7 ENQUADRAMENTO DOS TUTORES COMO TELETRABALHADORES
No Brasil, não existe legislação específica que abranja todas as particularidades do teletrabalho. Assim sendo, os doutrinadores têm aplicado as normas relativas ao trabalho em domicílio à modalidade do teletrabalho em domicílio apesar de existirem outras modalidades de teletrabalho que merecem atenção especial da justiça trabalhista.
O contrato individual de trabalho é conceituado no art. 442 da CLT, como o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego. Assim, a relação jurídica criada pela relação de emprego cria um vínculo que impõe a subordinação jurídica do prestador de serviços ao empregador, detentor do poder diretivo.
Para Verônica Altef Barros[40], no trabalho à distância, do qual o teletrabalho é modalidade, o controle alusivo ao poder de direção poderá se apresentar com maior ou menor intensidade, ensejando que a subordinação jurídica seja denominada de telessubordinação.
Outrossim, são apontados, pela doutrina, indicadores valiosos de subordinação jurídica do teletrabalhador: submissão a um programa de informática confeccionado pela empresa, que lhe permite dirigir e controlar a atividade do empregado; disponibilidade de tempo em favor do empregador, com a obrigação de assistir reuniões ou cursos de treinamento, sob pena de sanção disciplinar. A empresa ser proprietária dos equipamentos de produção; recebimento de importância fixa pelos serviços prestados; assunção de gastos com água, luz, aluguel, estacionamento, manutenção de equipamentos e outros.
Esclarece o art. 2º da CLT que se considera empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos de atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. Por outro lado, se o teletrabalhador é pessoa física, trabalha com habitualidade, com subordinação jurídica, pessoalmente e recebe salário, é empregado. Portanto, está sujeito às normas trabalhistas.
8 FORMAS DE REMUNERAÇÃO DOS TUTORES E PROFESSORES
Um dos problemas enfrentados com relação à educação a distância diz respeito à forma de remuneração tantos dos tutores quanto dos professores.
Como remunerar um professor ou tutor em cursos a distância? Essa é uma das principais dúvidas dos gestores de instituições de ensino, quando começam a trabalhar com iniciativas voltadas à educação pela internet. O assunto é recente e o que se percebe é que cada instituição adota um modelo diferente de remuneração. A matéria é polêmica e já suscita complicações trabalhistas, com professores acionando instituições na justiça por trabalhar em horários e circunstâncias pouco convencionais.
Como o assunto é relativamente novo, não existe doutrina teórica a respeito das formas de remuneração dos tutores. Segundo o site Colaborativo[41], existem no total vários tipos de remuneração para professores e tutores:
· Por aluno: é o tipo de remuneração mais comum, em que o professor tutor recebe um percentual sobre cada um dos alunos participantes do seu curso. Quanto mais alunos um curso tem, maior será a remuneração do tutor. Segundo a maioria das instituições de ensino, o tipo de remuneração por aluno é uma forma de estimular o tutor a motivar os alunos a permanecer no curso.
· Por horas trabalhadas: Os chamados tutores fixos recebem dessa maneira, funcionando de maneira semelhante a um professor com carga horária fixa. Nesse caso, os tutores são mais generalistas e podem atuar em várias disciplinas ou cursos. Quando um tutor com conhecimentos mais especializados é necessário, o mesmo é contratado pelo regime de alunos.
· Por quantidade de material: Por último, o modelo para produção de material que leva em consideração a quantidade de tópicos ou texto, que o chamado tutor de conteúdo vai produzir. Dentre todos os modelos de remuneração, esse é o que apresenta maior número de variações: pode ser por páginas, horas de produção, direito de imagem em vídeo e muitos outros. Trata-se da forma contemporânea de se delinear a vetusta forma de remuneração por tarefa.
9 DIREITOS AUTORAIS
No ensino a distância, há cursos ministrados com metodologia de aulas semipresenciais, em que o trabalho é realizado através de vídeo-aulas. Os programas referidos são comercializados e veiculados por meio audiovisual, transmitidos através de radiodifusão.
