1.Contextualização
A lei 12.551 de 15.12.2011 (publicada no DOU de 16.12.2011), já em vigor desde sua publicação, deu ao artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho a seguinte redação:
"Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.
Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio."
A redação anterior do dispositivo rezava que:
"Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego".
2.Relação de Emprego
Dentre as diversas formas de prestação de trabalho, desponta a relação de emprego como a espécie com maior potencial de conferir direitos e garantias trabalhistas. Assim, o empregado possui um rol de direitos maior quando comparado a outras categorias de trabalhadores (trabalhador autônomo, eventual, doméstico, entre outros).
Na lição de Maurício Godinho Delgado, "o fenômeno sócio-jurídico da relação de emprego deriva da conjugação de certos elementos inarredáveis (elementos fático-jurídicos), sem os quais não se configura a mencionada relação" [01].
Da combinação dos artigos 2º e 3º da CLT podemos extrair os 5 elementos caracterizadores da relação de emprego: prestação de trabalho por pessoa física; prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; de modo não eventual; sob subordinação ao tomador de serviços e com onerosidade (intuito oneroso).
No confronto da relação de emprego com as demais espécies do gênero trabalho, podemos notar como traço marcante e característico da relação de emprego a presença da subordinação.
Mas como definir subordinação? Para Sérgio Pinto Martins, "o empregado é, por conseguinte, um trabalhador subordinado, dirigido pelo empregador. O trabalhador autônomo não é empregado justamente por não ser subordinado a ninguém, exercendo com autonomia suas atividades e assumindo os riscos de seu negócio" [02].
3. Relação de Emprego e a situação prevista pelo art. 6º da CLT
Pois bem, visto como se caracteriza uma relação de emprego, temos que ter em mente que, não raras vezes, o empregador tenta mascarar, disfarçar tal relação, já que, como mencionado supra, a condição de empregado é muito mais benéfica para o trabalhador (e, consequentemente, mais onerosa para o lado patronal). Assim, muitas reclamações são propostas na Justiça do Trabalho buscando o reconhecimento judicial da relação de emprego e, assim, os direitos a ela correspondentes.
Esta questão por vezes é de simples constatação, já que os pressupostos da relação empregatícia podem despontar claramente aos olhos do julgador. Outras vezes, no entanto, é preciso uma dilação probatória mais apurada para se obter esta caracterização, principalmente no tocante ao requisito da subordinação, que é o elemento fático-jurídico que diferencia o empregado da maioria dos outros trabalhadores.
4.A subordinação e o poder diretivo do empregador
Pela visão clássica do conteúdo da subordinação, o empregado deve prestar serviços ao empregador sob o rígido poder de direção deste. Assim, a subordinação se caracteriza com a presença constante e forte de ordens específicas do empregador ou de seus prepostos, com fiscalização assídua destes, podendo o empregado eventualmente sofrer punição disciplinar [03].
Explica Ricardo Resende, o poder diretivo "é o poder de dirigir a organização da estrutura e do espaço interno da empresa, bem como o processo de trabalho, pelo qual o empregador comanda a energia de trabalho do empregado no sentido que melhor lhe aproveite" [04]. É em razão deste poder diretivo se concentrar na figura do empregador que há, na relação de emprego, a característica da alteridade, ou seja, a assunção de todos os riscos e proveitos do empreendimento pelo empregador, e daí decorre o caráter forfetário do salário do empregado.
Percebemos, portanto, que o instituto da subordinção está intimamente ligado ao poder diretivo do empregador sobre seu empreendimento e, em sua forma mais tradicional, se dá por ordens e fiscalização diretas do empregador e/ou seus prepostos sobre a atividade desenvolvida pelo empregado [05].
5.Novas formas de prestação de serviços à distância
Nas últimas décadas, em virtude das muitas mudanças sofridas pelo sistema produtivo, o apogeu da "Era Digital", o fenômeno da Globalização e outros fatores relevantes, presenciamos o surgimento de novas formas de prestação de trabalho.
Como se sabe, a CLT data do ano de 1943, tempo de realidade muito distinta da vivida nos dias de hoje. É inconteste na doutrina que a CLT está muito superada em vários institutos, por não ter recebido a devida atualização legislativa no passar dos anos. Neste contexto, os tribunais trabalhistas e a doutrina sempre exerceram um papel de suma importância, na medida em que buscam sempre uma interpretação evolutiva e atual dos dispositivos celetistas.
