A Lei 9610/98 protege os direitos dos criadores de obras intelectuais, artísticas e científicas – tais como obras literárias, obras de arte, peças teatrais, fotografias e ilustrações, composições musicais e artigos jornalísticos ou científicos.
Contudo, diferentemente da Lei das Marcas e Patentes (Lei 9276/98) e da Lei dos Programas de Computador (Lei 9609/98) – que trazem previsões sobre as invenções realizadas pelos empregados –, a Lei dos Direitos Autorais não trata das criações realizadas no âmbito de uma relação de emprego. Assim, tanto para trabalhadores empregados quanto para trabalhadores autônomos, surge a dúvida: quem é o autor e a quem pertencem os direitos sobre a criação?
Primeiramente, os direitos autorais podem ser morais – direito de ter a autoria indicada cada vez que a obra for reproduzida ou mencionada – e patrimoniais, que são os direitos de reprodução, publicação e divulgação.
Pois bem. Se o resultado do trabalho do empregado constitui uma obra intelectual ou artística digna da proteção da Lei 9610/98 (art. 7º), o empregado é o seu autor, e como tal tem o direito inalienável e irrenunciável aos direitos morais - ter seu nome atribuído à criação (art. 24). Em criações coletivas, a autoria pertence a todos aqueles que participaram do processo criativo (art. 17). Quanto às obras audiovisuais, o autor do argumento (literário ou musical) e o diretor são os seus autores.
Em razão da do direito irrenunciável à autoria, o criador pode divulgar o trabalho no seu portfólio – sendo inválida qualquer cláusula em contrário, como bem observou o advogado Henrique Arake (“Afinal, meu chefe pode impedir que eu publique no meu portfólio?”, disponível no blog pessoal do autor).
Contudo, os direitos patrimoniais – de utilização da obra - não pertencem, necessariamente, ao criador: vai depender do que estiver na lei ou no contrato.
Na lei, são previstas apenas duas situações em que os direitos patrimoniais pertencem a outros que não os seus autores. São elas: a) os direitos patrimoniais sobre as obras coletivas pertencem ao organizador da equipe – aquele que convocou ou contratou os criadores (art. 17, § 2º ); b) os direitos sobre os artigos ou matérias jornalísticas – salvo os artigos assinados ou reservados, como os colunistas e cronistas – pertencem ao editor do periódico (art. 36).
Fora estas duas previsões legais, deve-se examinar os termos em que se deu a contratação. O que ocorre nas relações de emprego é que, ainda que em tese, os direitos pertençam aos autores, o fato de o empregado ter sido contratado para produzir determinados trabalhos concede à empresa o direito pleno de utilização dos resultados. Sempre lembrando que, salvo determinação em contrário, pressupõe-se que o trabalhador ou empregado deverá desempenhar toda e qualquer atividade compatível com a função para a qual foi contratado (art. 459 da CLT e o art. 601 do Código Civil).
Dessa forma, havendo contrato de trabalho do qual a criação seja o seu resultado, os direitos patrimoniais – de comercialização, publicação, reprodução – serão do empregador ou contratante. Contudo, se a relação não for de emprego (trabalhador autônomo, contrato de prestação de serviços), a presunção é inversa. Os direitos de utilização do resultado devem ser cedidos ao contratante – expressa ou implícitamente, decorrente da natureza da prestação – caso contrário, serão do trabalhador.
Assim, nos contratos de emprego, em que há subordinação, a presunção milita em favor do empregador. Tal conclusão é inevitável inclusive quando feita uma analogia com o que dispõem as outras leis semelhantes, a Lei das Marcas e Patentes (Lei 9279/96, art. 88) e a Lei dos Programas de Computador (Lei 9609/98, art. 4º). Conforme essas leis, as invenções, desenhos industriais e os programas de computador criados no âmbito de uma relação de trabalho pertencem ao empregador, assim como aquelas criações feitas com o uso dos recursos da empresa. E, salvo disposição em contrário, a remuneração limita-se ao salário do empregado.
O mesmo ocorre com a autorização para publicar a obra: não será necessária a autorização expressa do empregado, desde que a utilização da obra não ultrapasse os limites explícitos ou implícitos da relação de trabalho.
