1. INTRODUÇÃO
As linhas aqui delineadas não têm o objetivo de exaurir todas as informações relativas à Justiça Militar no Brasil, nem de externar posicionamento institucional algum, mas, principalmente, divulgar esse ramo especializado do Poder Judiciário, assim como foi feito em participação no Simpósio Sobre Reformas da Justiça Militar, promovido pelo Comando Sul dos Estados Unidos da América.
Serão feitas algumas considerações a respeito da história, estrutura e organização da Justiça Militar brasileira, assim como alguns apontamentos referentes a direito militar, aos procedimentos processuais e administrativos disciplinares, além de as sanções legalmente previstas e o regime penitenciário aos quais estão submetidos os militares e os policiais militares.
Por fim, será feita uma breve exposição sobre as principais fortalezas e debilidades do sistema e a expectativa de ajustes por medidas legislativas.
2. A JUSTIÇA MILITAR NO BRASIL
2.1. ANTECEDENTES HISTÓRICOS
A história da Justiça Militar no Brasil começa com o próprio aporte da Família Real nas terras tupiniquins, em 1808, a partir de quando o país, então, deixou a sua condição de colônia para ganhar o status de Reino Unido a Portugal, passando a Administração Pública lusitana a se instalar no Novo Mundo.
No período em que o reinado permaneceu no Brasil, foram criadas instituições, como, por exemplo, a pomposa Guarda Real, a rica Biblioteca Nacional, o formoso Jardim Botânico.
Não diferente procedeu-se em relação à instituição militar, que também acompanhou a vinda da família Real, representada pela organização de um corpo militar uniformizado com o intento de defesa e proteção da família real, e mais a frente, das instituições criadas na ex-colônia.
Considerando as suas particularidades, de igual modo como ocorria em Portugal, os militares eram regidos por regulamentos próprios, aplicados por aqueles que integravam a carreira das Armas, que se encontrava, como ainda se encontra, assentada em dois princípios fundamentais: a hierarquia e a disciplina.
Formada toda estrutura de Estado, logo após a organização dos Ministérios, foi criado, na cidade do Rio de Janeiro – sede da Corte no Brasil –, o Conselho Supremo Militar e de Justiça, e, por extensão, a Justiça Militar Brasileira, consoante ditado pelo Alvará de 1º de abril de 1808, com força de lei, assinado pelo mesmo Príncipe Regente D. João. É, portanto, o mais antigo tribunal superior do País, cujo bicentenário será realizado no próximo ano (2008).
Tal Conselho acumulava duas funções, sendo uma de caráter administrativo e outra de caráter puramente judiciário. Na de caráter administrativo coadjuvava com o Governo "em questões referentes a requerimentos, cartas-patentes, promoções, soldos, reformas, nomeações, lavratura de patentes e uso de insígnias, sobre as quais manifestava seu parecer, quando consultado" e, na referente aos aspectos judiciários, "como Tribunal Superior da Justiça Militar, o Conselho Supremo julgava em última instância os processos criminais dos réus sujeitos ao foro militar."
É de se afirmar que, com o Conselho Supremo Militar e de Justiça, instalou-se o primeiro Tribunal Superior de Justiça instituído no Brasil, e "sua originária denominação foi mantida até o advento da República, quando, pela Constituição de 1891, passou a intitular-se Supremo Tribunal Militar, com organização e atribuições definidas pela Lei nº 149, de 18-7-1893", passando a integrar o Poder Judiciário pela Constituição de 1934 e, com a Constituição de 1946, vindo a ser denominado Superior Tribunal Militar.
Conforme se verá em tópico adiante, com a própria evolução do Poder Judiciário em ramos específicos de atuação, a Justiça Militar acabou também por se bifurcar em duas espécies: a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual. A primeira possui previsão constitucional desde a Constituição Federal de 1934, e a segunda, desde a Constituição Federal de 1946, ou seja, em data muito anterior ao movimento de 1964 (ano do Golpe de Estado, no qual militares assumiram o Governo do país).
Nesse contexto histórico, apenas a título de curiosidade, vale ressaltar que, no âmbito estadual, o Estado do Rio Grande do Sul conta com o Tribunal Militar mais antigo do Brasil, criado em 1918. Além disto, tem-se ainda o fato de que, nessa entidade federativa, a Justiça Militar existiu mesmo antes da Justiça comum, pois chegou a bordo das naus portuguesas que integravam a expedição militar de Silva Paes, em 1737.
2.2. ESTRUTURA DA JUSTIÇA MILITAR, SEUS MEMBROS E FOROS DE COMPETÊNCIA
A Justiça Militar no Brasil possui uma característica peculiar, diferenciadora dos modelos de outros países: a Justiça Militar brasileira é um gênero, composto duas espécies, a Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual.
a) Justiça Militar da União
A Justiça Militar da União é órgão jurisdicional federal, tendo por competência julgar e processar os crimes militares definidos em lei, não importando quem seja seu autor, o que vale dizer que julga inclusive civis. É justiça especializada na aplicação da lei a uma categoria própria: a dos militares federais – Marinha, Exército e Aeronáutica –, possuindo jurisdição em todo o território nacional.
São órgãos de a Justiça Militar da União: o Superior Tribunal Militar (STM) e os Tribunais e Juízes Militares instituídos em lei.
Os juízes de primeiro grau de jurisdição são civis, chamados de juízes-auditores, nomeados somente depois de aprovados, por meio de concurso público de provas e títulos, e com, no mínimo três anos de atividade jurídica (art. 93, I, da CRFB1), possuindo garantias inerentes aos membros do Poder Judiciário, como vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.
Num patamar acima, além de ser a 2ª instância da Justiça Militar da União, o Superior Tribunal Militar tem competência originária para processar e julgar os Oficiais-Generais, bem como de decretar a perda do posto e da patente dos Oficiais que forem julgados indignos ou incompatíveis para com o oficialato.
