o processo sem o julgamento do mérito, alcançam apenas o patamar da coisa julgada formal, não tendo o condão portanto de produzir efeitos extraprocessuais [28].

A coisa julgada formal por torna imutavel a decisão, como ato processual, é condição prévia para que a coisa julgada material ocorra.

3.1.2 COISA JULGADA MATERIAL

Ao seu turno, a coisa julgada material é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito, não importando se a sentença foi procedente ou improcedente, se constitutiva, condenatória ou declaratória, pois no momento em que não for mais possível a interposição de recursos, entre as partes que tiveram seu litígio julgado, surge uma situação de grande firmeza quanto aos direitos e obrigações envolvidos no litígio. Esse status transcende o próprio processo, atingindo as pessoas e sua realidade [29].

Esta questão não se trata de imunizar a sentença como ato jurisdicional, mas seus efeitos que se projetam para fora do processo e atingem as pessoas em suas relações – Candido Rangel acrescenta que daí advém à grande relevância social do instituto da coisa julgada material que a lei constitucional e processual civil protege [30].

Tanto é verdade de que a coisa julgada material transcende para fora do processo, que nenhuma lei posterior tem o condão de modificar aquilo que ficou decidido e que por ela foi acobertado, por representar um núcleo imodificável, ou imutável segundo doutrina Liebman [31].

Em revisão sobre a questão temos que: a coisa julgada material é a imunidade dos efeitos da sentença, como já salientado anteriormente, que acompanha as partes interessadas, ainda que findo o processo. Por seu turno, a coisa julgada formal é o fenômeno interno do processo, tendo-se a sentença como ato processual, imunizada contra qualquer substituição por outra.

Assim, transitada a sentença penal condenatória em julgado fica esta coberta pelo manto da coisa julgada. Entretanto, como já ressalvado, a coisa julgada na esfera penal tem a possibilidade rescindibilidade de Ação de Revisão Criminal, que conforme preceitua o Código de processo Penal, pode ser proposta a qualquer tempo, não sendo considerada por alguns autores como uma coisa julgada soberana.

No processo penal, a doutrina tende a chamar de coisa julgada soberana a que se forma sobre a sentença absolutória, porque esta não pode ser alvo de rescindibilidade após o seu trânsito em julgado em hipótese ou tempo algum; e de coisa julgada "tout court" a que se forma sobre a sentença condenatória, que poderá ser rescindida a qualquer tempo, pela via da revisão criminal [32].

No processo civil, ao seu turno, a sentença, de qualquer espécie, pode sofrer alteração dentro do prazo de dois anos, a contar do trânsito em julgado, nas hipóteses previstas para propositura da Ação Rescisória [33].

Diante dessas constatações, vê-se a distinção de tratamento do instituto da coisa julgada nas duas esferas do direito: a penal e a civil, que mesmo com peculiaridades distintas, possui grande inter-relação, principalmente no que diz respeito à execução civil da sentença penal como título executivo.


SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA: TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL

A sentença penal é um título executivo judicial previsto em nosso Código de Processo Civil dentro o rol de provimentos jurisdicionais que ensejam a execução no juízo cível, sendo, em verdade, um reconhecimento do disposto no art. 91, I do Código Penal Brasileiro.

A abordagem do tema se revela em dois ramos do direito: penal e civil. Isto porque, fatos reais, condutas humanas acabam tendo não só importância significativa dentro do direito, como também incidência múltipla em mais de um de seus ramos [34].

Dentro de nosso ordenamento são vários os tipos de sentença, nos ramos do direito civil e penal. Neste trabalho serão privilegiadas as sentenças penais que podem ser absolutórias ou condenatórias, tendo-se especial atenção a sentença penal condenatória.

Quanto às sentenças penais absolutórias podemos dizer que nos termos do artigo 386 do Código de Processo Penal - CPP, estas irão ocorrer quando: restar provada a inexistência do fato descrito pela acusação e do qual o réu se defendeu; não haver prova da existência do fato; em caso de não ser um ilícito penal, em verdade, não ser um fato típico, antijurídico e culpável; quando o agente não tiver concorrido para o delito; haja causa excludente de antijuridicidade, ou isenção do réu da pena; e por fim, quando não houver prova suficiente para que haja a condenação [35].

A sentença absolutória tem natureza declaratória e seu efeito mais expressivo é colocar o réu em liberdade, declarando não existir o direito de punir do Estado, o jus puniendi, além dos efeitos previstos no parágrafo único do art. 386 do CPP [36].

