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A garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e o momento processual da aplicação da inversão do ônus da prova no CDC

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03/04/2012 às 07:10
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8. O projeto do Novo Código de Processo Civil e a inversão dinâmica do ônus da prova.

O projeto de Novo Código de Processo Civil, citado na decisão do STJ, traz novidades no tema ônus da prova. Além da regra geral prevista no Código atual traz um artigo que trata da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova. neste diapasão cabe transcrever os dispositivos do projeto que tratam do tema:

“Art. 261. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Art. 262. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la.

§1º. Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 261, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído.

§2º. A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.”

Importante grifar para salientar que além de poder distribuir de modo diverso da regra geral, se for necessário, o juiz terá que dar espaço para que haja o contraditório, para que haja o desempenho adequado do ônus incumbido àquela parte.

Este posicionamento do projeto só ressalta ainda mais os moldes que não estavam sendo respeitados em certas decisões no que se refere ao modelo constitucional de processo civil, sejam estes o contraditório, a ampla defesa, o devido processo legal, e acentua a presença do princípio da cooperação no processo, vez que ao decidir abre espaço para o contraditório e oportunidade para exercer adequadamente o encargo anteriormente não previsto.

Este recurso previsto no projeto é extremamente útil ao processo, visto que na regra geral pouco importa ao legislador se não é possível a uma das partes produzir determinada prova, enquanto se utilizada a teoria do ônus dinâmico os processos se tornarão mais justos no que tange a busca da verdade.

Não se trata da quebra com a teoria clássica, mas apenas a adição de um caso de exceção, que se usará em casos pontuais para que de forma colaborativa as partes ajudem na construção do processo. Vale ressaltar que a dinâmica é casuística, por isso cabe o juiz estabelecer em que pontos o ônus não obedecerá a regra geral, e somente irá importar quem tem condições de provar o alegado.

Em relação à teoria no ordenamento atual Fredie Didier Jr. tem o seguinte pensamento:

“O nosso legislador positivou, como já examinado a técnica da inversão do ônus da prova, no artigo 6º, VIII, CDC, em favor do consumidor. Trata-se de nítida aplicação desta teoria – embora restrita às causas de consumo -, afinal confere-se ao juiz o poder de redistribuição do ônus probatório (sua inversão), em vista do preenchimento de pressupostos de aferição circunstancial e casuística (verossimilhança e hipossuficiência). Em síntese, impõe-se ao juiz a decisão pela inversão do onus probandi, sempre que o fornecedor tenha melhores condições que o consumidor de arcar com este encargo.” (p. 97-98 v2)

Humberto Theodoro Júnior tem a ideia ainda de no bojo do atual modelo de processo haver a possibilidade de distribuição do ônus da prova de forma dinâmica ao se utilizar o juiz do artigo 331, §2º do CPC, acreditando numa evolução do processo, conforme segue:

“Fala-se em distribuição dinâmica do ônus probatório, por meio da qual seria, no caso concreto, conforme a evolução do processo, atribuído pelo juiz o encargo de prova à parte que detivesse conhecimentos técnicos ou informações específicas sobre os fatos discutidos na causa, ou, simplesmente, tivesse maior facilidade na sua demonstração. Com isso, a parte encarregada de esclarecer os fatos controvertidos poderia não ser aquela que, em regra, teria de fazê-lo. É necessário, todavia, que os elementos já disponíveis no processo tornem verossímil a versão afirmada por um dos contendores e que o juiz, na fase de saneamento, ao determinar as provas necessárias (art. 331, §2º), defina também a nova responsabilidade pela perspectiva produção.” (p. 488)

Não parece aplicável a teoria de THEODORO JÚNIOR por conta da regra geral do CPC e até mesmo por ser um desvio no processo, todavia indica o caminho que o processo vem tomando em direção à dinâmica do ônus da prova, e que para que este seja realmente estabelecido deve haver a possibilidade de contraditório, como bem demonstra ele ao se referir ao saneamento como o momento adequado para a sua aplicação.

O posicionamento de DIDIER JR., bem como o artigo presente no projeto do novo CPC dão ainda mais força à ideia que deve haver momento hábil para o contraditório quando da decisão pela inversão do ônus da prova, sempre se valendo da ideia que a dinâmica deve ser feita antes do final da fase instrutória para que a parte onerada se desincumba do encargo, dando, desta forma, maior segurança jurídica e direito a prova àquela parte. Ou seja, trata a inversão do ônus da prova no CDC, assim como o ônus dinâmico da prova, como regra de atividade, de procedimento, e não de julgamento, é a questão da cooperação e o novo paradigma do contraditório com a maior participação das partes no processo.


