RESUMO
O presente artigo visa fomentar um debate sobre a evolução da hermenêutica constitucional adotada pelo Supremo Tribunal Federal e suas implicações na seara tributária, tomando, como ponto de partida, a comparação entre antigos e atuais posicionamentos da Suprema Corte e, em seguida, relacionando seus novos posicionamentos e sua nova visão acerca dos Direitos Fundamentais aplicados ao Direito Tributário. Nessa breve pesquisa, temos como cerne a sugestão de uma releitura dos Princípios Constitucionais do Direito Tributário pelo Supremo Tribunal Federal, tomando como base a evolução de seu modo de interpretação e o princípio da proporcionalidade.
Palavras – Chave: Direitos Fundamentais – Direito de Petição – Contencioso Administrativo Tributário.
ABSTRACT
This present article aims to develop the hermeneutic evolution adopted by the Supreme Court and their implications in the framework tax, taking as a starting point, the comparison between past and present STF positions and then relating their new positions and their new view of fundamental rights apply to the Tax Law. In this brief research, we suggest a rereading of the Tax Law Constitutional Principles by the Supreme Court, based on the evolution of their way of interpreting the principle of proportionality.
Key – words: Fundamentals Rights – Right of Petition – Administrative Litigation Tax.
1 INTRODUÇÃO
O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana é pressuposto basilar do Estado Democrático de Direito, é por conta dele que se visa, cada vez mais, assegurar os Direitos Fundamentais. A importância da nova hermenêutica constitucional em consonância com o princípio da proporcionalidade reflete a atual visão do Supremo Tribunal Federal acerca da importância da observância de tais princípios. Observa-se que, desde o advento da constituição de 1988, o Brasil passou por grandes mudanças em sua estrutura jurisdicional e, embora ainda haja muito a ser feito, as mudanças de posicionamento do Supremo refletem uma evolução. O Direito Tributário há muito precisa de reformas, seus princípios, que visam melhor amparar o contribuinte, muitas vezes não recebem a devida interpretação, o que acaba por prejudicar a parte hipossuficiente da relação jurídico-tributária.
É por esse motivo que deve ser feita uma releitura das normas do Direito Tributário, de forma a ampliar a sua aplicabilidade em face da necessidade de uma maior proteção ao contribuinte.
2. A NOVA HERMENÊUTICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
A nova hermenêutica constitucional veio para garantir maior aplicabilidade às normas constitucionais utilizando como principal método de interpretação o sopesamento, destaca-se, ainda, o princípio da proporcionalidade. Esse princípio tem origem no Direito Americano, sob o título de “princípio da razoabilidade”, mas foi no Direito Alemão, sob o nome de “princípio da proporcionalidade”, que provocou grandes mudanças que se refletem nos demais ordenamentos jurídicos até os dias de hoje.
Trata, o princípio da proporcionalidade, da possibilidade de restringir o alcance dado a determinados institutos constitucionais, em detrimento de outros que melhor se adequam ao caso concreto. É um princípio moderador da atuação da discricionariedade administrativa, da tutela jurisdicional e da atividade legislativa, o qual traz consigo, como ponto principal, qual o método hermenêutico a ser utilizado para interpretar a constituição, ou seja, o julgador, ao analisar o caso concreto, terá a possibilidade de valorar determinado princípio constitucional em detrimento de outro, priorizando a valoração dos princípios constitucionais.
A grande importância acerca de tal princípio é a possibilidade de, a partir de sua observância, melhor garantir os Direitos Fundamentais, pois ele é o liame entre tais direitos e as organizações normativas do Estado. Para tanto, Qual método deve ser utilizado para interpretar a constituição? O princípio da proporcionalidade, desde que devidamente analisado sua adequação e necessidade, preconiza a possibilidade de uma ampliação do controle jurisdicional do Estado, já que limita a atividade Estatal não vinculada, além do que é o maior protetor dos Direitos Fundamentais. Tal princípio ganha, cada vez mais, evidencia, inclusive na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.
2.1 A normatividade dos Princípios
Para os aplicadores do Direito, a Hermenêutica Constitucional constitui em tarefa árdua. A definição do conceito de princípios passou por grandes modificações históricas, devido as divergências que pairavam acerca da importância da aplicabilidade, bem como de sua natureza, o que resultou em grandes conflitos doutrinários.
