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Eficiência e segurança jurídica: uma crítica à vinculação decisória a partir do método de Karl Popper

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04/03/2012 às 08:55

Resumo:


  • A súmula vinculante, introduzida pela Emenda Constitucional 45, busca uniformizar a jurisprudência e aumentar a eficiência do Poder Judiciário, mas pode engessar a interpretação constitucional, dificultando a mutação constitucional e a atualização da Constituição frente à realidade social.

  • O pensamento de Karl Popper aplicado ao direito enfatiza a importância da crítica e da refutação para o desenvolvimento do conhecimento científico, incluindo a interpretação jurídica, que deve estar aberta à evolução e à discussão constante.

  • Para alcançar a eficiência no Poder Judiciário e a segurança jurídica, é mais adequado adotar a adesão a precedentes majoritários de argumentação e consensos dinâmicos, que permitam a atualização da interpretação das normas jurídicas em consonância com a realidade social.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A súmula vinculante representa verdadeira asfixia do processo de atualização da Constituição, com resultados em desfavor do Estado Democrático de Direito.

Sumário: 1. Introdução. 2. A uniformização de jurisprudência e suas razões. 3. Linhas gerais do pensamento de Karl Popper e sua aplicação no direito. 4. O fenômeno da mutação constitucional. 5. Uma crítica à súmula vinculante. 6. Eficiência e adesão aos precedentes majoritários de argumentação. 7. Conclusões. 8. Referências.


1. Introdução

Por intermédio da Emenda Constitucional 45 de 30 de dezembro de 2004, foi acrescentada ao texto constitucional brasileiro a previsão da edição, pelo Supremo Tribunal Federal, de súmula de efeito vinculante que tem por objeto a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica em matéria constitucional (Art. 103-A, §1º). A medida, inserida em um conjunto de inovações decorrentes da denominada “Reforma do Judiciário”, se destinou, em tese, a imprimir maior celeridade na entrega da prestação jurisdicional, na tentativa de solução da crise de efetividade vivenciada pelo Poder Judiciário.

Tal novidade constitucional, entretanto, bem antes de uma rota em prol da efetividade, parece tender a proporcionar o engessamento do entendimento jurisdicional em matéria constitucional, o que pode representar verdadeira asfixia do processo de atualização da Constituição, com resultados em desfavor do Estado Democrático de Direito. O presente estudo objetiva a fundamentar uma crítica à súmula vinculante no ordenamento jurídico brasileiro, a partir do fenômeno da mutação constitucional, se aplicando a visão da ciência de Karl Popper.

Inicialmente será abordada a política judiciária de uniformização de jurisprudência, como uma tendência na qual se insere a súmula vinculante, destacando as diretrizes que legitimam e justificam aquela, considerando o escopo institucional do Poder Judiciário, o princípio da eficiência administrativa e o direito constitucional de ter acesso à Justiça. Em seguida, serão apresentadas aplicações possíveis no Direito do método de Karl Popper, a partir de um desenvolvimento conciso e encadeado das linhas gerais do seu pensamento. Com base em tais subsídios, será analisado o fenômeno da mutação constitucional, destacando a imprescindibilidade de sua observância no processo de interpretação da norma constitucional. Será reconhecida a inadequação da súmula vinculante às diretrizes que a legitimariam como meio idôneo e eficiente de uniformização de jurisprudência, apurando as conclusões gerais. Por fim, será proposta, como alternativa, a adesão a consensos dinâmicos, enquanto lugares-comuns de interpretação jurisprudencial.


2. A uniformização de jurisprudência e suas razões

A uniformização de jurisprudência é uma tendência presente no ordenamento jurídico brasileiro, como pode ser observada, por exemplo, no incidente previsto no Capítulo I do Título IX do Livro I do Código de Processo Civil de 1973, que não possui força vinculante e obrigatória. A atual súmula vinculante pode ser considerada como uma medida legislativa mais radical na busca por esta uniformização.