Na grande maioria dos casos o autor apenas aufere remuneração para a confecção dos referidos materiais. Tais valores remuneraram apenas o trabalho realizado e não os direitos autorais.
Além da proteção legislativa em relação aos direitos patrimoniais do uso da obra audiovisual intelectual, há, ainda, a mesma proteção em relação ao uso da imagem propriamente dita.
Por isto, a licença do uso da imagem, ainda que agregada a um contrato de trabalho, há que ser firmada com previsão da respectiva remuneração, sob pena de locupletamento ilícito do empregador.
Para Carlos Alberto Bittar[42], os objetos do direito autoral são:
“As obras intelectuais estéticas, ou seja, criações do espírito exteriorizadas por formas encartáveis nos domínios citados. São escritos, poemas, pinturas, esculturas, gravuras, músicas, desenhos e outras criações que, exemplificativamente se encontram relacionadas nas convenções e em leis internas. Isso significa que, mesmo à ausência de previsão, desde que, pela natureza, seja a obra dotada de esteticidade, assegurada fica a sua compreensão no contexto do direito do autor, como pacificamente se entende. Não importam, para a proteção, a origem, o destino e o uso efetivo da obra, que se qualifica, pois, por sua condição intrínseca.”
Portanto, o objeto do direito autoral são as obras intelectuais dotadas de caráter próprio e de autenticidade.
Embora haja esforços de alguns autores em afirmar que o direito autoral não pode ser considerado propriedade, alegando que este direito possui um modo de aquisição diferente da propriedade em si, ou pronunciando que a proteção da propriedade e do direito autoral não tem nenhuma identidade, o entendimento que parece mais correto é no sentido de considerar o direito autoral, também, como uma propriedade.
Bittar[43]define os direitos patrimoniais do autor como aqueles referentes à utilização econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis. Consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da obra, manifestam-se, em concreto, com a sua comunicação ao público.
A própria Lei n.° 9.610/98, e no mesmo sentido discorria a já revogada Lei n.° 5.988/73, prescreve no artigo 28 que cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Relacionando esta previsão legal, Carlos Mathias Souza[44] afirma que: "Não é difícil identificar-se tal disposição com o sentido positivo que os romanos emprestaram à propriedade expressa pelo clássico jus utendi, fruendi et abutendi, isto é, o direito de usar, fruir e dispor" .
Portanto, ao menos para o sistema legal brasileiro o direito autoral possui caráter significativamente patrimonial.
Verificada a definição de autor, da obra intelectual, de direito autoral, também da relação de emprego, com seus elementos constitutivos, e ainda, do contrato de trabalho com suas características, cabe neste momento a análise cerne deste estudo: as implicações dos direitos autorais em uma relação de emprego, especialmente um vínculo laboral a distância.
A razão desta abordagem está na dúvida que surge quanto ao caráter expropriatório ou não dos direitos autorais do empregado-autor pelo salário pago pelo empregador.
Como já visto, o contrato de trabalho que origina uma relação de emprego possui um caráter comutativo. De um lado está o empregado obrigado a exercer labor mediante comando do empregador, e de outro, este obrigado à paga do salário.
Por outro lado, está o empregado obrigado a prestar serviços dirigidos pelo empregador, sendo esta uma obrigação:
“positiva, de fazer, porque consiste na execução de serviços, com o acentuado dinamismo próprio ao ato de trabalhar, bastante para que o empregado dela se desincumba. Portanto, também é do tipo de meio (em contraposição às obrigações de resultado). (...) No contrato de trabalho, o objeto buscado pelo empregador não é o resultado mediado (lucro, conquista de mercado etc.), projetado para adiante, quando se verificar o desempenho do empreendimento econômico, fruto da soma de diversos fatores, entre os quais a força de trabalho. É a atividade, o ato de trabalhar do empregado. O empregado diligente, aplicado em se desincumbir da melhor forma de suas obrigações, não será responsabilizado pela falência da empresa ou pelo insucesso de determinado projeto técnico, pela rarefação do mercado, pela perda do produto na concorrência (...) tais tropeções inserem-se no risco do negócio, suportado, unicamente, pelo empregador.”[45]
Assim, os efeitos próprios dos contratos de trabalho são as obrigações recíprocas entre empregado e empregador.
