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A regulamentação da Ética nas Forças Armadas

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11/05/2012 às 08:34
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Apenas os militares da reserva que ocupam cargo em comissão no Ministério da Defesa e os militares que atuam na Presidência e Vice-Presidência da República estão submetidos a uma disciplina estritamente ética.

1. INTRODUÇÃO:

O presente estudo ambiciona investigar a viabilidade jurídica da uniformização dos padrões de conduta e de gestão da ética pública através da instituição de um único código de conduta ética que alcance indistintamente os agentes públicos do Ministério da Defesa e dos Comandos das Forças Armadas, sejam eles civis ou militares, sob o pressuposto de que todos eles são considerados agentes públicos lato sensu.

A questão insurge diante da constatação que a ética na Administração Pública é um padrão que se exige independentemente da natureza do vínculo que ela estabelece com seus agentes, militares ou civis. A facilidade de acesso à informação e o crescimento da consciência política dos cidadãos impõem ao Poder Público a busca constante da efetivação dos princípios norteadores da Administração Pública estampados no art. 37 da CF/88, como forma de prevenir os desvios de conduta que importem na prática de ilícitos lesivos à moralidade e às finanças públicas.

É nesse contexto que entendemos imprescindível a criação de mecanismos regulamentares de natureza ética que alcancem os militares das Forças Armadas.

Para isso, pretendemos demonstrar que os militares não estão inseridos no chamado “Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal”, com exceção dos militares da reserva que ocupam cargo em comissão no Ministério da Defesa e dos que atuam na Presidência e Vice-Presidência da República.

Apresentaremos também os dispositivos do Estatuto dos Militares que mais se aproximam do tema para dizer que ele é omisso na instituição de uma disciplina jurídica de natureza estritamente ética.  

Em seguida, pretendemos demonstrar que a independência entre as instâncias administrativa, cível, ética e penal permitem a instituição de um regramento de conduta ética para os militares sem que isso represente um “bis in idem” em relação às normas militares vigentes, para, ao final, marcar as medidas que entendemos devem nortear a regulamentar da matéria.   


2.OS MILITARES COMO CATEGORIA AUTÔNOMA DE AGENTES PÚBLICOS:

Para os fins que ora objetivamos, é prescindível o inventário minucioso e a análise mais apurada de todas as espécies de agentes públicos identificadas pela doutrina pátria. Resta aqui oferecer uma visão geral sobre o tema sem perder de vista o resultado pretendido. Vejamos. 

Hely Lopes Meirelles[1] considera “agentes públicos” “todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, de alguma função estatal.”

No mesmo sentido, para José dos Santos Carvalho Filho[2] a expressão “agentes públicos” significa “o conjunto de pessoas que, a qualquer título, exercem função pública como prepostos do Estado.”

Na mesma linha abrangente, mas que revela o significado compartilhado pela doutrina e jurisprudência dominantes, cite-se a conceituação trazida pelo art. 2º da chamada Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992):

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Diante das definições acima colacionadas, observa-se que o alcance da expressão é bastante amplo, compreendendo em seu conteúdo todas as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado independente da natureza do vínculo ou do ente federado ou Poder constituído, seja da administração direta seja da indireta.

Em função da amplitude do termo e da consequente variedade de sujeitos que ela abriga, que tramam com o Estado vínculos das mais diversas naturezas e tipologias, não há na doutrina pátria um consenso quanto à melhor classificação dos agentes públicos. É o que se verá abaixo.

A classificação primitiva sugerida por Celso Antônio Bandeira de Mello[3] identifica na expressão genérica “agentes públicos” as seguintes categorias: a) agentes políticos; b) servidores públicos; e c) particulares em colaboração com o Poder Público.

Para Hely Lopes Meirelles[4], a expressão abarca cinco espécies: a) agentes políticos; b) agentes administrativos, dentre os quais os servidores públicos concursados, os servidores ocupantes de cargo ou emprego em comissão e os servidores temporários; c) agentes honoríficos; d) agentes delegados; e e) agentes credenciados.

Por sua vez, Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5] oferece a seguinte classificação: a) agentes políticos; b) servidores públicos; c) militares; e d) particulares em colaboração com o Poder Público.

É esta última que prevalece na doutrina e com a qual nos filiamos por entendê-la mais adequada e compatível com a sistematização traçada pela Constituição Federal de 1988, especialmente após a Emenda Constitucional nº 18/98.

