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Excesso de prazo injustificado da prisão cautelar: Estado tem o dever de indenizar

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Em razão da demora injustificada da prestação da tutela jurisdicional, nasce o dever do Estado de indenizar o particular que se encontre preso provisoriamente há tempo bem superior ao que se entende por razoável.

Recentemente, veiculou-se no site do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a notícia de que a Quinta Turma de referida Corte Superior concedeu habeas corpus a fim de que dois réus, que se encontravam presos cautelarmente há sete anos, aguardassem seu julgamento em liberdade. Esse acórdão foi proferido no HC nº 112.026/AL, da relatoria do Ministro Gilson Dipp. Confira-se a ementa do julgado mencionado:

"PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO DOLOSO. EXCESSO DE PRAZO. PRISÃO HÁ MAIS DE 7 (SETE) ANOS. PRONÚNCIA PROLATADA HÁ 2 (DOIS) ANOS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO DE JULGAMENTO PERANTE O JÚRI. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA.

I. Hipótese em que foi decretada a prisão preventiva dos pacientes por ocasião do recebimento da denúncia, em 09/01/2004, tendo os mesmos permanecido presos durante toda a instrução processual, que só se encerrou quase quatro anos depois.

II. Embora não acolhida a alegação de excesso de prazo pela Corte Estadual, a tramitação dos autos já não se apresentava adequada, pois ainda que se ponderasse acerca de eventual complexidade do feito, o mesmo permaneceu paralisado por um ano, com encerramento tardio e sem conclusão das oitivas das testemunhas.

III. Independentemente da prolação da decisão de pronúncia e de eventuais percalços no decorrer da instrução processual, restou evidenciado o excesso de prazo desde o início da persecução criminal até a finalização da instrução e também posteriormente à decisão de pronúncia, sem que a defesa tenha concorrido para tanto.

IV. Não obstante a prolação da pronúncia, fica afastada a aplicação da Súmula 21/STJ, diante da ausência de qualquer previsão de julgamento perante o Júri Popular, em patente violação ao princípio da razoabilidade.

V. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator".

(STJ, HC 112.026/AL, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em 02/08/2011, DJe 17/08/2011).

Em outras ocasiões, o STJ, por meio tanto de sua Quinta quanto de sua Sexta Turma (ambas competentes para apreciação de matéria penal), concedeu a ordem em habeas corpus para que fossem colocados em liberdade réus que também se encontravam recolhidos, por força de prisão cautelar, há período superior a três, quatro, cinco anos. Nesse sentido, dentre outros, os habeas corpus nos 74.852/PE [01], 117.466/SP [02] e 103.683/SP [03].

O ponto em comum desses julgados é que, em todos eles, o STJ entendeu ser ilegal a prisão cautelar por excesso de prazo para formação da culpa, sendo injustificável a demora na conclusão da instrução criminal, que em muito ultrapassou os limites da razoabilidade, tomando contornos de verdadeira antecipação da pena.

O fato é que, em situações como essa, de prisão cautelar manifestamente ilegal, cujo excesso de prazo transcende os limites da razoabilidade, há inequívoca ofensa aos postulados constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da presunção de não-culpabilidade (art. 5º, LXVII), do devido processo legal (art. 5º, LIV) e, por fim, da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII), de modo que, assim, em razão da demora injustificada da prestação da tutela jurisdicional, nasce o dever do Estado de indenizar o particular que se encontre preso provisoriamente há tempo bem superior ao que se entende por razoável.

Comungando desse mesmo entendimento, em dois únicos e antológicos julgados, quais sejam, os Recursos Especiais (REsp) nos 802.435/PE [04] e 872.630/RJ [05], a Primeira Turma do STJ entendeu ser devida a indenização a réus que, aguardando o término de seus processos, encontravam-se recolhidos cautelarmente há treze e sete anos, respectivamente.

Como é cediço, é direito do réu ser julgado o mais rápido possível, sem que isso, no entanto, importe em atropelos às etapas processuais e aos direitos do acusado. Mais do que isso: em atenção ao postulado constitucional da razoável duração do processo, é dever do Estado julgar, com celeridade, o réu que se encontre preso cautelarmente, sob pena de, não o fazendo, ter que indenizá-lo pela demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional, sendo certo que os entendimento da Primeira Turma do STJ, firmado nos REsp nos 802.435/PE e 872.630/RJ, corrobora o posicionamento que ora se defende.