Neste diapasão, Ana Paula Pellegrina Lockman encerra que "aquela visão de que a produção tem início e fim no mesmo espaço físico, não mais é necessariamente verdadeira" [06].
Conseqüência direta da nova sociedade em que vivemos atualmente, surgiu a figura do teletrabalho, que, nos dizeres de Lockman, "consiste em uma nova forma de atividade em que o trabalhador executa suas tarefas fora da empresa, utilizando-se do avanço da tecnologia na área da informática e comunicação" [07].
Nos dizeres de José Augusto Rodrigues Pinto, "teletrabalho corresponde a uma atividade de produção ou de serviço que permite o contrato à distância entre o apropriador e o prestador da energia pessoal" [08].
A professora Vólia Bonfim explica que "o teletrabalho pode ser desenvolvido no domicílio do empregado ou em um centro de computação, um escritório virtual ou alugado por hora para este fim aos interessados, pois há uma descentralização do estabelecimento, pulverizando a comunidade obreira" [09].
6.Visão moderna da subordinação
Do confronto entre os conceitos de teletrabalho e subordinação apresentados, vimos que há uma certa incompatibilidade, visto que no teletrabalho não é possível ao empregador e/ou seus prepostos emanarem ordens diretas nem fiscalizar a atividade desenvolvida.
Partindo da insuficiência do conceito clássico de subordinação, evidenciado neste caso, surgiram novos conceitos acerca do instituto. Nesta esteira, Maurício Godinho Delgado desenvolveu a tese da subordinação estrutural, como sendo aquela "que se expressa pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento" [10].
Perceba que este conceito destaca haver subordinação "independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas", ou seja, este conceito acaba por se encaixar perfeitamente à noção de teletrabalho ou trabalho a distância.
Cabe relembrar o texto do parágrafo único inserido ao artigo 6º da CLT, que diz que "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.".
No mesmo sentido, Sérgio P. Martins observa que "a subordinação que existe entre empregador e teletrabalhador é denominada de parassubordinação ou de telessubordinação, isto é, de subordinação à distância" [11].
Desta feita, não se pode olvidar que estas novas modalidades de trabalho estão sim sob o manto protetivo da relação de emprego e do direito do trabalho.
Neste sentido, mesmo antes da lei in comento ser publicada, decidiu o TST [12]:
Nessa perspectiva, a idéia essencial é a de que no novo contexto da atividade produtiva da empresa pós-industrial e flexível, torna-se dispensável a ordem direta do empregador, que passa a ordenar apenas a produção, como um todo, em que o controle se faz por meio do resultado do trabalho, como ocorre, por exemplo, no teletrabalho.
Rompe-se nessa nova visão do fenômeno da subordinação, com o conceito clássico de hierarquia funcional, pois nesse ambiente pós-grande indústria cabe ao trabalhador ali inserido habitualmente apenas 'colaborar'. A nova organização do trabalho, pelo sistema da acumulação flexível, imprime uma espécie de cooperação competitiva entre os trabalhadores que prescinde do sistema de hierarquia clássica, na medida em que a subordinação jurídica tradicional foi pensada para a realidade da produção fordista e taylorista, fortemente hierarquizada e segmentada, ao passo que no sistema ohnista, de gestão flexível, prevalece o binômio colaboração-dependência, mais compatível com uma concepção estruturalista da subordinação.
Assim, é essa a idéia essencial que se deve ter do fenômeno da subordinação nesse novo modelo de organização empresarial e de produção pós-industrial e flexível, vigente atualmente em praticamente todos os países submetidos ao regime capitalista, inclusive aqui no Brasil. Essa nova forma de ver a subordinação permite se inserir, no âmbito de tutela das normas do trabalho humano, várias modalidades de prestação laboral surgidas com o desenvolvimento e o avanço tecnológico, especialmente no campo informacional, nomeadamente nas empresas que terceirizam a grande maioria de suas atividades, inclusive aquelas consideradas como atividades-fim, como ocorreu no caso da acionada que terceirizou, de forma ilegal, o serviço de call Center, que na verdade integra a atividade-fim das empresas concessionárias do serviço de telefonia.
