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A aplicação processual do instituto da prescrição

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15/12/2011 às 07:53
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IV- Limites na aplicação oficiosa do instituto da prescrição: a aplicação do efeito translativo dos recursos, a questão do prequestionamento e a vedação à reformatio in peius [30]

6. Se a prescrição, como matéria de ordem pública a partir da Lei n° 11.280/2006, pode ser invocada a qualquer tempo pelo magistrado, no processo civil, desde que conserve aquele a jurisdição, pergunta-se se tal sistemática é válida mesmo nas instâncias extraordinárias (STF, STJ), em face da alegação de ausência do necessário prequestionamento – já que a matéria prejudicial do mérito poderia até então não ter sido diretamente discutida no processo pelas partes e pelo próprio Estado-juiz.

Há quem entenda, como José Rogério Cruz e Tucci, que se deve interpretar que o juiz conhecerá de ofício das condições e dos pressupostos processuais (e de qualquer outra relevante matéria de ordem pública, como a prescrição) em qualquer tempo, mas tão só nas instâncias ordinárias, ou seja, em primeiro ou segundo grau de jurisdição. [31]

Não nos parece, todavia, que essa seja a melhor solução.

Ocorre que o prequestionamento é exigência tão somente para efeitos de admissibilidade da irresignação excepcional (recurso especial ou extraordinário), em nada, portanto, interferindo na análise de todo o tema vergastado, a ser realizada após a formalidade relativa ao conhecimento do recurso. Assim, tendo sido admitido o recurso excepcional, em face do prequestiomanento da matéria objeto do recurso (superado esse primeiro estágio bem definido), nada impede que ao proferir decisão meritória (segundo estágio) o Ministro relator entenda pela existência de prescrição da pretensão, e venha a partir daí a extinguir o feito com base no art. 269, IV do CPC, reformando o julgado lavrado pelo Tribunal a quo em favor da parte recorrente (efeito translativo decorrente do art. 516 c/c 515, caput, ambos do CPC).

Nesse sentir, Amir Sarti destaca que não se pode conceber que justamente o Tribunal encarregado de zelar pela integridade do ordenamento jurídico federal se veja impedido de aplicar o direito incidente no caso concreto, por omissão ou erro das instâncias inferiores. [32]

E mesmo Teresa Arruda Alvim Wambier, que defende a tese contrária no sentido de que "como regra geral, se o recurso tiver passado pelo juízo de admissibilidade, nem por isso as portas estão abertas para o Tribunal examinar a matéria devolvida em sua profundidade", [33] reconhece que há decisões do STJ que autorizam, após a admissibilidade, ser reconhecidos vícios relativos a matérias de ordem pública que não teriam sido devolvidos propriamente, porque não impugnados, mas que poderiam ser conhecidos de ofício.

Rodrigo da Cunha Lima Freire, da mesma forma ao encontro do nosso posicionamento, critica especificamente passagem de Nelson Nery em que afirma se operar o efeito translativo tão somente nos recursos ordinários (apelação, agravo, embargos infringentes, embargos de declaração e recurso ordinário constitucional), com exclusão dos recursos excepcionais (recurso extraordinário, recurso especial e embargos de divergência). Enfatiza, com acerto, que: "(...) as questões de ordem pública, sobre as quais não existe preclusão, podem ser apreciadas pelo tribunal, desde que o recurso – qualquer recurso – seja conhecido, preenchendo todos os requisitos para a sua admissibilidade (cabimento, interesse recursal, legitimidade recursal, tempestividade, regularidade formal, preparo e inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer)". [34]

Portanto, a decretação ex officio da prescrição pelo STJ ou STF seria possível no segundo estágio de atuação dessas altas Cortes, superado o momento procedimental de admissibilidade do recurso, razão pela qual não há de se falar em vedação à atuação oficiosa, reconhecedora da prescrição na "terceira instância", em face da exigência do prequestionamento.