Há muito se inseriu os princípios na definição de normas programáticas, considerando que os mesmos funcionam como esquemas genéricos, ou seja, programas a serem desenvolvidos posteriormente pelo legislador. A definição de princípios era limitada e os considerava, apenas, meros orientadores genéricos do positivismo jurídico.
Podemos conceber como programáticas aquelas normas constitucionais através das quais o constituinte, em vez de regular, direta e imediatamente, determinados interesses, limitou-se a traçar-lhe os princípios para serem cumpridos pelos seus órgãos (legislativos, executivos, jurisdicionais e administrativos), como programas das respectivas atividades, visando à realização dos fins sociais do Estado. MEIRELES (1991, apud SILVA, 2003, p 138).
Outra grande discussão pairou a respeito de serem os princípios considerados ou não normas jurídicas. O jurista cearense Arnaldo Vasconcelos diz em sua obra “Teoria da Norma Jurídica” que, “para vincularem eficazmente, não necessitam os princípios gerais do Direito ter autonomia normativa”.
Todos los principios jurídicos son elementos del derecho positivo, aunque no normas (rules) precisas y indepiendentes del derecho, los llamados pensamientos jurídicos generales, las rationes leges, los principios valorativos y constructivos de um sistema, pero también los principios éticos y de justicia que privan en un ámbito jurídico al margen de su sistema escolástico: todos, siempre que hayan obtenido validez em formas concretas del ordienamento. ESSER ( 1961 apud VASCONCELOS, 1996, p 210).
Não desmerecendo as obras supracitadas, mas considerar os princípios como meros orientadores de programas e tirar deles a autonomia normativa seria limitar a diversa abrangência e importância que essas normas representam. Visto que, não há dúvidas quanto à imediatidade de sua aplicação, já que tratam de normas basilares para a interpretação e adequação de qualquer situação da vida que tenha relevância jurídica.
2.2 Princípios e Regras na visão de Ronald Dworkin e Robert Alexy
2.2.1 A visão de Ronald Dworkin
O jurista norte-americano Ronald Dworkin (2002, p. 39) compreendeu os princípios como uma espécie de norma. Afirma que a distinção entre princípios e regras está relacionada quanto à natureza da orientação que oferecem. Sendo as regras aplicadas na maneira do “tudo ou nada”, expressão utilizada no seu livro Taking Rights Seriously[1]. As regras não possuem, portanto, uma dimensão de importância, ou seja, querendo saber qual delas será aplicada, deve-se ter como base os critérios para as soluções das antinomias (Critério Cronológico, diante do qual prevalece a lei posterior; Critério Hierárquico, diante do qual prevalece a lei hierarquicamente superior e o Critério de Especialidade, diante do qual prevalece a lei especial em face da lei geral). Dworkin (2002, p. 43) afirma que não se pode dizer que uma regra é mais importante que a outra se ambas fazem parte de um mesmo ordenamento jurídico.
Em relação aos princípios, Dworkin (2002, p. 46, 47) afirma que a interpretação que os juízes realizam não tem como base apenas as regras, mas, sobretudo os princípios, pois existe nos princípios uma razão que conduz a uma argumentação e a uma direção, que são as chamadas “policies”, ou seja, diretrizes, que, segundo ele, são os objetivos a serem alcançados na seara econômica, social ou política da comunidade, buscando a consecução dos fins coletivos e se distinguem dos princípios por eles abrangerem exigências de equidade ou justiça, ou, até mesmo, outra dimensão de moralidade, voltadas ao direito individual.
Por fim, é de notória observância que Dworkin criticava o positivismo, que julgava os princípios como sendo de aplicação subsidiária, sendo um grande defensor do pós-positivismo, no qual os princípios estão coroados no topo do ordenamento jurídico.
2.2.2 A visão de Robert Alexy
Robert Alexy expõe em seu livro Teoria dos Direitos Fundamentais[2] um ponto de vista inovador no que diz respeito à distinção entre Princípios e Regras. Os pensamentos de Alexy contidos nesta obra foram utilizados para contestar posições já consolidadas acerca deste tema.
Para Alexy (2008, p. 52, 85), tanto regras como princípios são normas, porque ambos dizem “o que deve ser”. Portanto, tal distinção trata-se da distinção de duas espécies de normas.