Consoante com essa classificação, os agentes políticos são aqueles que ocupam cargos estruturais à organização política do País, quase sempre de natureza eletiva, e atuam representando a vontade do Estado, a exemplo do Presidente da República, dos Governadores, dos Prefeitos e seus respectivos auxiliares diretos (Ministros e Secretários), além dos Senadores, Deputados e Vereadores.

Os servidores públicos, por seu turno, são as pessoas físicas que prestam serviços ao Estado com vínculo empregatício e mediante remuneração, compreendendo: os servidores estatutários, sujeitos ao regime estatutário e ocupantes de cargos públicos efetivos ou em comissão; os empregados públicos, submetidos à legislação trabalhista e ocupantes de empregos públicos; e os servidores temporários, estes contratados por tempo determinado na forma autorizada pelo art. 37, inciso IX, da CF/88.

Os particulares em colaboração com o Poder Público, por exclusão, são aqueles que prestam serviço ao Estado sem qualquer vínculo empregatício, não importando se com ou sem remuneração. 

Por fim, os militares também estão inseridos nesse modelo classificatório como categoria autônoma, distintos que são agentes políticos, dos servidores públicos e dos particulares em colaboração. Note-se que eles não representam sequer uma espécie paralela integrante do mesmo ramo. E não se trata de uma diferenciação meramente terminológica.

Ao tratar dos militares, a redação original da Constituição Federal assim estabelecia:

Art. 42. São servidores militares federais os integrantes das Forças Armadas e servidores militares dos Estados, Territórios e Distrito Federal os integrantes de suas polícias militares e de seus corpos de bombeiros militares.

§ 11 - Aplica-se aos servidores a que se refere este artigo o disposto no art. 7º, VIII, XII, XVII, XVIII e XIX.

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Com o advento da EC nº 18/98, a redação do art. 42 foi alterada para tratar com exclusividade dos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. A saber:

Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.

Em relação aos antigos “servidores militares federais”, hoje “militares das Forças Armadas”, a dita Emenda Constitucional acrescentou o seguinte parágrafo terceiro à redação do art. 142:

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

VIII - aplica-se aos militares o disposto no art. 7º, incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV e no art. 37, incisos XI, XIII, XIV e XV.

E não foi só. A denominação “Servidores Públicos Civis” foi substituída por “Servidores Públicos” (Título III, Capítulo VII, Seção II). Por sua vez, o título “Servidores Públicos Militares” foi alterado para “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (Título III, Capítulo VII, Seção III), ao passo em que os “militares das Forças Armadas” passaram a ser denominados simplesmente “militares”, e não mais “servidores militares federais”.

Desta forma, a EC nº 18/98 retirou dos militares a qualificação de servidores públicos para enquadrá-los como categoria autônoma de agentes públicos: “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” e “militares das Forças Armadas”.

E o fez com a nítida intenção de oferecer um regramento funcional distinto dos demais agentes públicos, conforme previsto de forma expressa e independente no já citado art. 142, da CF/88. É assim que, à guisa de exemplo, e sem que se fale em quebra do princípio da isonomia, aos militares não se aplicam as regras constitucionais atinentes ao salário-mínimo, à greve, à sindicalização, à filiação partidária, dentre outras.

Ademais, não nos parece razoável a Carta Magna oferecer um regramento em separado para tratar dos militares das “Forças Armadas” e dos “Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”, com características e regime jurídico específico – cite-se a denominação dos seus membros e os direitos e prerrogativas a eles inerentes - para depois incluí-los nas regras gerais e comuns pertencentes aos servidores públicos.

Compactuando com esse entendimento, Regis Fernando de Oliveira[6] diz: “os militares foram excluídos da noção de servidor”.

No mesmo sentido, José Afonso da Silva[7]:

(...) os integrantes das Forças Armadas têm seus direitos, garantias, prerrogativas e impedimentos definidos no §3º do citado art. 142, desvinculados, assim, do conceito de servidores públicos, por força da EC – 18/98.

Cite-se ainda a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro[8]:

Cabe aqui uma referência aos militares. Até a Emenda Constitucional nº 18/98, eles eram tratados como “servidores militares”. A partir dessa Emenda, excluiu-se, em relação a eles, a denominação de servidores, o que significa ter de incluir, na classificação apresentada, mais uma categoria de agente público, ou seja, a dos militares. Essa inclusão em nova categoria é feita em atenção ao tratamento dispensado pela referida Emenda Constitucional.

