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Revista pessoal de empregados.

Limitações constitucionais ao jus variandi do empregador

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27/04/2012 às 13:52
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2 BREVES NOTAS SOBRE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E TEORIA DOS PRINCÍPIOS.

2.1. Interpretação constitucional e direitos fundamentais.

A interpretação constitucional busca compreender e revelar o conteúdo, o significado e o alcance das normas que integram a Constituição. É uma atividade que torna possível concretizar, realizar e aplicar as normas constitucionais. É o processo por meio do qual os enunciados lingüísticos que compõem a constituição – princípios e regras – adquirem conteúdo normativo. Nas palavras de Canotilho (2003, p. 106):

Interpretar as normas constitucionais significa (como toda a interpretação de normas jurídicas) compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. A interpretação jurídico-constitucional reconduz-se, pois, à atribuição de um significado a um ou vários símbolos linguísticos escritos na constituição.

Tradicionalmente, a interpretação constitucional vem sendo realizada com apoio nos métodos e princípios de interpretação constitucional. Com relação aos métodos, Inocêncio Coelho observa que os mesmos mais confundem do que orientam os que adentram o labirinto de sua utilização (COELHO, 2007). Por opção metodológica deste trabalho não se adentrará na seara dos métodos, porém, torna-se imprescindível uma análise tópica dos princípios de interpretação constitucional, os quais se constituem em importante ferramenta para os intérpretes, sobretudo quando da existência de conflitos entre direitos fundamentais. A diversidade de possibilidades de interpretação, incluindo-se aí os métodos e os princípios, arma o aplicador do direito para enfrentar a tortuosa missão que é a hermenêutica, daí concluir-se que há virtudes na existência de um pluralismo instrumental, o amplia o horizonte de compreensão e deixa menos dificultosa a tarefa de aplicar o direito (COELHO, 2007).

2.2. Princípios de interpretação constitucional.

Haja vista ser a hermenêutica constitucional uma hermenêutica de princípios, os princípios constitucionais “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fins. Dito de forma sumária, os ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui” (COELHO, 2007, p. 80).

A seguir, será analisado o catálogo de princípios de interpretação constitucional encontrados na doutrina, os quais se constituem em pressuposto básico para a atividade interpretativa do aplicador do direito.

a) Princípio da unidade da constituição. Pelo princípio da unidade da Constituição as normas constitucionais devem ser consideradas não como normas isoladas e dispersas, mas integradas em um sistema interno unitário de princípios e normas, evitando-se, destarte, contradições internas no seio da Constituição (CANOTILHO, 2003).

Tal princípio parte da premissa de que a Constituição deve ser considerada na sua globalidade, visando a harmonizar os espaços de tensões existentes entre as normas constitucionais. E, em caso de colisão de direitos fundamentais no caso concreto, caberá ao intérprete, ao legislador ou ao operador do direito, encontrar a solução que preserve a unidade da Constituição, uma vez que o citado princípio exige um trabalho de otimização e ponderação de bens.

b) Princípio da eficácia integrativa. Segundo este princípio, a solução dos problemas jurídico-constitucionais deve priorizar interpretações ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social da Constituição (CANOTILHO, 2003).

c) Princípio da máxima efetividade. Conforme o que preleciona este princípio, quando da interpretação das normas constitucionais, deve-se atribuir-lhes o sentido que lhes empreste maior eficácia (CANOTILHO, 2003). Assim, em caso de eventual dúvida acerca do reconhecimento da normatividade dos princípios e valores constitucionais, deve-se preferir a interpretação que reconheça maior eficácia àqueles direitos. Seria, nas palavras de Barroso (2003, p. 241), “a aproximação entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social”.

d) Princípio da correção ou conformidade funcional. Basicamente, este princípio visa a “[...] impedir, em sede de concretização da Constituição, a alteração da repartição de funções constitucionalmente estabelecidas” (CANOTILHO, 2003, p. 1224).

