Artigo Destaque dos editores

Racionalidade do processo de solução de colisões entre direitos fundamentais à luz da análise econômica do direito

Exibindo página 1 de 4
20/05/2012 às 17:23
Leia nesta página:

A análise econômica do direito constitui-se num instrumental para a racionalização das decisões sobre colisões entre direitos fundamentais, oferecendo de dados empíricos, objetivos, aptos a estimular a adoção de práticas eficientes, que maximizem a utilidade maior buscada pelo direito – a justiça

RESUMO

Esta monografia tem como objetivo principal analisar e discutir o papel da análise econômica do direito no aperfeiçoamento da solução de colisões entre direitos fundamentais, partindo do referencial teórico da Teoria dos Direitos Fundamentais de Robert Alexy. Nesse sentido, defende que o correto manejo dos instrumentos postos à disposição do direito por aquela sorte de análise permite aferir mais precisamente as decisões nessa seara, o que fomenta a busca de maior racionalidade e eficiência nas decisões jurídicas. Para tanto, faz um exame da distinção entre regras e princípios, relevante em virtude da natureza principiológica básica dos direitos fundamentais. Destaca que princípios devem ser encarados como mandamentos de otimização, ou seja, normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, condicionados a circunstâncias fáticas e aos efeitos dos demais princípios. Como decorrência, naturalmente entram em colisão, de modo que, para a definição do princípio preponderante em cada caso, devem ser adotadas as ideias de proporcionalidade e sopesamento num procedimento racional e fundamentado de argumentação jurídica, o que, constata-se, não é comumente observado pelo Supremo Tribunal Federal. Em seguida, busca-se compreender os contornos básicos da análise econômica do direito, situando seu surgimento num contexto histórico e filosófico, para ressaltar a importância dessa forma de interação entre a economia e o direito que gera benefícios para o desenvolvimento de ambas as ciências. No caso do direito, a utilização de um ferramental disponibilizado pela economia permite-o balizar-se pela eficiência, entendida como uma situação em que não há desperdícios, o que é essencial para a qualificação de tal situação como justa. Para melhor compreensão, são abordados alguns postulados econômicos básicos para, por fim, esclarecer o papel da análise econômica do direito no aperfeiçoamento da aplicação prática da máxima da eficiência como critério balizador da ponderação entre direitos fundamentais, com vistas a revalorizar a máxima da proporcionalidade e a conferir uma maior racionalidade ao discurso jurídico.

Palavras-chave: Direitos Fundamentais. Normas. Princípios. Regras. Colisão. Ponderação. Análise Econômica do Direito. Escolha racional. Utilidade. Equilíbrio. Custos de oportunidade. Externalidades. Proporcionalidade. Eficiência. Justiça.


SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS. 2.1 PRINCÍPIOS E REGRAS NA CONCEPÇÃO DE ROBERT ALEXY. 2.2CRITÉRIOS PARA SOLUÇÃO DA COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS. 2.3 MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE. 2.4 SOPESAMENTO: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA. 3 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO. 3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO. 3.2 FUNDAMENTOS da ECONOMIA. 3.3 DIMENSÕES. 3.4 POSTULADOS BÁSICOS. 3.4.1 Escolha Racional. 3.4.2 Utilidade. 3.4.3 Equilíbrio e Eficiência. 3.4.4 Custos de oportunidade. 3.4.5 Externalidades. 4 O PAPEL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS. 4.1 MÁXIMA DA EFICIÊNCIA COMO CRITÉRIO DE PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS. 4.2REVALORIZAÇÃO PRÁTICA DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO. 4.2.1 Adequação. 4.2.2 Necessidade. 4.2.3 Proporcionalidade em Sentido Estrito. 5 CONCLUSÕES. REFERÊNCIAS. 


1.INTRODUÇÃO

É inegável que, no atual estágio do Estado Democrático de Direito, direitos e garantias fundamentais passam a ocupar lugar cimeiro no ordenamento jurídico. Tais previsões inspiram a interpretação de todo o ordenamento jurídico, constituindo verdadeiras vigas-mestras da nossa sociedade.