Por sua vez, a sentença condenatória é a sentença que julga total ou parcialmente a pretensão punitiva, impondo ao réu uma sanção, ao se atestar ser o fato delito, ter ele acontecido e ser o réu o seu autor [37]. Além disso, após a Reforma sofrida pelo Código de Processo Penal por meio da Lei nº. 11.719 de 20 de junho de 2008, que entrou em vigor sessenta dias após a data de sua publicação [38], o juízo criminal, entendendo haver comprovação suficiente de dano sofrido pela vítima, pode determinar quantum mínimo a título de reparação.

3.1 DOS EFEITOS DA SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA

O pronunciamento final no processo pelo magistrado esgota o seu poder jurisdicional, não podendo este realizar qualquer outro ato no processo, a não ser a correção de erros materiais [39]. A saída do juiz da relação processual é obrigatória após o transito em julgado da sentença penal [40].

A produção da sentença penal condenatória deverá observar o disposto no art. 387 e seus incisos do CPP. Pois o juízo deve mencionar as causas agravantes ou atenuantes; mencionar todas as circunstâncias outras que devam ser levadas em conta na aplicação da pena; aplicar as penas de acordo com as conclusões obtidas [41]; fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, levando-se em conta os prejuízos sofridos pela vítima.

Toda sentença penal, assim como toda sentença, possui elementos integrantes de seu conteúdo, quais sejam: o relatório, a motivação e o dispositivo, que autorizam sua distinção dos demais atos jurídicos a ela semelhantes. A ausência de qualquer dos requisitos viciará a decisão. A falta do relatório ou da motivação importará em nulidade absoluta da sentença. Por sua vez, a falta de dispositivo implicaria na inexistência jurídica do ato, uma vez que não seria recorrível e não conteria decisão, o que obviamente é elemento constitutivo necessário para a sentença. [42]

Estes elementos componentes do conteúdo produzem efeitos típicos dentro do mundo do direito; e essa aptidão a produzir determinados efeitos se denomina eficácia [43].

Assim, a sentença penal condenatória tem a ela atribuídos alguns efeitos correspondentes ao seu conteúdo, não podendo esse ser confundido com aqueles. Isto porque, como bem dito por Barbosa Moreira, "conteúdo e efeito são entidades verdadeiramente inconfundíveis. Aquilo que integra o ato não resulta dele, aquilo que dele resulta não o integra [44]".

Diante do que foi explanado, é possível afirmar que os requisitos integrantes da sentença formam, em conjunto, o seu conteúdo, e produzem determinados efeitos, uma vez que o ordenamento jurídico atribui, a cada ato jurídico, determinado efeito, em principio, correspondente ao seu conteúdo [45].

A distinção realizada entre os efeitos e o conteúdo da sentença se faz necessária para o entendimento da discussão doutrinária, na qual se questiona se o manto da coisa julgada recai sobre os efeitos ou sobre o conteúdo da sentença.

Para Alexandre Câmara, que concorda com a tese defendida por Barbosa Moreira, o que transita em julgado não são os efeitos da sentença, mas seu conteúdo. Assim, entende que é o ato judicial, a norma reguladora do caso concreto, que se torna imutável e indiscutível quando coberta pelo manto da coisa julgada [46].

Por sua vez, Dinamarco, filiado ao entendimento de Liebman, afirma que a coisa julgada é a imutabilidade dos efeitos substanciais da sentença de mérito. Isto porque, como continua em sua explanação sobre a questão "não se trata de imunizar a sentença como ato do processo, mas os efeitos que ela projeta para fora deste e atingem as pessoas em suas relações" [47].

Diante dos dois posicionamentos esposados faz-se necessário comentar um exemplo bastante utilizado pela doutrina quando da discussão do problema, para que possa ser feito um melhor entendimento sobre o assunto.

Afirma os doutrinadores da primeira teoria, que os efeitos são mutáveis e que, portanto, não poderia a coisa julgada recair sobre eles. Para isso, exemplificam o caso do processo de divórcio, com uma sentença constitutiva de tal situação jurídica. Afirmam que, por mais que a sentença determine a ruptura da relação jurídica casamento, nada impede que o casal resolva se unir novamente [48].

