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Responsabilidade ambiental da administração pública por danos decorrentes de condutas omissivas na visão da jurisprudência brasileira

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21/03/2012 às 16:10
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CONCLUSÃO

A questão acerca da responsabilidade ambiental da Administração Pública por condutas omissivas confirma a assertiva elaborada por Diniz (2007, p. 109), para quem o problema das lacunas no Direito é uma verdadeira aporia.  

Efetivamente, a divergência de jurisprudências frente à Lei nº 6.938/81 – ora favorável à incidência da responsabilidade objetiva, ora favorável à responsabilidade subjetiva – demonstra que a discussão ainda está longe de ser resolvida.

E observando os fundamentos jurisprudenciais das duas correntes, infere-se que a constatação de uma possível lacuna na Lei nº 6.938/81 esconde uma problemática ainda maior: a identificação de qual o regime jurídico preponderante quando o autor do dano ambiental for o Poder Público.

No tocante aos danos ao meio ambiente cuja origem esteja na conduta comissiva da Administração, nenhuma divergência surgirá entre a Constituição e a Lei da Política Nacional do Meio Ambiental, porquanto ambas apontam a responsabilidade objetiva como sendo o regime aplicável ao Poder Público. Entretanto, na hipótese de condutas omissas, se admitida a inexistência de lacuna por parte da Lei nº 6.938/81, emergirá uma clara antinomia entre as duas normas.

De fato, a interpretação conjunta dos dispositivos da Lei nº 6.938/81 indica a existência uma regulamentação, ainda que implícita, da responsabilidade ambiental por omissão. O caráter aberto da definição de “poluidor”, revelado, sobretudo, pelo advérbio “indiretamente” presente na redação do inciso IV do art. 3º da referida lei, afasta a projeção da lacuna, permitindo que se conclua pela vigência de uma regra específica, extraída pelo método interpretação extensiva.

Ainda assim, entende-se a Administração Pública está sujeita à responsabilidade enunciada pelo art. 37, § 6º, do texto constitucional vigente, mesmo em lides de fundo ambiental.

Primeiramente, por força do princípio da primazia da Constituição, ainda que se alegue – como fez o STJ – a existência de um microssistema especial introduzido pela Lei nº 6.938/81 para regular a hipótese em comento, não aparece ser crível que uma disposição infraconstitucional sobreponha-se à Carta Magna, abrindo uma exceção à regra por esta última estabelecida.

Além disso, o regime instaurado pela Carta 1988 é posterior à Lei nº 6.938/81, que por si só já seria suficiente para configurar uma situação de não recepção dos pontos da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente que conflitassem com a atual ordem constitucional vigente.

Como consequência, o critério da especialização – que sustenta em grande parte o uso da interpretação extensiva mencionada anteriormente – esmorece diante dos critérios hierárquico e temporal, reafirmando, assim, a predominância da responsabilidade subjetiva por condutas omissivas da Administração Pública em matéria ambiental.

A opção pelo paradigma calcado na estrita legalidade não é, contudo, absoluto e imune a críticas. Muito pertinente é a colocação que denuncia a precariedade do o regime estatuído pelo art. 37, § 6º, da Constituição para a reparação do dano ambiental, visto que as crescentes demandas sociais por uma atuação estatal mais efetiva na proteção ao meio ambiente, que acompanham o aumento gradativo de atribuições legais preventivas e coercitivas dos entes públicos em geral, clamam por responsabilidades jurídicas de igual envergadura. Portanto, não restam dúvidas de que a responsabilidade objetiva é a que melhor se adapta à noção de proteção ambiental, seja em decorrência de atos administrativos comissivos ou omissivos.

Com isso, conclui-se que a despeito de ainda prevalecer a responsabilidade subjetiva da Administração por danos ambientais nas hipóteses de omissão, é preciso repensar o papel o Poder Público no atual sistema jurídico de proteção ambiental, impondo-lhe, através de uma mudança implementada em patamar constitucional, o mesmo regime da responsabilidade objetiva válido para as condutas comissivas.


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Notas

[1] No direito penal, a vigência de lei prévia e expressa é condição sine qua non para existência do crime, conforme enuncia o art. 1º do Código Penal: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”.

[2] Nesse sentido, veja-se o art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional, que dispõe que “o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”.

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Sobre a autora
Ana Beatriz da Motta Passos

Procuradora do Município de Manaus. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Federal do Amazonas. Mestranda em Direito Ambiental pela Universidade do Estado do Amazonas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PASSOS, Ana Beatriz Motta. Responsabilidade ambiental da administração pública por danos decorrentes de condutas omissivas na visão da jurisprudência brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3185, 21 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21336. Acesso em: 2 nov. 2024.

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