Hodiernamente, é pacífico o entendimento no sentido da natureza principiológica dos direitos fundamentais. Tal concepção é tomada por um dado da realidade, controvertendo os pensadores do direito basicamente, apenas sobre aspectos daí decorrentes, como a correta identificação de quais direitos merecem o qualificativo de fundamentais, seus limites e sua efetivação.

Uma decorrência relevante de tal constatação é o reconhecimento de que, como princípios, tais direitos naturamente entram em colisão diante de conflitos de interesses, naturais numa vida em sociedade. Desta forma, princípios – e, portanto, direitos fundamentais – limitam-se mutuamente. Uma das dificuldades que surge dessa constatação consiste em aferir, em concreto, diante de cada conflito de interesses apresentado, qual ou quais direitos devem prevalecer, e em que medida, tendo em vista a tensão dialética entre a necessidade de garantir e efetivar ao máximo tais direitos e a inexorabilidade da restrição a um direito fundamental em virtude da maximização do direito fundamental contraposto.

Uma das teorias mais completas e festejadas acerca do tema é aquela cunhada por Robert Alexy, a partir de sua obra seminal Teoria dos Direitos Fundamentais. Nela, aborda-se, logo em seus capítulos iniciais, a questão da necessidade da identificação e adoção de uma solução racional para tais colisões entre princípios, de modo a atingir o máximo de efetividade de todo o sistema de direitos e garantias que possuam a nota da fundamentalidade. Nesse sentido, ele elabora sua tese acerca da necessidade de sopesamento entre princípios, o qual deve ser promovido à luz de uma argumentação jurídica cuidadosa, racionalmente fundamentada, a fim de evitar que decisões acerca de direitos fundamentais e suas colisões ocorram de forma arbitrária, no que ele nominou de decisionismo.

Lamentavelmente, a prática jurídica cotidiana revela que a jurisprudência pátria, notadamente a levada a efeito pelo Supremo Tribunal Federal, apesar de adotar com entusiasmo os critérios propostos por Alexy, olvidam essa última advertência do jurista alemão acerca da necessidade de fundamentação racional dos juízos de ponderação, com o que se prejudica um dos magnos propósitos de sua obra, que é justamente conferir mais segurança e previsibilidade das decisões judiciais que envolvam tais colisões.

Assim, considerando sua projeção e recepção entre os juristas pátrios, adotar-se-á, como ponto de partida, a teoria alexyana acerca das normas de direitos fundamentais, para investigar acerca de sua proposta de sopesamento entre princípios colidentes. Buscar-se-á identificar as insuficiências na utilização prática de suas ideias, para, em seguida, propor um novo método apto a conferir maior objetividade às ponderações realizadas nesse âmbito, utilizando-se, para tanto, do instrumental disponibilizado pela análise econômica do direito.É um ramo de investigação ainda pouco difundido no Brasil,que prega a necessidade de interação entre o direito e a economia. Visa trazer maior eficiência às decisões, o que permitirá maximizar – para já introduzir um termo do jargão econômico – as utilidades decorrentes da concretização dos direitos fundamentais, o que significa efetivá-lo na maior medida possível em face das limitações fáticas e jurídicas que lhe são inerentes.

Com este propósito, este trabalho constará de cinco capítulos, sendo esta introdução o primeiro. No segundo, será traçado um panorama das ideias de Alexy, em cotejo com as de Ronald Dworkin, acerca das normas jurídicas e sua especialização entre regras e princípios, para, constatando a inexorabilidade da colisão entre os últimos, analisar os critérios por ele propostos para uma solução racional. Abordará ainda o papel da proporcionalidade nessas sendas, para, em sequência, identificar a insuficiência prática da aplicação de suas idéias no judiciário nacional, tomando como paradigma decisões do Supremo Tribunal Federal.

