CONCLUSÃO
A questão acerca da responsabilidade ambiental da Administração Pública por condutas omissivas confirma a assertiva elaborada por Diniz (2007, p. 109), para quem o problema das lacunas no Direito é uma verdadeira aporia.
Efetivamente, a divergência de jurisprudências frente à Lei nº 6.938/81 – ora favorável à incidência da responsabilidade objetiva, ora favorável à responsabilidade subjetiva – demonstra que a discussão ainda está longe de ser resolvida.
E observando os fundamentos jurisprudenciais das duas correntes, infere-se que a constatação de uma possível lacuna na Lei nº 6.938/81 esconde uma problemática ainda maior: a identificação de qual o regime jurídico preponderante quando o autor do dano ambiental for o Poder Público.
No tocante aos danos ao meio ambiente cuja origem esteja na conduta comissiva da Administração, nenhuma divergência surgirá entre a Constituição e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiental, porquanto ambas apontam a responsabilidade objetiva como sendo o regime aplicável ao Poder Público. Entretanto, na hipótese de condutas omissas, se admitida a inexistência de lacuna por parte da Lei nº 6.938/81, emergirá uma clara antinomia entre as duas normas.
De fato, a interpretação conjunta dos dispositivos da Lei nº 6.938/81 indica a existência uma regulamentação, ainda que implícita, da responsabilidade ambiental por omissão. O caráter aberto da definição de “poluidor”, revelado, sobretudo, pelo advérbio “indiretamente” presente na redação do inciso IV do art. 3º da referida lei, afasta a projeção da lacuna, permitindo que se conclua pela vigência de uma regra específica, extraída pelo método interpretação extensiva.
Ainda assim, entende-se a Administração Pública está sujeita à responsabilidade enunciada pelo art. 37, § 6º, do texto constitucional vigente, mesmo em lides de fundo ambiental.
Primeiramente, por força do princípio da primazia da Constituição, ainda que se alegue – como fez o STJ – a existência de um microssistema especial introduzido pela Lei nº 6.938/81 para regular a hipótese em comento, não aparece ser crível que uma disposição infraconstitucional sobreponha-se à Carta Magna, abrindo uma exceção à regra por esta última estabelecida.
Além disso, o regime instaurado pela Carta 1988 é posterior à Lei nº 6.938/81, que por si só já seria suficiente para configurar uma situação de não recepção dos pontos da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que conflitassem com a atual ordem constitucional vigente.
Como consequência, o critério da especialização – que sustenta em grande parte o uso da interpretação extensiva mencionada anteriormente – esmorece diante dos critérios hierárquico e temporal, reafirmando, assim, a predominância da responsabilidade subjetiva por condutas omissivas da Administração Pública em matéria ambiental.
A opção pelo paradigma calcado na estrita legalidade não é, contudo, absoluto e imune a críticas. Muito pertinente é a colocação que denuncia a precariedade do o regime estatuído pelo art. 37, § 6º, da Constituição para a reparação do dano ambiental, visto que as crescentes demandas sociais por uma atuação estatal mais efetiva na proteção ao meio ambiente, que acompanham o aumento gradativo de atribuições legais preventivas e coercitivas dos entes públicos em geral, clamam por responsabilidades jurídicas de igual envergadura. Portanto, não restam dúvidas de que a responsabilidade objetiva é a que melhor se adapta à noção de proteção ambiental, seja em decorrência de atos administrativos comissivos ou omissivos.
Com isso, conclui-se que a despeito de ainda prevalecer a responsabilidade subjetiva da Administração por danos ambientais nas hipóteses de omissão, é preciso repensar o papel o Poder Público no atual sistema jurídico de proteção ambiental, impondo-lhe, através de uma mudança implementada em patamar constitucional, o mesmo regime da responsabilidade objetiva válido para as condutas comissivas.
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Notas
[1] No direito penal, a vigência de lei prévia e expressa é condição sine qua non para existência do crime, conforme enuncia o art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.
[2] Nesse sentido, veja-se o art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional, que dispõe que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.