Conceitualmente, a uniformização de jurisprudência se destina a evitar que, em um mesmo momento histórico, uma mesma norma jurídica possa ser diferentemente entendida pelos diversos órgãos jurisdicionais, comprometendo a unidade do Direito[1]. Tal sistemática se mostra saudável e necessária no Estado Democrático de Direito, na medida em que faz resguardar concomitantemente três diretrizes do Poder Judiciário: o seu escopo institucional em torno da pacificação da tensão social, o princípio da eficiência administrativa e o direito constitucional de ter acesso à Justiça.

O escopo institucional de pacificação da tensão social se encontra fundamentalmente associado ao princípio da segurança jurídica, que é concretizado, neste contexto da uniformização de jurisprudência, ao se tornar previsível à sociedade o comportamento do Poder Judiciário em relação àquelas questões que são reiteradamente postas à sua apreciação. Não se pode esquecer que o exercício da função jurisdicional não é o caminho natural para a resolução dos conflitos, mas sempre uma atividade de substituição (Chiovenda): o Poder Judiciário substitui, por intermédio de uma atividade pública sua, a atividade das partes envolvidas no conflito[2], a partir do pressuposto lógico de que estas não consigam no caso concreto resolvê-lo pelo mero ajuste de vontades. A previsibilidade e a consequente redução da res dubia atuam estimulando esta possibilidade de composição entre os indivíduos, reduzindo a instauração do litígio, como ainda prevenindo a sua perpetuação pela via recursal, quando já instaurado. Dessa forma, uniformizar as decisões jurisdicionais, tornando-as relativamente previsíveis, tende a pacificar a tensão social por intermédio da valorização da segurança jurídica.

O princípio da eficiência administrativa (Constituição Federal, Art. 37, caput), por sua vez, condiciona a otimização do ato administrativo, sempre direcionado ao maior rendimento possível pelo menor custo. Em outras palavras, é uma exigência inerente a toda atividade pública, aqui entendida como necessariamente racional, instrumental e voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas[3]. Considerando o Poder Judiciário como parte da Administração Pública, é evidente que o princípio da eficiência administrativa é diretriz fundamental a orientar a sua atuação. Logo, a redução da instauração do litígio e a prevenção de sua perpetuação pela via recursal, ao tornarem o sistema mais funcional, otimizando o potencial de entrega da prestação jurisdicional pela concentração nas questões não reiteradamente discutidas, concretizam também o princípio da eficiência administrativa, proporcionando um maior rendimento do Poder Judiciário por um menor custo.

Por fim, ao otimizar o potencial de entrega da prestação jurisdicional, a uniformização de jurisprudência pode imprimir maior celeridade à tramitação dos feitos, o que favorece ao princípio da efetividade, condição necessária, em última análise, à concretização do direito de ter acesso à Justiça. Tal última garantia é a promessa-síntese das demais promessas instrumentais relativas às garantias processuais, sendo certo que toda a tutela constitucional do processo converge para o aprimoramento do sistema processual como meio idôneo a oferecer decisões justas e efetivas a quem delas necessite[4]. A qualificação como “síntese” importa em dizer que ter acesso à Justiça é ter necessariamente direito: a não ser processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa, à inadmissibilidade da prova ilícita, à razoável duração do processo e aos meios que garantam a celeridade de sua tramitação, à publicidade dos atos processuais, à fundamentação das decisões, entre outras garantias constitucionais de índole processual. Cada uma dessas garantias processuais complementares, por si só, é condição necessária, embora não suficiente, à consecução do efetivo acesso à Justiça, na medida em que este apenas se configura a partir da síntese de todos os demais.

Como se demonstrará a seguir, a súmula vinculante, tal como atualmente disciplinada no ordenamento jurídico brasileiro, não permite a salvaguarda destas diretrizes.


3. Linhas gerais do pensamento de Karl Popper e sua aplicação no direito

Na base de seu pensamento, Karl Popper sustentou que a lógica da descoberta científica não deveria se identificar com o método indutivo, pois a circunstância de serem observados inúmeros eventos singulares em um determinado sentido não autorizaria logicamente a se concluir que efetivamente nunca pudesse existir nenhum evento singular em sentido contrário. Disse que:

está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativa no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independentemente de quão numerosos sejam estes; com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa[5].

Compreender esta tese da assimetria dos enunciados universais é uma peça-chave a desvendar toda a obra deste autor – inclusive para o que se pretende no presente estudo quanto à sua aplicação na esfera do Direito. O seu raciocínio é plenamente justificável: enquanto a veracidade de um enunciado universal pressupõe, em face desta sua própria natureza, que a regra seja sempre aplicável a todas as hipóteses possíveis em seu universo, a falsidade demanda a existência de ao menos um exemplo que contrarie tal regra. Por outro lado, por maior que seja a amostragem, não é possível, diante dela, por si só, afirmar a inexistência de algum contra-exemplo. Não há, portanto, como se inferir logicamente um enunciado universal a partir do resultado da observação de enunciados singulares. Este é o problema da indução em Karl Popper, ou ainda, o problema do método indutivo como demarcação ou distinção entre ciência e não-ciência, no qual é questionada a própria verdade dos enunciados universais que pode ser obtida com base na experiência.

A partir do desenvolvimento da constatação anterior, o autor chegou à conclusão de que, uma vez que um sistema apenas é reconhecido como científico se passível de comprovação pela experiência, o seu critério de demarcação não poderia ser o da verificabilidade, mas sim o da falseabilidade. Defendeu então que:

não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico[6].

Esta perspectiva inverte a lógica da descoberta científica, na medida em que denuncia o caráter sempre provisório ou conjectural do conhecimento científico, cuja sustentação seria tão consistente quanto maior fosse a sua resistência aos testes de falseabilidade ou refutação. Em outra mão, a impossibilidade de exposição a tais testes evidenciaria o caráter não científico da teoria.

A possibilidade de se sujeitar à falseabilidade, ou seja, a própria condição mesma (de demarcação) do conhecimento científico, significaria em Karl Popper a abertura de determinada teoria à crítica. Foi por isso que sustentou que o método da ciência consistiria em tentativas experimentais para resolver os problemas por conjecturas, que, por seu turno, seriam controladas por severa crítica. Trata-se assim de um desenvolvimento crítico consciente do método de “ensaio e erro”[7]. Noutros termos, pode ser dito que é a constante tensão crítica entre o conhecimento nunca assentado, porque conjectural, e as correspondentes e infinitas refutações, que lhe são apresentadas, que confere dinamicidade à ciência. No âmbito das decisões jurisdicionais, se torna imprescindível, portanto, a abertura para a crítica e a refutação. O desenvolvimento da ciência do Direito, inclusive e principalmente no que se refere à interpretação da norma jurídica, pressupõe a discussão e a crítica constante para o seu aprimoramento. Nesta mesma linha de argumentação, afirmou que:

a objetividade da ciência não é uma matéria dos cientistas individuais, porém, mais propriamente, o resultado social de sua crítica recíproca, da divisão hostil-amistosa de trabalho entre cientistas, ou sua cooperação e também sua competição[8].

Este último raciocínio pode ser interpretado, inclusive, como parte da crítica do autor ao positivismo, quando este aponta a necessidade da neutralidade do cientista como condição de objetividade da ciência.

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Pode ser ainda observada uma aplicação analógica da teoria evolutiva darwiniana no desenvolvimento científico, uma vez que, pelo raciocínio supra, apenas sobreviveriam conjecturas mais resistentes às refutações impostas pelo ambiente, não apenas cooperativo, mas também competitivo, da comunidade científica. Karl Popper, porém, não considerou tal perspectiva de forma nenhuma como algo negativo. Pelo contrário, optou por uma interpretação otimista deste processo seletivo, pela qual:

os homens buscam expandir sua liberdade: buscam novas possibilidades. A competição pode, evidentemente, ser vista também como um processo que favorece a descoberta de novas possibilidades de subsistência e, portanto, novas possibilidades de vida [...][9].

Se os indivíduos em sociedade dispõem desse potencial de liberdade pelo desenvolvimento da ciência baseado na crítica – processo este dinâmico e contínuo, não é possível prever a expansão do conhecimento científico. Logo, passam a ser inaceitáveis as doutrinas que busquem qualquer condicionamento do homem a padrões históricos de repetição. Não há como se sustentar teoricamente, dessa maneira, uma vedação peremptória à discussão das teses em torno da interpretação do conteúdo de determinada norma jurídica pelos diversos órgãos jurisdicionais.

Sendo assim e retornando à assimetria dos enunciados universais, não é possível se inferir logicamente um evento futuro como resultado da observação de eventos singulares passados. Aliás, como destacou quanto às ciências sociais, é também claro que:

a consciência de existirem tendências capazes de produzir um evento futuro e, mais do que isso, a consciência de que a previsão mesma pode exercer influência sobre os acontecimentos previstos é suscetível de provocar repercussões no conteúdo da previsão[10].

Dessa forma, reconhecia a influência que o indivíduo proporciona na realidade histórica que lhe cerca, deixando assim de ser um sujeito passivo de um determinismo histórico. Nesse contexto, a consciência do papel fundamental da crítica para o desenvolvimento científico faria recusar a autoridade e a tradição como fontes definitivas e acabadas do conhecimento.

Para Karl Popper, embora sem a tradição o conhecimento fosse impossível, na medida em que boa parte do quanto aprendido o é justamente por intermédio de exemplos passados, todo o conhecimento tradicional estaria sempre aberto ao exame crítico[11]. Nenhum conhecimento científico seria definitivo e não existiria uma verdade manifesta, fosse ela alcançável pelo poder de intuição intelectual, em René Descartes, fosse pelo poder de percepção dos sentidos, na concepção de Francis Bacon, porque, em uma e outra hipótese, ambos apenas estariam substituindo a antiga autoridade da Bíblia ou de Aristóteles pela nova autoridade do intelecto ou dos sentidos[12]. Na realidade, a sustentação de todo o conhecimento estaria exatamente, não na autoridade de uma fonte, mas sim na resistência das teses às tentativas cada vez mais sofisticadas e complexas de refutação.

Na seara do Direito o pensamento de Karl Popper pode, por um lado, proporcionar a reflexão em relação à própria prevalência da autoridade das fontes, entre as quais especialmente se destaca aqui a jurisprudência. Por outro lado, pode convidar à rejeição do comodismo intelectual pelo intérprete do Direito, uma vez que este deve, ao invés, reconhecer o caráter sempre conjectural e provisório do saber jurídico, enquanto conhecimento científico que se apresenta. O Direito evolui justamente por uma abordagem de caráter predominantemente crítico, em que os fundamentos de novas postulações refutam os posicionamentos jurisdicionais antes sedimentados, dando ensejo a novas teses jurídicas que, por sua vez, ajustam, adequam e atualizam a interpretação da norma aos novos fatos e valores trazidos pela realidade concreta. Esta tendência ganha notável relevo no Direito Constitucional, especialmente em consideração ao fenômeno da mutação constitucional, que será a seguir estudado.


4. O fenômeno da mutação constitucional

A Constituição, como se defendia desde o Século XIX, não tem valor e nem é durável se contrariar os fatores do poder que vigem na realidade social[13]. Modernamente se tem por certo que a consolidação e a preservação da força normativa da Constituição estão presentes na interpretação que não apenas depende do conteúdo, mas também de sua práxis. Sendo a eficácia da Constituição condicionada pelos fatos concretos da vida, tais não podem ser desprezados no processo de interpretação. Pelo contrário, as condicionantes reais devem ser correlacionadas com os enunciados normativos da Constituição, se buscando a interpretação adequada que concretize, de forma excelente, o sentido do enunciado dentro das condições reais dominantes numa determinada situação[14]. A interpretação constitucional deve ser efetivamente evolutiva, porque a Constituição, sempre em movimento como a própria vida, está sujeita à dinâmica da realidade que jamais pode ser captada através de fórmulas fixas[15].

É importante identificar aqui uma postura metodológica de ruptura com o dogma positivista da identificação entre Direito e norma jurídica e a rígida separação entre este primeiro e o contexto fático-valorativo. Apenas em uma perspectiva pós-positivista de superação e quebra de paradigmas, é possível interpretar o sentido para o enunciado de uma determinada norma constitucional no interior das condições fáticas e reais de um determinado momento histórico e social.

Trata-se assim de um processo contínuo de retro-alimentação, pelo qual a Constituição, como texto político maior, molda e disciplina a sociedade, enquanto esta fornece os elementos de fato e de valor necessários ao preenchimento das normas constitucionais de textura aberta, atualizando o seu sentido e alcance. Em uma via de mão dupla, pode se concluir que a Constituição conforma e é conformada pela realidade concreta a cada momento histórico, circunstância dinâmica que se traduz no fenômeno da mutação constitucional.

Buscando-se uma delimitação conceitual, é possível adotar que a mutação constitucional significa uma alteração do significado da norma constitucional, sem a observância do mecanismo previsto de emenda e sem que tenha havido modificação em seu texto. Os novos sentido ou alcance podem ser decorrência, tanto de uma mudança da realidade, quanto de nova percepção do Direito, sempre, contudo, devendo estar respaldados por uma efetiva demanda social por parte da coletividade[16].

Aliás, essa é exatamente a concepção teórica que justifica e legitima a discussão contemporânea em torno da mudança de uma sociedade fechada de intérpretes da Constituição para uma interpretação constitucional pela e para uma sociedade aberta, na qual indivíduo, grupos e órgãos estatais, dentro de uma concepção pluralista, se convertem todos eles em intérpretes do direito estatal[17]. Não é assim recomendável o cerceamento da participação dos diferentes atores sociais que promovam ou possam promover o processo interpretativo e atualizador da Constituição.

É preciso deixar claro, todavia, que a legitimidade da mutação constitucional se encontra na tensão e no equilíbrio entre a plasticidade das normas constitucionais, sempre adaptáveis aos novos tempos e às novas demandas, e a rigidez da Constituição, enquanto meio de preservação da estabilidade da ordem constitucional e da segurança jurídica[18]. A predominância das cláusulas abertas, embora demonstrativa da possível provisoriedade interpretativa, não induz à conclusão da instabilidade do texto constitucional; pelo contrário, lhe assegura justamente a perenidade pela sua efetiva correspondência com a realidade.

Em favor exatamente deste valor da estabilidade da ordem normativa vale ressaltar que os limites da mutação constitucional se encontram no texto da Constituição, pois é o programa normativo (o enunciado da norma) a instância que decide se a alteração fática é ou não relevante, vale dizer, se pertence ao âmbito normativo (a realidade em suas circunstâncias)[19]. A adequação dialética entre programa e âmbito normativos não devem contrariar ainda os princípios estruturais (políticos e jurídicos) da Constituição[20]. Tal garantia não representa um limite da capacidade de adaptação da Constituição ao ponto de impedir a assimilação da mudança histórica e a preservação de sua continuidade. Em verdade, as dificuldades derivadas de tal limite poderiam impor a reforma constitucional, proporcionando a clareza da Constituição e intensificando a sua força normativa[21].

Retornando e se apropriando da perspectiva de Karl Popper, é possível concluir que este processo de verdadeira e constante atualização do texto constitucional pode ser reconhecido como uma faceta da própria dinâmica contínua do desenvolvimento do conhecimento científico. As normas de direito constitucional, em função desta maior capacidade de absorção da influência da realidade social, vale dizer, pelo seu caráter aberto, são suscetíveis a uma maleabilidade interpretativa diferenciada, o que deve ser observado pelo intérprete como uma nota de um saber jurídico nunca definitivo, mas sim com potencial de constante e necessária atualização.

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Sobre o autor
Guilherme Guimarães Ludwig

Juiz do Trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA. Ex-membro do Conselho Consultivo da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região/BA (2005-2011). Extensão universitária em Economia do Trabalho e Sindicalismo pelo CESIT/UNICAMP. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LUDWIG, Guilherme Guimarães. Eficiência e segurança jurídica: uma crítica à vinculação decisória a partir do método de Karl Popper. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3168, 4 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21205. Acesso em: 18 dez. 2024.

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