Considera que (2008, p. 87) a principal diferença entre regras e princípios não está relacionada com o aspecto da generalidade. De acordo com esse aspecto, os princípios são normas de grau de generalidade alto, enquanto as regras são normas com grau de generalidade baixo. Tal tese é considerada como a “Tese fraca da separação”, sendo incapaz de propiciar uma diferença substancial entre esses dois tipos de normas.
Para o jurista alemão (2008, p. 90), a diferença entre esses dois tipos de normas vai mais além. Existe uma diferença de grau entre elas, como foi acima exposto, mas também existe uma diferença qualitativa, uma “Tese forte da separação”, entre Princípios e Regras. Ele diz, em sua obra, que os Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, levando em conta as possibilidades fáticas e jurídicas. Define, assim, os princípios como sendo “mandamentos de otimização”, pois podem ser preenchidos em diferentes graus. Já as regras são normas que são sempre preenchidas ou não preenchidas, devendo fazer exatamente o que ela pede. As regras contêm, portanto, determinadas noções daquilo que é possível no mundo fático e no mundo jurídico. Ou seja, se uma regra é válida, ela deve ser aplicada da maneira que dispõe, exigindo um cumprimento pleno.
Em relação aos conflitos existentes entre regras e princípios, Alexy (2008, p. 92) dispõe que um conflito entre regras somente poderá ser resolvido se, em uma das regras, houver uma “cláusula de exceção” que elimine o conflito, ou seja, que essa regra se encontra em um caso que a outra excepcione, ou se, pelo menos uma das regras forem consideradas inválidas, porque, obviamente, não podemos ter, dentro de um mesmo ordenamento jurídico, regras que sejam contrárias, pois isso tornaria tal ordenamento incoerente e desarmônico e, ainda, traria a possibilidade de regras divergentes serem aplicadas em casos concretos diferentes, constituindo uma verdadeira afronta à segurança jurídica.
No tocante à colisão entre princípios, eles não devem ser extirpados do ordenamento jurídico, o que irá ocorrer é que um deles irá ter que ceder, pois eles não são determinantes para a decisão, apresentando razões em favor de uma ou de outra posição argumentativa. Segundo Alexy (2008, p. 93), um princípio terá precedência em face do outro em face de um determinado caso concreto, ou seja, dentro de certas condições. Uma das principais diferenças entre regras e princípios, portanto, é que os conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade e os conflitos entre princípios ocorrem na dimensão do peso. Determinados casos concretos só podem ser decididos “por meio de um sopesamento entre os interesses conflitantes”, e não apenas com um só princípio. Esse sopesamento, que é um procedimento de ponderação, tem como objetivo estabelecer qual dos interesses, que estão no mesmo nível no plano abstrato, tem o maior peso, ou seja, a maior relevância no caso concreto. Portanto, quando houver uma colisão de princípios, a decisão será dada de acordo com aquele que tiver o maior peso diante de um caso concreto, não precisando o outro princípio ser invalidado. Em relação a outro caso concreto, o peso dos princípios poderá ser avaliado de maneira diferente. Robert Alexy (2008, p. 99) diz que: “As condições sob as quais um princípio tem precedência em face do outro constituem um suporte fático de uma regra que expressa a conseqüência jurídica de um princípio que tem precedência.”
O jurista explica a qualidade de mandamentos de otimização atribuída aos princípios quando fala sobre a intrínseca semelhança entre os princípios e os valores, os quais podem ser equiparados, pois, segundo ele, é possível falar tanto de uma colisão e de um sopesamento entre princípios, como de uma colisão e de um sopesamento entre valores e também que a realização gradual dos princípios corresponde à realização gradual dos valores, que, com a ajuda de conceitos de valor classificatório, pode-se dizer que algo tem valor positivo ou valor negativo. Entretanto, apesar de Alexy fazer um juízo de equiparação entre princípios e valores, para ele, princípios e valores não são as mesmas coisas, pois os princípios são normas, ou seja, dizem “o que deve ser”, enquanto os valores apenas direcionam para o que pode ser considerado melhor.