Em que pese os argumentos acima despendidos, cumpre registrar que parte da doutrina ainda classifica os militares como espécie do gênero “servidores públicos”:

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Não obstante a alteração introduzida pela Emenda Constitucional nº 18 de 1998, que substituiu o título “Servidores Públicos Civis” por “Servidores Públicos” no Título III, Capítulo VII, Seção II, e que também substituiu o título “Servidores Públicos Militares” por “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” na Seção III do mesmo Título e Capítulo, incluindo os militares federais no capítulo das Forças Armadas (Título V, Capítulo II), o certo é que, em última análise, todos são vinculados por relação de trabalho às entidades federativas, percebendo remuneração como contraprestação pelas atividades que desempenham, indiferentemente dos seus diversos estatutos jurídicos reguladores[9].

Seguindo esse raciocínio, haveria duas espécies de servidores públicos: os civis, regidos pelos artigos 39 e 41 da Constituição Federal; e os militares, compostos pelos membros da Polícia Militar e Corpo de Bombeiros Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (art. 42, CF), e pelos membros das Forças Armadas (art. 142, CF).

Contudo, esse não nos parece ser o melhor entendimento.

Afora todas as razões aqui já lançadas no sentido de excluir dos militares a qualificação de “servidores públicos”, entendemos que não é dado ao intérprete constitucional “fazer vista grossa” a uma distinção limpidamente criada pela EC nº 18/98. 

Para ratificar essa conclusão, trazemos a baila trechos da Exposição de Motivos da vergastada EC nº 18/98, de autoria do Poder Executivo, onde resta transparente o escopo do legislador constitucional de destacar os militares dos demais agentes públicos, principalmente do conceito de “servidores públicos”. Vejamos:

2. A presente proposta pretende dar aos membros das Forças Armadas, doravante denominados militares, por suas características próprias, um tratamento distinto no que concerne a deveres, direitos e outras prerrogativas que estarão mais adequadamente dispostos no Capítulo pertinente ao Título V – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas.

3. Justifica-se a alteração do dispositivo proposto, visto que os militares não são servidores dos Ministérios militares: eles pertencem às instituições nacionais permanentes que são a Marinha, o Exército e a Aeronáutica. O perfil da profissão militar é a defesa da Pátria, tendo por isso peculiaridades inigualáveis com outras categorias.

7. Esta condição institucional (nacional e permanente) vincula primordialmente as Forças Armadas ao Estado e transcende o plano público, que está mais vinculado e identificado com as atividades e os serviços prestados pela administração pública.

8. A propósito, a Constituição não qualifica o Serviço Militar como serviço público. Ao denominá-lo Serviço Militar reforça o argumento de que a atividade militar transcende o serviço público, por imprescindível, insubstituível e peculiar. Desse modo, verifica-se que foi uma decisão equivocada qualificar os militares como “servidores públicos militares” no contexto constitucional. Seria mais apropriado e correto o termo Militar.

9. A situação do militar enquadrado como funcionário ou servidor público é prejudicial tanto ao exercício de sua profissão como às Instituições Militares que, dessa forma, ficam impossibilitadas de dar, aos seus integrantes, a justa contrapartida por imposições e deveres normalmente pesados. Entre ambos, pode haver alguns pontos comuns, porém totalmente distintos na essência e na finalidade, devendo, portanto, ser encarados e tratados de forma diferente, consoante legislações específicas.

11. Foi alterada a redação do art. 37 por considerá-lo fundamental no processo de desvinculação dos militares dos funcionários públicos civis, bem como de outros dispositivos da Constituição para compatibilizá-los com a nova redação dos arts. 142 e 144. (grifamos)

Do texto acima destacamos os seguintes excertos: “decisão equivocada qualificar os militares como ‘servidores públicos militares”, e ainda “a situação do militar enquadrado como funcionário ou servidor público é prejudicial”, para concluir na necessidade de implementar um “processo de desvinculação dos militares dos funcionários públicos civis”.

Com efeito, diante de tudo que foi exposto, e sem perder de vista à finalidade do presente estudo, podemos arrematar dizendo que a EC nº 18/98 retirou dos militares a qualificação de servidores públicos para enquadrá-los como categoria autônoma de agentes públicos: “Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” e “militares das Forças Armadas”.

Assentadas essas bases, podemos seguir para apresentar os principais aspectos concernentes à regulamentação da ética no serviço público federal.


3. O REGRAMENTO DA ÉTICA NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL:

A ética no serviço público federal é gerida pelo chamado “Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal”, criado pelo Decreto nº 6.029, de 1º de fevereiro 2007, com a finalidade de promover atividades de fomento à conduta ética no âmbito do Executivo Federal, competindo-lhe (art. 1º):

I - integrar os órgãos, programas e ações relacionadas com a ética pública;

II - contribuir para a implementação de políticas públicas tendo a transparência e o acesso à informação como instrumentos fundamentais para o exercício de gestão da ética pública;

III - promover, com apoio dos segmentos pertinentes, a compatibilização e interação de normas, procedimentos técnicos e de gestão relativos à ética pública;

IV - articular ações com vistas a estabelecer e efetivar procedimentos de incentivo e incremento ao desempenho institucional na gestão da ética pública do Estado brasileiro.

Esse Sistema é integrado pela Comissão de Ética Pública – CEP e pelas Comissões de Ética dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal (art. 2º).

À Comissão de Ética Pública incumbe, dentre outras atribuições, coordenar, avaliar e supervisionar o Sistema de Gestão da Ética Pública; e administrar a aplicação do Código de Conduta da Alta Administração Federal (Exposição de Motivos nº 37, de 18.8.2000, aprovada em 21.8.2000), cuja incidência está adstrita exclusivamente a algumas autoridades públicas integrantes dos últimos níveis da estrutura hierárquica do Poder Executivo, equivalentes aos agentes políticos na classificação proposta por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, e taxativamente enumeradas no seguinte rol: Ministros e Secretários de Estado; titulares de cargos de natureza especial, secretários-executivos, secretários ou autoridades equivalentes ocupantes de cargo do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores - DAS nível seis; presidentes e diretores de agências nacionais, autarquias, inclusive as especiais, fundações mantidas pelo Poder Público, empresas públicas e sociedades de economia mista.

Note-se que, diante da ausência de previsão legal expressa, o dito Código de Conduta da Alta Administração Federal não se aplica aos militares, mormente depois do advento da Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, que instituiu o Ministério da Defesa e retirou o status de ministério aos hoje Comandos Militares.

Por sua vez, as Comissões de Ética dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal têm, regra geral, como instrumento de atuação o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal, instituído pelo Decreto nº 1.171, de 22 de junho de 1994, que previu a criação de uma Comissão de Ética em cada órgão da Administração Pública Federal, todas integrantes do mencionado Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal.

Também aqui a simples interpretação gramatical do seu enunciado já nos permite inferir que o referido Código de Ética se aplica tão somente aos servidores públicos civis, o que, por óbvio, exclui os militares do seu âmbito de incidência.

Nesse ponto, cabe destacar que os militares da reserva ocupantes de cargo em comissão também estão submetidos ao vergastado Código de Ética criado pelo Decreto nº 1.171/94. Afinal, como visto, os ocupantes de cargos em comissão também são considerados servidores públicos. Essa é a inteligência do art. 20 da Portaria nº 580, de 10 de outubro de 2002, do Ministério da Defesa, que erigiu o Regimento Interno da Comissão de Ética daquele ministério:

Art. 20. Estão sujeitos ao Código de Ética e ao presente Regimento todos os servidores públicos lotados no Ministério da Defesa, nos órgãos e unidades que lhe são vinculados, no exterior e no território nacional.

Parágrafo único. Para fins de aplicação do Código de Ética e das disposições deste Regimento, os militares da reserva que ocupam cargo em comissão no âmbito do Ministério da Defesa e órgãos vinculados são considerados servidores civis, nos termos dos artigos 2º e 3º, parágrafo único, da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, combinado com o disposto na letra e) do inciso XVIII do artigo 28 da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980. (grifamos)

Na hipótese, entendemos que resta caracterizada uma situação de dupla vinculação com o Estado: a primeira como militar, da qual ele não pode desgarrar mesmo sem estar na ativa, por força do disposto no art. 3º, §1º, do Estatuto dos Militares; e a outra na condição precária de servidor público ocupante de cargo em comissão, cuja exoneração pode ocorrer a qualquer tempo a juízo da autoridade competente. Atente-se que essa condição peculiar só é possível para o militar da reserva, posto que ao militar da ativa não é permitida a assunção de qualquer outra atividade pública de natureza civil, nem mesmo as eletivas (art. 14, §§ 2º e 3º da CF/88). 

