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Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do juiz

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14/04/2012 às 09:53

Resumo:


  • O artigo examina os diferentes papéis políticos e jurídicos desempenhados pelo juiz, que requerem uma formação multidisciplinar.

  • O texto destaca a importância de os juízes conhecerem não apenas a lei, mas também outros campos do conhecimento, como política, economia e ciências sociais.

  • Há uma reflexão sobre a necessidade de equilíbrio entre os elementos jurídicos e extrajurídicos na formação do juiz, sem menosprezar o conhecimento jurídico na resolução de problemas práticos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Notas

[1] Há um rico e longevo debate sobre o quanto as possíveis consequências de determinada decisão jurídica influenciam ou devem influenciar a decisão em si. Para esse debate: ATIENZA, 2006, p. 133-135. Sobre tal aspecto, há de se notar que a necessidade de se medir as conseqüências de uma decisão não se confunde, necessariamente, com o que se tem chamado de pragmatismo, corrente esta que, em momentos extremados, chega a recomendar ao juiz que simplesmente decida da forma que melhor convier aos interesses da coletividade, pouco se atendo à lei. Em verdade, não há antagonismo real e apriorístico entre seguir fielmente a lei e priorizar as conseqüências práticas da decisão, sendo incorreto afirmar que tais posturas só incidentalmente coincidem. Aquele que aplica fielmente a lei pode estar agindo dessa forma por concluir que, embora as conseqüências práticas de sua decisão possam ser drásticas, as conseqüências de um distanciamento entre lei e Estado, ou entre lei e sociedade, seriam ainda mais sérias. Tal concepção é vista em Kant (Apud ARENDT. 2006. p. 224), como também em Ronald Dworkin (2006, p. 61.).

[2] Esta segunda ilustração, do Judiciário como um armador que segue reformando o barco durante a viagem, constitui variação de uma imagem proposta por Otto Neurath, e posteriormente por W. V. Quine, a qual não se refere especificamente aos juízes, mas a todos aqueles que se propõem a usar a razão (Apud NOZICK, 2001, p. 2). Há, também, notáveis pontos de semelhança entre a metáfora aqui lançada e a metáfora que Norberto Bobbio (2008. pp. 69-70) faz entre o jurista e o artesão.

[3] Apud POPPER, 2007, p. vi.

[4] Admite-se, inclusive, que o juiz possa optar entre trazer ou não à baila um questionamento jurídico que seria pertinente ao caso concreto. Essa é a concepção externada por Hugo Lafayette Black (1970, p. 36) na seguinte passagem: “[...] Apresentam-se ocasiões em que o bem público reclama, em altos brados, que se ponha fim a dúvidas constitucionais sobre leis que podem afetar, de modo vital, as vidas e os costumes de milhões de pessoas”.

[5] Tal ideia de pureza do juiz remonta a Platão (The Republic, p. 82). 

[6] Também essa noção está presente em Platão (Laws, p. 285). Na mesma linha, vê-se o pensamento de HOBBES, 1985, p. 328.

[7] LOUGHLIN, 2000, pp. 55-63.

[8] Nesse sentido a opinião de Hart (2006, p. 314 – pós-escrito). No que tange a Dworkin, embora seu posicionamento tenha mudado desde O Império da lei, o fato é que permanece distinguindo os casos difíceis dos demais, parecendo indicar que elementos extra-jurídicos, ou ligados ao direito por seu conceito de integralidade, só seriam necessários nos casos difíceis.

[9] Esta visão se encontra em Dworkin, op. cit. pp. 54-55.

[10] É o que se vê, por exemplo, na opinião de Posner (2008, pp. 209, 212), que defende que as faculdades de direito estabeleçam vasta carga horária para matemática, estatística, ciência, tecnologia e, diferentemente do que parece ter sido sua opinião em obras anteriores, ciência política.

[11] Dworkin exemplifica com a maneira pela qual Richard Posner analisou casos julgados pela Suprema Corte americana referentes à eutanásia (op. cit. pp. 86-87).