Assim, regras e princípios são normas. A diferença central é que os princípios são normas que exigem um cumprimento na maior medida possível, motivo pelo qual são chamados de mandamentos de otimização e possuem uma grande semelhança com o conceito de valor, principalmente em relação ao sopesamento, enquanto as regras são normas que exigem o cumprimento apenas de uma determinada medida, que, entrando em colisão, se não houver clausula de exceção, deverão ser retiradas do ordenamento jurídico.
3 A ANTIGA VISÃO DO STF ACERCA DA POSSIBILIDADE DA COBRANÇA DE 30% OU DO ARROLAMENTO DE BENS AO APRESENTAR RECURSO ADMINISTRATIVO
Antes da declaração de inconstitucionalidade por meio da ADI 1976 de 2007, o Supremo Tribunal Federal entendia ser constitucional a cobrança de taxa de 30% do valor do débito em análise ou o arrolamento de bens equivalentes, para fins de possibilitar a interposição de recurso administrativo.
O que ocorria era que se exigia tal cobrança como condição sine qua non para a interposição do recurso administrativo. O Supremo considerou, por muito tempo, a constitucionalidade de algo que, sem dúvidas, fulminava o que dispõe o art. 5, XXXIV da CF, ao fazer cobrança de taxa sobre o ajuizamento de recurso administrativo, bem como feriu o princípio da ampla defesa e do contraditório.
Os argumentos eram diversos e deram ensejo a inúmeras decisões emanadas dos tribunais que chegaram a pacificar o entendimento ante a constitucionalidade em favor de tal cobrança. Assim decidiu a Terceira Turma do Tribunal Federal de Minas Gerais;
De fato, a Terceira Turma desta Corte tem se pronunciado no sentido de que “...a exigência do depósito prévio do valor da multa não resulta em violação ao princípio constitucional da ampla defesa, por se constituir em pressuposto de admissibilidade e não em antecipação dos efeitos da punição (AMS nº 2000.36.00.001016-7MT, rel. Juiz CÂNDIDO RIBEIRO, DJ/II de 20.06.2002, pág. 178).
Um dos argumentos era de que não havia garantias de direito ao duplo grau de jurisdição no âmbito administrativo, ou seja, que tal direito não era constitucionalmente amparado e, portanto, a Lei poderia estabelecer tais pressupostos de admissibilidade. Não sendo considerado pagamento de taxa para o exercício do direito de petição.
A exigência do depósito de 30% (trinta por cento) do valor do débito tributário em discussão, como pressuposto de admissibilidade do recurso administrativo, consoante a mais recente orientação do Supremo Tribunal Federal, não ofende o princípio do devido processo legal, em face da inexistência de dispositivo constitucional que garanta o duplo grau de jurisdição administrativo. TRF1 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA: AMS 35570 MG 2002.38.00.035570-7, Juiz Mário César Ribeiro.
O principal argumento exposto foi da lavra do ministro Moreira Alves. Nas cautelares das ADIS 1922 e 1976, exprimiu seu voto da seguinte forma;
Note-se, ainda, que não tem relevância as alegações de que esse depósito é pagamento de crédito não constituído, pois se trata de depósito e não de pagamento, o que implica dizer que ele será restituído se for dado provimento ao recurso. Esse depósito nada tem que ver com a alegação de que o conselho de contribuintes seja o juiz natural do recurso, que, por lei, pode deixar de existir, nem, evidentemente, com a democracia participativa e direta. Por fim, se o depósito é representado por valor percentual do débito não há como pretender-se que haja quebra de isonomia entre devedores abastados e não abastados.
Diversas jurisprudências contribuíram para a pacificação em relação à constitucionalidade da cobrança, o que dificultou, sem dúvida, a desconstituição do entendimento do Supremo, mesmo diante da evidência da inobservância aos Direitos Fundamentais ao considerar tal medida.
TRF1 - APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA: AMS 90319 DF 1998.01.00.090319-0
Ementa
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA DE DEPÓSITO PRÉVIO PARA A INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ADMINISTRATIVO.
1. A exigência de depósito prévio do débito fiscal, como condição de admissibilidade do recurso na esfera administrativa, não ofende a garantia constitucional do devido processo legal, inserto no art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal, precedentes do eg. Supremo Tribunal Federal, e da 4ª Turma deste Tribunal Regional Federal.
TRF1 - EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO MANDADO SEGURANÇA: EDAMS 6018 MG 2002.38.00.006018-4
Ementa
PROCESSO CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ADMINISTRATIVO. DEPÓSITO PARA RECORRER.