A composição do STM é formada por 15 (quinze) ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado Federal, sendo 3 (três) entre Oficiais-Generais da Marinha, 4 (quatro) entre Oficiais-Generais do Exército e 3 (três) dentre Oficiais-Generais da Aeronáutica, todos da ativa e do posto mais elevado da carreira e, 5 (cinco) entre civis. Estes, por sua vez, são escolhidos também pelo Presidente da República sendo, 3 (três) entre advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de 10 anos de atividade profissional, e 2 (dois) por escolha paritária, dentre juízes auditores e membros do Ministério Público Militar.2
A Justiça Militar da União está prevista entre os artigos 122 a 1243 da Constituição Federal de 1988, tutelando os valores que são caros para as Forças Armadas do país.
b) Justiça Militar Estadual
No que toca à Justiça Militar Estadual, está a missão de tutelar os valores afetos às Polícias Militares e aos Corpos de Bombeiros Militares, competindo-lhe processar e julgar os crimes militares definidos em lei, desde que praticados por membros das corporações mencionadas.
Ao contrário da Justiça Militar da União, sua competência é restrita, fugindo de seu campo de atuação processar e julgar civis. A jurisdição limita-se ao território de cada Estado ou do Distrito Federal4.
Consoante é de conhecimento público, atualmente, embora a Constituição Federal preveja a possibilidade dos Estados criarem Tribunais Militares quando o efetivo de sua Polícia Militar ultrapasse o efetivo de 20.000 integrantes (art. 125, § 3º), somente três Estados, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, possuem tribunais militares próprios. Os demais Estados brasileiros e o Distrito Federal possuem o 2º grau da Justiça Militar no seu respectivo Tribunal de Justiça5.
Com a Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, houve substancial alteração no art. 125 da CRFB6, em especial, nos seus §§ 3º, 4º e 5º.
No § 3º, por exemplo, mudou-se apenas a referência para a criação do Tribunal de Justiça Militar, com relação ao efetivo de cada Corporação, apontando-se, agora, como efetivo militar, inclusive, os integrantes dos Corpos de Bombeiros Militares.
De outro lado, foi feita a ressalva da competência do tribunal do júri quando a vítima for civil, mantendo-se, todavia, a competência dos tribunais (2ª instância ordinária) para decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças (§ 4º).
A referida ressalva constitucional quanto à competência dos crimes dolosos contra a vida espancou, de uma vez por todas, a controvérsia sobre a Lei nº 9.299/96 (a famigerada Lei Hélio Bicudo), tida por muitos como inconstitucional, eis que, em momento anterior, teria operado, por lei ordinária, o deslocamento da competência fixada na Constituição da República, agora manejado pela EC nº 45/04.
Também foi inserida a competência relativa às ações judiciais contra atos disciplinares, destacando-se aos juízes de direito do juízo militar, singularmente, processá-las e julgá-las.
De igual modo, também passou a serem exclusivamente competentes os juízes de direito para processar e julgar os casos de crimes militares cometidos contra civis (§ 5º).
A maior mudança considerada pelos doutrinadores diz respeito à figura do Juiz de Direito (ex-Juiz-Auditor), que passa a ser o Presidente dos Conselhos de Justiça, em detrimento dos Oficiais Superiores da Força, rompendo uma tradição que vem desde o nascimento da Justiça Militar brasileira, que ocorreu com a vinda de D. João VI ao Brasil e a criação do Conselho Supremo Militar e de Justiça (atual STM).
Esse fato demonstra a intenção do legislador constituinte de coibir corporativismo e impunidades contra militares, retirando das mãos dos próprios militares a condução do processo judicial.
c) Os Conselhos de Justiça
Os Conselhos de Justiça constituem os órgãos de 1º grau da Justiça Militar, tanto da União, quanto dos Estados e do Distrito Federal. Tal conselho é um órgão jurisdicional colegiado sui generis, formado por um juiz togado (auditor) e quatro juízes militares, pertencentes à Força a que pertencer o acusado, tendo fundamento nos arts. 122, II e; 125, § 3º, da Carta Magna7.
Essa condição anômala decorre de sua divisão prevista no art. 16 da Lei 8.457/92 (LOJMU8), também aplicável igualmente à Justiça Militar Estadual, qual seja:
i) o Conselho Permanente de Justiça, que processa e julga crimes militares cometidos por praças ou civis (este último, somente na Justiça Militar da União), tem seus juízes renovados a cada trimestre, sem vincular os juízes militares ao processo nos quais atuarem naquele período;
ii) o Conselho Especial de Justiça, destinado a processar e julgar oficiais até o posto de Coronel ou Capitão-de-Mar-e-Guerra. Tem seus juízes militares escolhidos para cada processo, aplicando-se, excepcionalmente, e somente em relação aos juízes militares, o princípio da identidade física do juiz, ou seja, aquele Conselho somente se extinguirá com a decisão final do processo.
Em regra, assim como os demais magistrados que atuam no foro penal, o juiz-auditor não fica vinculado a processo algum.
O Conselho de Justiça é ainda diferenciado em relação à forma de investidura e das garantias e prerrogativas de seus membros. O juiz auditor, togado, é civil e ingressa na carreira através de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em todas as suas fases (CRFB, art. 93, I), gozando das seguintes garantias: vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios (CRFB, art. 95), tendo em contrapartida as vedações do parágrafo único do referido artigo.
Os juízes militares investem-se na função por meio de sorteio, realizado sob uma lista de oficiais apresentados, nos termos dos arts. 19 e 23 da Lei 8.457/92. São juízes de fato, não gozando das prerrogativas afetas aos magistrados de carreira. De se ressaltar, ainda, que os oficiais são juízes somente enquanto reunido o Conselho, que é efetivamente o órgão jurisdicional. Isoladamente, fora das reuniões do Conselho de Justiça, os oficiais que atuam naquela Auditoria não serão mais juízes, submetendo-se aos regulamentos e normas militares que a vida de caserna lhes impõe.
d) O Ministério Público Militar e o Advogado na Justiça Militar
O Ministério Público Militar é instituição permanente e essencial à função jurisdicional do Estado, prevista constitucionalmente, tendo por principal atribuição promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei (CRFB, 127, caput, e 129, I).
Ao inverso do que denota o termo de identificação empregado – militar –, o Ministério Público é uma instituição civil, como também civis são seus membros, possuindo autonomia e independência funcional. Representa o Estado (acusação e persecução) no processo penal.
No exercício funcional, cada membro possui autonomia, estando subordinado apenas às leis. Ressalva-se, todavia, a responsabilidade subjetiva por danos concretamente causados, pelo uso indevido ou de má-fé, de suas funções institucionais.
O Ministério Público Militar é ramo especializado do Ministério Público da União, ao lado de seus congêneres: Ministério Público Federal, do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios; atuando perante a Justiça Militar federal, com inúmeras atribuições judiciais e extrajudiciais.
