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Atraso na entrega de imóveis comprados na planta e suas consequências

27/12/2011 às 10:10
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As construtoras argutamente inserem no contrato de compra e venda a chamada cláusula compromissória, obrigando o consumidor a excluir o Poder Judiciário de eventual conflito, como, por exemplo, atraso na entrega do imóvel.

Crescem no Brasil as demandas judiciais ditas de massa, a tal ponto que não seria exagero afirmar que elas são em grande parte uma das responsáveis pelo perceptível emperramento da máquina judiciária.

Sabe-se que em fase final de julgamento ─só para citar um entre inúmeros casos─ há uma quantidade gigantesca de ações relativas aos denominados expurgos inflacionários (Planos Bresser, Verão, Collor I e II), em que poupadores das décadas de 80/90 reivindicam judicialmente a correta remuneração de suas cadernetas de poupança. E enquanto poupadores e Federação dos Bancos (Febraban) se digladiam à espera da sempre adiada decisão final sobre a questão, que está a cargo do Supremo Tribunal Federal, dada à repercussão geral do assunto, o Poder Judiciário se vê às voltas com os reflexos de um fenômeno recente, decorrente das sensíveis mudanças econômicas ocorridas na sociedade brasileira. Trata-se do vertiginoso crescimento de ações propostas por consumidores contra as construtoras, em virtude do insuportável atraso na entrega de imóveis adquiridos por eles na planta, principalmente dos residenciais. Até que ponto convém esperar pela prometida entrega das chaves é a pergunta que mais se ouve entre os perplexos adquirentes desses imóveis. Há um certo receio de se buscar socorro imediato no Judiciário; de um lado, porque essa alternativa sempre deve ser usada como último recurso. Afinal, a Justiça ─considerando a incrível demora na solução de qualquer causa, por mais simples que seja─ já não conta com muita credibilidade da população; até poder-se-ia dizer que ela está um pouco desmoralizada, havendo quem assevere que "não desfruta do que se possa chamar de boa imagem pública, porque o povo não confia nela e nem nos magistrados, que são vistos por muitos como venais, preguiçosos, privilegiados e ineficientes, dentes de uma engrenagem diabólica e enredada, de assombrosa lentidão e ineficácia" (João Ubaldo Ribeiro, Agora Ficou Claro, texto publicado no Estado de São Paulo, em 17.07.2005). Por outro lado, as construtoras argutamente inserem no contrato de compra e venda a chamada cláusula compromissória, de acordo com a qual "as partes comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato" (art. 4º da Lei da Arbitragem). Ou seja, obrigam o consumidor a excluir o Poder Judiciário de eventual conflito ocorrido no curso do contrato, como, por exemplo, atraso na entrega do imóvel adquirido. Em resumo, com o crescimento do poder aquisitivo da classe C e a fartura na concessão de financiamentos para a "sonhada compra da casa própria", surgiu um novo ponto de estrangulamento no mercado, tal como acontece sempre que há um repentino aumento da demanda por serviços e produtos à disposição dos consumidores ─vide o recente fenômeno intitulado pela mídia de apagão aéreo. A justificativa dada pelas construtoras é compreensível ─ problemas de gestão, falta de mão de obra e de materiais por causa do superaquecimento do mercado─, porém, inaceitável, pelo menos quando a demora é excessiva: seis, sete, oito meses e até anos de atraso.

Do ponto de vista de um processo judicial e mesmo cientes de que tal via pode ser árdua e às vezes infrutífera, em alguns casos, apesar de tudo, não há outra opção. E se tudo sair conforme reza a cartilha (leia-se: Código de Defesa do Consumidor), os compradores de imóvel na planta têm ao seu alcance um grande arsenal jurídico, dado não só pelo próprio Código do Consumidor como também pelo direito material comum (Código Civil), podendo pleitear judicialmente toda a gama de direitos inerentes à situação, tais como multas por atraso na entrega das chaves, indenizações por danos materiais e pessoais, rescisão contratual, devolução de parcelas pagas etc. Na maioria das vezes, no entanto, tudo dependerá da derrubada da cláusula compromissória, permitindo ao consumidor o livre acesso ao Judiciário, pois, se isso não ocorrer, terá de se valer árbitros (isto é, "juízes" não pertencentes ao Poder Judiciário), que nem sempre são preparados e têm isenção para julgar algo com tamanha importância social.

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Sobre o autor
Celso Anicet Lisboa

Professor de Direito Processual Civil na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Advogado com escritórios no Rio de Janeiro (RJ) e em São Paulo (SP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LISBOA, Celso Anicet. Atraso na entrega de imóveis comprados na planta e suas consequências. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3100, 27 dez. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20723. Acesso em: 21 nov. 2024.

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