Entretanto, e concordando com o posicionamento defendido por Liebman, por mais que o casal volte a se relacionar, e assim passe a novamente a conviver como se casados fossem, a relação jurídica anterior, o casamento, não mais existe uma vez desconstituída a relação, estando ambos, em verdade, divorciados para o mundo jurídico. Assim, para a reivindicação de qualquer direito jurídico relacionado à questão, não mais poderiam alegar serem casados, uma vez proferida a sentença desconstituídora do casamento.

Além dos efeitos produzidos pelos elementos pertencentes à sentença, a lei também agrega a sentença efeitos externos a ela, denominados por Liebman de efeitos secundários e por Pontes de Miranda como efeitos anexos – denominação preferida pela maioria da doutrina [49]. Esses efeitos são impostos por força de lei, independentemente de pedido da vítima, ou mandamento da resolução judicial.

Assim, a sentença penal condenatória possui efeitos: principal e o secundário, este último também chamado de efeito anexo. Os principais são a própria aplicação da pena, o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, a perda do produto do crime, além do previsto no artigo 393, I do CPP [50].

O efeito secundário da sentença penal condenatória, ou anexo é a certeza da obrigação de reparar o dano resultante da infração penal. Isto porque, a sentença penal condenatória é título executivo a ser executado também na esfera civil.

O Código de Processo civil, em seu art. 475-N, II prevê dentre o rol que títulos executivos judiciais a sentença penal condenatória transitada em julgado. Com a reforma sofrida pela Lei 11.719/08 o parágrafo único do artigo 63 do Código de Processo Penal passou a prever que "Transitada em julgado à sentença condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação para a apuração do dano efetivamente sofrido".

O Código Penal ao seu turno, no artigo 91 prevê como efeito da sentença penal condenatória tornar certa a obrigação de indenizar o dano sofrido pelo crime. Assim, percebe-se que no juízo penalista, o dispositivo consagra o efeito secundário e extrapenal da sentença [51].

Diante dos artigos destacados, percebe-se em nosso ordenamento um dinamismo efetivo entre as esferas cível e penal, possibilitando a vítima reparação do dano sofrido com a prática do delito.

Nesse cotejo é possível entender que com a sentença penal condenatória no rol dos títulos executivos judiciais a serem executados no juízo cível, e com a presença de seu efeito anexo gerado por determinação legislativa, há o acesso imediato ao procedimento in executivis, o que dispensa a prévia ação de conhecimento [52],possibilitando ao ofendido um acesso à justiça mais célere.

Para que ocorra a execução da sentença penal condenatória são necessários os seguintes requisitos: a sentença criminal deve ser definitiva; a condenação no juízo penal deve ter transitado em julgado, de modo que não seja mais cabível, na espécie, execução provisória; e deve ser realizada pela vítima a execução do quantum mínimo da indenização determinado pelo juízo penal [53].

Antes da Lei 11.719/08, que trouxe a reforma de parte CPP, para que ocorresse a execução de tal título executivo fazia-se necessária a realização de sua liquidação, no juízo cível competente, "nos moldes dos arts. 475-A a 475-H, se se tratar de título representativo de obrigação ainda ilíquida. (...) mediante citação do devedor para acompanhar a definição do quantum debeatur" [54]. A jurisprudência pátria tratava sobre a questão afirmando que transitada em julgada a sentença penal condenatória, esta teria como corolário cogente tornar certa a obrigação da reparação do dano sofrido pelo ilícito civil. [55]

Atualmente, porém, com a alteração sofrida pelos artigos 63 e 387, IV do CPP, a sentença penal condenatória passou a ter em sua parte dispositiva a determinação do mínimo a ser pago como reparação ao dano sofrido pela prática da infração penal [56].

Assim, caso o lesado suporte prejuízo material ou moral decorrente de uma infração penal, pode aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e executá-la, na seara civil; ouajuizar desde logo a ação civil para a reparação dos danos [57].

A partir da reforma do CPP é possível entender que a sentença penal condenatória passa a ser, em linhas gerais, um título executivo líquido, que ao ser entregue ao ofendido, poderá ser executado diretamente no juízo cível. Todavia, esse quantum debeatur fixado pelo juiz criminal na sentença penal condenatória, com os elementos de prova que dispõe, nem sempre será definitivo, pois o ofendido, não satisfeito, poderá executá-lo diretamente e, posteriormente, realizar a liquidação do restante do valor que provará ser devido [58].

O parágrafo 2º do artigo 475-I do CPC normatiza da seguinte forma a situação acima exposta: "Quando na sentença houver uma parte líquida e outra ilíquida, ao credor é lícito promover simultaneamente a execução daquela e, em autos apartados, a liquidação desta".