Ocorre que, paralelamente a estes efeitos típicos do contrato de trabalho, não se pode negar que há efeitos:
“(...) resultantes do contrato empregatício que não decorrem de sua natureza, de seu objeto e do conjunto natural e recorrente das cláusulas contratuais trabalhistas, mas que, por razões de acessoriedade ou conexão, acoplam-se ao contrato de trabalho. Trata-se. pois. de efeitos que não têm natureza trabalhista, mas que se submetem à estrutura e dinâmica do contrato de trabalho, por terem surgido em função ou em vinculação a ele. São exemplos significativos desses efeitos conexos os direitos intelectuais devidos ao empregado que produza invenção ou outra obra intelectual no curso do contrato e não prevista no objeto contratual. Também ilustra tais efeitos conexos a indenização por dano moral.”[46]
Não resta dúvida, pois, que o contrato de trabalho que tem por objeto a criação intelectual por parte do empregado gera os efeitos próprios deste tipo de contrato, e ainda, efeitos conexos.
Eis o posicionamento jurisprudencial acerca do tema, conforme ementas extraídas a seguir transcritas:
"DIREITOS DA AUTORA – Os direitos do autor consistem em um tipo específico de direitos intelectuais, os quais são referidos pelo artigo 5º, XXVII e XXVIII da carta constitucional de 1988, regendo-se também pela antiga Lei nº 5988/73 e, hoje, pela nova lei de direitos autorais (Lei nº 9610/98). Relacionam-se à autoria ou utilização de obra decorrente da produção mental da pessoa. Restando comprovado nos autos que a empregadora utilizava-se de apostila elaborada pelo empregado, sem que lhe fosse repassada qualquer vantagem a título de retribuição pelo trabalho intelectual desenvolvido, o deferimento de indenização por direitos autorais é medida imperativa". (TRT 3ª R. – RO 7667/03 – 1ª T. – Rel. Juiz Maurício José Godinho Delgado – DJMG 11.07.2003 – p. 07).
E ainda:
"DIREITOS PERSONALÍSSIMOS. ART. 5º, INC. XXVII, DA C.F. e ART. 11, do NOVO C.C.B. A elaboração de apostilas por parte do professor, mesmo que atividade decorrente do contrato de trabalho, inclui-se dentre os direitos personalíssimos, que estão previstos no art. 5º, inc. XXVII, da Constituição Federal, bem como no artigo 11, do Novo Código Civil Brasileiro, o que implica na irrenunciabilidade dos direitos morais sobre a obra intelectual criada pelo autor, bem como na inalienabilidade do direito de reivindicar sua paternidade, nos termos da Lei 5.988/73 (Lei Nova 9610/98), havendo que ser considerada inválida qualquer cláusula contratual que estabeleça em sentido contrário". (TRT-PR-23263-2001-011-09-00-0-ACO-27552-2004-publ-03-12-2004, Rel. Juíza Ana Carolina Zaina).
Além disso, o artigo 22 da Lei 9.610/98, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, estabelece que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou.”
Como se vê, o direito autoral envolve duas dimensões distintas: a primeira, a pessoal, corresponde ao aspecto intelectual e espiritual, formando o direito moral do autor; a segunda, a material, vem a ser a utilização econômica da obra, o direito patrimonial.
Exatamente neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça assim já se pronunciou:
“O direito à imagem reveste-se de duplo conteúdo: moral, porque direito de personalidade; patrimonial, porque assentado no princípio segundo o qual ninguém é lícito locupletar-se à custa alheia. O direito à imagem constitui um direito de personalidade, extrapatrimonial e de caráter personalíssimo, protegendo o interesse que tem a pessoa de opor-se à divulgação dessa imagem, em circunstâncias concernentes à sua vida privada. Na vertente patrimonial o direito à imagem protege o interesse material na exploração econômica, regendo-se pelos princípios aplicáveis aos demais direitos patrimoniais”. (STJ, 4ª. T., REsp 74.473, Relator Sálvio de Figueiredo Teixeira, julgado em 25.02.99, DJ 21.06.99 – destaques da autora).
