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A sustentabilidade das cidades e o meio ambiente do trabalho

21/03/2012 às 16:45
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Em face da ampla predominância da urbanização na vida humana, a cidade tornou-se o lócus por excelência do labor humano. Esta condição de principal palco de realização da atividade produtiva faz com que a cidade seja ponto chave na sustentabilidade do meio ambiente de trabalho.

RESUMO

No Brasil, cerca de 80% das pessoas vivem em cidades, a maior parte delas em grandes metrópoles, as quais, portanto, concentram a maior porcentagem da população economicamente ativa – PEA, ou seja, trabalhadores. Autônomos ou empregados que exerçam ou não suas atividades laborais em prédio fechado próprio ou de seu empregador têm no ambiente urbano da cidade, direta ou indiretamente, o seu meio ambiente de trabalho, o qual, segundo ditames constitucionais e internacionais (Convenções da OIT) deve ser ecologicamente equilibrado, hígido e seguro. Ocorre, então, a necessidade de se analisar a questão da sustentabilidade das cidades como requisito primordial para o gozo desse direito social, à medida que estão estreitamente ligados, vez ser o meio ambiente do trabalho um dos aspectos do meio ambiente geral.


INTRODUÇÃO

O objetivo deste artigo é analisar de forma sistêmica como a cidade influi direta ou indiretamente no meio ambiente de trabalho dos cidadãos e qual a importância das políticas de sustentabilidade para garantir aos mesmos um ambiente de labor ecologicamente equilibrado, sadio e seguro. Para tanto, a fim de melhor contextualizar o leitor, procurou-se fornecer noções do que seja a cidade, do que representa o conceito de sustentabilidade (ressalvadas as críticas que sobre ele pairam), sobre a definição e o alcance do meio ambiente de trabalho e sua conexão com o ideal de cidade sustentável.


1. O CONCEITO DE CIDADE

Conceituar cidade não é tarefa fácil. Isto porque, no Brasil, seu conceito confunde-se com o de município, ou seja, trata-se de uma definição jurídico-política. Ocorre que existem outras maneiras mais completas, logo, mais complexas, de se conceituar cidade. Primeiramente, segundo a lição de Silva (2008), cumpre asseverar que nem todo núcleo populacional caracteriza-se como urbano; para sê-lo, é necessário possuir densidade demográfica específica; profissões urbanas como comércio e manufaturas, com suficiente diversificação; economia urbana permanente com relações estreitas com o meio rural e, por fim, a existência de uma camada urbana com produção, consumo e costumes próprios.

Ainda segundo Silva (2008), a sociologia urbana tem se ocupado do desafio de conceituar cidade, considerando que nem todo núcleo urbano tem esse status. Desse modo, existem três grandes concepções sobre sua definição: a demográfica; a econômica e a de subsistemas.

Pela concepção demográfica e quantitativa de cidade, tem esse status o aglomerado urbano com um determinado número de habitantes. Para a Organização das Nações Unidas, p. ex., esse número é de 50.000 (cinquenta mil).

Para a concepção econômica, apoiada na doutrina de Max Weber, a cidade se perfaz quando os habitantes locais satisfazem uma parte essencial de sua demanda econômica diária no mercado local, consumindo grande parte de produtos ali mesmo produzidos; seria, então, a cidade uma “localidade de mercado”. (WEBER, 1969, p. 939)

Já a terceira concepção vislumbra a cidade como um conjunto de subsistemas administrativos, comerciais, industriais e sócio-culturais no sistema nacional geral. Para Ferrarotti (1975), esses diferentes sistemas entram em colisão uns com os outros, sendo este resultado que forma a base e torna possível o desenvolvimento da cidade.

