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A Previdência Complementar dos servidores públicos e o futuro da Previdência Social no Brasil

09/03/2012 às 18:43
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Se o sistema privado e de capitalização será a “salvação” das despesas do Executivo federal na manutenção de seus sistemas próprios, porque não adotá-lo também no RGPS?

Recentemente, a Câmara dos Deputados votou o Projeto de Lei nº 1992/2007, que institui o regime de Previdência Complementar para os servidores públicos federais.

Caso a lei seja aprovada no Senado e promulgada pela Presidente da República, os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário poderão criar entidades fechadas de Previdência Complementar para gerir (de forma privada) os planos de benefícios de seus servidores e equiparar o teto de seu Regime Próprio (e público) ao teto do Regime Geral da Previdência Social.

Relembra-se que existem dois sistemas de Previdência Social no Brasil: um público e outro privado.

O sistema público divide-se em: (a) Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), instituído pelos entes da Administração Pública direta (União, Estados, Distrito Federal, Municípios, autarquias e fundações), com base no art. 40 da Constituição; (b) e Regime Geral da Previdência Social (RGPS), previsto no art. 201 da Constituição.

O sistema privado tem fundamento constitucional no art. 202, segundo o qual “o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar”. A Lei Complementar nº 109/2001 regulamenta o regime de Previdência Complementar, enquanto a Lei Complementar nº 108/2001 versa sobre os planos de Previdência Complementar da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e os respectivos entes da Administração Pública indireta.

A existência do regime complementar deriva do fato de que a Previdência Pública nem sempre disporá de recursos financeiros para a satisfação dos benefícios previdenciários. Além disso, conforme dados do IBGE, acredita-se que o Brasil será, no ano de 2025, o sexto país do mundo com maior quantidade de idosos, que passarão a corresponder a aproximadamente 20% da população.

Atualmente, o teto do RGPS para o ano de 2012 é de R$ 3.916,20, fixado pela Portaria Interministerial MPS/MF nº 02/2012, enquanto os RPPS possuem tetos específicos e diferenciados.

A criação de sistemas de Previdência Complementar pelos órgãos públicos foi permitida há mais de 20 anos, pela Emenda Constitucional nº 20/98, que, entre outras mudanças, acrescentou o § 14 ao art. 40 da Constituição:

“A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201”.

Após esse longo período de inércia, e obedecendo à orientação do Executivo federal, o Congresso Nacional resolveu dar andamento e aprovar em poucos meses o projeto de lei sobre um tema que não era debatido (reitera-se) há mais de 20 anos.

Outras discussões sobre o Regime Geral (como a limitação temporal e redução do valor mensal da pensão por morte, o fim ou a continuidade do fator previdenciário, etc.) também voltaram ao centro das atenções, com o objetivo de eliminar o (questionável e duvidoso) déficit da Previdência Social no Brasil.

As críticas à votação do projeto de lei dizem respeito principalmente ao fato de que os interessados diretos na mudança de regime (os servidores públicos) foram excluídos do debate sobre sua implantação e as novas regras.

Repete-se o que é comum no Brasil e subverte o regime democrático: os lobbies e o interesse dos representantes (legisladores eleitos pelo voto) parecem ser mais importantes do que o interesse dos representados (eleitores).

Tanto é assim que o PL nº 1992/2007 aprovado na Câmara abrange os servidores públicos titulares de cargo efetivo da União, suas autarquias e fundações, e também os membros do Poder Judiciário, do Ministério Público da União e do Tribunal de Contas da União. Por outro lado, os Deputados Federais e Senadores continuam exclusivamente com seu regime próprio, ou seja, excluíram-se em seu próprio proveito do novo regime complementar.

Normalmente se argumenta contra a chamada privatização da Previdência Social com o uso de dois fundamentos básicos, um teórico e o outro prático: (a) a solidariedade social, que impõe o custeio da Previdência (e também da Saúde e da Assistência Social) por toda a sociedade civil e a Administração Pública, conforme a capacidade de cada um, do que decorre o regime de repartição brasileiro, segundo o qual os trabalhadores na ativa contribuem para o pagamento dos benefícios dos inativos (no regime público); (b) e as dificuldade ocorridas em países próximos, como Argentina e Chile, que após a instituição de um sistema privado e de capitalização, necessitaram da intervenção e do auxílio público para manter o sistema em funcionamento (em uma situação extrema, a Argentina reestatizou a Previdência Social no ano de 2009).

Problemas como má gestão da coisa pública, corrupção e falta de eficiência do serviço público são comuns aos países da América Latina.

Entretanto, o fato de o sistema complementar não ter funcionado em um país vizinho não significa que o sistema misto (próprio de repartição e complementar de capitalização) não terá êxito no Brasil.

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A questão principal, que continua a não ser discutida, seja no Legislativo e no Executivo, seja pela sociedade, é a reformulação completa da Previdência Social no Brasil, ao invés de se realizar reformas parciais, o que causa maior insegurança, processos judiciais e desequilíbrios entre a arrecadação e as despesas com a manutenção dos aparelhos previdenciários. Se o sistema privado e de capitalização será a “salvação” das despesas do Executivo federal na manutenção de seus sistemas próprios, porque não adotá-lo também no RGPS? Qual a razão da adoção de normas, benefícios e serviços diferentes nos sistemas públicos e privados? Por que não discutir também os problemas trabalhistas (como o não pagamento adequado de adicional de insalubridade ou periculosidade, ou o não ressarcimento dos gastos com doenças ou acidentes causados no desempenho do trabalho) que causam déficit aos regimes previdenciários? Por que manter segurados que não contribuem para a Previdência Social (ampliando o déficit), ao invés de proteger essas pessoas por meio da Assistência Social (com benefícios e requisitos diferenciados)? Essas e outras questões deveriam ser debatidas, para que se possa realizar uma modificação geral e profunda nos sistemas de Previdência Social no Brasil, a fim de evitar que novas mudanças precisem ser realizadas às pressas nos próximos anos.

O Projeto de Lei nº 1992/2007 mantém o RPPS gerido pela Administração Pública e institui um regime complementar administrado por uma entidade fechada composta por integrantes designados pelos entes públicos e os participantes (ou seja, dois sistemas diferentes para um mesmo segurado e beneficiário).

Se o Executivo federal brasileiro já não possui competência para administrar um sistema público de Previdência Social para seus servidores, o que esperar de um regime que terá uma administração pública e outra particular, com componentes indicados na sua maioria pelos próprios órgãos públicos?

Corre-se o risco de, futuramente, o Executivo perceber que a redução dos gastos com o pagamento de aposentadorias e pensões (entre outros benefícios) também importa na diminuição na arrecadação das contribuições previdenciárias dos servidores públicos, e novamente modificar o formato de seu regime previdenciário próprio.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. A Previdência Complementar dos servidores públicos e o futuro da Previdência Social no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3173, 9 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21259. Acesso em: 19 abr. 2024.

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