No terceiro, serão fixados os contornos da análise econômica do direito, a partir de sua contextualização histórica e filosófica. Considerando que é essencial para o jurista familiarizar-se com alguns conceitos econômicos, a fim de se desfazerem preconceitos quanto a tal empresa, serão delineados os principais postulados da ciência econômica, a fim de permitir a compreensão dos benefícios que trará uma interação entre o direito e a economia.

No quarto capítulo, será tratado especificamente da aplicação da análise econômica do direito para o aperfeiçoamento dos critérios de ponderação entre direitos fundamentais, propondo-se ser este um caminho mediante o qual se logrará mais facilmente atingir a eficiência que, como se demonstrará, é essencial para o atingimento do valor maior do direito, a justiça.Por fim, virá a conclusão, sintetizando as principais ideias expostas ao longo do trabalho.


2DIREITOS FUNDAMENTAIS ENTRE REGRAS E PRINCÍPIOS

A Teoria dos Direitos Fundamentais, do jusfilósofo alemão Robert Alexy, publicada originalmente em 1985, ganhou notoriedade mundial como uma das obras mais influentes sobre o tema. Sua tese principal postula que as normas de direitos fundamentais possuem eminentemente caráter principiológico– do que decorre toda a sua explanação posterior –,o que vai culminar na necessidade de sopesamento quando direitos fundamentais, em concreto, entram em conflito[1].

Para Alexy, “não faltam indícios de que a distinção entre regras e princípios desempenham um papel fundamental no contexto dos direitos fundamentais”[2]. Mas reconhece que “o que falta é uma distinção precisa entre regras e princípios e uma utilização sistemática dessa distinção”[3], o que vai de encontro à clareza conceitual, ausência de contradição e coerência, pressupostos básicos de racionalidade de toda ciência[4]. Dessa forma,logo no início de sua obra (no capítulo II, para ser exato) ele se dedica a cunhar sua visão acerca do tema.

Ele deixa clara a relevância da distinção[5]:

Para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante delas [das diferenciações teorético-estruturais da norma de direito fundamental] é a distinção entre regras e princípios. Essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. [...] Nesse sentido, a distinção entre regras e princípios é uma das colunas-mestras do edifício da teoria dos direitos fundamentais.

Para bem compreender a ideação de Robert Alexy acerca da distinção entre regras e princípios no contexto dos direitos fundamentais, é relevante abordar alguns aspectos da teorização de Ronald Dworkin, tendo em vista que foi a partir de suas ideias que o debate contemporâneo acerca de regras e princípios ganhou relevo. Ademais, a doutrina do alemão acerca do tema compartilha boa parte da concepção do americano, sobre a qual construiu a parte mais abrangente de sua teoria dos direitos fundamentais.

Em que pese o tema da definição das espécies normativas já remonte a vários autores[6], foiDworkin que, contemporaneamente, visou definir fronteiras nítidas entre as duas espécies normativas, antes fugidias. Seu propósito, francamente declarado, era opor-se ao positivismo, tomando por parâmetro a obra de Hart, considerada “poderosa” não apenas por causa de sua clareza e elegância, mas também porque considerações sobre sua teoria devem ser ponto de partida de qualquer pensamento da filosofia jurídica[7]. Nesse sentido, aduziu[8]:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

I want to make a general attack on positivism, and I shall use H.L.A. Hart’s version as a target, when a particular target is needed. My strategy will be organized around the fact that when lawyers reason or dispute about legal rights and obligations, particularly in those hard cases when our problems with these concepts seem most acute, they make use of standards that do not function as rules, but operate differently as principles, policies, and other sort of standards. Positivism, I shall argue, is a model of and for a system of rules, and its central notion of a single fundamental test for law forces us to miss the important roles of these standards that are not rules.

Dworkin identifica três teses básicas do positivismo[9], que podem ser assim resumidas: a) regras não são identificadas como tal por seu conteúdo, mas por seu pedigree, ou seja, pela maneira como são adotadas ou desenvolvidas, de modo a identificar as regras válidas e distingui-las das inválidas e das não-jurídicas; b) o direito é um catálogo exaustivo de regras, de modo que se um caso não for contemplado por nenhuma regra, cabe a uma autoridade, como um juiz, decidir discricionariamente, caso em que este vai além da lei para criar uma nova regra ou suplementar uma existente; c) obrigações jurídicas e direitos só existem em razão das regras[10].