De acordo com o Promotor de Justiça Militar e Doutrinador Jorge César de Assis, foi criado em outubro de 1920, mas desde meados do Século XIX, ventilavam-se projetos de lei instituindo a figura do promotor de Justiça Criminal Militar. Atualmente, é regido pela Lei Complementar nº 75, de maio de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público da União – LOMPU).
Em 1ª instância, a carreira é composta por Promotores de Justiça Militar e Procurador de Justiça Militar – órgãos de execução, os quais oficiam nas Auditorias Militares – e, em 2ª instância, por Subprocuradores-Gerais da Justiça Militar, que têm exercício perante o Superior Tribunal Militar.
São também órgãos do Ministério Público Militar: o Procurado-Geral, a Corregedoria-Geral, o Colégio de Procuradores do Ministério Público Militar, o Conselho Superior e a Câmara de Coordenação e Revisão.
Na esfera dos Estados-Membros e do Distrito Federal não existe Ministério Público Militar. São os próprios representantes dos Ministérios Públicos Estaduais que atuam junto às Auditorias Militares.
De igual modo que os representantes do Parquet, os advogados que atuam na Justiça Militar Brasileira são todos civis.
Nos termos da Constituição, o advogado é indispensável à administração da justiça, estando o Estado incumbido de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (CF, art. 5º, LXXIV), motivo pelo qual se tem a figura da Defensoria Pública – instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados.
A Lei 8.906, de 04.07.1994, dispõe sobre o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil9 (OAB). De outra banda, a Lei Complementar nº 80, de 12.01.1994, organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados.
Na Justiça Militar, a constituição de defensor independerá de mandato se o acusado o indicar por ocasião do interrogatório, ou em qualquer outra fase do processo, por termo nos autos. Havendo mandato (procuração), entretanto, este obedecerá aos termos do art. 38 do Código de Processo Civil.
A função de defensor é privativa do Advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (art. 1º, I, EAOAB). Na ausência de defensor constituído, será nomeado um dativo. A competência para nomeação é do presidente do Conselho de Justiça (art. 29, III, LOJMU). O patrocínio da causa é obrigatório, salvo motivo relevante arguido pelo defensor dativo.
Vale lembrar que, na jurisdição federal, os militares poderão ser representados judicialmente por membros da Advocacia-Geral da União, conforme previsto na Lei nº 9.028, de 12 de abril de 1995, e disposto em regulamento, quando envolvidos em inquéritos ou processos judiciais.
2.3. RAMO DE PODER A QUAL PERTENCE
A Justiça Militar no Brasil encontra-se prevista e disciplinada na Constituição Federal, precisamente no art. 9210, inciso VI, segundo o qual: "São órgãos do Poder Judiciário: (...) VI - Os Tribunais e juízes militares".
Desse modo, no Brasil, a Justiça Militar exerce função típica: eminentemente jurisdicional, inerente às suas natureza e finalidade; não se eximindo, contudo, de outras funções atípicas, de natureza executivo-administrativa (organização de suas secretarias – art. 96, “b”, da CRFB – a concessão de licença e férias a seus membros, juízes e servidores imediatamente vinculados – art. 96, I, “f”).
Deve-se, aqui, conceituar jurisdição como sendo “uma das funções do Estado, mediante a qual este se substitui aos titulares dos interesses em conflito para, imparcialmente, buscar a pacificação do conflito que os envolve, com justiça. Essa pacificação é feita mediante a atuação da vontade do direito objetivo que rege o caso apresentado em concreto para ser solucionado; e o Estado desempenha essa função sempre mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (através de uma sentença de mérito), seja realizando no mundo das coisas o que o preceito estabelece (através da execução forçada)” 11.
Não ocioso é lembrar, ainda, que, apesar de se operar de forma abrandada, a República Federativa do Brasil segue o modelo clássico de tripartição de poderes, conforme prevê o art. 2º da Norma Ápice: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.
2.4. A LEGISLAÇÃO APLICÁVEL À JUSTIÇA MILITAR BRASILEIRA
Basicamente, o processo penal militar brasileiro desenvolve-se com base nos seguintes diplomas legais: O Código Penal Militar (Decreto-Lei nº 1001, de 21.10.1969); Código de Processo Penal Militar (Decreto-Lei nº 1002, de 21.10.1969); Lei de Organização Judiciária Militar da União - LOJMU (Lei nº 8457, de 04.09.1992).
Existe também a legislação militar que rege os integrantes das Forças Armadas e das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares, dentre a qual se destacam:
o Estatuto dos Militares (Lei nº 6880, de 09.12.1980);
o Conselho de Disciplina (Decreto nº 71.500, de 05.12.1972);
o Conselho de Justificação (Lei nº 5.836, de 05.12.1972);
a Lei do Serviço Militar (Lei nº 4.375, de 17.08.1964) e
os Regulamentos Disciplinares da Marinha (RDM – Decreto 88.545, de 26 de julho de 1983), do Exército (R-4 – Decreto 4.346, de 26 de agosto de 2002) e da Aeronáutica (RDAer – Decreto 76.322, de 22 de setembro de 1975), além dos seus similares nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares.
2.5. CLASSE DE SISTEMA
Apesar de haver divergência doutrinária a respeito da classificação do sistema empregado no processo penal militar, ante os princípios e as garantias fundamentais arrolados no texto constitucional (contraditório, ampla defesa, devido processo legal, juiz natural, promotor natural etc.), tem prevalecido o entendimento de que o sistema operado no processo militar é o acusatório.
No sistema acusatório, como o próprio nome sugere, há distinção de funções no processo: investigação, acusação, defesa e julgamento; tendo-se originado juntamente com o nascimento do Ministério Público (MP). Assim, pelo surgimento de partes bem definidas, é possível o estabelecimento do contraditório pelo choque de teses (Art. 129, I, CF – MP como entidade autônoma).
Nessa classe de sistema, o juiz desempenha papel centrado na flexibilização das garantias fundamentais, contudo, não interfere no caminho investigatório. Nos termos do Código de Processo Penal Militar, cumpre à Polícia Judiciária Militar apurar os crimes militares, bem como os que, por lei especial, estão sujeitos à jurisdição militar, e sua autoria; além de prestar aos órgãos e juízes da Justiça Militar e aos membros do MP as informações necessárias à instrução e julgamento dos processos, bem como realizar as diligências que por eles lhe forem requisitadas12.