Deste modo, e diante do previsto na parte final do parágrafo único do artigo 63, CPP, poderá, além de realizar a execução do valor já arbitrado pelo juízo penal, efetuar a liquidação do valor restante que considera devido, para depois executá-lo.

Para melhor entendimento do proposto acima, há o seguinte exemplo: O juiz dispõe de provas de que em um homicídio tentado a vítima suportou prejuízo material de R$ 30.000,00. No entanto, no mundo fático, o montante era superior equivalendo a 50.000,00. A vítima, diante do montante determinado pelo juízo penal, poderá executar diretamente no juízo civil a sentença na parte em que é líqüida e promover a liquidação do restante, nesta hipótese produzindo prova de que suportou dano de mais R$ 20.000,00 [59].

Diante do que foi explanado, cabe questionar se o juízo penal deve (possibilidade/necessidade) alargar sua instrução, no intuito de oferecer melhores parâmetros para determinar o quantum debeatur mínimo ao proferir a sentença? [60]

Em princípio não. Isto porque, a instrução criminal não pode ir além da busca pela comprobação do tipo do injusto, antijuridicidade e justificação, culpabilidade, autoria e participação. Não cabe ao juízo penal adentrar na seara cível para fins que não se coadunam com o objetivo do processo criminal, cuja definição moderna resume-se "num sistema de garantias do cidadão em face do poder do estado em punir" [61].

Desse modo, o processo na esfera criminal será instruído de forma que o juízo criminal poderá, com o constante no processo, julgar quanto à prática ou não da infração penal, a autoria ou não do réu, e a ocorrência ou não do fato criminoso, sendo a determinação do quantum debeatur mínimo uma mensuração daquilo que o juiz dispõe no campo probatório dentro da seara penal [62].

Esse assentamento do mínimo a ser indenizado a vítima, como já salientado, está prevista no inciso IV, art. 387 do CPP da seguinte forma: "o juiz ao proferir a sentença condenatória: fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido" (grifamos). Essa previsão legal pode gerar dois posicionamentos: ou de que essa determinação é um imperativo ou uma faculdade do juízo penal [63].

Diante da leitura do dispositivo, porém, fica clara a intenção do legislador em determinar que o juízo, em sua sentença penal, tem o dever de fixar o valor da reparação [64].

Com essa afirmação, no entanto, resta explicar como ficaria os casos em que o crime não geraria dano material a vítima, e sim dano moral, como nos crimes contra honra, isto porque, o dispositivo acima destacado está mais voltado aos crimes contra o patrimônio. Nesses casos, nos coloca João Buch a seguinte conclusão sobre a questão "nem todas as sentenças condenatórias terão a fixação do valor mínimo da reparação, mas em todas deverá haver uma manifestação judicial que fixa ou justifica o motivo pelo qual deixou de fixar" (BUCH - Reflexões sobre as alterações do CPP pela Lei Nº. 11.719/08 – pag.13).

Dessa forma, o juízo penal caso não possa mensurar em pecúnia o dano causado à vítima, deve na sentença expor as justificativas por não ter fixado o valor mínimo da reparação, uma vez que em determinados caso isso não será possível.

Importante não olvidar, que a sentença penal condenatória, a partir da reforma, conterá um capítulo criminal, impondo a sanção penal, e um capítulo civil, determinando o quanto mínimo, e que ambos poderão ser objeto de recurso das partes isoladamente [65].

Destarte, o réu poderá recorrer tanto da parte cível, quanto da criminal. Caso o acusado recorra apenas da primeira, o juízo criminal deverá, após o trânsito em julgado da sentença, expedir carta de guia para a execução da parte criminal. No entanto, se o condenado recorre apenas da parte criminal, não será possível executar a parte civil da sentença penal condenatória, uma vez que a reparação civil é corolário lógico da condenação que pode, ainda, ser objeto de modificação pelos Tribunais [66].

O acusado, assim como a vítima, poderá recorrer da sentença proferida pelo juízo. Transcorridos os prazos recursais, transitada em julgada a sentença, entretanto, apenas o réu poderá, a qualquer tempo, propor Ação de Revisão Criminal.

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Sobre a autora
Maria Angélica Moraes da Silva

Advogada trabalhista e consumerista em Belém (PA).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Maria Angélica Moraes. Execução civil da sentença penal condenatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3042, 30 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20335. Acesso em: 22 dez. 2024.

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