[12] Operadores do direito, como regra geral, não possuem formação filosófica suficiente para empreender a construção de sistemas filosóficos densos que expliquem, de forma abrangente e satisfatória, o fenômeno jurídico. Esta, segundo Dwokin (op. cit. p. 140) é a visão de Hart. No entanto, tal relato parece excessivo. Hart entendia que o reconhecimento de uma norma como jurídica pelos operadores do direito requer conhecimentos distintos daqueles necessários à estruturação de um sistema filosófico. Além disso, entendia que a atuação fragmentária dos juízes nos casos concretos pouco habilitava-os a traçar, a partir dos casos, vastos sistemas normativos como o fazem os legisladores. Contudo, ele também entendia que o trabalho do juiz assemalhava-se, em certas situações, à de um legislador (op. cit. p. 336). Outro aspecto é que a intenção de Hart, ao menos no posfácio que escreveu ao seu O conceito da lei, era negar a concepção de Dworkin de que o juiz deve haurir, para os casos concretos, respostas a partir de uma suposto sistema normativo, muito fugidio e abstrato, que existiria, segundo Dworkin, em decorrência da ideia que este defendia de integralidade do direito. Hart, portanto, intentava rejeitar a visão do juiz “Hercules”, elaborada por Dworkin, e não tanto considerar o ofício de julgar um trabalho intelectualmente menor. De qualquer forma, o fato é que o sistema filosófico que criou não se incompatibiliza com o uso simultâneo, pelo operador do direito, de outras ferramentas que lhe permitam melhor compreender e resolver a questão que lhe é posta. O mesmo se pode dizer do sistema criado por Kelsen, sendo que, segundo seu pensamento, deveria haver uma preponderância do pensamento normativo sobre o extra-jurídico, não havendo incompatibilidade. Nesse aspecto, de grande pertinência o comentário de Norberto Bobbio: “Acrescentemos que Kelsen dedicou algumas páginas eloqüentes e essenciais para refutar tal acusação, explicando a diferença que vai da determinação dos comportamentos de fato, tarefa própria das ciências naturalistas, e a determinação da validade jurídica propriamente dita, concluindo não existir nenhuma incompatibilidade entre um método e outro, no máximo um primado da jurisprudência normativa sobre a sociológica, devido ao fato de que a ciência sociológica do Direito pressupõe o conceito de Direito dado pela jurisprudência normativa” (op. cit. p. 49).       

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[13] Em sentido semelhante ao ora defendido, milita a opinião de Dworkin (op. cit. p. 73, 84).

[14] Esta crítica encontra-se relatada em Habermas (1998, p. 201), dirigindo-se ao chamado realismo jurídico.

[15] Nesse equívoco, incorrem muitos autores. Dworkin parece entender que a forma de se raciocinar os casos concretos tende a levar a formulações restritas a categorias normativas e princípio (op. cit. pp. 54-55). No que diz respeito a Hart, sua posição é ambígua. De um lado, parece considerar os casos concretos como elementos essenciais para a densificação do sistema jurídico, sem os quais ele permaneceria incompleto (op. cit. p. 143). Já em outras passagens, parece considerar os casos concretos verdadeiras e sérias limitações ao raciocínio jurídico de maior porte (op. cit. p. 336, pós-escrito).  

[16] Corroborando o que vai aqui defendido, vê-se o comentário de Dworkin às mudanças de perspectiva percebidas em entendimentos de Antonin Scalia, ministro da Suprema Corte americana (op. cit. pp. 124-125).

[17] Para uma análise inovadora da analogia: WEINREB, 2008.

[18] Um panorama detalhado desses estudos é fornecido por Richard Posner (2008, pp. 19-123)

[19] (YALOF, 2010).

[20] Michael Zander, a partir de lição de Patrick Atiyah, traça curioso paralelo entre o comportamento das cortes inglesas e americanas (2004, p. 380).

[21] Entre as obras que se destacam nessa área está a editada por Semir Zeki e Oliver Goodenough (2009).

[22] Entenda-se como consensual a ideia de que o juiz deve conhecer a sociedade. Não há, entretanto, consenso sobre a maneira como deve conhecê-la. Por exemplo, nas jurisdições de common law persiste a noção, bastante difundida, de que a tarefa do juiz é de trazer a lume aquilo que a comunidade já considera como lei, o que só poderia ser obtido através de uma observação e uma vivência mais “simples” e menos científica da comunidade. Esta ideia parece estar presente no pensamento de Edward Levi (2005, p. 1). Para um panorama dessa concepção, temos a lição de Roger Cotterrell (2003, p. 25).  Ademais, tem-se apresentado, com freqüência, o problema de se saber o quanto o juiz deve se aproximar da sociedade sem que isso implique em sua fragilização institucional, pois passaria a ter dificuldade em exercer juízos técnicos ante o clamor social por juízos menos técnicos e mais intuitivos (VERMEULE, 2009, p. 183). Tal questionamento se faz cada vez mais importante conforme avançam e se difundem formas de participação direta da sociedade civil nas tomadas de decisão estatais, como as audiências públicas em processos judiciais de repercussão geral e as enquetes pela internet sobre temas pendentes de julgamento pelos tribunais. Sobre diferentes formas de participação direta e seu embasamento teórico ver SINTOMER, 2010. 

[23] Sobre a necessidade de diálogo entre direito e economia, de grande importância a opinião de Diogo R. Coutinho (2005).

[24] Op. cit. p. 63.

[25] Op. cit. p. 49.                                                       

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Sobre o autor
Hugo Otávio Tavares Vilela

Juiz federal substituto da 1ª Região. Membro da Turma Recursal Suplementar dos Juizados Especiais Federais - GO. Mestre em Direito. Ex-procurador do Estado de Goiás. Professor do Axioma Jurídico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILELA, Hugo Otávio Tavares. Além do Direito: da necessária formação multidisciplinar do juiz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3209, 14 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21504. Acesso em: 23 dez. 2024.

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