O Ministério Público, por sua vez, exerce o controle externo da atividade policial (fiscalização e controle sem relação hierárquica), interferindo indiretamente nos rumos da investigação (requisição de diligências policiais). O poder de investigar do MP é decorrência do sistema acusatório, ou seja, aquele que acusa pode, também, investigar. No entanto, há quem defenda que a Constituição Federal não prevê, expressamente, este poder. (Min. Nelson Jobim, STF).
Há um consenso em nosso país de que o sistema acusatório é o único apto a garantir a imparcialidade do julgador, uma vez que o coloca a salvo de um comprometimento psicológico prévio, decorrente do exercício da função de defesa ou de acusação. É ele, sem dúvida, o único sistema compatível com as garantias individuais previstas na atual Constituição (art. 5º, incisos LIII, LIV, LV, LVI, LVI, LXI, LXII, LXV, LXVIII).
Dessa forma, é correto afirmar que “O sistema acusatório transformou a fisionomia da persecução penal, visto que situou o réu e acusado, nessa atividade estatal, como sujeito de direitos e não apenas como objeto das investigações. Processualizou-se a persecutio criminis... sem que o interesse público da punição do culpado ficasse diminuído ou debilitado. O juiz deixou de encarnar a função repressiva do Estado contra o infrator da lei penal, para permanecer imparcial e sereno, como órgão exclusivo da aplicação do Direito Penal objetivo, ou seja, da jurisdição penal propriamente dita.” 13
2.6. PROCESSO E PROCEDIMENTOS
2.6.1. O processo penal militar
O processo penal é o instrumento utilizado pelo Estado para persecução penal e aplicação de sanção a quem pratica ato definido em lei como crime, podendo residir o seu conceito na seguinte síntese: “o conjunto de princípios e normas que disciplinam a composição das lides penais, por meio da aplicação do direito penal objetivo” (CAPEZ, 2003, p. 1).
Sob a ótica de autores garantistas, além das medidas protetivas à defesa social, Direito Processual Penal e o próprio Direito Penal caracterizam uma forma de controle social punitivo, institucionalizado pela sociedade, com objetivo de limitar o âmbito da conduta individual (ZAFFARONI e PIERANGELI, 2004, p. 57 e seg.).
O exercício desse controle social pelo Estado também tem um limite, que é representado pelo respeito aos direitos humanos, que devem ser levados em conta, em qualquer estudo que se faça do direito material e processual penal.
Na Constituição Pátria existem normas limitadoras à aplicação do Direito Penal, como a proibição de penas de morte (ressalvado em caso de guerra declarada14) e de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII), proibição de provas ilícitas (art. 5º, LVI), a criminalização da tortura (art. 5º, III), a inviolabilidade do domicílio (art. 5º, XI) 15 e os princípios da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da própria República, e da presunção da inocência (art. 1º, III, e 5º, LVII).
No processo Penal Militar, a ação penal, em regra, é pública incondicionada, promovida por denúncia do Ministério Público Militar, sem que haja manifestação da vontade da vítima ou de qualquer pessoa, princípio esse que foi inscrito na Constituição Federal de 1988, no artigo 129, inciso I, que indica como a primeira das funções institucionais do Ministério Público a de “promover privativamente a ação penal pública”; e na forma do art. 29 do CPPM: “a ação penal é pública e somente pode ser promovida pelo Ministério Público Militar”.
Normalmente a ação penal é promovida com base no Inquérito Policial Militar, todavia, em alguns casos, a notitia criminis pode ser trazida ao conhecimento do Ministério Público, na forma prevista no art. 33 do Código de Processo Penal Militar, in verbis:
“Qualquer pessoa, no exercício do direito de representação, poderá provocar a iniciativa do Ministério Público, dando-lhe informações sobre fato que constitua crime militar e sua autoria, e indicando-lhe os elementos de convicção”.
Com informações fornecidas pelos particulares interessados em processar autores de delitos, o Ministério Público, atualmente, tem tido maior atuação na fase indiciária da persecução penal, através da instauração de procedimentos de diligência investigatória criminal, pelo próprio Parquet, nos termos do artigo 117, inciso I, da Lei Complementar nº 75, de 20/05/1993, quando este já dispõe de elementos esclarecedores do fato ilícito e necessita, apenas, aprofundar as investigações referentes à autoria e materialidade delitivas.
Conforme já salientado, há quem não concorde com o poder investigatório do Ministério Público, mas a prática jurídica tem demonstrado que, se usada adequadamente, a investigação criminal, em casos especiais, resulta em benefício para a sociedade.
Outra hipótese de dispensa de instauração de inquérito policial militar observa-se quando ocorrer a prisão em flagrante delito, ocasião em que o próprio Auto de Prisão em Flagrante, uma vez lavrado, servirá de base para a ação penal.
Por força constitucional, apesar de não regulada no Código de Processo Penal, tem-se defendido a aplicação no processo penal militar a “ação penal privada subsidiária pública”, tendo em visto o que dispõe o artigo 5º, inciso LIX – “será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal” –, o que, por conseguinte, implicaria na utilização, para o Direito Militar, por analogia, do conteúdo previsto no art. 29 do Código de Processo Penal Comum:
“Será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal, cabendo ao Ministério Público aditar a queixa, repudiá-la e oferecer denúncia substitutiva, intervir em todos os termos do processo, fornecer elementos de prova, interpor recurso e, a todo tempo, no caso de negligência do querelante, retomar a ação como parte principal”.
Embora atualmente seja pouco utilizada, existe no processo penal militar a ação penal pública condicionada à requisição Ministerial, em que o órgão do Ministério Público fica condicionado a uma manifestação de vontade, que se traduz na requisição do Ministro de Estado da Justiça, nos termos do art. 122 do Código Penal Militar, que se refere aos crimes contra a segurança externa do País. Naturalmente, a requisição não condiciona obrigatoriamente a propositura da ação pelo Ministério Público, submetido este apenas ao princípio da obrigatoriedade, prevista no artigo 129, inciso I da Constituição Federal, e no artigo 30 do CPPM, que exige a existência de indícios de autoria e prova da materialidade delitiva, para propositura da ação penal.
