Introdução
Como cediço, o seguro DPVAT foi instituído pela Lei nº 6.194/1974, estabelecendo uma forma de indenização, ou compensação, para as vítimas de acidentes de automobilísticos. Eram outros tempos, poucos eram os veículos e, consequentemente, os acidentes, assim como eram poucas as cobranças relativas a pagamento de pecúnia.
Com a estabilização econômica e a popularização da propriedade dos veículos, como consequência veio também o aumento dos acidentes de trânsito e, naturalmente, dos pedidos de indenização relativos a tal cobertura securitária.
A Medida Provisória nº 340, editada em 2006, por sua vez, estabeleceu verdadeiro corte nas indenizações até ali fixadas, estabelecendo um teto de R$13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) para os casos de invalidez definitiva e morte. Não se estabeleceu uma atualização posterior de tais valores.
Este é o objeto deste trabalho, cuja ideia já vem sendo adotada pelo Magistrado signatário.
Desenvolvimento
A rigor, segundo a jurisprudência dominante, a importância relativa a indenização do seguro DPVAT deveria ser atualizada da data do ajuizamento ou do evento danoso. No entanto, tem-se que a questão deve ser analisada de forma mais aprofundada, como forma de se buscar a efetivação do ideal de Justiça.
Nesse passo, de se dizer que, desde a sua edição, a Lei nº 6.194/74, que dispõe sobre o seguro DPVAT, estabelecia que o teto máximo de indenização previsto na lei, seja por morte ou invalidez do passageiro, seria equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos.
Naquela época, 1974, a população brasileira era bem menor, assim como a prosperidade econômica; poucos eram os cidadãos que possuíam automóvel próprio. Em consequência, os acidentes automobilísticos eram bem menos frequentes, como nos dias de hoje.
Também é fato que, durante muitos anos, poucas eram as vítimas de acidente de trânsito que buscavam, junto às companhias seguradoras, o recebimento da tal indenização prevista na referida lei. Com o advento da Carta Política de 1988 e do amplo acesso ao Judiciário, esse quadro se modificou e inúmeras demandas, com o mesmo escopo, passaram a ser ajuizadas em todo o país.
Ao lado disso, e com a economia estabilizada, a grande maioria da população passou a ter acesso ao carro ou motocicletas próprios, o que, infelizmente, elevou o número de acidentes automobilísticos por todo o país. E, consequentemente, aumentou a procura pelo recebimento do chamado “Seguro Dpvat”.
Desse modo, sabe-se lá com que fundamento, desconfia-se que pelo esforço das companhias seguradoras, fato é que o teto máximo da indenização, que era de 40 (quarenta) salários mínimos, acabou por fixado em R$13.500,00 (treze mil e quinhentos reais), por força da Medida Provisória nº 340/2006, com vigência a partir de dezembro do mesmo ano. E, de lá, até os dias de hoje, cinco anos depois, tal valor não sofreu qualquer atualização.
E não se diga que, apesar de pequena, não se verificou inflação no país, desde então. Para tanto, basta analisar-se a variação do salário mínimo, que em dezembro de 2006 estava fixado em R$350,00 (trezentos e reais reais) e hoje atinge R$622,00 (seiscentos e vinte e dois reais).
Ainda que se diga que o salário mínimo possui reajustamento e valorização sacramentados na Constituição Federal, fato é que a variação do INPC, a cada ano, demonstra a existência de inflação, ainda que pequena, na economia brasileira.
Não se pode perder de vista, ainda, que o seguro DPVAT possui certa e inesgotável, nos dias de hoje, fonte de custeio. Afinal, se existem milhares de veículos a trafegar em nossas ruas e estradas, todos eles, por ocasião de seus licenciamentos anuais, efetuam o recolhimento da parcela referente a tal cobertura securitária.
Ao lado disso, nos dias de hoje, uma infinidade de brasileiros se apresenta como vítimas de acidente de trânsito, sejam condutores, passageiros ou pedestres. E à maioria deles, às vezes inválidos ou órfãos, sem condições de arcar com o seguro facultativo, somente resta a percepção do seguro obrigatório que, como se sabe, segundo a Jurisprudência, pode ser compensado com aquele.
Nesse passo, sabe-se que, em tese, o seguro obrigatório DPVAT, reveste-se notadamente de uma clara função social, a saber, um paliativo às vítimas de acidente de trânsito e/ou suas famílias, concedendo uma indenização por invalidez permanente, parcial ou total, despesas médicas e morte. A edição de tal norma, classifica-se indubitavelmente como um distintivo avanço no cenário jurídico brasileiro, visto que já se passam mais de três décadas desde sua publicação.
Em uma análise da produção legislativa nacional, em nível histórico, alcançamos a conclusão de que a quantificação legal no país é pronunciável, contudo o que se observa frequentemente é uma incompatibilidade entre a mens legis e sua real aplicabilidade, que em muitos casos carece de eficácia.