Segundo Steinmetz (2001), este princípio também é aplicável na interpretação de direitos fundamentais, mormente quando cabe ao STF realizar o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, cujo escopo seja alterações de funções constitucionalmente pré-estabelecidas.

e) Princípio da concordância prática ou da harmonização. Referido princípio parte da noção de que não há diferença hierárquica ou de valor entre bens constitucionais. Assim, em caso de conflito ou colisão, os bens protegidos constitucionalmente devem ser tratados de forma que a aplicação de um não importe no sacrifício do outro. Esse princípio acaba por se constituir em um dever do intérprete/aplicador do direito, daí porque este princípio tem sido amplamente utilizado no campo dos direitos fundamentais.

f) Princípio da força normativa da constituição. Pelo princípio da força normativa da Constituição, na interpretação constitucional deve-se dar primazia às soluções ou aos pontos de vista que, levando em conta os limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e permanência (CANOTILHO, 2003). Steinmetz (2001, p. 96) assevera que, no âmbito dos direitos fundamentais, “a perda da força normativa da Constituição significaria fazer dos direitos fundamentais, como no passado, meras declarações políticas, sem força vinculante.” Nesse sentido, no plano dos direitos fundamentais, o princípio da força normativa da Constituição reforça a vinculação jurídico-constitucional afastando-os da livre disposição do legislador ou do aplicador do direito.

g) Princípio da interpretação conforme a constituição. A interpretação conforme à Constituição – declaração do órgão jurisdicional sobre qual das possíveis interpretações se mostra compatível com a Lei Maior, encontra origem na jurisprudência na Corte Suprema Alemã, para quem a idéia de tal princípio reside na máxima de que nenhuma lei será declarada inconstitucional quando comportar uma interpretação em harmonia com a Constituição e, ao ser interpretada, conservar seu sentido ou significado (BONAVIDES, 2003). Canotilho (2003, p. 1226) empresta grande lição sobre o tema ao afirmar que:

“[...] no caso de normas polissêmicas ou plurissignificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê sentido em conformidade com a constituição. Esta formulação comporta várias dimensões: (1) o princípio da prevalência da constituição impõe que, dentre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se um interpretação não contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais; (2) o princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a constituição; (3) o princípio da exclusão da interpretação conforme à constituição mas ‘contra legem’ impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme à constituição”.

É este princípio, ainda, uma moderna técnica de controle de constitucionalidade das leis, constituindo-se em “[...] uma inclinação da jurisprudência procurando maximizar as formas de interpretação que permitam um alargamento ou restrição do sentido da norma de maneira a torná-la constitucional” (BASTOS; TAVARES, 2000, p. 69).

2.3. Teoria dos princípios

De acordo com Canotilho (2003), tomando-se a palavra norma em sentido lato, regras e princípios são espécies do gênero norma. Seriam esses, então, os componentes do sistema jurídico, compreendido como fenômeno dinâmico, em constante evolução, por isso mesmo atualmente dito como sistema normativo aberto.

Anteriormente, os princípios não passavam de mera fonte secundária do Direito, todavia, após chegarem aos códigos, materializando-se em regras por ele informadas, ganharam grande importância.

Superada a fase jusnaturalística, caminhos se abriram para novas reflexões acerca do Direito, de sua função social e de sua interpretação, sendo, aí, incluída a definição das relações entre valores, princípios e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica constitucional e a teoria dos direitos fundamentais, corolários do Novo Constitucionalismo. “A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento pela ordem jurídica de sua normatividade fazem parte da reaproximação entre Direito e Ética” (BARROSO, 2003, p. 291).

No plano constitucional, a distinção entre regras e princípios possui especial relevância, pois, normalmente, as constituições valem-se destas duas espécies de normas, uma vez que a “[...] adoção de um sistema constitucional que se alicerçasse exclusivamente sobre princípios, carrearia ao ordenamento uma dose inaceitável de incerteza e insegurança, já que a aplicação dos princípios opera-se de modo mais fluido e menos previsível do que as regras” (SARMENTO, 2001, p. 54). Por outro lado, “[...] a instituição de um modelo que se fundasse unicamente em regras, não daria conta da crescente complexidade das situações que a Constituição propõe-se a tutelar, pois engessaria o intérprete e o legislador infraconstitucional [...]” (SARMENTO, 2001, p. 54), fato que dificultaria a solução dos conflitos que se estabelecem, em casos concretos, entre diversos interesses concorrentes.

Nesse diapasão, na novel hermenêutica constitucional as idéias de justiça e efetividade dos direitos ganham um papel central e a distinção entre regras e princípios “[...] es una clave para la solución de problemas centrales de la dogmátca de los derechos fundamentales” (ALEXY, 2002, p. 91).

2.3.1. Princípios e regras

Seguindo lições de Dworkin, Coelho (2007) aduz que a diferença entre regras e princípios é de natureza lógica e decorre dos modos de aplicação de cada um.

Nesse sentido, as regras são aplicadas com o formato de proposições disjuntivas, ou seja, acaso ocorra o fato descrito em sua hipótese de incidência e se elas forem normas válidas, suas prescrições incidirão sobre esse fato, regulando-os na exata medida do que estatuírem e afastando outras regras que, eventualmente aparentem entrar em conflito com ela (COELHO, 2007).

Por outro lado, os princípios se abstêm de exercer, sozinhos, as mesmas funções que as regras, optando por compartilhar essa tarefa com aqueles que irão aplicá-los, pois é certo que somente em razão de casos concretos essas espécies normativas logram atualizarem-se, operando como verdadeiros mandados de otimização (COELHO, 2007).

Tentando clarear a distinção entre essa duas espécies normativas, o que a princípio não é tão simples, tem-se a lição de Ávila (2006, p. 78), o qual conceitua regras como sendo:

“[...] normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos”.

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Prossegue o mesmo autor, delineando o conceito de princípios:

“os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção” (ÁVILA, 2006, p. 79).o se demanda uma avalia e de parcialidade, para cuja aplicaspectivas e com pretensela.

Estabelecidas essas distinções, infere-se que tanto as regras como os princípios integram o complexo normativo regulador das condutas sociais e, exatamente por isso, tem como norte o texto constitucional, a fim de orientar os profissionais jurídicos e, também, os cidadãos em geral, na busca da paz social e da promoção da dignidade humana.

2.3.2. Lei de colisão entre princípios e regras e direitos fundamentais.

Em um sistema jurídico constitucional, é possível haver princípios que entrem em colisão com outros. Quando isso ocorrer, considerando que não se contesta aí o quesito validade, mas sim o de peso ou valor de cada um perante o caso concreto, deve-se reconhecer que um deles deve ser mais considerado.

Para Alexy (2002), quando dois princípios entram em colisão, um deles terá de ceder, o que não importa necessariamente em sua validade, ou que se tenha de introduzir uma cláusula de exceção; nos casos concretos, os princípios têm diferentes pesos e prevalece aquele com maior força. Já para Dworkin (2007, p. 43), “quando os princípios se intercruzam [...], aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um”, tendo prevalência aquele princípio que for, para o caso concreto, mais importante, ou que tiver maior peso.

A solução das colisões de princípios constitucionais é proposta por Alexy (2002, p. 94) em sua Lei de Colisões:

[...] uno de los fundamentos de la teoria de los princípios (...). Refleja el carácter de los principios como mandatos de optimización entre los cuales, primero, no existen relaciones absolutas de precedencia y que, segundo, se refierem a acciones y situaciones que no son cuantificables. Al mismo tiempo, constituye la base para restar fuerza a las objecciones que resultan de la proximidad de la teoria de los principios com la teoria de los valores.

Essa Lei seria válida para todas as colisões: “las condiciones bajo las quales um principio precede a outro constituyen El supuesto de hecho que uma regla que expressa la consecuencia jurídica del principio precedente” (ALEXY, 2002, p. 93), o que permite concluir, mais uma vez, não serem absolutos os princípios, não se enquadrando na lógica do tudo ou nada (aplicável às regras), mas sim na dimensão sopesamento.

Na nova hermenêutica constitucional, as colisões de direitos fundamentais se tornam mais evidentes, uma vez que se está tratando de uma Constituição com viés aberto, e onde a interpretação constitucional torna-se flexível, permitindo a acomodação harmônica dos valores colidentes. A Constituição aberta é incompatível com valores que a engessem ou que apresentem hierarquias rígidas entre as normas e valores apresentados nela e, na hipótese de colisão de direitos, apenas uma análise do caso concreto mediante a aplicação do método da ponderação determinará qual direito, naquele caso, sobrepor-se-á sobre o outro. No próximo capítulo deste estudo, ver-se-á que a ponderação será aplicada observando-se o princípio da proporcionalidade e seus subprincípios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

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Sobre o autor
Ives Faiad Freitas

Analista Judiciário do TRT 8ª Região e Professor Universitário. Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UNIFAP), Especialista em Direito Constitucional (UNISUL), Direito Processual (UNISUL), Direito Previdenciário (UNIDERP), Direito e Processo do Trabalho (UNIDERP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Ives Faiad. Revista pessoal de empregados.: Limitações constitucionais ao jus variandi do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3222, 27 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21602. Acesso em: 26 abr. 2024.

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