Aliás, tal raciocínio aqui deduzido vale, da mesma forma, para se afastar veementemente qualquer afirmação no sentido de que o Superior Tribunal de Justiça por ser guardião das normas infraconstitucionais não pode proferir julgamento pela análise e ponderação das normas (regras e princípios) contidas na Lei Maior: o óbice existente à matéria constitucional é tão só para efeitos de admissibilidade do recurso, sendo certo que uma vez conhecida a irresignação, por violação de lei federal, deve o STJ adentrar a fundo no mérito da questão, valendo-se para solver o tema de todo o arcabouço jurídico existente – inclusive as disposições constitucionais. Nesse contexto, conforme se extrai de estudo de Athos Gusmão Carneiro, [35] deve ser interpretada a Súmula n° 456 do Pretório Excelso a prever que "o Supremo Tribunal Federal, conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie" – sendo tal preceito constante igualmente no regimento interno do STJ, art. 257. [36]

7. Se, como visto, mesmo em sede recursal excepcional pode o julgador, superada a fase de admissibilidade, vir a enfrentar de ofício as matérias preliminares/prejudiciais (pressupostos processuais e condições da ação/prescrição, v.g.) a fim de reformar a decisão (de mérito) do Tribunal a quo a favor da parte recorrente (efeito translativo decorrente do art. 516 c/c 515, caput, ambos do CPC), indaga-se, por fim, se teria o julgador a mesma liberdade no exame dessas matérias não preclusivas (de ordem pública) se a decisão que daí adviria viesse, no outro extremo, a prejudicar a única parte recorrente – acarretando verdadeira reformatio in peius, diante de preclusão do ato de recorrer produzido perante a parte não objeto de irresignação recursal.

Pensa-se no seguinte exemplo: a parte autora sai-se vitoriosa, em sede de apelação, reformando a sentença de mérito do primeiro grau, com o reconhecimento de ser devido pelo réu determinada cifra a título de danos morais. Tão só o demandante recorre da decisão ao STJ alegando, em recurso especial, ser irrisória a verba arbitrada, objetivando a consequente majoração razoável da indenização. Superada a fase de admissibilidade, poderia a mais alta Corte infraconstitucional, vir a reconhecer a prescrição, extinguindo a partir daí a demanda com julgamento de mérito em desfavor da única parte que recorreu?

Corrente defendida por Alcides de Mendonça Lima [37] e Nelson Nery Jr., [38]posta-se no sentido de que o Tribunal (seja o Superior Tribunal de Justiça, em recursos excepcionais; seja o Tribunal de Justiça, em sede de recursos ordinários) poderá conhecer de ofício, mesmo que em desfavor do único recorrente, questões de ordem pública.

Também é esse o entendimento acolhido por Maria Lucia L. C. Medeiros que, em estudo do RE n° 100.034/PE, acaba por adotar posição contrária ao julgado: "Sob tais questões (as de ordem pública), alegáveis pelas partes a qualquer momento, não há preclusão pro judicato, isto é, pode o Juiz singular sobre elas novamente se manifestar mesmo que já tenha se pronunciado anteriormente e mais, pode o Tribunal delas conhecer, reformando a decisão de primeira instância, mesmo que não tenha havido provocação expressa das partes". [39]

No mesmo caminho, o magistério de Teresa Arruda Alvim Wambier: "Por se tratar de matéria de ordem pública, não há que se falar em reformatio in pejus. Assim, nada obsta que a parte que obteve oitenta, dos cem que pleiteou, ao embargar infringentemente com o escopo de fazer prevalecer o voto vencido que lhe concedia os cem, tenha como resultado do seu recurso a extinção do processo por ser considerada parte ilegítima, por haver coisa julgada, litispendência, enfim, por falta de quaisquer dos pressupostos genéricos de admissibilidade de apreciação do mérito". [40]

Diversamente da tese supraexternada, temos que o respeito à preclusão (de questão final ou recursal, e o consequente trânsito em julgado da matéria irrecorrida), bem como ao princípio da reformatio in peius – vinculado ao princípio da demanda, impedem seja reconhecível de ofício matéria preliminar sem recurso da parte que se poderia beneficiar desta medida judicial. Trata-se, no nosso entender, de limite intransponível ao efeito translativo do recurso, a inviabilizar a instauração de completa desordem e insegurança no processo.