Eventualmente deparamo-nos com receptáculos normativos providos de relevância ímpar no que se relaciona ao melhor interesse da população, que deve ser em princípio, a função da construção jurídica de um país, como se observa no caso da Lei nº 6.194/74, ou ainda pela lei 8.078/90, que instituiu nosso Código de Defesa do Consumidor, um dos mais arrojados do mundo.
Todavia, ao atentarmo-nos às alterações subsequentes inseridas na legislação securitária em comento, é possível vislumbrar um retrocesso em relação ao espírito originário da norma, pois, conforme alhures esposado, a inércia na atualização dos valores insculpidos na lei, contraria o conteúdo programático intentado pelo legislador originário. O parâmetro inicialmente utilizado do valor do salário mínimo como referencial para a concessão das indenizações era válido, principalmente no que tange a graduação das atualizações, que seriam constantes a adequadas ao cenário econômico financeiro vigente.
No entanto, com a edição da aludida medidia provisória, alterando os patamares e consequentes critérios de quantificação das indenizações, pode-se identificar de forma cristalina, um desvirtuamento do inicialmente intentado, quando da concepção do seguro obrigatório. Pode-se justificar tais asseverações pela fato de serem os valores da lei, insuficientes às reais necessidades das vítimas de sinistro automobilístico, no prazo de convalescença ou as despesas fúnebres em casos mais funestos.
Curiosamente, os atuais valores aplicados guardam simetria com aqueles determinados pelo Conselho Nacional de Seguros Privados (CNSP), em caráter flagrantemente político, dissociando-se da independência funcional preconizada pela texto da lex maior e seus vetores interpretativos decorrentes.
Ora, se nem mesmo as decisões em caráter vinculante, emanadas do Pretório Excelso, não tornam praticável o engessamento do poder legislativo, qual seria a justificativa para a inércia dos órgãos legiferantes em diligenciar uma aplicação mais equânime a uma lei, de gênese manifestamente social e assistencialista?
Dissertando sobre o tema, Welsey Louzada de Oliveira Bernardo, em sua douta obra, assim leciona:
“O seguro DPAVT insere-se como um seguro social, o que gera algumas consequências que não se coadunam com o tradicional contrato de seguro,(…)O sistema do seguro obrigatório tem por escopo garantir uma reparação mínima a toda a qualquer vítima de acidente de trânsito, tendo entretanto diversas limitações, sendo as principais o baixo valor das coberturas e a exclusão dos danos não corporais, bem como dos morais.”
(Responsabilidade Civil Automobilística. Por um Sistema Fundado na Proteção à Pessoa. São Paulo: Editora Atlas, 2009. pags. 31/32)
Assim, mais do que justo que o Poder Judiciário, no seu mister de interpretar a vontade da Sociedade, representada pelo legislador, conclua que os valores estabelecido na MP 340/2006, mereçam a devida atualização. Até porque, como se sabe, a atualização monetária não remunera o capital, apenas o protege da desvalorização decorrente da própria inflação.
A propósito, confira-se parte do voto condutor da Apelação Cível nº 1.0024.08.007829-8/001 do TJMG:
“... Ademais, é cediço que a atualização monetária não amplia a dívida, tão-só obsta que se diminua em face da corrosão da moeda por força do fenômeno inflacionário. Já teve oportunidade de assentar a Suprema Corte que ela não remunera o capital, apenas assegura a sua identidade no tempo (RTJ, 94/806)...”
Desse modo, tem-se como razoável que se imponha à seguradora o pagamento da importância fixada, com atualização monetária desde a data da vigência da já mencionada MP 340/2006, e não do ajuizamento ou do evento danoso.
Conclusão
Após análise do exposto e levando-se em conta a natureza eminentemente social do seguro DPVAT, vê-se claramente a necessidade de se atualizar os valores inicialmente fixados pela legislação a título de indenização securitária.
Até porque, como já dito, a atualização monetária não remunera o capital, apenas o protege dos efeitos da inflação que, nada obstante apresente números insignificantes, ainda assim faz parte da realidade brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
BERNARDO, Wesley de Oliveira Louzada. Responsabilidade Civil Automobilística. Por um Sistema Fundado na Proteção à Pessoa. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Obrigações. Atualizado de acordo com o Novo Código Civil. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004.
TEPEDINO, Gustavo et al. Obrigações. Estudos na Perspectiva Civil Constitucional. Rio de janeiro: Editora renovar, 2005.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Vol. II. Teoria Geral das Obrigações e Teoria Geral dos Contratos. Sétima Edição. Atualizada de acordo com o Código Civil de 2002. Estudo Comparado com o Código Civil de 1916. São Paulo: Editora Atlas. 2007.
Constituição da república federativa do Brasil. disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitu %C3%A7ao.htm
Lei nº 6.194 de 19 de Dezembro de 1974, e suas posteriores alterações. disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6194.htm.