9. CONCLUSÃO

Após a exposição dos temas que englobam a matéria geral, dos pontos em divergência, bem como a análise jurisprudencial do STJ e outros Tribunais em que mostram pontos bastante controversos cabe a última revisão sobre o assunto.

Os princípios constitucionais que moldam o processo devem ser respeitados por todo o ordenamento jurídico, eles irradiam para todas as áreas do direito e assim devem ter força normativa. Conforme demonstrado ao tratar da inversão do ônus da prova se observa que em muitas decisões, em diversos Tribunais, e para muitos doutrinadores não há qualquer desrespeito ao contraditório e ao devido processo legal ao conceber a inversão do ônus como regra de julgamento. Por outro lado, esta visão é estremecida quando se analisa o núcleo destes princípios, assim como a relação que eles têm com outros princípios como o da boa-fé processual e o da cooperação.

No que importe o ordenamento jurídico como um todo não se pode olvidar destes princípios, neste caso não há como afastá-los do processo civil ainda que se entenda que é regra de julgamento, fazer isso torna o processo demais oneroso para uma das partes, que terá sua produção probatória comprometida.

Tenta ser feita a analogia com os demais casos previstos no CDC para inversão da prova, somente se esquece que naqueles a inversão deriva de lei, não criando uma expectativa diversa nas partes, elas já iniciam o processo sabendo de sua condição no aspecto probatório.

Desta forma, cabe ponderar que entender que no caso do artigo 6º, VIII do CDC se aplica a regra de procedimento, e não de julgamento faz com que o ordenamento volte a se afinar. Observe, são respeitados os princípios constitucionais, o contraditório, a ampla defesa, a boa-fé processual, e a cooperação, além de que se preserva o aspecto subjetivo do ônus da prova.

Outro ponto importante é perceber que a decisão do STJ, no caso exposto do REsp 802832/MG vem afirmar os pontos expostos, confirmando o entendimento daquela corte sobre o assunto.

O tema se desenvolve de forma simples até ultrapassadas as questões de definição dos princípios constitucionais. Não se pode onerar demasiadamente qualquer das partes, e seria o caso se no processo se estabelecesse uma nova realidade a cada momento, ainda mais ao final do processo quando não mais tivesse condições de se desincumbir do ônus probatório nem mais teria momento oportuno para influenciar na decisão da mesma forma.

Não se pode encarar o processo como uma caixa de surpresas, em que ao final se modifica a sua rota sem comunicar as partes. O processo deve seguir linearmente. Para conseguir sua linearidade com esse desvio, que é a inversão do ônus da prova ope judicis, as partes devem estar cientes que é desta forma que ele caminhará. O caso em exame, portanto, deve ser decidido pelo juiz e informado as partes antes do início da fase instrutória, como melhor momento, segundo exposto, o saneamento do processo, até pela redação do artigo 331, § 2º CPC, em que se estabelece o momento em que se determinam as provas.

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Ademais, na medida em que o direito evolui vê-se que há ainda a distribuição dinâmica do ônus da prova que consta no Anteprojeto do Código de Processo Civil um dispositivo específico para que ele exista no ordenamento pátrio. Este dispositivo admite a inversão desde que haja espaço para o contraditório, o que reforça a tese de regra de procedimento no caso do CDC.

Ao que parece através da uniformização da jurisprudência do STJ os demais Tribunais seguirão no mesmo sentido, o que fará com que surjam mais questões sobre a dinâmica do ônus da prova, vez que aparentemente está perto de ser superada a questão da inversão do ônus da prova segundo o CDC, o que gerará uma série de dúvidas igualmente. No entanto, caso o Novo CPC venha realmente a confirmar os moldes do anteprojeto a resposta para as divergências estará na lei.


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Sobre o autor
Marcel Sampaio Sachini

Bacharel em Direito formado pela Faculdade Ruy Barbosa de Salvador/BA. Advogado. Pós-graduando em Direito Processual Civil pela Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia-UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SACHINI, Marcel Sampaio. A garantia do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório e o momento processual da aplicação da inversão do ônus da prova no CDC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3198, 3 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21419. Acesso em: 28 mar. 2024.

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