Assim, segundo seu entendimento, o modelo de regras e princípios têm as seguintes características: a) sistemas jurídicos são compostos de regras e princípios (além de “políticas” e “outros padrões”); b) os juízes não têm margem de discricionariedade na decisão, salvo nos casos difíceis (hard cases); c) juízes não criam direitos com as decisões, apenas fixam direitos já existentes[11].

Para Dworkin, regras e princípios diferenciam-se no sentido de que as regras são aplicáveis à moda do tudo-ou-nada(all-or-nothing fashion), ou seja, preenchidos os pressupostos para sua aplicação, ou ela é válida, e se a aplica, ou é inválida, e não é o caso de mantê-la no ordenamento jurídico. Já os princípios não determinam absolutamente a decisão, mas contêm fundamentos a ser conjugados com os decorrentes de outros princípios. Isto significa dizer que princípios têm uma dimensão de peso: em caso de conflito, o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem torná-lo inválido. São suas palavras[12]:

The difference between legal principles and legal rules is a logical distinction. Both sets of standards point to particular decisions about legal obligation in particular circumstances, but they differ in the character of the direction they give. Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which case it contributes nothing to the decision.

[…]

Principles have a dimension that rules do not - the dimension of weight

or importance. When principles intersect […], one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each.

Do exposto, observa-se que, para Dworkin, existe uma diferenciação baseada em uma estrutura lógica, entre regras e princípios. Embora Alexy parta da distinção cunhada pelo americano, com ele compartilhando parte das conclusões, dele se aparta quanto aos desdobramentos dessa teoria. Não se abordará aqui tais desdobramentos, pois os pontos apresentados são suficientes para o propósitos deste trabalho[13].

2.1 PRINCÍPIOS E REGRAS NA CONCEPÇÃO DE ROBERT ALEXY

Embora o conceito de normas jurídicas seja essencial para o Direito, sua conceituação não é fácil, nem isenta de controvérsias. Contudo, considerando que a presente exposição é lastreada na concepção alexyana, examinar-se-á basicamente o seu conceito de norma, identificado como semântico. Nesse sentido, Alexy parte da já tradicional distinção entre norma e enunciado normativo, considerado este como a expressão textual daquela[14]. Nesse sentido,“norma é, portanto, o significado de um enunciado normativo”[15].

Quando um enunciado normativo utiliza-se, em sua formulação, dos modais deônticos (permitido, proibido, obrigado), diz-se que se está diante de um enunciado deôntico, “o último estágio antes da apresentação da estrutura lógica das normas por meio de uma linguagem baseada em fórmulas”[16]. Assim, norma seria toda prescrição que pudesse ser expressa como enunciado deôntico.

Com essa concepção, a teoria de Alexy logra unificar, sob o conceito genérico de norma, as espécies regra e princípio, eis que ambos podem ser formulados como enunciados deônticos. Em suas palavras[17]:

Tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio das expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de norma.

Contudo, tais espécies normativas guardam relevantes peculiaridades, pelo que “essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito dos direitos fundamentais e uma chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais”[18].

Alexy rejeita as concepções anteriores sobre a distinção entelada[19], defendendo que princípios são mandados de otimização, ou seja, “são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”[20]. Podem, pois, ser satisfeitos em graus variados, em virtude não só dos fatos (possibilidades fáticas), mas também dos princípios jurídicos e regras colidentes (possibilidades jurídicas).

Para conceituar regras, por sua vez, Alexy não discrepa do entendimento de Dworkin, acima referido. Para ele, “regras são normas que são sempre satisfeitas ou não são satisfeitas. Se uma regra vale, deve-se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos”[21].