A jurisprudência majoritária adota o posicionamento de que a indenização do uso da imagem e voz prescinde “de ofensa à reputação ou à constatação de prejuízo ao empregado”.
Inclusive, a própria Justiça do Trabalho já vem reconhecendo o direito do autor à indenização pelo simples uso de sua imagem e voz, fundamentando o posicionamento na inadmissibilidade da concordância tácita da exploração da imagem do trabalhador e em razão do enriquecimento ilícito do empregador, nos seguintes termos:
“Considerando a especial relação de subordinação que imanta ao contrato de trabalho, plausível admitir a sujeição do empregado às ordens do empregador, ante o temor de sofrer represália ou risco de perder o emprego, circunstâncias que poderiam comprometer a subsistência própria e da família. A ausência de recusa expressa do empregado à determinação da rés para fotografias promocionais, na ambiência da relação empregatícia, não pode ser interpretada como concordância tácita e sequer tem o condão de afastar o ônus do empregador de indenizar, porque a empregadora visa obter vantagens mediante o uso da imagem de seus empregados (não se pode desconsiderar que o trabalho de propagada é distinto da atividade fim da empresa e que o contrato de emprego não inclui o uso de imagem do trabalhador).O dever de indenizar decorre da indevida utilização de um direito personalíssimo, o da imagem. E o dano moral prescinde de ofensa à reputação ou à constatação de prejuízo ao empregado, porque vincula-se a um sentimento do homem, sendo a imagem um dos direitos de personalidade (CF, art. 5o, X).” (TRT-PR-RO 777/2002, Acórdão 24323-2002, Juiz Relator Arion Mazurkevic, DJ. 08.11.2002, p. 394 )
Neste sentido, os direitos patrimoniais do autor são aqueles referentes à utilização econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis. Consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da obra, manifestam-se, em concreto, com a sua comunicação ao público.
Quando se pretende fazer uma análise destes direitos nos entrelaces de uma relação de emprego, de acordo com o sistema legal vigente no país, é indispensável o conhecimento dos artigos 36, 37 e 38 do Projeto de Lei n.° 5.430/90 que deu origem à atual Lei dos direitos autorais:
Art. 36 - Na obra intelectual produzida em cumprimento a dever funcional ou a contrato de trabalho, ou de prestação de serviços, os direitos patrimoniais de autor, salvo convenção em contrário, pertencerão ao comitente para as finalidades estipuladas no contrato de encomenda, ou inexistentes estas, para as finalidades que constituam o objeto principal das suas atividades.
§1° Conservará o comissário seus direitos patrimoniais às demais formas de utilização da obra. desde que não acarretem prejuízo para o comitente na exploração da obra encomendada;
§2° O comissário recobrará a totalidade dos seus direitos patrimoniais, não sendo obrigado a restituir as quantias recebidas, sempre que sua retribuição foi condicionada ao êxito da exploração econômica da obra, e esta não se iniciar dentro do prazo de um ano da sua entrega;
§3° O autor terá direito de reunir em suas obras completas, a obra encomendada, após um ano da entrega da encomenda.
Art. 37 - Salvo convenção em contrário, no contrato de produção, os direitos patrimoniais sobre a obra audiovisual pertencem ao seu produtor.
Art. 38 - A aquisição do original de uma obra, ou de exemplar de seu instrumento ou veículo material de utilização, não confere ao adquirente qualquer dos direitos patrimoniais do autor.
A interpretação destes artigos ensejaria conclusão no sentido de que os direitos patrimoniais do autor em uma relação de trabalho teriam cessão automática ao empregador. Ocorre que, estes preceitos legais não foram aprovados pelo Poder Legislativo devido à forte mobilização dos criadores da obra intelectual à época, que viam através deles uma maior sucumbência dos seus direitos perante a figura do empregador.