Ainda na seara específica do Ministério da Defesa, cumpre consignar que o art. 21 da mencionada Portaria nº 580/02 pretendeu submeter os militares em exercício na administração central daquela pasta à penalidade de censura ética. In verbis:

Art. 21. Considerando a natureza sui generis do Ministério da Defesa, os militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica colocados à sua disposição estarão sujeitos à menção de censura ética, mediante a aplicação do disposto no artigo 28 c/c o art. 83 da Lei nº 6.880, de 09 de dezembro de 1980, e em face da qualidade de agentes públicos, nos termos do artigo 2º combinado com o § 3º do artigo 14 da Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992.

Parágrafo único. A menção de censura de que trata este artigo somente efetuar-se-á mediante concordância do Comandante da respectiva Força, cujo parecer será emitido à luz das razões de fato e de direito apresentadas pelo Presidente da Comissão.

Contudo, essa não nos parece ser a melhor disciplina. Isso porque a Comissão de Ética do Ministério da Defesa está inserida dentro de um sistema de ética voltado exclusivamente aos servidores públicos, e com essa limitação ela não teria mandato para impingir sanções aos militares. Ademais disso, considerando a hierarquia das normas jurídicas, a Portaria do Ministério da Defesa não poderia contrariar o Decreto que criou o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil, que contém limitação expressa e clara quanto à definição de seus destinatários, conforme resta literalmente assentado até mesmo em sua própria denominação.

Assim sendo, com exceção dos militares da reserva ocupantes de cargo em comissão, reputamos que os militares da ativa do Ministério da Defesa não estão submetidos à incidência do referido Código de Ética do Poder Executivo Federal ou a qualquer reprimenda de natureza exclusivamente ética. Esse é o entendimento, inclusive, da própria Comissão de Ética do Ministério da Defesa, que em que pese a literalidade do seu Regimento Interno, vem reiterada e uniformemente decidindo pela ausência de competência para julgar o comportamento ético dos referidos militares.

Por fim, vale mencionar ainda que paralelamente a esses Códigos existe o Código de Conduta Ética dos Agentes Públicos em exercício na Presidência e Vice-Presidência da República, criado pelo Decreto nº 4.081, de 11 de janeiro de 2002. Diferentemente dos demais códigos de ética mencionados, que identificam o seu âmbito de incidência em razão da natureza do vínculo estabelecido entre a Administração Pública e seus agentes (servidores públicos civis ou “altas autoridades”), o principal elemento caracterizador desse Código é o local em que o agente exerce suas atividades: Presidência e Vice-Presidência da República. Em função disso, ele apresenta um conceito bastante amplo de agente público para possibilitar a sua aplicação a todos aqueles que laboram na Presidência e na Vice-Presidência, independentemente da natureza do seu vínculo jurídico, o que permite incluir os militares no seu campo de aplicação. Senão vejamos: 

Art. 1º  

Parágrafo único.  Para fins deste Código, entende-se por agente público todo aquele que, por força de lei, contrato ou de qualquer outro ato jurídico, preste serviços de natureza permanente, temporária, excepcional ou eventual, na Presidência e Vice-Presidência da República. (grifamos)

Destarte, diante dessa breve explanação das normas éticas hoje vigentes, podemos asseverar que apenas os militares da reserva que ocupam cargo em comissão no Ministério da Defesa (Portaria nº 580/MD, de 10 de outubro de 2002) e os militares que atuam na Presidência e Vice-Presidência da República (Decreto nº 4.081/02) estão submetidos a uma disciplina estritamente ética. Os demais, por conseguinte, não estão inseridos no referido Sistema de Gestão da Ética, que é omisso na instituição de um regramento ético de condutas que os alcance.

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Sobre o autor
Felipe Ferreira Libardi

Advogado da União em Brasília (DF). Coordenador de Legislação Militar da Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIBARDI, Felipe Ferreira. A regulamentação da Ética nas Forças Armadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3236, 11 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21728. Acesso em: 16 nov. 2024.

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