A solução parece ter sido bem captada por Vicente Greco Filho: "se é certo que há decisões irrecorríveis e que, portanto, não precluem no curso do processo, bem como decisões que, por tratarem de ordem pública, podem ser sempre reexaminadas enquanto não transitar em julgado a sentença que provoca a preclusão máxima, cabe ao recurso (da parte a ser beneficiada) manter a decisão em condições de ser modificada". [41]

No caso prático externado linhas acima, seguindo-se o nosso entendimento, o STJ não poderia de ofício, mesmo sendo requerida tal medida em peça avulsa encaminhada pelo réu diretamente ao Ministro-Relator, julgar outra coisa senão o pedido do autor de majoração da verba indenizatória a título de dano moral. Essa é a corrente sustentada, dentre outros, por Barbosa Moreira, Dinamarco e Bedaque, ao deixarem claro que a parte não abrangida pela extensão do efeito devolutivo do recurso do autor, ausente irresignação do réu, estaria imune ao julgamento a ser realizado pela superior instância – parte inimpugnada essa do julgamento que passaria a ser coberta imediatamente pela res judicata, e só com ação rescisória poderia ser atingida. [42]

Atento às lições dos ilustres juristas acima anunciados, Maurício Giannico bem finaliza: "O capítulo da sentença não impugnado transitada em julgado imediatamente, independente da continuidade do processo em relação à matéria efetivamente impugnada em sede de apelação. Embora a apelação seja por regra recebida do duplo efeito, nem por isso o efeito suspensivo se estende por toda a decisão, no caso de sua impugnação parcial. Portanto, a parte autônoma da decisão de mérito não recorrida transita materialmente em julgado, podendo ser objeto de execução definitiva". [43]

Em linhas jurisprudenciais, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça adota a posição mais conservadora ora defendida – como, v.g., no Resp n° 172263/SP (2ª Seção, j. em 09/06/1999), de que participaram acompanhando o Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, os Ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Nilson Naves, Eduardo Ribeiro, Waldemar Zveiter e César Asfor Rocha, restando como voto vencido o do Min. Ari Pargendler. [44] No entanto, no Tribunal de Justiça gaúcho, a posição contrária a aqui sustentada parece ser a majoritária, conforme encaminhamento adotado no julgamento dos Embargos de Declaração n° 70011098332, pela 15ª Câmara Cível (Des. Rel. Ângelo Maraninchi Giannakos, j. em 06/04/2005), no qual se faz menção a arestos da 6ª e da 10ª Câmaras Cíveis do mesmo Tribunal [45] – se bem que o 3° Grupo Cível, em mais recente julgado de 05/10/2007, por maioria, entendeu diversamente, em especial observância ao princípio da reformatio in peius. [46]

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8. Portanto, admitindo o enquadramento proposto ao tema, no processo civil, a partir da publicação da Lei n° 11.280/2006, alterando o § 5° do art. 219 do Código Buzaid,há de se cogitar da viabilidade do reexame da questão (de ordem pública) mesmo nas instâncias excepcionais – antes do exame do mérito no recurso especial e extraordinário, superado o momento de admissibilidade recursal (em que exigido o prequestionamento); mas há de se defender, s.m.j., a inviabilidade de reconhecimento da prescrição em desfavor da única parte que eventualmente recorra às Superiores Instâncias, já que há também limites para aplicação do efeito translativo do recurso – impedindo-se que haja, como nesse último problema discutido, reconhecimento ex officio da prejudicial de mérito quando em confronto com o princípio da coisa julgada e da reformatio in peius.


