Sumário: 1 – Introdução; 2 - O tratamento favorecido a pequenas empresas e o federalismo nacional; 3 - Os limites da representação judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; 4 - Conclusão.
1 - Introdução
O art. 41, da Lei Complementar 123/2007 estabelece regra de representação judicial, pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, nos processos relativos a impostos e contribuições abrangidas pelo Simples Nacional.
O Simples Nacional prevê, como é notório, normais gerais favorecidas e simplificadas para pequenas empresas, dentre as quais se insere a apuração e o recolhimento de tributos federais, estaduais e municipais, em regime único de arrecadação.
Eis o teor do art. 41, da Lei Complementar 123/2007:
Art. 41. Os processos relativos a impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional serão ajuizados em face da União, que será representada em juízo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto no § 5. deste artigo.
§ 1. Os Estados, Distrito Federal e Municípios prestarão auxílio à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, em relação aos tributos de sua competência, na forma a ser disciplinada por ato do Comitê Gestor.
§ 2. Os créditos tributários oriundos da aplicação desta Lei Complementar serão apurados, inscritos em Dívida Ativa da União e cobrados judicialmente pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
§ 3. Mediante convênio, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional poderá delegar aos Estados e Municípios a inscrição em dívida ativa estadual e municipal e a cobrança judicial dos tributos estaduais e municipais a que se refere esta Lei Complementar.
§ 4. Aplica-se o disposto neste artigo aos impostos e contribuições que não tenham sido recolhidos resultantes das informações prestadas na declaração a que se refere o art. 25 desta Lei Complementar.
§ 5. Excetuam-se do disposto no caput deste artigo:
I - os mandados de segurança nos quais se impugnem atos de autoridade coatora pertencente a Estado, Distrito Federal ou Município;
II - as ações que tratem exclusivamente de tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, as quais serão propostas em face desses entes federativos, representados em juízo por suas respectivas procuradorias;
III - as ações promovidas na hipótese de celebração do convênio de que trata o § 3. deste artigo.
Questiona-se, pois, como interpretar a norma, em consonância com o princípio da autonomia dos entes federados e a competência tributária de cada um destes entes, no que toca a legitimidade passiva face o artigo transcrito.
2 - O tratamento favorecido a pequenas empresas e o federalismo nacional
A lei complementar que instituiu o Simples Nacional goza de constitucionalidade incontestável, e encontra fundamento no art. 146, III, d c/c o parágrafo único do mesmo artigo. Leia-se:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
[...]
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239.
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que:
I - será opcional para o contribuinte;
II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado;
III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento;
IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes.
Em especial o inciso III, do parágrafo único prevê a unificação e centralização do regime do Simples, o que autoriza, também, a centralização de sua representação judicial.
A norma não pode, contudo, prejudicar ou minimizar o princípio federalista brasileiro, conforme estabelecido na Constituição Federal. A matéria, a propósito, é considerada cláusula pétrea, nos termos do art. 60, § 4º, I, da Constituição:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
[...]
A seu turno, o art. 132, da Carta, prevê a atribuição das procuradorias dos estados e dos municípios. Leia-se:
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
A norma de representação judicial contida no art. 41, da Lei Complementar 123/2007, pois, para apresentar conformidade com a Carta, não pode extrapolar os limites também constitucionais previstos para o Simples Nacional, sob pena de invadir atribuição exercida autonomamente pelo ente da Federação.
3 - Os limites da representação judicial da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional
Nestes termos, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional representará os interessados nos “processos relativos a impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional”, quando os tributos forem apurados dentro do sistema.
Não terá legitimidade para representar estados ou municípios, porém, em ações que versarem sobre tributos devidos antes do ingresso do contribuinte no Simples, sobre as condições de ingresso ou ato de exclusão que dependerem de apreciação exclusiva do ente federado, tendo em vista que o Comitê Gestor não atua como esfera recursal da autoridade administrativa local, como se depreende da estrutura da lei complementar e dos arts. 16, § 6º, 33 e 39, da Lei.
Dessa forma, nas ações que versem sobre as condições de regularidade prévias à adesão, em que o contribuinte discute pendências com o estado ou o município, não haverá a participação pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
No âmbito do Comitê Gestor, a matéria encontra-se regulada pela Resolução CGSN n° 34, de 17 de março de 2008, especialmente seus arts. 2° e 3°, acerca da legitimidade passiva.
Resolução CGSN n° 34, de 17 de março de 2008
Art. 2° Serão propostas em face da União, que será representada em juízo pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), as ações judiciais que tenham por objeto:
I - ato do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) e o Simples Nacional;
II – impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional.
Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão atuar em conjunto com a União na defesa dos processos em que houver impugnação relativa ao Simples Nacional, caso o eventual provimento da ação gere impacto no recolhimento de seus respectivos tributos.
Art. 3° Excetuam-se ao disposto no inciso II do art. 2°:
I – informações em mandados de segurança impugnando atos de autoridade coatora pertencente a Estado, Distrito Federal ou Município;
II - ações que tratem exclusivamente de tributos dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, as quais serão propostas em face desses entes federativos e cujas defesas incumbirão às suas respectivas representações judiciais;
III - ações promovidas na hipótese de celebração do convênio previsto no § 3° do art. 41 da Lei Complementar nº 123, de 2006.
Parágrafo único. O disposto no inciso III alcança todas as ações conexas com a cobrança da dívida, desde que versem exclusivamente sobre tributos estaduais ou municipais.
A propósito, o STJ já enfrentou questões relativas ao art. 41, da Lei Complementar 123/2007:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. REGIME ESPECIAL UNIFICADO DE ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS E CONTRIBUIÇÕES DEVIDOS PELAS MICROEMPRESAS E EMPRESAS DE PEQUENO PORTE - SIMPLES NACIONAL. LC 123/2006. AÇÃO EM QUE SE BUSCA ADESÃO AO SISTEMA SEM RECOLHIMENTO DA PARCELA RELATIVA AO ISS. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. PARTICIPAÇÃO DO MUNICÍPIO NO POLO PASSIVO DA DEMANDA. NECESSIDADE. 1. Recurso especial em que se discute a necessidade de o município ingressar na lide na condição de litisconsorte passivo necessário. 2. Hipótese em que a contribuinte ajuizou ação ordinária apenas contra a União com o objetivo de aderir à sistemática do Simples Nacional (LC 123/06), sem, contudo, recolher a parcela relativa ao ISS, postulando, nesse particular, pelo reconhecimento de inexistência de relação jurídica que lhe obrigue o adimplemento dessa exação municipal. 3. Constatado que a Corte regional empregou fundamentação suficiente para dirimir a controvérsia, dispensando, portanto, qualquer integração à compreensão do que fora por ela decidido, é de se afastar a alegada violação do art. 535 do CPC. 4. A inclusão do contribuinte na sistemática do Simples Nacional exige o preenchimento de determinadas condições, entre elas, a comprovação de regularidade fiscal perante o INSS, os Estados e os Municípios (art. 17, V, da LC 123/06), requisito esse que poderá ser alcançado mediante o parcelamento facultado no moldes do art. 79 da LC 123/06. Nesse momento, eventual discussão sobre a inexigibilidade de determinado tributo que venha a obstar a certidão de regularidade fiscal deverá ser dirimida entre o contribuinte o ente tributante correspondente. 5. Depois de o contribuinte já ostentar a condição de participante do Simples Nacional, caberá à União promover a representação judicial nas ações em que se discutem os impostos e as contribuições abrangidos por essa sistemática de recolhimento (art. 41, caput), podendo a Fazenda Nacional receber auxílio dos estados e dos municípios nos casos em que a demanda versar sobre seus respectivos tributos (art. 41, § 1º). 6. No caso concreto, a pretensão da contribuinte encerra, em verdade, acúmulo de duas ações distintas, uma relativa a inexistência de relação jurídica-tributária que justifique a tributação do ISS sobre atividade de franquia (pedido declaratório) e a outra referente à inclusão na sistemática, sem a incidência do citado tributo municipal (pedido condenatório), sendo que o primeiro, como visto, é condição para satisfação do segundo. Está, portanto, evidenciada a necessidade de a municipalidade ingressar no polo passivo da demanda a fim de que ela, querendo, possa promover a defesa acerca da exigibilidade do ISS em face de contribuinte que ainda não aderiu ao Simples Nacional. 7. Ademais, ainda que a contribuinte, hipoteticamente, já estivesse incluída no Simples Nacional, o art. 41, § 5º, inciso II, da LC 123/2006, preconiza que, quando a ação versar exclusivamente sobre tributo de competência dos estados ou dos municípios, caberá a esses entes promover a representação judicial. 8. Recurso especial parcialmente provido.
(STJ, T1, REsp 1115142 / RS, Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 19/08/2009)
A chave para a compreensão do art. 41, da Lei Complementar 123/2007 está na existência de interesse comum do sistema do Simples Nacional no objeto da lide, ou na existência de interesse exclusivo do ente federado.
A nosso sentir, a legislação em apreço bem como a bem lavrada jurisprudência, ressalvadas as questões disciplinadas em convênio, permitem o entendimento de que cabe a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional a representação judicial das ações que versarem sobre atos do Comitê Gestor do Simples Nacional (CGSN) e sobre impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional, desde que não se refiram a interesse exclusivo do ente federado estadual ou municipal.
Por fim, o art. 41 não exclui o ingresso dos estados e dos municípios na lide de interesse comum, respeitando-se, assim, o art. 132, da Constituição Federal.
4 - Conclusão
Em síntese, entendemos que o art. 41, da Lei Complementar 123/2007 não fere o princípio do federalismo brasileiro, pois encontra suporte no art. 146, III, d c/c parágrafo único da Constituição Federal, desde que a representação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional se limite a ações judiciais que discutam ato da União ou do Comitê Gestor ou se refiram a matéria de interesse comum a todos os participantes do sistema.
Nestas ações, é legítimo, embora não necessário, o litisconsórcio de estados e municípios.