No Direito Penal Militar não existe a previsão de ação penal condicionada à representação do ofendido, nem mesmo no caso dos crimes de menor potencial ofensivo, em vista do constante no artigo 92-A, da Lei nº 9.099/95, que expressamente estabelece a não-aplicação dos seus dispositivos aos processos com trâmite na Justiça Militar. Nem seria plausível que se exigisse a representação do ofendido como pressuposto da ação penal, em vista dos princípios da hierarquia e disciplina a que estão vinculados os militares, o que inibiria um subordinado de representar contra um superior, pelo natural temor de represálias, nas jornadas castrenses.
Quanto às espécies de procedimentos propriamente ditos, o Código de Processo Penal Militar prevê dois ritos processuais: o ordinário e o especial.
Curioso é destacar que, diferentemente da Justiça comum, que adota o processo sumário para os delitos menos graves, sujeitos a penas de curta duração, na militar, o procedimento a ser seguido é o mesmo para todos os delitos contidos no Código Penal Militar, com exceção dos crimes de Insubmissão e Deserção16, cujo rito é especial.
2.6.1.1. Rito ordinário
O rito ordinário se inicia com o recebimento pelo Juiz-Auditor, da denúncia ofertada pelo Ministério Público Militar, como determina o art. 396 do Código de Processo Penal Militar.
O Juiz-Auditor, atuando monocraticamente, faz o juízo de admissibilidade, verificando se estão presentes as condições previstas no artigo 78 do Código de Processo Penal Militar, como, por exemplo, se o fato narrado constitui crime da competência da Justiça Militar ou se já está extinta a punibilidade para, então, proferir o despacho de recebimento, que dará o início ao processo.
Recebida a denúncia, deverá o Juiz-Auditor seguir o trâmite do art. 399 do CPPM, que determina o sorteio do Conselho Especial ou Conselho Permanente de Justiça, que passa a ser o órgão colegiado julgador do processo.
O procedimento adotado nesse processo segue o seguinte trâmite: citação e interrogatório do réu; oitiva das testemunhas de acusação; oitiva das testemunhas da defesa; requerimento de diligência pelas partes; alegações escritas; despacho saneador; sessão de julgamento e sentença.
Existe semelhança com o processo penal comum para os crimes apenados com reclusão, previstos na Justiça Comum (artigos 394 - 405 e 498 - 502, CPP), contudo, com as seguintes discrepâncias: i) não ocorre a fase da defesa prévia; ii) existe a fase dos debates ou alegações orais, semelhante ao procedimento do Tribunal do Júri; iii) o órgão julgador é colegiado, composto por um Juiz togado e quatro Juízes leigos; iv) os prazos processuais são mais exíguos no Processo Penal Militar.
2.6.1.2. Rito especial
Para os crimes de Insubmissão e Deserção, o procedimento se inicia com o recebimento da denúncia pelo Juiz-Auditor, que realizará o juízo de admissibilidade, analisando se estão presentes os requisitos legais. Feito isto, segue-se o ato citação do acusado, na forma de requisição ao comandante da unidade militar, de acordo com o artigo 280 do Código de Processo Penal Militar. Tal exigência decorre do fato de que, para processar alguém por esses crimes, é necessário que o agente seja incorporado ao serviço militar, representando, assim, verdadeira condição de procedibilidade do processo.
Passados esses trâmites, ocorrerá o interrogatório e oitiva de testemunhas arroladas pelo Ministério Público Militar e também a oitiva das testemunhas de defesa, os debates orais e o julgamento, podendo ocorrer tudo em uma mesma audiência, por isso, esse rito também é chamado de procedimento sumário da Justiça Militar.
O rito processual para os crimes de Deserção e Insubmissão apresenta alguma semelhança com o procedimento aplicado aos crimes apenados com detenção, previstos na Justiça Comum, no art. 539 do Código de Processo Penal, sendo que nesse procedimento não existe a defesa prévia e os prazos são menores.
Em suma síntese, pode-se anotar como principais características do procedimento previsto no Código de Processo Penal Militar, para o processo especial dos delitos de Deserção e Insubmissão, as que se seguem:
-
i) previsão do prazo de 60 dias para término do processo, contados a partir da apresentação voluntária ou captura do acusado, sendo o mesmo posto em liberdade se houver retardamento do processo (artigo 453 CPPM);
ii) necessidade de o acusado, quando for praça, ser considerado apto em inspeção de saúde e ser reincluído no serviço militar, como requisito para oferecimento da denúncia (art. 457, § 3º do CPPM);
iii) oferecimento da denúncia mesmo sem a captura ou apresentação voluntária, quando o desertor for oficial, ficando o processo suspenso enquanto o réu está ausente. (art. 454, par. 2º e 3º, CPPM);
iv) o insubmisso, enquanto responde ao processo, não ficará preso, e, sim, em menagem no quartel (art. 464 CPPM), diferentemente do que ocorre com o desertor que permanece preso;
v) em caso de condenação, o insubmisso será apenado com “Impedimento”, que sujeita o condenado a permanecer no recinto do quartel, sem prejuízo da instrução militar (arts. 63 e 183 CPM), enquanto a pena do desertor será a detenção convertida em prisão (arts. 59 e 187 do CPM);
vi) não será aplicada a suspensão condicional de pena, em tempo de paz e em tempo de guerra, aos condenados por crime de insubmissão e deserção (art. 617, CPPM);
vii) a prescrição do crime de insubmissão começa a correr no dia em que o insubmisso atinge a idade de 30 anos (art. 131, CPM);
viii) extinção da punibilidade pela prescrição, no delito de deserção, somente poderá ser declarada quando o desertor atingir a idade de 45 anos, se for praça, e sendo oficial a idade de 60 anos (art. 132, CPM);
ix) a contagem dos dias de ausência, para efeito da lavratura do termo de deserção, iniciar-se-á à zero hora do dia seguinte àquele em que for verificada a falta injustificada do militar (Art.451, CPM).
2.7. SANÇÕES E REGIME PENITENCIÁRIO
A doutrina define pena como sendo “a sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração (penal), como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos”.17
De acordo com o Código Penal Militar, as penas estão classificadas em principais e acessórias. As principais são as seguintes: morte, considerada pela doutrina como pena corporal de privação da vida; reclusão, detenção, prisão e impedimento, tidas como privativas da liberdade, pois afastam o criminoso do convívio social; suspensão do exercício do posto, graduação, cargo ou função e reforma, vista doutrinariamente como privativas e restritivas de direitos (art. 55 do CPM18).
