7 Registro e CBPF. Institutos e prazo de validade distintos.
Em referidas decisões, o TCU entendeu ser suficiente, como requisito de habilitação, apenas o registro do produto, porque, para seu deferimento, também é exigido o CBPF. Entretanto, a concessão do CBPF, para a concessão do registro, não implica sua validade perene, tanto que referido CBPF, mesmo após o deferimento do registro, deve ser renovado periodicamente. Em outras palavras, o CBPF não tem por fim apenas permitir o registro do produto ou medicamento, mas, de forma contínua, intenta garantir a qualidade do processo, visando à segurança e eficácia dos produtos e o controle dos fatores de risco à saúde do consumidor, [13] o que deve ser mantido ao longo de toda a execução contratual. [14]
Consoante se denota, a Lei n. 6.360, de 1976, em seu art. 12, estabelece que nenhum dos produtos de que trata aquele diploma, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde. No § 1º de mencionado dispositivo, encontra-se talhado que referido registro terá validade por 5 (cinco) anos e poderá ser revalidado por períodos iguais e sucessivos, mantido o número do registro inicial. O diploma legal carreia exceção quanto à validade do registro e da revalidação do registro dos produtos dietéticos, cujo prazo será de 2 (dois) anos.
O prazo de validade, entretanto, da certificação de boas práticas é, em regra, expedido com validade anual. Nesse vértice, convém registrar que a Lei n. 11.972, de 2009, amplia referido prazo para 2 (dois) anos para os produtos sujeitos ao regime de vigilância sanitária, que constam dos subitens dos itens 1.4, 2.4, 4.3, 6.4, 7.2 e 7.3 da tabela do Anexo II da Lei n. 9.782, de 1999, verbis:
Art. 1o Os prazos para renovação das Certificações de Boas Práticas dos produtos sujeitos ao regime de vigilância sanitária, que constam dos subitens dos itens 1.4, 2.4, 4.3, 6.4, 7.2 e 7.3 da tabela do Anexo II da Lei no 9.782, de 26 de janeiro de 1999, com a redação dada pela Medida Provisória no 2.190-34, de 23 de agosto de 2001, ficam alterados para 2 (dois) anos.
§ 1o Para fins de renovação das Certificações referidas no caput, nos anos em que não esteja prevista inspeção, os estabelecimentos deverão realizar autoinspeção, conforme regulamento, submetendo o relatório à autoridade sanitária nacional, mantido o recolhimento anual das taxas respectivas.
§ 2o O Certificado concedido com base neste artigo poderá ser cancelado a qualquer momento, caso seja comprovado pela autoridade sanitária competente o não cumprimento das boas práticas.
Assim, com fulcro na lei de regência e contrapondo à afirmativa de que o registro supre a necessidade do Certificado de Boas Práticas, conclui-se que a validade do BPF (Boas Práticas de Fabricação) difere da validade do registro; conquanto seja indispensável para o registro do produto, a certificação de BPF precisa ser renovada periodicamente; a validade da certificação BPF não necessariamente coincide com a validade do registro do produto, sendo, pois, possível uma empresa possuir registro válido do produto ou medicamento e certificação BPF expirada, de consequencia, não sendo assegurada a qualidade do processo produtivo, precarizando a segurança e eficácia dos produtos sanitários e o controle dos fatores de risco à saúde do consumidor.
Aspecto outro não menos importante é que, na prática, deslocada a exigência do CBPF, nas minutas de editais, do campo alusivo aos requisitos de habilitação para as obrigações contratuais, agravaria uma das fases críticas da contratação pública, que é a fiscalização da execução dos contratos administrativos [15], deficiência notória na Administração Pública, ao passo que, exigindo-se na habilitação, com a simples conferência de documentação, a Administração rechaçaria os interessados não possuidores de tal Certificado, regra essa, que, contida no edital, aplica-se indistintamente a todos os interessados, não havendo falar em lesão à isonomia.