É constitucional a exigência do depósito prévio para a interposição de recurso administrativo. Precedentes deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. É constitucional a exigência do depósito prévio para a interposição de recurso administrativo. Precedentes deste Tribunal, do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. (EDAMS 2002.38.00.006018-4/MG, Rel. Desembargador Federal Tourinho Neto, Sétima Turma, DJ p.84 de 14/11/2003)
A partir dos argumentos e das jurisprudências analisadas acima, é de notório saber que o STF considerava os direitos e garantias fundamentais como normas programáticas, analisando a lei com o privilégio em face da Constituição Federal.
4 A ATUAL VISÃO DO STF – ADIN 1976
O Supremo Tribunal Federal, após ter se defrontado várias vezes com o tema em apreço, ou seja, sobre a necessidade de depósito prévio para a interposição de recursos administrativos e tendo declarado, que determinada exigência é constitucional, passou a analisar os direitos fundamentais como normas de aplicabilidade imediata, conforme dispõe o parágrafo 1º, do artigo 5º da Constituição Federal, e com o objetivo de aplicá-los da melhor maneira possível, declarou inconstitucional tal exigência, através da ADI 1976, o artigo 32, que deu nova redação ao artigo 33, parágrafo 2º, do decreto 70.235/72 e artigo 33, ambos da medida provisória 1.699-41/1998.
O parágrafo 2º do artigo 33 dizia, expressamente, que;
Em qualquer caso, o recurso voluntário somente terá seguimento se o recorrente arrolar bens e direitos de valor equivalente a 30% da exigência fiscal definida na decisão, limitando o arrolamento, sem prejuízo do seguimento do recurso, ao total do ativo permanente se pessoa jurídica ou ao patrimônio se pessoa física.
Ao declarar a inconstitucionalidade do dispositivo supracitado, o STF levou em consideração a grande afronta que determinada regra causava aos direitos fundamentais.
A exigência de arrolamento como simples condição de admissibilidade dos recursos administrativos constituía um grande obstáculo ao exercício do direito de petição, considerado um direito fundamental de suma importância, disposto no artigo 5º, XXXIV, o qual confere a todos independentemente do pagamento de taxas, o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direito ou contra a ilegalidade ou abuso de poder. Determinado dispositivo, portanto, fulminou o direito de petição, pois segundo as palavras do Joaquim Barbosa na análise do mérito da referida ADI: “O cidadão que recorre administrativamente exerce, antes de tudo, um direito de petição frente à autoridade administrativa.” Tal exigência constituiu, portanto, numa supressão do direito de recorrer administrativamente.
Não só o direito de petição foi desrespeitando com o advento do dispositivo que foi declarado inconstitucional, o direito ao contraditório e a ampla defesa, assegurado a todos no inciso LV do artigo 5º da CF, também foram prejudicados, pois a Carta Magna confere “Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”. A ofensa ao princípio do contraditório foi bem explicada pelo Ministro Carlos Velloso, no julgamento da ADI 1049, quando afirmou que;
Condicionar o seguimento do recurso administrativo ao depósito do quantum discutido, atualizado monetariamente, é estabelecer óbice ao direito de defesa, o que é repelido pelo due process of Law (devido processo legal), consagrado na Constitução, assegurador do direito de defesa com os meios e recursos a ela inerentes.
Portanto, o parágrafo 2º do artigo 33 afrontou duas proteções que foram dadas aos recursos administrativos no bojo da Constituição Federal: O direito de petição e o direito ao contraditório.
A exigência fiscal de arrolar 30% equivalente em bens e direitos para a admissibilidade do recurso voluntário também afronta o princípio da isonomia, assegurada pela Lei Maior no artigo 5º e constituindo ele, também, uma das Limitações Constitucionais ao Poder de tributar (artigo 150, II, CF). Tal princípio foi bem explicado por Rui Barbosa quando afirmou, na sua Oração aos Moços:
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real.
Com a exigência de 30% para recorrer, o direito de ver seus direitos examinados por uma 2ª instância estaria sendo possível apenas para aqueles contribuintes que pudessem depositar tal quantia, havendo um tratamento igual aos desiguais, infringindo amplamente o princípio da igualdade, pois as pessoas menos favorecidas economicamente não poderiam arcar com este pesado ônus, tendo cerceado o seu direito de recorrer.