O até aqui exposto mostra que o conceito de cidade pode variar, de acordo com a concepção teórica adotada, sendo importante considerar que o mesmo não se resume ao conceito jurídico-político, adotado com freqüência na seara jurídica. De fato, no Brasil, um núcleo urbano só adquire a categoria de cidade quando seu território se transforma, por meio de lei, em município. Silva (2008, p. 26), no entanto, não se apega a esse critério legalista e defende que, do ponto de vista urbanístico:

(...) um centro populacional assume característica de cidade quando possui dois elementos essenciais: (a) as unidades edilícias – ou seja, o conjunto de edificações em que os membros da coletividade moram ou desenvolvem suas atividades produtivas, comerciais, industriais ou intelectuais; (b) os equipamentos públicos – ou seja, os bens públicos e sociais criados para servir às unidades edilícias e destinado à satisfação das necessidades de que os habitantes não podem prover-se diretamente e por sua própria conta (estradas, ruas, praças, parques, jardins, canalização subterrânea, escolas, igrejas, hospitais, mercados, praças de esportes etc.)

Segundo dados do IBGE, em 2006, a população urbana no Brasil equivalia a 81% do total, a grande maioria concentrada em grandes cidades. Daí resulta a importância de se analisar se estes espaços têm preconizado práticas sustentáveis no sentido de proporcionar aos seus habitantes e, especificamente, às pessoas que neles desenvolvem suas atividades de labor, um meio ambiente hígido, saudável, seguro e ecologicamente equilibrado.


2. A (IN)DEFINIÇÃO DO SIGNIFICADO DE SUSTENTABILIDADE

Primeiramente, cumpre esclarecer que, embora tenha surgido na década de 70 com a Conferência de Estocolmo, até os dias atuais não se sabe, exatamente, o que vem a ser, cientificamente, o desenvolvimento sustentável. E isso ocorre por vários motivos, indo do impasse envolvendo os cientistas dos diversos ramos da ciência (economia, sociologia, meio ambiente, direito) sobre a melhor forma de abordagem do tema até a inexistência de uma forma eficaz e consensual entre os mesmos de se mensurar objetivamente a sustentabilidade.

Diante dessa polêmica, Veiga (2008) pondera que seja qual for o desfecho, é certo que a possível conciliação entre o crescimento econômico moderno e a conservação da natureza não irá ocorrer em prazo curto, o que torna mais difícil ainda sua total implementação. Atitudes isoladas, embora sirvam de exemplo, não são suficientes, pois o meio ambiente é uma questão global, que afeta a todos os países e seus habitantes.

Muitas críticas pairam sobre a forma como o desenvolvimento sustentável foi concebido, muitos o considerando um mero discurso político-ideológico que objetiva dar novos contornos às práticas capitalistas. Nesse sentido, Veiga (2008, p. 113):

[...] a elaboração intelectual sobre o que poderia ser um “caminho do meio” [...] está muito mais atrasada que no caso do desenvolvimento. O que tem havido é coisa bem diversa: desde 1987, um intenso processo de legitimação e institucionalização normativa da expressão “desenvolvimento sustentável” começou a se afirmar. Foi nesse ano que, perante a Assembléia Geral da ONU, Gro Harlem Brundtland, a presidente da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, caracterizou o desenvolvimento sustentável como um “conceito político” e um “conceito amplo para o progresso econômico e social”. O relatório ali lançado com o belo título Nosso futuro comum foi intencionalmente um documento político, que procurava alianças com vistas à viabilização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a “Rio-92”.

Apesar das críticas, é possível verificar que a sustentabilidade envolve o desafio de conciliar um desenvolvimento econômico e social condizente com a noção de preservação ambiental, visando à manutenção das presentes e futuras gerações.

Crê-se assistir razão à Veiga (2008) quando este afirma ser a questão da sustentabilidade essencialmente ética, pois, mesmo que prevista em leis, regulamentos e tratados, depende, para o alcance de resultados satisfatórios, do comportamento individual de cada ser humano e de sua consciência preservacionista. Desse modo, o fato de a mesma ainda não ser entendida como um conceito científico não a desqualifica como iniciativa positiva de proteção à vida atual e futura dos homens.