2.2    CRITÉRIOS PARA SOLUÇÃO DA COLISÃO ENTRE PRINCÍPIOS

Atualmente, já é fartamente aceito que as normas definidoras de direitos fundamentais ostentam caráter marcadamente principiológico. Mesmo as regras de direitos fundamentais, em seu entender, ostentam um caráter duplo, se forem construídas de forma a contemplar, na sua própria estrutura, uma cláusula restritivacom a estrutura de princípios (relativa à primazia de princípios colidentes), caso em que estará sujeita a sopesamentos[22].

 Dessa constatação, decorrem inúmeras consequências relevantes, dentre as quais, a necessidade de ponderaçãoentre princípios quando, em um dado caso concreto, há um conflito entre eles. Contudo, apesar de aceita tal ideação, ainda reina controvérsia acerca da forma como tal ponderação pode ser racionalmente realizada.

A solução de um conflito entre regras implica que, ou se estabelece uma exceção a uma das regras, de modo a afastar a situação fática de sua incidência, ou se declara a invalidade de pelo menos uma das normas em conflito – o que trará como consequência sua expulsão do ordenamento jurídico. Isto porque, ao contrário dos princípios, o juízo sobre a validade de uma regra não é graduável, uma vez que não se admitem dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si[23].

A forma pela qual esse conflito será dirimido não é relevante para a sua caracterização como regra. Assim, podem ser usados os critérios clássicos da cronologia, especialidade ou hierarquia, ou da importância das regras em conflito; o que é imprescindível é que seja decidida qual regra permanece, e qual deve ser declarada inválida.

A seu turno, a colisão entre princípios é solucionada de forma inteiramente diversa. Em situações tais, um dos princípios terá que ceder, diante das circunstâncias do caso concreto. Daí afirmar-se que “um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições, a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta”[24]. A partir da identificação das condições sob as quais determinado princípio tem “mais peso” do que outro – os quais, a priori, estão no mesmo nível –pode-se extrair uma regra. Essa operação é regida pela lei de colisão.

As condições acima mencionadas constituirão os fatos sob os quais um dos princípios prevalecerá sobre o outro. Dessa forma, conclui-se que tais condições correspondem ao suporte fático de uma regra, a expressar a relação de precedência entre os princípios em conflito. Assim, utilizando-se da formulação lógica de Alexy, se sob as condições C­1 o princípio P1 tem mais peso que P2, sob as condições C2 é possível que P2 tenha a preferência[25].

Essa é a chamada lei de colisão, expressa, nas palavras de Alexy, como “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência”[26].

Tratando-se os princípios envolvidos de normas de direito fundamental, então as regras derivadas da lei de colisão são consideradas normas de direito fundamental atribuídas[27], pois possuem fundamentação diretamente referida a direitos fundamentais. Diante disso, “como resultado de todo sopesamento que seja correto do ponto de vista dos direitos fundamentais pode ser formulada uma norma de direito fundamental atribuída, que tem estrutura de uma regra e à qual o caso pode ser subsumido”[28].

Compreendido que a relação de preferência entre princípios, ao contrário das regras, somente pode ser aferida diante das condições de preferência, à luz do caso concreto posto à apreciação, cumpre examinar agora o procedimento pelo qual se analisam tais condições e os princípios envolvidos. A esse momento, tem lugar a análise da máxima da proporcionalidade, que tem por escopo racionalizar tal processo de sopesamento.

2.3 MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE

A proporcionalidade[29], que tem íntima conexão com a teoria dos princípios, pois decorre da própria natureza dessa espécie normativa, é constituída a partir de três máximas parciais e possui uma estrutura de aplicação racionalmente definida, segundo uma ordem pré-determinada: a análise da adequação precede a da necessidade, que, por sua vez, precede a da proporcionalidade em sentido estrito. É justamente nessa subsidiariedade que reside a razão de ser da divisão em máximas parciais[30].

Na lição de Humberto Ávila, a adequação “exige uma relação empírica entre o meio e o fim: o meio deve levar à realização do fim”[31]. Virgílio Afonso da Silva, por sua vez, complementa essa ideia, acrescentando queadequado “não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado”[32]. Assim, “uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido”[33].