Cumpre registrar que não é qualquer demora na conclusão da instrução criminal apta a indenizar o particular que se encontre preso provisoriamente. Com efeito, segundo pacífica jurisprudência do STJ e do STF, há situações excepcionais que justificam a demora no término da instrução criminal, tais como pluralidade de réus ou de crimes, necessidade de expedição de prática de atos processuais em outra unidade jurisdicional (cartas precatórias, rogatórias ou de ordem), e, ainda, a prática de atos protelatórios pela defesa. Afora qualquer dessas situações, persiste o dever do Estado de reparação de danos. A propósito, sobre o tema, assim já restou pontuado:

"(…) consoante o entendimento majoritário da doutrina processualista penal, e, ainda, de acordo com o posicionamento predominante no âmbito do STJ e do STF, é manifestamente ilegal a prisão cautelar (flagrante delito ou preventiva) decorrente do excesso de prazo imotivado e mesmo desarrazoado para formação da culpa. Por outro lado, em se tratando de causa complexa (pluralidade de réus ou de crimes, necessidade de expedição de cartas precatórias, rogatórias ou de ordem, bem como atos protelatórios praticados pela defesa), essa extrapolação do prazo para conclusão da colheita de provas é justificável e mesmo aceitável. Sendo assim, o dever de o Estado indenizar decorre da prisão cautelar ilegal imotivada e excessiva (causa não complexa) e que atenta contra os princípios da razoabilidade e da dignidade da pessoa humana. Em resumo, é manifestamente ilegal a prisão processual decretada num processo que não é complexo, cuja demora, portanto, decorre da própria desídia ou inércia do aparelho judiciário ou mesmo da desídia do próprio Juiz. Nessas situações é que nasce o direito do Estado de indenizar o réu preso pelo dano por ele sofrido" [06].

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Desse modo, em resumo, somente em situações de prisão cautelar flagrantemente ilegal, cujo excesso de prazo seja considerado injustificável, é que há o dever do Estado de indenizar o particular que se encontre preso.

Ademais, conforme expusemos noutra ocasião,

"O Estado não pode se valer do pueril subterfúgio da insuficiência de servidores, magistrados e mesmo da falta de estrutura do Judiciário para a demora na prestação da tutela jurisdicional, mormente nos casos de réus presos provisoriamente a tempo bem superior ao que se pode considerar como razoável. Utilizar tais argumentos consiste na confissão, pelo Estado, de que não está apto ao exercício da jurisdição que invocou exclusivamente para si" [07].

Na mesma linha, como bem ressalta Vanessa Padilha Catossi,

"Não aproveita ao Estado o argumento segundo o qual o Poder Judiciário está sobrecarregado, há falta de juízes e a estrutura é precária, para que se exima do dever legal de prestar a tutela jurisdicional em um lapso temporal razoável, pois – insista-se – tomou para si o monopólio da jurisdição, com o que, elevada à categoria de serviço público, deve ser oferecida com um mínimo de qualidade, em obediência ao princípio da legalidade, salientando-se ainda que, para Diniz (2002, p. 561) o direito à prestação da tutela jurisdicional dentro dos prazos legalmente fixados constitui uma garantia individual implícita, nos termos do art. 5.º, LIX, da Constituição Federal. Cristalina, portanto, a conclusão segundo a qual os danos provocados por morosidade da Justiça são perfeitamente indenizáveis" [08].

Desse modo, convém reiterar, o réu que tem sua liberdade de locomoção tolhida por força de prisão provisória há tempo além do que se entende por razoável, seja em razão da ineficiência do aparato estatal, seja também em razão da desídia do magistrado, tem o pleno direito de buscar em juízo a reparação dos danos que lhe forem causados, mormente os de índole moral, considerando que a manutenção exagerada na prisão fere sua própria dignidade enquanto ser humano.

Enfim, mais do que um direito do preso, é um dever do Estado dizer o direito, no processo penal, da forma mais rápida possível – sem atropelos ao devido processo legal, obviamente –, assegurando-se ao acusado, em todas as fases do processo, o exercício, em sua plenitude, dos direitos constitucionais que lhes são colocados à disposição, tais como o do contraditório, da ampla defesa, da presunção de não-culpabilidade, dentre outros.