7.Tratamento legal, jurisprudência e doutrina
Antes do novo diploma e, portanto, sob a égide da antiga redação do artigo 6º da CLT, tínhamos a previsão de não diferenciação, para fins de caracterização da relação de emprego, entre o trabalho prestado no estabelecimento do empregador e o prestado no domicílio do empregado. Afinal, entre os requisitos necessários à relação de emprego, já vistos, não consta necessitar ser o trabalho prestado no estabelecimento do empregador.
Ao se referir ao trabalho prestado no domicílio do empregado (mantido na nova redação), a intenção foi abranger aqueles empregados, pessoas físicas, que executam seu labor em casa, porém com pessoalidade, não eventualidade, subordinação e onerosidade, como ocorre, por exemplo, com muitos pespontadores (profissionais tarefeiros que costuram calçados manualmente). Portanto, em casos como este nunca pairou dúvidas acerca da presença da relação de emprego (verificada a presença dos demais requisitos).
Já quanto ao trabalho prestado fora do estabelecimento da empresa e também fora do domicílio do empregado, em que pese a até então ausência de previsão legal, seu enquadramento como relação de emprego já era reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, como demonstrado no trecho de acórdão supra e no seguinte:
O teletrabalho e o trabalho em domicílio (home office) tornaram-se freqüentes nas últimas décadas em face da invenção, aperfeiçoamento e generalização de novos meios comunicacionais, ao lado do advento de novas fórmulas organizacionais e gerenciais de empresas e instituições. Isso não elimina, porém, necessariamente, a presença de subordinação na correspondente relação socioeconômica e jurídica entre o trabalhador e seu tomador de serviços, desde que ultrapassado o conceito tradicional desse elemento integrante da relação empregatícia em favor de sua dimensão objetiva ou, até mesmo, em favor do conceito de subordinação estrutural. Dentro deste novo, moderno e atualizado enfoque da subordinação, os trabalhadores em domicílio, mesmo enquadrando-se no parâmetro do home office, podem, sim, ser tidos como subordinados e, desse modo, efetivos empregados. Não obstante, não se pode negar que, de maneira geral, em princípio, tais trabalhadores enquadram-se no tipo jurídico excetivo do art. 62 da CLT, realizando o parâmetro dasjornadas não controladas de que fala a ordem jurídica trabalhista (art. 62, I, CLT). Por outro lado, a possibilidade de indenização empresarial pelos gastos pessoais e residenciais efetivados pelo empregado no exercício de suas funções empregatícias no interior de seu home office supõe a precisa comprovação da existência de despesas adicionaisrealizadas em estrito benefício do cumprimento do contrato, não sendo bastante, em princípio, regra geral, a evidência de certa mistura, concorrência, concomitância e paralelismo entre atos, circunstâncias e despesas, uma vez que tais peculiaridades são inerentes e inevitáveis ao labor em domicílio e ao teletrabalho. Finalmente, havendo pagamento pelo empregador ao obreiro de valores realmente dirigidos a subsidiar despesas com telefonemas, gastos com informática e similares, no contexto efetivo do home office, não têm tais pagamentos natureza salarial, mas meramente instrumental e indenizatória. Na mesma linha, o fornecimento pelo empregador, plenamente ou de modo parcial, de equipamentos para a consecução do home office obreiro (telefones, microcomputadores e seus implementos, etc.) não caracteriza, regra geral, em princípio, salário in natura, em face de seus preponderantes objetivos e sentido instrumentais. [13]
Portanto, para o TST, no que concordamos, as parcelas pagas ao obreiro a título de restituir os gastos com telefone, energia elétrica, suprimentos de informática, entre outros, não possuem natureza contraprestativa ou salarial, mas sim meramente indenizatória. Além disto, a cessão pelo empregador de equipamentos também não caracteriza salário in natura, a priori, já que seu uso destina-se para o trabalho, não tendo sido cedidos como retribuição pelo trabalho.
