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Doação conjuntiva: erro implícito em manifestação de vontade perfeita

17/01/2012 às 16:02
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Como fica a situação do donatário que é beneficiado com certo patrimônio e é casado no regime da comunhão universal de bens?

Quem é que, na experiência de satisfatórios anos na carreira notarial, não se deparou com o cliente que, chegando ao cartório, expõe a vontade de doar certo patrimônio a sua filha e a seu genro? E quantos de nós acabamos por lavrar este instrumento de liberalidade, nele consubstanciando toda a manifestação de vontade explanada pelo doador, sem ao menos lembrarmos do disposto no parágrafo único do artigo 551 da legislação civil vigente?

Nossa legislação civil atual nada mudou quanto ao teor do Código de 1.916, com relação a doação feita a mais de uma pessoa (ou como denominado pela doutrina – DOAÇÃO CONJUNTIVA). O artigo 551 em seu caput estabelece que "salvo declaração em contrário, a doação comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual". Este dispositivo é claro ao estabelecer regra pra a distribuição de um bem doado a mais de uma pessoa em partes iguais aos donatários, salvo se o doador manifesta vontade quanto a desigualdade no momento da liberalidade.

Em contrapartida, o disposto no parágrafo único do mesmo artigo prescreve que "se os donatários, em tal caso, forem marido e mulher, subsistirá na totalidade a doação para o cônjuge sobrevivo".

Percebe-se com este dispositivo, que assim como o caput, o parágrafo único estabelece uma regra que, s.m.j, extrapola a manifestação de vontade do doador, pois o legislador estabelece regra a essa manifestação de vontade, prescrevendo que caso um dos cônjuges agraciados com a doação faleça, sua fração automaticamente se transfere ao cônjuge sobrevivente. Temos nesta situação típica exceção à regra do disposto no artigo 1.784 do Código Civil, que diz "aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". Entende-se a abertura da sucessão com o falecimento de alguém, e se esse alguém tem patrimônio em seu nome, o mesmo transmite-se de imediato (com a morte) aos seus herdeiros legítimos e testamentários. Na hipótese da doação conjuntiva não há que se incluir no inventário a fração ora doada ou existindo como patrimônio tão somente a fração doada, não há que se falar nem na abertura do inventário para a transmissão do patrimônio aos seus herdeiros legítimos ou testamentários.

Nesta hipótese, o patrimônio doado também ao outro cônjuge, passa a pertencer ao sobrevivente na totalidade, excluindo o direito sucessório dos herdeiros. Será que é essa a vontade do doador? Ou será que ele gostaria que em caso de falecimento de qualquer dos cônjuges (sua filha, por exemplo), que se fizesse a abertura do inventário e o patrimônio doado passasse a pertencer aos seus netos?

Se a vontade do doador é que em caso de falecimento de qualquer um dos cônjuges, o patrimônio doado passe a pertencer aos seus netos, necessários se faz excluir a aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil. Têm-se, como já mencionado, que a regra é a de que falecendo um dos cônjuges, o outro terá o patrimônio doado na totalidade. Para não valer a regra, necessário mencionar expressamente no corpo do contrato de doação a não aplicabilidade do disposto no parágrafo já mencionado, pois não sendo norma cogente (aquela que não pode ser modificada nem por manifestação de vontade), poderá a aplicabilidade do mesmo ser excluído por manifestação de vontade das partes, e neste caso, principalmente do doador.

Outro detalhe que chama atenção nesta hipótese é que o legislador não faz distinção quanto ao regime de bens do casal, ou seja, uma vez casados em qualquer dos regimes existentes, e sendo o casal beneficiado na doação, se não houver expressamente a exclusão de aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551, em caso de falecimento de qualquer dos donatários, o cônjuge sobrevivo terá o patrimônio doado em sua totalidade.

Complicada é a situação de quem é casado no regime da comunhão universal de bens. Quando o casal é beneficiado no momento da liberalidade, não há dúvida quanto à aplicabilidade do disposto no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, salvo expressa exclusão. Mas, como fica a situação do donatário que é beneficiado com certo patrimônio e é casado no regime da comunhão universal de bens, se o disposto no inciso I do artigo 1.668, diz que "são excluídos da comunhão, os bens doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar".(grifo nosso)?

O regime da comunhão universal de bens tem como regra a comunicabilidade de todo o patrimônio do casal, presentes e futuros e suas dívidas passivas (artigo 1.667, CC), salvo as hipóteses previstas no artigo 1.668, em especial o já mencionado inciso I.

Se levássemos em consideração que todo o patrimônio se comunicaria, a doação também beneficiaria o cônjuge do donatário, salvo incomunicabilidade expressa imposta pelo doador. Nessa hipótese, poderíamos até visualizar a aplicabilidade aqui do disposto no parágrafo único do artigo 551, CC, uma vez que indiretamente a manifestação de vontade do doador beneficia também o cônjuge, e falecendo qualquer dos cônjuges na doação conjuntiva, a doação subsistirá na totalidade ao cônjuge sobrevivo.

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Dúvidas pairaram sobre o assunto. Aplica-se ou não a regra da doação conjuntiva prescrita no parágrafo único do artigo 551 do Código Civil, quando somente uma pessoa é beneficiada por doação, sendo casada no regime da comunhão universal de bens, uma vez que para não haver a comunicabilidade com seu cônjuge, necessário o doador impor expressamente a incomunicabilidade?

Hoje é pacífico o entendimento de que, em todos os casos de doação conjuntiva, leva-se em consideração a manifestação de vontade do doador, uma vez que doação é formada por dois elementos: o primeiro o SUBJETIVO, que nada mais é do que a vontade de doar (animus donandi); e, somado a este elemento, o OBJETIVO, que consistente na efetiva transmissão do patrimônio ao donatário, com a diminuição de patrimônio do doador. Sendo assim, se no ato da instrumentalização da doação o casal é beneficiado com certo patrimônio, em caso de falecimento de qualquer um deles, a doação subsistirá na totalidade para o cônjuge sobrevivo, aplicando a regra do parágrafo único do artigo 551 da legislação civil vigente. Mas, se a doação é feita a somente um dos cônjuges, casado no regime da comunhão universal de bens, ainda que indiretamente esteja se comunicando ao outro, não se aplica neste caso a regra de doação conjuntiva, pois leva-se em consideração a manifestação de vontade do doador, qual seja, beneficiar diretamente alguém (cônjuge fulano de tal), restando ao doador, se assim for sua vontade, impor à doação a cláusula restritiva de incomunicabilidade, transformando-se o patrimônio doado, em exclusivo do donatário.

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Sobre o autor
Marcos Agamenon Goes de Souza

Escrevente do 3º Tabelião de Notas de Presidente Pruente/SP e Professor de Direito Civil da Uniesp - Campus de Presidente Prudente/SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcos Agamenon Goes. Doação conjuntiva: erro implícito em manifestação de vontade perfeita. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3121, 17 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20871. Acesso em: 22 dez. 2024.

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