Assim, o sistema legal brasileiro tornou-se omisso neste particular, dando margens a construções teóricas a respeito do tema, sendo preciso cuidado nas interpretações que contornam a figura da relação do empregado-autor com o empregador. Diante da lacuna legislativa, duas interpretações são possíveis neste caso. A primeira é no sentido de que, quando se está analisando a questão dos direitos autorais em uma relação de emprego deve-se compreender que:
“O contrato de trabalho por si é uma forma de cessão dos direitos autorais do empregado para o empregador, quando é esse o objeto do contrato. A criação intelectual é uma forma de atividade que gera um bem característico por ser criação de quem o produz e é incomparável com outros tipos de produção econômica, com as quais não se confunde, de modo que a obra intelectual, em princípios, não poderia mesmo ser equiparável às demais, comuns na generalidade das relações de emprego, industrial, comercial ou de serviços. (...) O salário pelo trabalho remunera a atividade do empregado, independentemente do seu resultado, pois não fosse assim o empregador estaria pagando duas vezes, pelo trabalho e pelo resultado do trabalho.Portanto, segundo esta interpretação, independentemente da existência de previsão legal, há a cessão direta dos direitos patrimoniais do autor-empregado ao empregador, pois, para os defensores desse pensamento, o próprio contrato de trabalho gera este efeito de transmissão dos direitos patrimoniais do autor para o empregador, quando o objeto do contrato for a prestação de serviços para o fim de criação de obras intelectuais.”[47]
Não obstante, Bittar[48] um dos maiores estudiosos do Direito Autoral, convergir para esta linha de inteligência, é refutável e contraditório seu entendimento. De fato, “a obra intelectual não poderia mesmo ser comparada às demais”. E esta razão é suficiente para que não se trate a obra intelectual como se fosse uma produção de parafusos ou uma cultura de batatas. Por suposto que a obra intelectual suscita um tratamento significativamente diferenciado.
A prevalecer o posicionamento acima transcrito, as razões do legislador em omitir estes três artigos do texto legal teria sido simplesmente evitar que se repetisse o óbvio. Ou seja, o legislador não aprovou estes dispositivos porque seriam redundantes, já que sua previsão estaria nitidamente albergada em qualquer contrato de trabalho!
É mais provável que, por dois motivos, esta resposta se direcione para a negação. O primeiro é o de que o simples fato deste tema ser objeto de discussão já permite concluir que não deve o legislador ter imaginado que o contrato de trabalho, já em suas características, proporcionaria a cessão automática dos direitos patrimoniais do empregado-autor ao empregador. O segundo diz respeito à pressão realizada pelos artistas para a supressão dos referidos artigos. Se, com ou sem a presença destes artigos na Lei dos Direitos Autorais a situação dos empregados/autores seriam a mesma, por suposto que não faria sentido a pressão exercida para que os artigos 36, 37 e 38 do Projeto de Lei 5.430/90 fossem descartados.
Ademais, ao ajustar a remuneração pelo trabalho prestado as partes têm em mente estabelecer contraprestação pelo tempo despendido pelo empregado em favor da atividade patronal, na forma estabelecida pelo artigo 4º da CLT, não fazendo sentido que se interprete o ajuste remuneratório da forma ampla como preconiza o doutrinador. Tal interpretação, ademais tem o condão de afrontar diversos princípios do próprio Direito do Trabalho.