Por oportuno, cumpre asseverar que, segundo nosso entendimento, a responsabilidade civil que surge em casos como os apontados neste trabalho é omissiva, isto é, decorre da falta do serviço estatal (faute du sevice), notadamente pelo mau funcionamento do serviço judiciário. Assim, deverá o Estado comprovar cabalmente que a extrapolação do prazo previsto para conclusão da instrução criminal decorre de alguma daquelas situações excepcionais aptas a justificar tal lapso, assim como já pacificado no âmbito do STF e do STJ. Do contrário, isto é, não sendo justificável o prolongamento do prazo para encerramento da instrução criminal, remanesce o dever de indenizar [09].

Por fim, com precisão, Rui Barbosa há muito já afirmava que, "justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta, porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes, e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade" [10].


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa Edições, 1997, p. 52.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 14 set. 2011.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 14 set. 2011.

CATOSSI, Vanessa Padilha. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1351, 14 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9602>. Acesso em: 14 set. 2011.

COELHO, Alexs Gonçalves. Responsabilidade civil do Estado pela prisão cautelar ilegal decorrente do excesso de prazo desarrazoado para formação da culpa. 2011. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Público) – Universidade Anhanguera, Rede de ensino Luiz Flávio Gomes, Gurupi, TO, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/41325>. Acesso em: 14 set. 2011.


Notas

  1. STJ, HC 74.852/PE, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 05/10/2010, DJe 25/10/2010.
  2. STJ, HC 117.466/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 23/03/2010, DJe 26/04/2010.
  3. STJ, HC 103.683/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 15/09/2009, DJe 05/10/2009.
  4. STJ, REsp 802.435/PE, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 19/10/2006, DJe 30/10/2006.
  5. STJ, REsp 872.630/RJ, Rel. Ministro Francisco Falcão, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13/11/2007, DJe 26/03/2008.
  6. COELHO, Alexs Gonçalves. Responsabilidade civil do Estado pela prisão cautelar ilegal decorrente do excesso de prazo desarrazoado para formação da culpa. 2011. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Público) – Universidade Anhanguera, Rede de ensino Luiz Flávio Gomes, Gurupi, TO, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/41325>. Acesso em: 14 set. 2011.
  7. COELHO, Alexs Gonçalves. Responsabilidade civil do Estado pela prisão cautelar ilegal decorrente do excesso de prazo desarrazoado para formação da culpa. 2011. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Público) – Universidade Anhanguera, Rede de ensino Luiz Flávio Gomes, Gurupi, TO, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/41325>. Acesso em: 14 set. 2011.
  8. CATOSSI, Vanessa Padilha. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1351, 14 mar. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/9602>. Acesso em: 14 set. 2011.
  9. COELHO, Alexs Gonçalves. Responsabilidade civil do Estado pela prisão cautelar ilegal decorrente do excesso de prazo desarrazoado para formação da culpa. 2011. 60 f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Direito Público) – Universidade Anhanguera, Rede de ensino Luiz Flávio Gomes, Gurupi, TO, 2011. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/41325>. Acesso em: 8 set. 2011.
  10. BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Edição popular anotada por Adriano da Gama Kury. 5. ed. Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa Edições, 1997, p. 52.
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Sobre os autores
Alexs Gonçalves Coelho

Mestre em prestação jurisdicional e direitos humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), em parceria com a Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2020). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (2018). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2017). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Criminologia pela Escola Superior da Magistratura Tocantinense - ESMAT (2014). Especialista (pós-graduação lato sensu) em Direito Público pela Uniderp/Anhanguera (2011). Graduado em Direito pelo Centro Universitário UnirG, Gurupi/TO (2008). Escrivão Judicial - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2010-atualidade). Assessor Jurídico de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2013-atualidade). Membro da Equipe Especial Disciplinar da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Tocantins - EED/CGJUS/TO (2014/2015). Assistente de Gabinete de Desembargador - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2012/2013). Assessor Jurídico de 1ª Instância - Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (2009/2010). Assistente de Gabinete de Promotor - Ministério Público do Estado do Tocantins (2006/2007).

Thaís Andréia Pereira

Assistente de Gabinete de Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins (TJTO). Graduada em Direito pela URI – Universidade Regional Integrada, Campus FW/RS. Especializanda em Direito Tributário pela UNIDERP-Anhanguera/LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COELHO, Alexs Gonçalves ; PEREIRA, Thaís Andréia. Excesso de prazo injustificado da prisão cautelar: Estado tem o dever de indenizar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3125, 21 jan. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20911. Acesso em: 22 dez. 2024.

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