A pena de morte somente é aplicada em caso de guerra declarada (art. 5º, XLVII, a, da CRFB) e será executada por fuzilamento (art. 56 do CPM), sendo a sentença definitiva de condenação à morte comunicada, logo que transite em julgado, ao Presidente da República, e não pode ser executada senão depois de sete dias depois do julgamento, todavia, quando imposta em zona de operações de guerra pode ser imediatamente executada, quando o exigir o interesse da ordem e da disciplina militares (CPM, art. 57, parágrafo único).
No caso de reclusão, a pena mínima é de um ano e, no máximo, de trinta (art. 58 do CPM), aplicada àquele sujeito cuja sanção seja superior a dois anos. Já a pena de detenção tem o mínimo de trinta dias e o máximo de dez anos, entretanto, assim como a de reclusão, é aplicada em casos de penalização superior a dois anos.
A pena de prisão resulta da conversão das penas de reclusão e ou de detenção até dois anos, aplicada a militar, quando não cabível a suspensão condicional da pena (art. 59 do CPM). Na hipótese do condenado ser oficial, este cumprirá a pena em recinto de estabelecimento militar, que em regra será a unidade militar em que servir. Quando se tratar de praça, deverá cumprir a pena “em estabelecimento penal militar, onde ficará separado de presos que estejam cumprido pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos” (art. 59, parágrafo único).
Nos delitos de insubmissão, aplica-se a pena de impedimento, sujeitando o condenado a permanecer no recinto da unidade, sem prejuízo da instrução militar. Em regra, goza o apenado do benefício da menagem que será no próprio quartel, independentemente de decisão judicial, podendo, contudo, ser cassada pela autoridade militar, por conveniência da disciplina (art. 266 do CPPM).
Resulta em pena de suspensão do exercício de posto, graduação, cargo ou função a prática dos crimes de “exercício de comércio por oficial” ou de “inobservância de lei, regulamento ou instrução”, ou, ainda, no crime de “omissão de eficiência da força”. Tal sanção consiste na agregação, no afastamento, no licenciamento ou na disponibilidade do condenado, pelo tempo que fixar a sentença, sem prejuízo de seu comparecimento regular à sede do serviço, não sendo contado como tempo de serviço, para qualquer efeito.
Consoante dispõe o art. 65 do Código Penal Militar, a pena de reforma “sujeita o condenado a situação de inatividade, não podendo perceber mais de um vinte e cinco avos do soldo, por ano de serviço, nem receber importância superior ao soldo”. Reforma é a situação do militar definitivamente desligado do serviço ativo. Pode ainda se aplicada como modalidade alternativa ou cumulativa, se o agente é oficial.
O CPM prevê também penas acessórias (art. 98), sendo elas:
i) a perda do posto ou patente (art. 99), resultante da condenação à pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos, e importa a perda das condecorações;
ii) a indignidade para o oficialato (art. 100), qualquer que seja a pena, nos crimes de traição, espionagem ou cobardia, ou em qualquer dos definidos nos arts. 161, 235, 240, 242, 243, 244, 245, 251, 252, 303, 304, 311 e 312;
iii) a incompatibilidade com o oficialato, quando o militar for condenado nos crimes dos arts. 141 e 142 (crimes incompatíveis com a profissão militar);
iv) a exclusão das forças armadas, no caso de condenação da praça à pena privativa de liberdade, por tempo superior a dois anos. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional a aplicação dessa pena acessória, tendo em vista que a Constituição da República subordina a perda da graduação das praças à decisão de tribunal competente, por meio de procedimento especial (Recurso Extraordinário nº 121.533-0 – Minas Gerais);
v) perda da função pública19, ainda que eletiva, aplicada ao assemelhado ou o civil condenado a pena privativa de liberdade por crime cometido com abuso de poder ou violação de dever inerente à função pública (delitos funcionais), ou quando condenado, por outro crime, a pena privativa de liberdade por mais de dois anos. Tal pena é também aplicável ao militar da reserva, ou reformado, se estiver no exercício de função pública de qualquer natureza;
vi) a inabilitação para o exercício de função pública, pelo prazo de dois até vinte anos, ao condenado à reclusão por mais de quatro anos, em virtude de crime praticado com abuso de poder ou violação do dever militar ou inerente à função pública;
vii) a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela, ao condenado a pena privativa de liberdade por mais de dois anos, enquanto durar a execução da pena, ou da medida de segurança imposta em substituição. Pode ser decretada pelo juiz, inclusive, durante o processo;
viii) a suspensão dos direitos políticos, durante a execução da pena privativa de liberdade ou da medida de segurança imposta em substituição, ou enquanto perdura a inabilitação para função pública.
A pena de reclusão ou de detenção até 2 (dois) anos, aplicada a militar, é convertida em pena de prisão e cumprida, quando não cabível a suspensão condicional: I - pelo oficial, em recinto de estabelecimento militar; II - pela praça, em estabelecimento penal militar, onde ficará separada de presos que estejam cumprindo pena disciplinar ou pena privativa de liberdade por tempo superior a dois anos.
Para efeito de separação, no cumprimento da pena de prisão, atender-se-á, também, à condição das praças especiais e das graduadas, ou não; e, dentre as graduadas, as que tenham graduação especial.
O assemelhado cumpre a pena conforme o posto ou graduação que lhe é correspondente. Para os não assemelhados dos Ministérios Militares e órgãos sob controle destes, regula-se a correspondência pelo padrão de remuneração.
A pena privativa da liberdade por mais de 2 (dois) anos, aplicada a militar, é cumprida em penitenciária militar e, na falta dessa, em estabelecimento prisional civil, ficando o recluso ou detento sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar.
O civil cumpre a pena aplicada pela Justiça Militar, em estabelecimento prisional civil, ficando ele sujeito ao regime conforme a legislação penal comum, de cujos benefícios e concessões, também, poderá gozar. Por crime militar praticado em tempo de guerra poderá o civil ficar sujeito, ainda, a cumprir a pena, no todo ou em parte em penitenciária militar, se, em benefício da segurança nacional, assim o determinar a sentença.
2.9. DIREITO DISCIPLINAR MILITAR
A lei n° 6.880, de 9 de dezembro de 1980, que dispõe sobre o Estatuto dos Militares, que foi recepcionado pela CF/88, regula a situação, obrigação, deveres, direitos e prerrogativas dos membros das Forças Armadas. Ela é a principal fonte de natureza administrativa na tutela da hierarquia e disciplina militar.