VI_ Notas sobre a incidência da prescrição na execução do julgado: a prescrição intercorrente na fase de cumprimento de sentença

9. Um derradeiro tópico, a respeito da prescrição, que merece precisas linhas gira em torno da sua atuação na fase de cumprimento de sentença. Não obstante inexistir previsão legal categórica/explícita a respeito, indaga-se se podemos falar em "prescrição intercorrente" em razão da demora do credor no processamento da fase processual (pós trânsito em julgado) que visa à satisfação do crédito [47].

A espelho da fase de conhecimento, tem-se que cabe ao procurador do exeqüente determinar o impulso da demanda em determinado lapso de tempo, sob pena de reconhecimento do instituto da prescrição – aqui denominada de "prescrição intercorrente", por se dar em meio à tramitação processual [48] (e em razão de inércia do próprio titular da pretensão [49]). Mesmo que haja para o título executivo judicial a lógica do sincretismo processual, já que não mais existentes processos autônomos de conhecimento e de execução (após as reformas processuais executivas, principalmente a partir da Lei n° 11.232/2005 [50]), entendemos que permanece sólido o verbete n° 150 do Supremo Tribunal Federal, a explicitar que "prescreve a execução no mesmo prazo da prescrição da ação".

Assim transitada em julgado a demanda judicial e não cumprido o comando pelo réu no prazo de quinze dias da sua intimação na origem, conforme prescreve o art. 475-J, caput do CPC, inicia o prazo para o exeqüente dar impulso à fase de satisfação do crédito, sob pena de reconhecimento da prescrição intercorrente. Tanto é verdadeira a assertiva que o art. 475-L,VI prevê que a impugnação ao cumprimento de sentença, oposta pelo executado, trate de tema prescricional, desde que esta causa extintiva da obrigação seja superveniente à sentença (transitada em julgado) [51]. Ora, se o executado pode se defender alegando a prescrição, por certo não é aquela relativa à pretensão cognitiva, coberta pelo manto da coisa julgada material; só pode se tratar da "prescrição intercorrente" decorrente da inércia do credor na promoção do cumprimento da sentença.

10. Dúvida relevante a respeito da prescrição intercorrente cinge-se ao marco inicial para a sua contagem. Entendemos que o prazo para eventual decretação da prescrição em fase executiva inicia-se justamente após o não cumprimento do julgado pelo réu; e não do arquivamento do processo, que se dá seis meses após o não cumprimento de julgado pelo demandado, conforme previsão do art. 475-J, § 5° do CPC. Aliás, o art. 617 aponta que é a propositura da execução o ato responsável pela interrupção da prescrição, sendo que tal ato, s.m.j., pode ser realizado justamente no primeiro dia útil que se seguir ao fim do prazo de quinze dias, dado ao sucumbente, para cumprimento voluntário da condenação constante do título executivo [52].

Guilherme Rizzo Amaral traz exemplo ilustrativo que bem contempla o imbróglio: "o devedor condenado a reparar danos sofridos pelo credor poderá argüir a prescrição intercorrente três anos após ter encerrado o seu prazo para cumprir voluntariamente a sentença, caso não tenha o credor requerido a execução nesse interregno; no curso desses três anos (mais precisamente após seis meses) deverá o processo vir a ser arquivado. O ato de arquivamento sob hipótese alguma interrompe o prazo prescricional a que se faz referência, muito menos determina o (re)início de sua contagem" [53].

Vê-se, pois, que o prazo para o reconhecimento da prescrição intercorrente da pretensão executiva deve ser o mesmo que o direito material estipula para a decretação da prejudicial vinculada à pretensão cognitiva; e inicia imediatamente a partir do momento em que não cumprido voluntariamente o julgado pelo réu. Foi de três anos no exemplo acima em razão do direito material (diploma civilista) estabelecer tal lapso temporal para a demanda condenatória de reparação de danos; e seria, portanto, de um ano o prazo prescricional intercorrente, v.g., se tivéssemos tratando de crédito decorrente de demanda securitária transitada em julgado envolvendo acidentes pessoais.

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. A aplicação processual do instituto da prescrição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3088, 15 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20621. Acesso em: 18 dez. 2024.

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