8 Manifestações do Poder Judiciário pela legalidade da exigência do CBPF
Recentes julgados do Tribunal Regional da 1ª Região e do Tribunal Regional da 4ª Região, além do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul corroboram a tese da legalidade da exigência do CBPF aqui defendida, consoante se verifica nas ementas a seguir transcritas:
PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO LICITATÓRIO. CERTIFICADO DE BOAS PRÁTICAS DA ANVISA. VIGILÂNCIA SANITÁRIA. 1. A exigência de apresentação do Certificado de Boas Práticas da ANVISA pelos licitantes encontra respaldo na legalidade (Leis nº 8.666/93 e 10.520/02), constituindo-se também em elemento configurador da precaução no trato com as questões que envolvem a saúde dos pacientes. 2. Pode configurar dano irreparável à saúde pública a aquisição de insumos médicos não seguros, e causar dano ao Erário a aquisição dos mesmos em regime de urgência, em face da suspensão da licitação. (TRF 4 – AG 200904000002474, Rel. MARGA INGE BARTH TESSLER – D.E. 25.5.2009)
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO AO EDITAL. CABIMENTO E LEGALIDADE DA EXIGÊNCIA. RESPEITO AO PRAZO DE OITO DIAS ENTRE O AVISO DA LICITAÇÃO E A ABERTURA DAS PROPOSTAS.
1. Cabe ao Poder judiciário a análise da legalidade das exigências feitas pela Administração em edital de licitação. 2. As licitações são submetidas ao princípio da vinculação ao edital, que só pode ser afastado quando as exigências previstas se mostrarem desnecessárias ou ilegais. 2. Caso concreto em que não é ilegal, nem se mostra descabida, a exigência de apresentação de Certificado de Boas Práticas de fabricação como exigência para habilitação em licitação cujo objeto é aquisição de próteses para hospitais da rede pública. (Apelação Cível n. 70030652614 – RELATOR: Denise Oliveira Cezar – Diário de Justiça do dia 06/01/2010)
LICITAÇÃO E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. EDITAL. EXIGÊNCIA DE CERTIFICAÇÃO DE BOAS PRÁTICAS DE FABRICAÇÃO E CONTROLE DA ANVISA. NÃO APRESENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO.
Prevendo o edital a apresentação de Certificação de boas práticas de Fabricação e Controle expedido pela ANVISA, não pode sagrar-se vencedora empresa que não apresentar o documento, sob pena de infringência ao princípio da vinculação ao edital
. HIPÓTESE DE NEGATIVO DE SEGUIMENTO AO RECURSO. (Agravo de Instrumento n. 70029408721, Vigésima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rejane Maria Dias de Castro Bins, Julgado em 09/04/2009).
No mesmo prumo, foi proferida decisão em 26.10.2010 pelo TRF 1ª Região no Agravo de Instrumento n. 0051844-72.2010.4.01.0000/DF, Rel. Desembargador Federal Jirair Aram Megueriam, Relator Convocado Juiz Federal Ricardo Gonçalves da Rocha Castro.
9 Conclusões
O registro sanitário não se confunde com a certificação de boas práticas de fabricação, conquanto este seja imprescindível para a concessão do registro.
O registro de produtos, insumos, medicamentos, substâncias e correlatos consubstancia-se na inscrição, em livro próprio após o despacho concessivo do dirigente do órgão sanitário, sob número de ordem, com a indicação do nome, fabricante, da procedência, finalidade e dos outros elementos que os caracterizem, ao passo que o CBPF é o documento emitido pela autoridade sanitária federal declarando que o estabelecimento licenciado cumpre com os requisitos de boas práticas de fabricação e controle.
A exigência de apresentação do CBPF pelos licitantes encontra guarida na legalidade (Art. 30, inciso IV, da Lei n. 8.666, de 1993 c/c a Lei n. 9.782, de 1999), constituindo-se também em elemento concretizador da imprescindível segurança atinente ao dever constitucional de prestar a saúde, ao assegurar a qualidade do processo produtivo, a segurança e eficácia dos produtos sanitários, bem como o controle dos fatores de risco à saúde do consumidor, não se apresentando, por isso, excessiva.
O Supremo Tribunal Federal não declarou a inconstitucionalidade da exigência do CBPF, como requisito de qualificação técnica, nas contratações públicas, restando, portanto, presumível a sua constitucionalidade, a par, ainda, de, tal regramento ser a todos estendida, não havendo, pois, falar em ofensa à isonomia.
10 Referências
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BARROS, Wellington Pacheco. Licitações e contratos administrativos. São Paulo: Atlas, 2009.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2ª ed.. São Paulo: Malheiros, 2003.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005.
LOPES DE TORRES, Ronny Charles. Leis de licitações públicas comentadas. 3ª ed. rev., atual. e ampl.. Salvador: Juspodivm, 2010.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.
MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
MENDES, Renato Geraldo. O regime jurídico de contratação pública. Curitiba: Zênite, 2008.
_____________. Lei de licitações e contratos anotada. 7ª ed. rev. e atual.. Curitiba: Zênite, 2009.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à lei de licitações e contratações da administração pública. 8ª ed. rev., atual. e ampl.. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.
Notas
- Ensina Ronny Charles que A qualificação técnica tem como escopo a verificação da habilidade ou aptidão (capacidade técnica) para a execução da pretensão contratual. Por isso mesmo, ela deve ser proporcional ao objeto contratual, limitando sua restrição, conforme preceito fundamental da Constituição (Art. 37, inc. XXI), aos limites de garantia do cumprimento das obrigações. LOPES DE TORRES, Ronny Charles. Leis de licitações públicas comentadas. 3ª ed. rev., atual. e ampl.. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 178.
- Na seara administrativa em que um dos pilares se assenta na legalidade, em determinados casos, como os da espécie que se consubstancia em exceção, a interpretação a ser carreada deve ser estrita, onde a exegese verbal toma as palavras em sua acepção rigorosa, em seus estreitos termos, não devendo o intérprete restringir o alcance da norma, sob pena de ferir o intento legislativo. Nesse vértice, Carlos Maximiliano leciona: [...] Outrora distinguiam a interpretação em – gramatical e lógica, subdivididas, a primeira, em estrita e lata, e a segunda, em restrita, declarativa e extensiva. Se a exegese verba tomava as palavras no significado amplo, denominavam lata; se preferia considerá-las na acepção rigorosa, apelidavam-na estrita. [...] Optava-se pela exegese restritiva, quando a fórmula era ampla em excesso, uma linguagem imprecisa fazia compreender no texto mais do que planejaram incluir no mesmo: potius dixit quam voluit – ‘disse mais do que pretendeu exprimir’. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999, p. 197-198.
- BRASIL. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Primeira Câmara. Ata 07/2010. Sessão 16/03/2010. Aprovação 17/03/2010. D.O.U. 19/03/2010.
- Lei n. 8.666, de 1993, § 5º. É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que inibam a participação na licitação.
- CRFB/88, Art. 5º, inc. XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
- Disponível em http://www.stf.jus.br. Acesso em 20.12.2010.
- STF – ADI (QO) n. 2.982/CE, rel. Min. Gilmar Mendes: "Extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos não impugnados expressamente na inicial. Inconstitucionalidade por arrastamento". STF – ADI n. 3.645/PR, rel. Min. Ellen Gracie "Declaração de inconstitucionalidade conseqüencial ou por arrastamento de decreto regulamentar superveniente em razão da relação de dpendência entre sua validade e a legitimidade constitucional da lei objeto da ação".
- 1. MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de Direito Constitucional. 4ª ed. rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 1298-1299.
- Ata 03/2010 – Plenário. Sessão 03/02/2010. Aprovação 04/02/2010. D.O.U. 05/02/2010
- Ibidem.
- Ibidem.
- Ibidem.
- Disponível em: http://portal.anvisa.gov.br/wps/portal/anvisa/home/produtossaude?cat=Boas+Praticas&cat1=com.ibm.workplace.wcm.api.WCM_Category%2FBoas+Praticas%2Fa7236f004f6bfd2bafe3bfc894994279%2FPUBLISHED&con=com.ibm.workplace.wcm.api.WCM_Content%2FBoas+Praticas%2Fa6aad9804098da2ca6c7ee7232b7a538%2FPUBLISHED&showForm=no&siteArea=Produtos+para+a+Saude&WCM_GLOBAL_CONTEXT=/wps/wcm/connect/anvisa/Anvisa/Inicio/Produtos+para+a+Saude/Publicacao+Produtos+para+a+Saude/Boas+Praticas Acesso em 4.1.2010.
- Lei n. 8.666, de 1993. Art. 55, inciso XIII: a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.
- O regime de Direito Administrativo atribui à Administração o poder-dever de fiscalizar a execução do contrato (art. 58, III). [...] O dispositivo deve ser interpretado no sentido de que a fiscalização pela Administração não é mera faculdade assegurada a ela. Trata-se de um dever, a ser exercitado para melhor realizar os interesses fundamentais. Parte-se do pressuposto, inclusive, de que a fiscalização induz o contratado a executar de modo mais perfeito os deveres a ele impostos. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 780-781.