A necessidade pode ser conceituada como a impossibilidade de promoção do objetivo pretendido, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido[34].

Por fim, a proporcionalidade em sentido estrito impõe “um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”[35]. Em outras palavras, “o exame da proporcionalidade em sentido estrito exige a comparação entre a importância da realização do fim e a intensidade da restrição aos direitos fundamentais”[36]. Para que uma medida seja considerada desproporcional em sentido estrito, “basta que os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental atingido”[37].

Alexy constata, com razão, que os exames da adequação e da necessidade referem-se aos pressupostos fáticos de aplicação da norma[38], ou seja,“decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas”[39]. Isto porque, como visto, tais análises sempre exigirão apreciação das circunstâncias de fato, a fim de aferir as consequências e custos da decisão e das potenciais alternativas.

Já o exame da proporcionalidade em sentido estrito decorre da relativização em face das possibilidades jurídicas, é saber, envolve uma análise da norma (princípio) que fundamenta a decisão em face das normas (princípios) colidentes, num exame tipicamente deontológico.

Virgílio Afonso da Silva diagnostica bem essa relação[40]:

Qual é a relação entre a otimização diante das possibilidades fáticas e a regra da proporcionalidade? As possibilidades fáticas dizem respeito às medidas concretas que podem ser utilizadas para o fomento e a proteção de direitos fundamentais. Se para o fomento do princípio P1, há duas medidas estatais, M1 e M2 que são igualmente adequadas para esse fim, mas M1 restringe um outro direito fundamental P2, é de se admitir que a otimização desse princípio P2 exija que seja empregada a medida M2. Essa conseqüência da otimização de P2 em relação às possibilidades fáticas presentes nada mais é do que a já analisada sub-regra da necessidade.

Já o exame da terceira sub-regra – a proporcionalidade em sentido estrito – nada mais é do que um mandamento de ponderação ou sopesamento [...]. Quando dois ou mais direitos fundamentais colidem, a realização de cada um deles depende do grau de realização dos demais e o sopesamento entre eles busca atingir um grau ótimo de realização para todos. A otimização de um direito fundamental, nesse caso, vai depender das possibilidades jurídicas presentes, isto é, do resultado do sopesamento entre os princípios colidentes, que nada mais é do que a sub-regra da proporcionalidade em sentido estrito.

Ao se qualificar os princípios como normas que pressupõem ponderação, diante do caso concreto, para se aferir qual possui mais peso, a máxima da proporcionalidade surge como mecanismo natural para tal aferição, decorrendo da própria estrutura dos direitos fundamentais. “A análise da proporcionalidade é justamente a maneira de se aplicar esse dever de otimização ao caso concreto. E por isso que se diz que a regra da proporcionalidade e o dever de otimização guardam uma relação de mútua implicação”[41].

Interessante notar, por oportuno, que a racionalidade do processo de sopesamento, na visão de Alexy, está condicionada à fundamentação da decisão. Comessa ideia, ele busca refutar as críticas dos que imputam à sua teoria a pecha de modelo aberto e irracional.

Expressamente, ele reconhece que “se o sopesamento se resumisse à formulação de um tal enunciado de preferências e, com isso, à determinação da regra relacionada ao caso – que decorre desse enunciado –, o sopesamento, de fato, não representaria um procedimento racional”[42]. Para ele, tal seria um modelo decisionista, que não se pode confundir com o modelo fundamentado que ele propõe.

O modelo fundamentado, ainda em suas palavras[43],

distingue entre o processo psíquico que conduz à definição do enunciado de preferência e sua fundamentação. Essa diferenciação permite ligar o postulado da racionalidade do sopesamentoà fundamentação do enunciado de preferência e afirmar: um sopesamento é racional quando o enunciado de preferência, ao qual ele conduz, pode ser fundamentado de forma racional.

Ou seja, Alexy desloca o problema da racionalidade do sopesamento para a fundamentação racional dos enunciados das regras de direito fundamental atribuídas que estabelecem a preferência condicionada entre princípios colidentes. Tal fundamentação deve basear-se no que ele chama de lei do sopesamento, assim enunciada: “quanto maior for o grau de não-afetação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”[44].