Outra interpretação possível nas tratativas deste assunto se alinha com este pensamento:
“Assim, mesmo que a obra tenha sido fruto de acerto contratual entre empregado e empregador, a autoria da mesma pertencerá ao empregado, pois é fruto de sua ação intelectual. Isso não quer dizer que ao autor caiba explorar economicamente a obra, Não. Nada impede das partes, através de acerto contratual, dispor que a obra criada pelo trabalhador, em decorrência das atividades para as quais foi contratado como empregado, seja explorada economicamente pelo empregador. Em outras palavras, haveria uma transmissão dos direitos do autor-empregado para o empregador. Essa transferência, porém, há de ser, necessariamente, estabelecida por escrito (art. 49, inciso ii, da lei n. 9.610/98), presumindo- se onerosa (art. 50, lei n. 9.610/98).”[49]
Para compreender essa afirmação é preciso conhecer os artigos 49 e 50, da Lei dos Direitos Autorais, in verbis:
Art. 49 - Os direitos de autor poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representantes com poderes especiais, por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros meios»admitidos em Direito, obedecidas as seguintes limitações:
I - a transmissão total compreende todos os direitos de autor, salvo os de natureza moral e os expressamente excluídos por lei;
II - somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita;
III - na hipótese de não haver estipulação contratual escrita, o prazo máximo será de cinco anos;
IV - a cessão será válida unicamente para o país em que se firmou o contrato, salvo estipulação em contrário;
V - a cessão só se operará para modalidades de utilização já existentes à data do contrato;
VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.
Art. 50. A cessão total ou parcial dos direitos de autor, que se fará sempre por escrito, presume-se onerosa.
§ 1º Poderá a cessão ser averbada à margem do registro a que se refere o art. 19 desta Lei, ou, não estando a obra registrada, poderá o instrumento ser registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
§ 2º Constarão do instrumento de cessão como elementos essenciais seu objeto e as condições de exercício do direito quanto a tempo, lugar e preço.
Destarte, essa segunda corrente procura alinhar o raciocínio com a idéia de que, para que ocorra a cessão dos direitos patrimoniais do empregado-autor para o empregador, deve haver prévia previsão escrita em contrato.
Sem dúvida que, os argumentos desta corrente são convincentes uma vez que não fogem de um raciocínio lógico. Para Rafael Palumbo[50], percebe-se tal coerência: se, por um lado, o contrato de trabalho é consensual e prescinde de forma própria, a Lei é específica ao lançar que a cessão de direitos autorais deve ser feita por escrito, impondo, assim, requisito de validade do próprio ato, sendo a solenidade inafastável.
Afinal, a supressão dos artigos 36, 37 e 38, acima transcritos veio a oferecer maiores garantias aos criadores de obras intelectuais.
Havendo a necessidade de pactuação escrita para a cessão destes direitos há, conjuntamente, uma potencialização do objeto do contrato de trabalho e, por conseguinte, há uma possibilidade de negociação mais favorável ao empregado-autor do que a simples cessão automática dos seus direitos. Segundo Rafael Palumbo[51]:
“outra questão relevante, acerca da cessão dos direitos de autor do fotógrafo empregado ao seu empregador, diz respeito à modalidade de utilização da fotografia. Na ausência de pactuação escrita, tem incidência a regra do art. 49. VI. da Lei 9.610/98. a qual delimita: "VI - não havendo especificações quanto à modalidade de utilização, o contrato será interpretado restritivamente, entendendo-se como limitada apenas a uma que seja aquela indispensável ao cumprimento da finalidade do contrato.”
Como explica o autor, há obras que podem vir a originar direitos em tipos diversos de utilização, como uma fotografia pode criar direitos quanto à sua reprodução ou quanto à sua utilização em um jornal. Assim:
(...) “inexistindo qualquer estipulação acerca da modalidade de execução do contrato, esta é restrita apenas àquela indispensável ao cumprimento do pacto. Afigurada a hipótese do fotógrafo ser contratado para produzir fotografias que serão veiculadas no jornal ''que o emprega", e tais fotografias virem a ser comercializadas pelo seu empregador com outras agências de notícias, revistas, campanhas publicitárias etc., resta clarividente que esteja havendo um extrapolamento da finalidade do contrato. Assim sendo, não se pode compreender como quitados os direitos patrimoniais do empregado sobre a obra fotográfica. Relativamente a tais fotografias, deve o empregador pagar ao autor-empregado um plus”.[52]
Portanto, caso uma instituição de ensino contrate um professor para que este elabore o material de didático do curso, além de ministrar aulas, e no contrato de trabalho não haja nenhuma previsão que permita a utilização dos textos deste professor para outros fins, caso esse texto seja utilizado não pelos alunos do curso e, sem que o professor receba especificamente para isto, os direitos patrimoniais do professor-autor estarão sendo expropriados indevidamente.