O Ministro Joaquim Barbosa, na análise do mérito da ADI em questão falou tanto em relação à exigência de depósito prévio como para a exigência de arrolamento de bens.
Tais variantes têm em comum a criação de obstáculos para o acesso ao recurso administrativo. O presente tema pode ser abordado sob três ângulos que se relacionam: o princípio democrático no procedimento administrativo; o procedimento administrativo e o princípio da legalidade e, ainda, o procedimento administrativo e os direitos fundamentais.
Tal exigência, segundo o Ministro relator, afrontava inclusive a consecução da Democracia, pois ela “depende da ação do Estado na promoção de um procedimento que seja: a) sujeito ao controle por parte dos órgãos democráticos; b) transparente e c) amplamente acessível aos administrados.”
A supressão do Direito de interpor um recurso administrativo impede que a própria Administração Pública revise um ato praticado por ela que, talvez, seja ilícito. Ficando, segundo o Ministro Joaquim Barbosa, a concretização do princípio da legalidade e do princípio democrático prejudicados, tendo em vista a dificuldade da Administração de revisar seus atos.
A nova visão do STF em relação aos direitos fundamentais foi de suma importância para a declaração da inconstitucionalidade do artigo 32, que deu nova redação ao artigo 33, parágrafo 2º, do decreto 70.235/72 e artigo 33, ambos da medida provisória 1.699-41/1998. Isso pode ser percebido quando o Ministro da Suprema Corte diz na análise do mérito do caso em questão;
Entendo, pois, que tornar o procedimento administrativo impossível ou inviável, por meios indiretos, constitui ofensa ao princípio da legalidade. E inúmeras vezes, a infração ao princípio da legalidade, e mais especificadamente, à legalidade em matéria de procedimento, leva à violação de direitos fundamentais.
Além do mais, o STF levou em conta a ausência da proporcionalidade e da razoabilidade. “Não se faz presente a exigência da adequação, que visa a aferir se o meio leva efetivamente à realização do fim, quando impõe depósito prévio ou o arrolamento de bens e direitos como condição sine qua non para o manejo do recurso.”[3]
Como sabemos, no Brasil, vigora o sistema administrativo de jurisdição única, ou seja, ao cobrar tal quantia para a interposição do recurso administrativo, nada obsta que, posteriormente, o contribuinte venha a discutir a questão no âmbito do Poder Judiciário, tendo em vista que, no sistema de jurisdição única, as decisões dos órgãos administrativos não são dotadas da definitividade própria das decisões do Judiciário.
O requisito da necessidade, que, juntamente com a adequação, está relacionado com o princípio da proporcionalidade, também não se configura no caso, pois tal exigência fiscal, ao invés de atingir a finalidade de um recurso administrativo que é a de revisar uma decisão, irá somente impedir que o procedimento administrativo se torne menos célere.
Em relação à razoabilidade, disse o Ministro Joaquim Barbosa:
O confronto entre o direito ao recurso administrativo e a pretensão da administração de reter quantias ou exigir o arrolamento de bens e direitos até que ela própria analise um recurso há de resultar na preponderância do direito do cidadão a levar adiante sua irresignação contra uma medida que considera ilegal ou injusta, inclusive por razões de ordem prática.
No mérito, após anos de vigência de determinada norma e de entendimentos do próprio STF declarando-a constitucional, o tribunal julgou, por unanimidade, procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade do artigo 32 da Medida Provisória nº 1.699-41/1998, convertida na Lei nº 10.522/2002, que deu nova redação ao artigo 33, parágrafo 2º, do Decreto nº 70.235/1972, tudo nos termos do voto do relator, promovendo uma importante mudança em relação aos seus antigos posicionamentos e julgando em favor do contribuinte. A Suprema Corte fundamentou-se na afronta a diversos direitos fundamentais, os quais têm como cerne o princípio da dignidade da pessoa humana. A declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo tutelou o direito do contribuinte de recurso em face das decisões administrativas, independentemente de qualquer obstáculo. A decisão foi inovadora e provou que não se pode olvidar que a Suprema Corte está, cada vez mais, aprimorando seu papel de Guardiã da Constituição.