As controvérsias surgem porque nem sempre esta relação é clara. Algumas situações fogem à regra, ou se desenvovem de forma que a utilização do trabalho acaba sendo abusiva. É frequente, por exemplo, que jornalistas ou fotógrafos sejam contratados para trabalhar em determinados órgãos de imprensa, mas seu trabalho acaba sendo publicado em outros períodicos da mesma empresa. Ou então revendido a terceiros.
Nestas situações, a fotografia pertence ao fotógrafo, podendo ser utilizada pelo contratante apenas dentro do que foi previsto no contrato (TRT 4, Processos 0036100-19.2009.5.04.0028, 0112200-55.2008.5.04.0026; STJ, REsp 1034103/RJSTJ; TJRS, Apelação Cível Nº 70013827571). Se presente a cláusula de cessão dos direitos, a fotografia pode ser utilizada independentemente de autorização e sem o repasse de qualquer valor adicional ao fotógrafo, mesmo que a relação seja de trabalho autônomo (Processos 01454004420045020060, 01600-2006-054-02-00-0, 03409-2006-081-02-00-5, 01737-2006-072-02-00-6, do TRT2).
Já no caso de matérias jornalísticas, o Tribunal Regional da 2 º Região já decidiu que o trabalho do jornalista pertence ao contratante, conforme o seguinte trecho: “O artigo 108 da Lei 9.610/98 não se aplica ao empregado que recebe do empregador salário em contraprestação à atividade profissional exercida, transmitindo seus direitos intelectuais para aquele que pode utilizá-los como lhe aprouver. Dessa feita, a obra intectual do empregado se constitui no resultado do trabalho, vendido ao empregador por força do contrato de trabalho, não se tratando, pois, de obra extracontratual a justificar sua paternidade.”(Processo 01644-2007-015-02-00-8, publicado em 01/10/2010).
Da mesma forma, vinhetas publicitárias devem ter a autoria mencionada, contudo, estão incluídas dentre as atividades para as quais o sonoplasta foi contratado, e dessa forma não exigem autorização para o uso nem remuneração adicional ao artista (Processo 0000657-70.2010.5.04.0028 do Tribunal Regional da 4º Região).
Em outro julgamento interessante, porém, o Tribunal Regional da 2º Região entendeu que as diretrizes para o aprimoramento de um website, traçadas por um canditado a uma vaga de emprego, poderiam ser reclamadas como direitos autorais (Processo n. 01579002920105020062, julgado em 25/03/2011).
No caso de apostilas publicadas por instituição de ensino, se a autoria do professor for comprovada e a confecção da apostila para comercialização não for prevista no contrato de trabalho, a publicação deverá ser autorizada, e o professor deverá receber percentual sobre as vendas. Essa foi a conclusão do acórdão proferido no Processo 0118200-93.2006.5.040403, julgado em 27/04/2011 no Tribunal Regional do Trabalho da 4º Região. É também vedada a publicação do material na Internet sem a autorização do professor (STJ, RESP 120.134-0).
Contudo, em alguns casos a elaboração da apostila para os alunos é parte das funções para a qual foi contratado o professor, quando então a instituição não está obrigada a pagamento adicional. O mesmo ocorre com compilações de material didático distribuídas aos alunos, que não são consideradas obras intelectuais originais (Processo 01576-2006-291-04-00-9, do TRT da 4º Região e Processo 00905200204402003 do TRT da 2º Região).
Conclusão:
Portanto, quanto a criações realizadas no âmbito de uma relação de trabalho, dois aspectos devem ser considerados:
1) A obra é mesmo uma criação original protegida pela Lei dos Direitos Autorais (o artigo 5º da lei lista as obras protegidas)? Em caso positivo, e sendo comprovada a autoria, o criador tem o direito irrenunciável de ter seu nome indicado toda vez que a obra for reproduzida ou publicada, e de divulgá-la em seu portfólio;
2) A utilização da obra respeitou os limites e finalidades, implícitos ou explícitos, do contrato de trabalho? Estando de acordo com a finalidade da contratação, a autorização do empregado para uso da obra é dispensável, assim como pagamentos adicionais ou o repasse de percentual dos lucros obtidos com as vendas.