Ressalta-se a jurisprudência a propósito do tema:
DIREITO CIVIL – DIREITO AUTORAL – FOTOGRAFIA – PUBLICAÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – OBRA CRIADA NA CONSTÂNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO – DIREITO DE CESSÃO EXCLUSIVO DO AUTOR – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 30, DA LEI Nº 5.988/73, E 28, DA LEI Nº 9610/98 – DANO MORAL – VIOLAÇÃO DO DIREITO – PARCELA DEVIDA – DIREITOS AUTORAIS – INDENIZAÇÃO – I. A fotografia, na qual presente técnica e inspiração, e por vezes oportunidade, tem natureza jurídica de obra intelectual, por demandar atividade típica de criação, uma vez que ao autor cumpre escolher o ângulo correto, o melhor filme, a lente apropriada, a posição da luz, a melhor localização, a composição da imagem, etc. II. A propriedade exclusiva da obra artística a que se refere o art. 30, da Lei nº 5.988/73, com a redação dada ao art. 28 da Lei nº 9.610/98, impede a cessão não-expressa dos direitos do autor advinda pela simples existência do contrato de trabalho, havendo necessidade, assim, de autorização explícita por parte do criador da obra. III. O dano moral, tido como lesão à personalidade, à honra da pessoa, mostra-se às vezes de difícil constatação, por atingir os seus reflexos parte muito íntima do indivíduo - o seu interior. Foi visando, então, a uma ampla reparação que o sistema jurídico chegou à conclusão de não se cogitar da prova do prejuízo para demonstrar a violação do moral humano. IV. Evidenciada a violação aos direitos autorais, devida é a indenização, que, no caso, é majorada. V. Recurso Especial conhecido e parcialmente provido. (STJ – REsp 617.130/DF – 3ª T. – Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro – DJU 02.05.2005 – p. 344)
Sabendo-se que a própria Lei dos Direitos Autorais impõe que "somente se admitirá transmissão total e definitiva dos direitos mediante estipulação contratual escrita" e não especifica qual é a forma possível de cessão dos direitos autorais patrimoniais quando objetos de uma relação de emprego, o entendimento aceitável é de que se não houver previsão contratual escrita, não há a cessão dos direitos patrimoniais do autor.
Além disso, quando da admissão de professores, há por vezes a assinatura de uma série de documentos, incluindo-se em certos casos autorização genérica subscrita pelo professor para utilização do seu nome e da sua imagem.
Outrossim, a existência de autorização genérica para utilização do nome, da imagem e das obras intelectuais criadas na constância do vínculo de emprego, como aprouver à instituição de ensino sem qualquer contraprestação, consiste em cláusula contratual lesiva.
A propósito da lesão subjetiva, eis o que estabelece o atual Código Civil:
“Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta.
§ 1º Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico.
§ 2º Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”
A imposição da cessão gratuita dos direitos autorais patrimoniais do criador configura o chamado dolo de aproveitamento, visto que em face de tal “autorização” a instituição de ensino aproveita-se da condição hipossuficiente do professor para impor-lhe condição contratual leonina, consistente em verdadeiro cheque em branco passível de ser preenchido no tempo e nas circunstâncias que bem desejasse.
A instabilidade contratual decorrente da hipotética delegação genérica para a instituição de ensino aproveitar-se comercialmente do nome, da imagem, da boa fama profissional do professor e de suas obras intelectuais deve ser considerada inválida, já que a gratuidade imposta constitui uma lesão subjetiva que atenta contra a natureza sinalagmática do contrato de trabalho. Por suposto que isento de pressão o docente não cederia gratuitamente os direitos em comento.