Desse modo, ante tudo o que já foi exposto e discutido nas mais diversas doutrinas, ousa-se afirmar que a sustentabilidade comporta um conceito sistêmico, correlacionando aspectos econômicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade global, propondo-se a ser uma forma de comportamento moral e ético que influencie as mais diversas práticas sociais, principalmente econômicas e de consumo, de tal maneira que possam expressar o seu maior potencial no presente e, ao mesmo tempo, preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, planejando e agindo de forma a atingir esses ideais de forma efetiva.

De outra ponta, alheio a essas questões controvertidas sobre o conceito de sustentabilidade, acredita-se ser mais eficaz tratar a mesma como princípio que, na visão de Dworkin (2007), constitui um “mandado de otimização” norteador de toda e qualquer prática relacionada ao comportamento humano e que deve ser observada. Dito de outra forma, a sustentabilidade é percebida como princípio jurídico, que vincula os sujeitos nas relações privadas e públicas, nacionais e internacionais.

Atento ao novel contexto que ora se desenhava em âmbito internacional, o legislador constituinte de 1988 observou que o crescimento das atividades econômicas merecia um tratamento novo, em consonância com os desígnios da preservação ambiental e, consequentemente, da garantia de um ambiente equilibrado às gerações presentes e futuras.

Disso resultaram os arts. 170, VI e 225, caput, da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

[...]

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

Dessa forma, o princípio do desenvolvimento sustentável possui como conteúdo a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação a contento entre homens e destes com o seu ambiente, a fim de que as futuras gerações também tenham oportunidade de gozar dos mesmos recursos que hoje temos à disposição (FIORILLO, 2010).


3. MEIO AMBIENTE DE TRABALHO: CONCEITO E PROTEÇÃO JURÍDICA

Apesar das críticas que poderia receber, principalmente de estudiosos de outras ciências, o legislador infraconstitucional não se furtou a conceituar meio ambiente e o fez no art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), in verbis:

Art. 3º Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.

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Conforme se observa, o legislador optou por uma definição ampla de meio ambiente, trazendo um conceito jurídico indeterminado (FIORILLO, 2010) e, sem dúvida alguma, a par do que dispõe o art. 225 da CF/88 alhures citado, foi recepcionada pela mesma.

Cumpre constatar, ainda, que a interpretação sobre o que almeja tutelar a norma constitucional e infraconstitucional não se reduz ao meio ambiente natural[3] como pensam muitos, mas também ao meio ambiente artificial[4], cultural[5] e do trabalho. Isso por que o legislador constituinte estabeleceu dois objetos de tutela ambiental, segundo Silva (2009, p. 81): “[...] a qualidade do meio ambiente em função da qualidade de vida. Pode-se dizer que há dois objetos de tutela, no caso: um imediato, que é a qualidade do meio ambiente; e outro mediato, que é a saúde, o bem-estar e a segurança da população [...]”.

Para não fugir da proposta deste estudo, considerar-se-á apenas o aspecto relativo ao meio ambiente do trabalho, o qual, embora esteja inserido no meio ambiente artificial, merece tratamento diferenciado ante suas características e complexidade próprias.

Com efeito, é neste ambiente que se desenvolve grande parte da vida de um ser humano, considerando ser o trabalho imprescindível à afirmação deste como cidadão na sociedade contemporânea. Nesse sentido, não se limita apenas aos ambientes fechados que constituem, em regra, os meios de produção do tomador de serviços, mas também o ambiente por onde o trabalhador se desloca para chegar ao seu local de trabalho e retorna para sua residência; isso quando, é claro, o desempenho do labor não é desempenhado em meio externo, sendo caso típico o dos motoristas, motoboys e vendedores pracistas, trabalhadores que, indubitavelmente, só poderão gozar de um meio ambiente de trabalho hígido e seguro se a(s) cidade(s) onde exercem suas atividades oferecerem condições para tal, ou seja, se adotarem práticas sustentáveis de proteção a aspectos socioambientais.

Na esteira dos ensinamentos de Figueiredo (2007), o conceito de meio ambiente de trabalho deve estar conjugado com a noção de local de trabalho e ao conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que incidem sobre o Homem e sua atividade de labor. Esse mesmo autor assevera que o meio ambiente de trabalho não é apenas um espaço físico determinado (um estabelecimento empresarial, p. ex.), mas a “conjugação do elemento espacial com a ação laboral”. (2007, p. 41)

Constitucionalmente, o meio ambiente de trabalho foi referido expressamente no art. 200, VIII, in verbis:

Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:

(...)

VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho

A proteção jurídica específica deste ambiente encontra-se no art. 7º, XXIII da CF/88, que reza:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXIII – redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.

Nesse contexto, Fiorillo (2010) ressalta uma distinção importante entre a tutela do direito do trabalho e a do meio ambiente do trabalho; a primeira visando à proteção da saúde e segurança do trabalhador no ambiente onde desempenha suas atividades laborais; a segunda tem o escopo de disciplinar a relação de labor existente entre prestadores e tomadores de serviços, em regra tipificados nas figuras dos empregados e empregadores, respectivamente.

O meio ambiente do trabalho adequado e seguro é um dos mais importantes direitos do cidadão trabalhador, o qual, se desrespeitado, provoca agressão a toda a sociedade, que, ao final, acaba por custear a previdência social, único amparo certo que o mesmo terá quando acidentado.

Além da tutela constitucional, com status de direito fundamental, destacam-se as constantes da legislação infraconstitucional e as de Convenções Internacionais da Organização Internacional do Trabalho - OIT.

A Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, em seu Capítulo V (arts. 154 a 201), dispõe sobre as normas de Segurança e Medicina do Trabalho, as quais visam garantir aos trabalhadores um ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado, ou seja, hígido e seguro. Vale destacar que este diploma, em regra, estabelece normas gerais, delegando ao Ministério do Trabalho e Emprego a atribuição para criar, por meio de resoluções e portarias, regras específicas de proteção para cada profissão e atividades[7]. Nesse contexto, as Normas Regulamentadoras – NR´s, criadas por portaria, assumem vital importância, visto tutelarem as mais diversas nuances relativas ao tema.

No que concerne às Convenções Internacionais, estas assumiram importância ímpar após a inserção do § 3º no art. 5º da CF/88 pela EC nº 45/2004, o qual estabelece que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos aprovados em cada casa do Congresso Nacional com quórum de emenda constitucional serão a elas equiparados. Desse modo, partindo do entendimento de que as questões envolvendo o trabalho, em especial a saúde e a segurança do trabalhador, são caracterizadas como direitos humanos, não há dúvida de que as Convenções que tratam do tema terão status constitucional.

É fato que a grande parte das Convenções ratificadas pelo Brasil junto à OIT são anteriores à EC nº 45/2004, todavia, conforme o Supremo Tribunal Federal (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO), embora não possam ter status de emenda constitucional, terão caráter supralegal, isto é, posicionar-se-ão abaixo da Constituição e acima das leis, o que, efetivamente, não desmerece sua importância ontológica. Dentre as Convenções da OIT que tratam do meio ambiente de trabalho e que já foram ratificadas pelo Brasil destacam-se: a Convenção nº 115, sobre proteção contra radiações ionizantes; a Convenção nº 120, sobre higiene no comércio e nos escritórios; a Convenção nº 148, sobre proteção dos trabalhadores contra os riscos profissionais devidos à contaminação do ar, ao ruído e às vibrações no local de trabalho; a Convenção nº 139, sobre a prevenção e o controle de riscos profissionais causados pelas substâncias ou agentes cancerígenos; a Convenção nº 155, sobre segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente do trabalho; a Convenção nº 167 sobre segurança e saúde na construção, dentre outras não menos importantes.

Por todo o exposto, vê-se que o meio ambiente do trabalho, como um aspecto do meio ambiente geral, merece estudo particularizado ante suas peculiaridades e complexidade, pois possui farto arcabouço normativo de proteção e tutela, não explorados aqui em sua totalidade ante os limites impostos pelo objetivo direto deste estudo, mas que são imprescindíveis para se entender a conexão existente entre o mesmo e o ambiente urbano delimitado pela cidade/município.

Desse modo, inegável a interdependência entre um ambiente artificial e um ambiente do trabalho que, por vezes, se confundem (no caso de trabalhadores que exercem atividades externas ao estabelecimento empresarial), mas que, independentemente disso, estão entrelaçados, à medida que a legislação previdenciária considera acidente de trabalho qualquer sinistro que ocorra entre o trajeto residência-trabalho-residência.

Conforme será mostrado no tópico seguinte, para que o cidadão trabalhador (que realize ou não suas atividades em estabelecimento fechado do empregador) desfrute de um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado é necessário que a cidade onde o mesmo resida ofereça condições dignas de habitação, circulação e lazer, em consonância com os princípios de proteção ambiental, especialmente o de desenvolvimento sustentável.


4. A NECESSÁRIA CONEXÃO ENTRE A CIDADE SUSTENTÁVEL E O MEIO AMBIENTE DE TRABALHO COMO MEIO DE PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA

Dentro da lógica desenvolvida no tópico nº 2, cumpre, neste momento, ressaltar que a forma como o desenvolvimento urbano vem se processando torna ainda mais dificultosa a implantação de uma política de sustentabilidade.

A Agenda 21, aprovada na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, consolidou a idéia de que o desenvolvimento e a conservação do meio ambiente devem constituir um binômio indissolúvel, que promova a ruptura do antigo padrão de crescimento econômico, tornando compatíveis duas grandes aspirações desse final de século: o direito ao desenvolvimento, sobretudo para os países que permanecem em patamares insatisfatórios de renda e de riqueza, e o direito ao usufruto da vida em ambiente saudável pelas presentes e futuras gerações.

Essa ruptura é capaz de permitir a recondução da sociedade industrial rumo ao novo paradigma do desenvolvimento sustentável, o qual, não obstante as críticas quanto ao seu conteúdo, alcance e real objetivo, exige uma reinterpretação do conceito de progresso, levando em conta de forma mais efetiva aspectos de ordem social.

É justamente aí que é inserida a questão envolvendo o meio ambiente laboral, o qual deve ser tido, para efeito de políticas públicas, de forma ampla, abrangendo não só o espaço delimitado onde o trabalhador realiza suas atividades, mas também o espaço por onde o mesmo transita para ir de sua residência ao local de trabalho e vice-versa.

Percebe-se, então, a necessidade de haver uma conjugação de esforços das esferas pública e privada nesse sentido, pois, de que adiantaria, p. ex., um trabalhador exercer suas funções em um estabelecimento empresarial que respeita as normas de higiene e segurança no trabalho se, ao retornar para sua residência o trabalhador tem de enfrentar um percurso caracterizado pela poluição do ar, sonora e visual; pela má conservação das vias, pela insegurança, pelo ineficiente transporte público, pelo trânsito caótico etc.

Em se tratando de trabalhadores que exerçam atividades externas (fora do estabelecimento comercial), por óbvio, a situação chega a ser calamitosa do ponto de vista da saúde e da qualidade de vida no trabalho.

As cidades, ainda hoje, são uma espécie de “miragem” para as populações rurais que almejam se inserir no modo de produção capitalista. De outra ponta, constata-se que a forma de produção e de consumo das mesmas não favorecem, ainda, a sustentabilidade, seja em se tratando de transportes, da elaboração de materiais de construção ou das condições de ocupação do solo e do espaço (DROBENKO, 2004).

Nesse sentido, o Poder Público, a fim de garantir os valores sociais do trabalho e da dignidade da pessoa humana, deve ter um duplo objetivo no que concerne às cidades: o primeiro e maior é proteger o meio ambiente urbano com instrumentos eficazes de modo a imprimir-lhes uma gestão sustentável, o que, consequentemente, tutelará direta ou indiretamente o meio ambiente de trabalho, exerça o trabalhador suas atividades em ambiente fechado ou em ambiente aberto. É neste panorama que a cidade, por seus habitantes e gestores, desponta como espaço privilegiado para o cumprimento do programa constitucional de promover um meio ambiente equilibrado, inclusive o ambiente de trabalho urbano.