Representando a doutrina, Vólia Bonfim Cassar já defendia: "Empregado em domicílio é espécie de teletrabalhador, pois executa seus serviços fora do estabelecimento do patrão. Como não há regras destinadas a esses tipos de trabalhadores sugere-se uma interpretação extensiva dos dispositivos destinados aos empregados em domicílio" [14].
Assim, segundo este posicionamento, seria prescindível a alteração promovida pela lei 12.551 de 2011, porquanto a redação anterior permitira, a partir de interpretação extensiva, abranger as novas modalidades de trabalho a distância.
8. Conclusão
A par destas informações, cabe ressaltar que a alteração em comento teve um caráter nitidamente ampliativo da norma até então em vigor, já que não a contraria, apenas a complementa, sendo, portanto, uma alteração de cunho aditivo, vez que acrescentou uma nova situação fático-jurídica à regra da não relevância jurídica do local da prestação dos serviços para fins de caracterização da relação empregatícia, qual seja o trabalho "realizado a distância", desde que satisfeitos todos os requisitos da relação de emprego, em conformidade com doutrina e jurisprudência.
Portanto, percebemos que o grande feito da Lei 12.551/11 foi reconhecer, legalmente, a existência da subordinação em uma nova modalidade de prestação de serviços, qual seja o trabalho a distância, garantindo, aos trabalhadores inseridos neste contexto, a proteção integral trabalhista, na conformidade do que já pugnavam tanto a doutrina como a jurisprudência.
Assim, a nova regulamentação tende a facilitar a comprovação em juízo da existência da relação empregatícia, pois a partir de agora já opera uma presunção, diga-se, relativa, acerca de sua existência no trabalho a distância.
Postulamos, além da existência desta presunção de subordinação e relação empregatícia, que ela opera a favor do trabalhador, sendo, nestes casos, ônus do empregador a comprovação da não existência da subordinação e, consequentemente, da relação de emprego (aplicação do princípio protetor ou tuitivo na seara processual), com fulcro no princípio da continuidade, calcado na S. 212 do C. TST [15].
Ex positis, temos como providencial a alteração promovida pela Lei 12.551/11, já que o texto positivado traz maior segurança jurídica aos jurisdicionados, não deixando dúvidas acerca dos direitos de muitos trabalhadores, tendo em vista que a alteração milita no sentido de reforçar a existência da relação empregatícia nas situações de trabalho a distância, além de promover a atualização da legislação, o que é sempre salutar.
Notas
- DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. Ed. LTR, 2010, p. 269.
- MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. Ed. Atlas, 2005, pág. 93.
- LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Visão atual da subordinação no direito do trabalho in Leituras complementares de direito e processo do trabalho. FREIRE E SILVA, Bruno (org.). Ed. JusPodivm, 2010, p. 30.
- RESENDE, Ricardo. Direito do trabalho esquematizado. Ed. Método, 2011, pág. 300.
- Por isto podemos afirmar que a subordinação é jurídica, ou seja, recai sobre o modus da prestação de serviços e, não pessoal, sobre a pessoa do empregado. Também não se fala em subordinação econômica, pois a condição econômica do empregado perante o empregador nem sempre é de inferioridade. Ainda não se concebe a subordinação como técnica, vez que não raro há empregados com notória especialização e que não dependem tecnicamente do empregador.
- LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Visão atual da subordinação no direito do trabalho in Leituras complementares de direito e processo do trabalho. FREIRE E SILVA, Bruno (org.). Ed. JusPodivm, 2010, p. 31.
- LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Visão atual da subordinação no direito do trabalho in Leituras complementares de direito e processo do trabalho. FREIRE E SILVA, Bruno (org.). Ed. JusPodivm, 2010, p. 32
- PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de direito individual do trabalho. Ed. Ltr, 2000, p. 115.
- CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Ed. Impetus, 2010, p. 183.
- DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho. Ed. LTR, 2010, p. 284.
- MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. Ed. Atlas, 2001, pág. 95.
- TST-AIRR e RR-139100-46.2009.5.24.0006 . Ministro Relator Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira. Brasília, 04 de maio de 201.
- TST-AIRR-62141-19.2003.5.10.0011. Ministro relator Maurício Godinho Delgado. Brasília, 07 de abril de 2010.
- CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Ed. Impetus, 2010, p. 182.
- Súmula 212 do TST: "O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado".