Recentemente, a Câmara dos Deputados votou o Projeto de Lei nº 1992/2007, que institui o regime de Previdência Complementar para os servidores públicos federais.
Caso a lei seja aprovada no Senado e promulgada pela Presidente da República, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão criar entidades fechadas de Previdência Complementar para gerir (de forma privada) os planos de benefícios de seus servidores e equiparar o teto de seu Regime Próprio (e público) ao teto do Regime Geral da Previdência Social.
Relembra-se que existem dois sistemas de Previdência Social no Brasil: um público e outro privado.
O sistema público divide-se em: (a) Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), instituído pelos entes da Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações), com base no art. 40 da Constituição; (b) e Regime Geral da Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da Constituição.
O sistema privado tem fundamento constitucional no art. 202, segundo o qual “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”. A Lei Complementar nº 109/2001 regulamenta o regime de Previdência Complementar, enquanto a Lei Complementar nº 108/2001 versa sobre os planos de Previdência Complementar da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e os respectivos entes da Administração Pública indireta.
A existência do regime complementar deriva do fato de que a Previdência Pública nem sempre disporá de recursos financeiros para a satisfação dos benefícios previdenciários. Além disso, conforme dados do IBGE, acredita-se que o Brasil será, no ano de 2025, o sexto país do mundo com maior quantidade de idosos, que passarão a corresponder a aproximadamente 20% da população.
Atualmente, o teto do RGPS para o ano de 2012 é de R$ 3.916,20, fixado pela Portaria Interministerial MPS/MF nº 02/2012, enquanto os RPPS possuem tetos específicos e diferenciados.
A criação de sistemas de Previdência Complementar pelos órgãos públicos foi permitida há mais de 20 anos, pela Emenda Constitucional nº 20/98, que, entre outras mudanças, acrescentou o § 14 ao art. 40 da Constituição:
“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”.
Após esse longo período de inércia, e obedecendo à orientação do Executivo federal, o Congresso Nacional resolveu dar andamento e aprovar em poucos meses o projeto de lei sobre um tema que não era debatido (reitera-se) há mais de 20 anos.
Outras discussões sobre o Regime Geral (como a limitação temporal e redução do valor mensal da pensão por morte, o fim ou a continuidade do fator previdenciário, etc.) também voltaram ao centro das atenções, com o objetivo de eliminar o (questionável e duvidoso) déficit da Previdência Social no Brasil.
As críticas à votação do projeto de lei dizem respeito principalmente ao fato de que os interessados diretos na mudança de regime (os servidores públicos) foram excluídos do debate sobre sua implantação e as novas regras.
Repete-se o que é comum no Brasil e subverte o regime democrático: os lobbies e o interesse dos representantes (legisladores eleitos pelo voto) parecem ser mais importantes do que o interesse dos representados (eleitores).
Tanto é assim que o PL nº 1992/2007 aprovado na Câmara abrange os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, e também os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União. Por outro lado, os Deputados Federais e Senadores continuam exclusivamente com seu regime próprio, ou seja, excluíram-se em seu próprio proveito do novo regime complementar.
Normalmente se argumenta contra a chamada privatização da Previdência Social com o uso de dois fundamentos básicos, um teórico e o outro prático: (a) a solidariedade social, que impõe o custeio da Previdência (e também da Saúde e da Assistência Social) por toda a sociedade civil e a Administração Pública, conforme a capacidade de cada um, do que decorre o regime de repartição brasileiro, segundo o qual os trabalhadores na ativa contribuem para o pagamento dos benefícios dos inativos (no regime público); (b) e as dificuldade ocorridas em países próximos, como Argentina e Chile, que após a instituição de um sistema privado e de capitalização, necessitaram da intervenção e do auxílio público para manter o sistema em funcionamento (em uma situação extrema, a Argentina reestatizou a Previdência Social no ano de 2009).
Problemas como má gestão da coisa pública, corrupção e falta de eficiência do serviço público são comuns aos países da América Latina.
Entretanto, o fato de o sistema complementar não ter funcionado em um país vizinho não significa que o sistema misto (próprio de repartição e complementar de capitalização) não terá êxito no Brasil.
A questão principal, que continua a não ser discutida, seja no Legislativo e no Executivo, seja pela sociedade, é a reformulação completa da Previdência Social no Brasil, ao invés de se realizar reformas parciais, o que causa maior insegurança, processos judiciais e desequilíbrios entre a arrecadação e as despesas com a manutenção dos aparelhos previdenciários. Se o sistema privado e de capitalização será a “salvação” das despesas do Executivo federal na manutenção de seus sistemas próprios, porque não adotá-lo também no RGPS? Qual a razão da adoção de normas, benefícios e serviços diferentes nos sistemas públicos e privados? Por que não discutir também os problemas trabalhistas (como o não pagamento adequado de adicional de insalubridade ou periculosidade, ou o não ressarcimento dos gastos com doenças ou acidentes causados no desempenho do trabalho) que causam déficit aos regimes previdenciários? Por que manter segurados que não contribuem para a Previdência Social (ampliando o déficit), ao invés de proteger essas pessoas por meio da Assistência Social (com benefícios e requisitos diferenciados)? Essas e outras questões deveriam ser debatidas, para que se possa realizar uma modificação geral e profunda nos sistemas de Previdência Social no Brasil, a fim de evitar que novas mudanças precisem ser realizadas às pressas nos próximos anos.
O Projeto de Lei nº 1992/2007 mantém o RPPS gerido pela Administração Pública e institui um regime complementar administrado por uma entidade fechada composta por integrantes designados pelos entes públicos e os participantes (ou seja, dois sistemas diferentes para um mesmo segurado e beneficiário).
Se o Executivo federal brasileiro já não possui competência para administrar um sistema público de Previdência Social para seus servidores, o que esperar de um regime que terá uma administração pública e outra particular, com componentes indicados na sua maioria pelos próprios órgãos públicos?
Corre-se o risco de, futuramente, o Executivo perceber que a redução dos gastos com o pagamento de aposentadorias e pensões (entre outros benefícios) também importa na diminuição na arrecadação das contribuições previdenciárias dos servidores públicos, e novamente modificar o formato de seu regime previdenciário próprio.