Assim, conclui ele que[45]:

Ainda que o sopesamento em si não estabeleça um parâmetro com o auxílio do qual os casos possam ser decididos de forma definitiva, o modelo de sopesamento como um todo oferece um critério, ao associar a lei de colisão à teoria da argumentação jurídica racional. A lei de colisão diz o que deve ser fundamentado de forma racional. Nesse sentido, não se pode dizer que ela nada diz e que é, portanto, uma fórmula vazia. A recorrente objeção do irracionalismo já foi refutada (grifos no original).

Veja-se como Alexy insiste em afirmar que a racionalidade de sua proposta repousa na coerente fundamentação da regra que estabelece a preferência condicionada de um princípio em face do princípio colidente. Interpretando, pois, a contrario sensu, suas palavras, é forçoso reconhecer que em sua obra encontram-se elementos para tachar de irracionais decisões, que, a pretexto de aplicar a técnica do sopesamento, não logram fundamentar-se coerentemente, à luz de sólida argumentação jurídica, em face dos condicionantes fáticos e jurídicos do caso posto à decisão.

2.4 SOPESAMENTO: ENTRE A TEORIA E A PRÁTICA

Lamentavelmente, sói acontecer no Brasil a prolação de decisões que olvidam essa passagem da teoria alexyana, em algo que se pode identificar como uma adoção mutilada da sua teoria dos direitos fundamentais. Já é arraigada a consciência nos tribunais pátrios das grandes linhas da teoria de Alexy, ou seja, que direitos fundamentais têm natureza principiológica; que a ocorrência de colisão entre eles é frequente; e que a ponderação é uma técnica viável para a solução de tais conflitos. Contudo, a concomitante adoção da exigência de fundamentação racional em termos de argumentação jurídica ainda não encontrou ressonância devida.

Nesse sentido, Virgílio Afonso da Silva traçou um interessante diagnóstico do uso da máxima (para ele, regra) da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (STF). São suas palavras[46]:

O recurso à regra da proporcionalidade na jurisprudência do STF pouco ou nada acrescenta à discussão e apenas solidifica a idéia de que o chamado princípio da razoabilidade e a regra da proporcionalidade seriam sinônimos. A invocação da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras decisões, sempre que se queira afastar alguma conduta considerada abusiva, recorre·se à fórmula "à luz do principio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional” (grifos no original).

 O mesmo autor traz uma série de exemplos para demonstrar a sua afirmação, no sentido de que o “princípio da proporcionalidade”, apesar de ser considerado “de fundamental importância para o deslinde constitucional da colisão de direitos fundamentais”, limita-se a ser meramente citado pelo STF, sem lançar mão de nenhum procedimento estruturado de controle nos casos a ele submetidos[47]– tal como defendido por Alexy – e, dessa forma, não prestigia os postulados da racionalidade.

O raciocínio do pretório excelso “costuma ser muito mais simplista e mecânico. Resumidamente: a constituição consagra a regra da proporcionalidade; o ato questionado não respeita essa exigência; o ato questionado é inconstitucional”[48].

Para demonstrar sua constatação, o citado professor enumera algumas decisões nas quais esse silogismo é aplicado. Alguns serão aqui vistos.

COMPETÊNCIA - JUIZADOS ESPECIAIS - COMPLEXIDADE DA CAUSA. [...] CONSÓRCIO - DESISTÊNCIA - DEVOLUÇÃO DE VALORES - CORREÇÃO MONETÁRIA. Mostra-se consentâneo com o arcabouço normativo constitucional, ante os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, decisão no sentido de, ao término do grupo, do fechamento respectivo, o consorciado desistente substituído vir a receber as cotas satisfeitas devidamente corrigidas. Descabe evocar cláusula do contrato de adesão firmado consoante a qual a devolução far-se-á pelo valor nominal. Precedente: Verbete nº 35 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: "Incide correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição em virtude de retirada ou exclusão do participante de plano de consórcio" (grifos acrescidos).