A violação dos referidos deveres e obrigações militares constituirá crime, contravenção ou transgressão disciplinar, conforme dispuser a legislação ou regulamentação específica.
No âmbito disciplinar, em específico, são os regulamentos das Forças Armadas que especificam e classificam as contravenções ou transgressões disciplinares, bem como estabelecem as normas relativas a amplitude e aplicação das penas disciplinares.
Cabe ressaltar que as disposições dos regulamentos disciplinares das Forças Armadas aplicam-se apenas ao militares da ativa, da reserva e reformados, haja vista que os civis empregados na Administração Militar não se submetem ao princípio da hierarquia e da disciplina militar, mas tão somente ao princípio da hierarquia e da disciplina inerentes à Administração Pública .
Conforme previsto no Estatuto dos Militares, cada Força deverá elaborar regulamento disciplinar próprio, razão pela qual se utilizou, como instrumento formal, para a elaboração dos regulamentos existentes das Três Armas (Marinha, Exército e Aeronáutica), um decreto da Presidência da República ou uma portaria do Ministério da Defesa. 20
Os referidos regulamentos disciplinares dispõem sobre a conceituação de transgressão disciplinar, a especificação das condutas consideradas transgressão, a competência e a forma de apuração dessa condutas, as punições e os recursos cabíveis.
Interessante é salientar que, por força do disposto na Constituição da República (art. 5º,LXI21) exige-se, tanto à transgressão, como ao crime militar, a elaboração de lei ordinária para a garantia da legalidade das referidas prisões (princípio da legalidade estrita). Por tal motivo, tem-se compreendido que os decretos instituidores dos regulamentos disciplinares, editados em período anterior a promulgação da Carta Magna vigente, foram recepcionados pela nova Constituição Federal como lei ordinária, naquilo que não for com ela incompatível.
Em momento não-remoto, o Exército Brasileiro alterou o seu regulamento disciplinar por meio de decreto presidencial, causando grande divergência doutrinária acerca da matéria. Aqueles que defendem a atual instituição de regulamento disciplinar por meio de decreto, justificam que a exigência constitucional de lei ordinária para regulamentar as transgressões disciplinares, encontram-se satisfeitas nos art. 42 e 47 do Estatuto dos Militares, que delega competência para que cada Força possa regulamentar essa matéria por meio de Decreto.
Todavia, divergindo da tese anterior, outros advogam que somente lei ordinária poderá satisfazer a exigência legal do art. 5°, inc. LXI, da CF/88, haja vista a clareza da norma constitucional. Assevera, ainda, que o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) é anterior a CF/88, logo o disposto nos arts. 42 e 47 do Estatuto não foram recepcionados pela Lei Maior.
A presente questão ainda foi apreciada pelo Judiciário e tem sido cerne de boas divergências doutrinárias.
A transgressão disciplinar militar, em síntese, é "qualquer violação dos preceitos da ética, dos deveres e das obrigações militares, na sua manifestação elementar e simples". Os regulamentos disciplinares de cada Força estabelecem o seu respectivo rol de infrações disciplinares: 84 na Marinha; 121 no Exército; e 100 na Aeronáutica.
Vale ressaltar que os próprios regulamentos disciplinares expressam "que são também consideradas transgressões todas as omissões do dever militar não especificadas no regulamento disciplinar e não classificadas como crimes nas leis penais militares, contra os símbolos nacionais, contra a honra e o pundonor individual, contra o decoro de classe, contra os preceitos sociais e as normas da moral contra os princípios de subordinação, regras e ordens de serviço, estabelecidos nas leis ou regulamentos, ou prescritos por autoridade competente."
Ao lado de outros majestosos professores, o festejado administrativista HELY LOPES leciona, que "não se aplica ao poder disciplinar o princípio da pena específica que domina inteiramente o Direito Criminal comum, ao afirmar a inexistência da infração penal sem prévia lei que a define e apene: ‘nullum crime nulla poena sine lege’".
Dessarte, para uma boa parte da doutrina, na Administração Castrense, o superior hierárquico exerce característica discricionária do poder disciplinar, pois, conforme o caso, verificará os deveres do infrator em relação ao serviço e a falta cometida, aplicando a sanção que julgar cabível, oportuna e conveniente, dentre as que estiverem enumeradas em lei ou regulamento para a generalidade das infrações administrativas. Entretanto, não se deve eximir de fundamentar o ato administrativo de aplicação da punição disciplinar, por força de previsão constitucional (art. 93, IX).
2.9.1. Procedimento e o processo disciplinar militar
Apesar de discricionário o exercício do poder disciplinar, ao agente não se exime o dever de apuração regular da falta; medida esta de preservação da legalidade e coibição à arbitrariedade e aos abusos de autoridade.
O procedimento adotado na administração militar para a apuração das transgressões disciplinares são a audiência (procedimento sumária) e a sindicância (processo administrativo).
As disposições legais do processo administrativo no âmbito da administração federal aplicam-se subsidiariamente aos referidos procedimentos específicos e plenamente na apuração das faltas dos servidores civis da Administração Militar que são regidos pela Lei n° 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, quando se tratar de emprego público.
Audiência é o procedimento sumário de apuração dos fatos realizado pelo oficial responsável (normalmente o chefe imediato na Marinha e no Exército; na Marinha, além do chefe imediato, o subordinado é ouvido pelo Sub-Comandante e pelo Comandante da Organização Militar) a respeito da suposta infração.
Em regra, ouve-se o subordinado e, se necessário for, realizam-se diligências simples, aplicando-se a punição cabível, que é publicada em Boletim Interno da Organização Militar.
Tal procedimento é sumário porque a sua solução deve ser apresentada em três dias úteis ou 48 horas, a contar da ciência dos fatos pelo oficial responsável, regendo-se exclusivamente pelo princípio da oralidade.
A sindicância proceder-se-á quando necessários maiores esclarecimentos sobre a transgressão. Assim, será designado um oficial de hierarquia superior ao sindicado, acompanhado de um escrivão, para realizar todas as diligências necessárias, e apresentar relatório e conclusão do que restou apurado para o Comandante da Organização Militar, que decidirá as medidas cabíveis, inclusive no que tange a aplicação de punições.
Destaca-se que, em ambos os procedimentos, as legislações militares que regulam a matéria explicitam a observância aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV), bem como o cabimento de pedido de reconsideração e recurso hierárquico.
A título de esclarecimento, importante é dizer que o ato de punição disciplinar configura ato administrativo, encaxilhando-se no conceito doutrinário de que "ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria." 22
Assim, a punição administrativa disciplinar decorre da supremacia especial que o Estado exerce sobre os administrados, visando o controle do desempenho das funções estatais e a conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas.
A seara militar, a punição disciplinar é o ato administrativo que objetiva a preservação da hierarquia e da disciplina militar, tendo em vista o benefício ao punido, pela sua reeducação, e à Organização Militar, pelo fortalecimento da disciplina e da justiça.
As punições disciplinares as quais estão sujeitos os militares são: i) advertência, que pode ser verbal ou escrita; ii) repreensão; iii) detenção; iv) prisão; e v) licenciamento e exclusão a bem da disciplina – demissão ex officio das fileiras da corporação, aplicáveis aos praças. Observa-se que as punições de detenção e prisão não podem ultrapassar 30 dias, sob pena de cometimento de excesso, cumpridas estas em local apropriado na Organização Militar.
Do mesmo modo que se opera em todo ato administrativo, a punição disciplinar deve ser motivada, tendo-se o fundamento como requisito indispensável para a validade da sanção. Não desidioso é atentar que a discricionariedade no ato punitivo limita-se à escolha da penalidade, à gradação da pena e à oportunidade e conveniência da sua aplicação.
2.10. DIREITO ADMINISTRATIVO MILITAR
A administração militar compõe-se de um conjunto de órgãos distribuídos pelos diferentes escalões das Forças Armadas, objetivando operacionalizar suas atividades, ou seja, a consecução da sua desatinação constitucional: salvaguarda da Pátria, garantia dos Poderes constituídos, da lei e da ordem (art. 143 da CRFB).
Além das funções mencionadas, as Forças Armadas ainda são responsáveis por inúmeras outras atividades subsidiárias, entre as quais: i) cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil; ii) orientar e controlar a Marinha Mercante e sua atividades correlatas, no que interessa a defesa nacional; iii) prover a segurança da navegação aérea; e iv) operar o Correio Aéreo Nacional.
A Administração Militar é espécie do gênero Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição da República), com a qual guarda consonância, embora, em virtude da natureza única de sua atividade estatal e de sua importância, impõe-se direitos e deveres especiais, que são constitucionalmente tutelados de forma diversa.
Além dos preceitos atinentes à Administração Pública em geral, o constituinte de 1988 erigiu, à Administração Pública Militar, os princípios da hierarquia e disciplina, delas sendo inerentes, além de ter reservado, em separado, capítulo próprio com disposições específicas atinentes aos militares, possibilitando, ainda, outras normas fixadas em lei, considerando as peculiaridades de suas atividades.
2.11. PRINCIPAIS FORTALEZAS E DEBILIDADES DO SISTEMA
Como tudo que emana do homem, a Justiça Militar também tem seus defeitos e suas virtudes, sendo alvo de críticas e aperfeiçoamentos em todo o percurso de sua vida e história.
As principais críticas sempre recaíram sobre a sua própria existência. Ela já foi vista como um tribunal de exceção e correlacionada à ditadura militar. Apontaram-na como sendo privilégio de militares, instrumento de corporativismo e impunidade, além de, ante a sua estrutura, acusada de sobrepeso para o Estado. Sugeriu-se, inclusive, a sua extinção.
A verdade é que, muito embora se verifiquem debilidades, principalmente quanto à caducidade das normas penais e processuais penais (editadas, respectivamente, em 1940 e 1941), que não acompanharam à rápida evolução dos tempos, a Justiça Militar ainda guarda justificativa e importância para continuar sobrevivendo.
Entre os motivos de perpetuação da Justiça Militar, estão as peculiaridades das instituições militares, seus princípios e valores, que exigem do Poder Judiciário um ramo especializado para processar e julgar as ações relativas à sua competência. Aliás, diferentemente do que ocorre em muitos outros países, o simples fato de a Justiça Militar do Brasil ser órgão jurisdicional já é uma vantagem, sob a ótica do Estado Democrático de Direito, pois, ante as garantias do sistema judicial hoje vivenciadas na Constituição da República – v.g. independência em relação aos demais poderes (CRFB, art. 2º), longe de influências políticas –, sinaliza maior isenção e credibilidade de suas decisões.
A experiência brasileira de especializar ramos do Poder Judiciário não só tem facilitado a apreciação pelos órgãos julgadores, frente a delimitação e especificação das matérias, como também torna mais célere a prestação jurisdicional. Oportuno é dizer que a celeridade foi inserida na Constituição da República Federativa do Brasil, pela Emenda Constitucional nº 45/04, como direito fundamental ao lado do princípio do menor tempo, ou da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII).
As últimas reformas constitucionais empregadas na Justiça Militar retiraram algumas influências que ainda estavam impregnadas na legislação por herança do época do militarismo extremo (ditadura militar), como, por exemplo, no âmbito estadual, deixou-se a cargo dos juízes de direito do juízo militar, singularmente, a competência para processar e julgar os crimes cometidos contra civis e as ações contra atos disciplinares militares, restando aos Conselhos de Justiça, sob a presidência dos referidos juízes de direito, a apreciação e julgamento dos demais crimes definidos em lei. Vale lembrar que, assim como os magistrados da Justiça Militar da União, os juízes de direito são civis e investidos nos cargos e carreira da magistratura por meio de concurso público de provas e títulos.
Contudo, há de ser reconhecer que algumas mudanças ainda se devem realizar, para o alcance de maior efetividade dos julgados, economicidade e grau de imparcialidade. A exemplo, tramita no Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) Nº 29, cujo objeto é alterar o artigo 123 da Lei Maior, visando a reduzir o número de Ministros do Superior Tribunal Militar de 15 (quinze), para 11 (onze), devendo ficar as vagas assim distribuídas: dois ministros da Marinha, três do Exército, dois da Aeronáutica e quatro civis, dos quais, dois oriundos da carreira de Juiz-Auditor, um da carreira do Ministério Público Militar e um da carreira dos Advogados.
Deve-se, ainda, revisar todo o sistema penal militar e processual penal militar vigente, a fim de que se obtenha uma Justiça Militar menos complexa e mais eficiente, eficaz e célere, bem como, numa visão geral, estimular o desenvolvimento acadêmico do direito militar por meio de sua inserção na grade curricular dos cursos universitários de Direito.