CONCLUSÃO

Assim, dentro do conjunto de políticas públicas adotadas por qualquer centro urbano com o escopo de adequar-se à sustentabilidade, devem estar inseridas medidas de controle, fiscalização e proteção ao meio ambiente do trabalho, ao lado de programas que contemplem saneamento básico, reciclagem e re-uso de resíduos sólidos, correto tratamento de efluentes, diminuição da emissão de gases do efeito estufa, gestão eficiente de recursos hídricos etc (AHMED; COUTINHO, 2009).

Isto porque o meio ambiente do trabalho não está dissociado do meio ambiente geral; ao contrário, está estreitamente ligado a este. Ocorre, porém, que o meio ambiente que circunda o labor dos trabalhadores possui regras específicas de proteção expressas na Constituição, nas leis e em Tratados Internacionais como visto alhures. No entanto, serão inócuas caso o meio ambiente geral, no caso aqui o meio ambiente urbano das cidades, não seja norteado por políticas de sustentabilidade patrocinadas tanto pelo Poder Público quanto pela sociedade, na esteira do que preconiza o art. 225, caput, da Constituição de 1988. Tudo com o objetivo de se garantir, por via indireta, outros aspectos diretamente relacionados à dignidade humana, como a saúde e a vida.

Em face da ampla predominância da urbanização na vida humana, a cidade tornou-se o lócus por excelência do labor humano. Esta condição de principal palco de realização da atividade produtiva – ou, no mínimo, aquele que concentra o maior número de pessoas – faz com que a cidade seja ponto chave na sustentabilidade do meio ambiente de trabalho. Isto, aliás, tanto na perspectiva do trabalho em ambientes fechados como nos realizados a céu aberto.


REFERÊNCIAS

AHMED, Flávio; COUTINHO, Ronaldo (coord.). Cidades sustentáveis no Brasil e sua tutela jurídica. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em 24/06/2010.

BRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 25 de março de 2010.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a política nacional de meio ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938.htm. Acesso em: 28 de julho de 2010.

BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 27 de julho de 2010.

BRASIL. Ministério do Trabalho. Portaria nº 3.214 de 8 de junho de 1978. Aprova as Normas Regulamentadoras – NR, do capítulo V, Título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à segurança e medicina do trabalho.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre os planos de benefícios da previdência social e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8213compilado.htm>. Acesso em: 27 de julho de 2010.

DI FRANCO FERRAROTTI e outros. La cittá comme fenômeno di classe. Milão: Franco Angeli Editore, 1975.

DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Trad. Jefferson Luiz Camargo.

DROBENKO, Bernard. As cidades sustentáveis. Brasília: Lastro Editora, 2004.

FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. Direito ambiental e a saúde dos trabalhadores: controle da poluição, proteção do meio ambiente, da vida e da saúde dos trabalhadores no direito internacional, na união européia e no MERCOSUL. 2ª ed. São Paulo, LTr, 2007.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 11ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo, Saraiva, 2010.

IBGE. Estimativa populacional de 2009. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/mapa_site/mapa_site.php#populacao. Acesso em: 28 de julho de 2010.

SILVA, José Afonso da. Direito urbanístico brasileiro. 5ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2008.

___________________. Direito ambiental constitucional. 7ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

WEBER, Max. Economía y sociedad. vol. II. México, Fondo de Cultura Económica, 1969.

VEIGA, José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. 3ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2008.

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Sobre o autor
Ives Faiad Freitas

Analista Judiciário do TRT 8ª Região e Professor Universitário. Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UNIFAP), Especialista em Direito Constitucional (UNISUL), Direito Processual (UNISUL), Direito Previdenciário (UNIDERP), Direito e Processo do Trabalho (UNIDERP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Ives Faiad. A sustentabilidade das cidades e o meio ambiente do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3185, 21 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21334. Acesso em: 29 dez. 2024.

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