(RE 175161, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 15/12/1998, DJ 14-05-1999 PP-00019 EMENT VOL-01950-03 PP-00464).

No curto voto, de apenas duas laudas, encontra-se referência ao termo proporcionalidade apenas duas vezes, sempre acompanhado do termo razoabilidade. Não há, no voto, nenhuma referência aos caminhos percorridos para dizer que a norma contratual que proíbe a incidência de correção monetária na restituição das parcelas pagas por consorciado inadimplente ao final do grupo era desproporcional.

A mesma situação ocorreu no acórdão assim ementado:

ELEIÇÕES - CANDIDATOS - NÚMERO - DEFINIÇÃO. Ao primeiro exame, não surge a relevância de pedido no sentido de suspender-se preceito de lei que vincula o número de candidatos por partido às vagas destinadas à representação do povo do Estado na Câmara dos Deputados. Harmonia do preceito do § 2º do artigo 10 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, regedora das eleições de 1998, com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade ínsitos na Carta da República (grifos acrescidos).

(ADI 1813 MC, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 23/04/1998, DJ 05-06-1998 PP-00002 EMENT VOL-01913-01 PP-00063).

Também num voto de duas laudas, dessa feita o termo proporcionalidade foi utilizado, conjuntamente com razoabilidade, apenas uma vez, sem qualquer menção aos critérios de proporcionalidade, numa argumentação racional. Outros acórdãos são ainda citados pelo professor Virgílio Afonso da Silva, a exemplo dos acórdãos HC 76.060-4 e ADI 1407-2[49].

Assim, esvazia-se a ideia de sopesamento, criada justamente para reforçar a carga argumentativa da decisão.Faz-se resumir, destarte, tal questão a uma invocação genérica do princípio da proporcionalidade, com o que se recai no modelo decisionista, criticado até mesmo por Alexy, como analisado supra.

Nessa esteira, é de se destacar a necessidade da adoção de parâmetros mais objetivos, intersubjetivamente controláveis, para fundamentar o sopesamento realizado nos tribunais, sobretudo em se considerando que o órgão de cúpula do judiciário brasileiro, como demonstrado, não tem sido sensível à necessidade de fundamentação racional nesse âmbito.

Diante desse fluxo, pretende-se sugerir uma nova classe de argumentos, de grande prestígio no direito americano, mas ainda pouco versada no Brasil, que têm por pretensão tornar mais exata a análise das condicionantes fáticas e jurídicas a que Alexy se reporta com frequência. Tal abertura é dada pelo próprio autor, quando assevera que:

[...] a fundamentação de enunciados de preferências é uma fundamentação de regras relativamente concretas, que devem ser atribuídas às disposições de direitos fundamentais. Para a sua fundamentação podem ser utilizados todos os argumentos possíveis na argumentação constitucional. Mas a possibilidade de uso de argumentos semânticos fica excluída nos casos em que com a própria constatação da colisão já se decide, a partir do teor literal da Constituição, acerca da aplicação das disposições constitucionais em questão. Já os demais cânones da interpretação e argumentos dogmáticos, precedentes, argumentos práticos e empíricos em geral, além de formas específicas de argumentação jurídica, podem sempre ser utilizados (grifos acrescidos).

Dessa forma, considerando que a teoria de Alexy tem abertura para a introdução de elementos de argumentação, defender-se-á a utilização da metodologia da análise econômica do direito, prenhe do instrumental auferido das ciências econômicas, com os quais se busca conferir maior segurança e precisão na investigação das soluções de conflitos entre direitos fundamentais.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Lucas Hayne Dantas Barreto

Procurador Federal. Professor de Direito Administrativo na Faculdade Ruy Barbosa. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito do Estado. Membro do Instituto de Direito Administrativo da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Racionalidade do processo de solução de colisões entre direitos fundamentais à luz da análise econômica do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3245, 20 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21780. Acesso em: 22 dez. 2024.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos