Artigo Destaque dos editores

Racionalidade do processo de solução de colisões entre direitos fundamentais à luz da análise econômica do direito

Exibindo página 2 de 4
20/05/2012 às 17:23
Leia nesta página:

3 A ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Aanálise econômica do direito propõe-se a construir um estudo interdisciplinar, a partir da aplicação da teoria econômica à análise e evolução da realidade legal.No entanto, cumpre destacar que um estudo interdisciplinar envolvendo direito e economia não é algo exclusivo dessa abordagem. No campo do direito econômico, já há muito se praticava essa relação, justamente em face de seu objeto: a ordenação da atividade econômica. Contudo, a perspectiva é diversa, como bem observou Letácio Jansen[50]:

[...] poderíamos dizer, portanto, que, assim como o Direito Econômico trata da intervenção do Estado no domínio econômico (versando, de um modo geral, sobre normas organização), a Análise Econômica do Direito, voltada, prioritariamente, para o exame das normas de conduta, dedicar-se-ia ao estudo da “intervenção” da Economia no Estado.

[...]

No fundo, porém, estamos, nos dois casos, diante do problema da relação do Direito com a Economia [...].

A análise econômica do direito, portanto, não se confunde com o direito econômico. Sua proposta é mais ampla, de modo que pode ser conceituada como “o movimento filosófico que visa analisar, com base no racionalismo econômico, o comportamento humano decorrente de uma norma jurídica (seja ela geral e abstrata, seja individual e concreta)”[51]. Sua finalidade é “descobrir e esclarecer os efeitos econômicos dos contratos, decisões judiciais e leis, sob a perspectiva da eficiência econômica, de maior utilidade geral”[52].

Na mesma esteira, afirma Ivo Gico Júnior[53]:

A Análise Econômica do Direito nada mais é que a aplicação do instrumental analítico e empírico da economia, em especial da microeconomia e da economia do bem-estar social, para se tentar compreender, explicar e prever as implicações fáticas do ordenamento jurídico, bem como da lógica (racionalidade) do próprio ordenamento jurídico. Em outras palavras, a AED é a utilização da abordagem econômica para tentar compreender o direito no mundo e o mundo no direito.

Essa reformulação econômica do direito significa colocar, no centro dos estudos jurídicos, os problemas relativos à suaeficiência e do custo dos instrumentos jurídicos na busca de seus fins ou das consequências econômicas das intervenções jurídicas[54]. A aplicação da metodologia econômica, pois, não está mais restrita a apenas um ramo específico do direito, mas se alastra por todas as suas áreas, inclusive, como interessa particularmente ao presente trabalho, como auxiliar na solução de colisões entre normas de direitos fundamentais.

2.5 CONTEXTUALIZAÇÃO

O namoro entre o direito e a economia remonta a longa data. Pelo menos desde 1764, ano da publicação de “Dos delitos e das Penas”, identificava-se uma relação entre sanções jurídicas e sistema de incentivos (no caso, desincentivo ao cometimento de crimes). Nesse clássico, Cesare Beccaria já intuía que o homem, como ser racional, agia conforme seus próprios interesses[55], que as penas determinavam suas escolhas[56],e formulava perguntas que hoje constituem típico objeto de uma análise econômica[57].

Nessa mesma linha, Jeremy Bentham, em “An Introduction to the The Principles of Moral and Legislation”, de 1789, estatuiu que a finalidade de toda lei é, ou deveria ser, aumentar a felicidade total da comunidade[58]. Como toda sanção tende a diminui-la, ela só se justifica dos casos em que possa evitar um mal maior[59]. Trata-se de consequência de seu utilitarismo: o homem sempre buscaria maximizar a sua felicidade. Logo, a sanção, ao aumentar a dor das consequências da prática de um crime, desestimularia o indivíduo a praticá-lo.

Mas foi com Adam Smith que o casamento entre as disciplinas foi mais forte. Sua conhecida “A Riqueza das Nações”(1776), marco da teoria econômica, era, em verdade, apenas uma parte de uma teoria mais geral, que inclui o direito, refletida nas suas “Lectures on Jurisprudence”, que não chegaram a ser concluídas[60].

Podem ainda ser encontradas referências sobre injunções da economia sobre o direito em outras obras influentes do pensamento ocidental, dentre as quais se destaca a de Marx (O Capital,de 1861) e de Weber (Economia e Sociedade, de 1913).

Contudo, entre as décadas de 1920 e 1960, verificou-se um isolamento entre o direito e a economia. Dentre as razões identificadas para esse divórcio, encontram-se a associação, pelos economistas, do estudo do direito ao trabalho dos institucionalistas, então visto como legalístico e carente de rigor. Ademais, foi relevante o papel da transformação da economia em ciência empírica, por força da influência do positivismo, associado ao uso da matemática nos seus modelos teóricos, assim considerado inadequado para abordagem do direito e das instituições[61].

Esse divórcio entre direito e economia tem produzido consequências práticas desfavoráveis, sobretudo no direito, a ponto de ter sido diagnosticada um“profundo e esquizofrênico abismo entre o Direito, os direitos e a realidade”[62]. De igual sorte, tal modo de proceder tira o direito da “linha de frente” na influência sobre escolhas de novas políticas, de medidas para enfrentar crises, e do planejamento estratégico do Estado[63].

A partir de 1960, contudo, tem lugar um movimento que visa reconciliar o direito e a economia para o estudo de efetivas soluções eficientes para a sociedade. De um lado, procura dotar a economia de maiores condições de influir na realidade, de outro, trazer de volta o direito de seu nível excessivo de abstração para dotá-lo de relevância prática, algo que se vinha, paulatinamente, perdendo.

O reencontro entre o direito e a economia surge a partir da década de 1960, tendo sido o marco dessa reconciliação a publicação do artigo “The Problem of Social Cost”, de autoria do economista Ronald Coase, no prestigioso “Journal of Law and Economics”, periódico editado pela Universidade de Chicago[64].Cinco meses depois, foi publicado o artigo “Some Thoughts on Risk Distribution and the Law of Torts”,no “The Yale Law Journal”,de autoriade Guido Calabresi[65], tido como “o primeiro esforço sistemático feito por um jurista para analisar a lei dos torts do ponto de vista econômico”[66].

O movimento é consolidado com a publicação, em 1973, da obra “Economic Analysis of Law”, de autoria de Richard Posner, considerado o primeiro tratado da área, que reuniu as principais teses da tendência predominante polarizada na Escola de Chicago[67]. Sua relevância consistiu na sistematização geral e aplicação das ferramentas da disciplina a um vasto número de ramos do direito, indo além daqueles já normalmente associados à economia. Sua proposta foi explicar a natureza das doutrinas legais a partir do conceito de eficiência econômica, ainda que as mesmas carecessem de fundamentação econômica explícita[68].

O surgimento da análise econômica do direito dá-se num período de reação ao positivismo jurídico, ideal de direito inspirado nos paradigmas da modernidade. Num contexto que remonta ao iluminismo, a ciência, apoiada na razão, veio para substituir os anteriores referenciais teológicos cristãos, o que culminou por entronar a ciência como campo mais “valioso” do conhecimento humano.O direito não ficou alheio a essas tendências, e passou a reivindicar o statuscientífico. Um divisor de águas nesse movimento foi Hans Kelsen, que escancara seu projeto cientificista logo no prefácio à primeira edição de sua Teoria Pura do Direito[69].

Contudo, o evolver histórico encarregou-se de demonstrar as fragilidades desse paradigma. A concepção positivista de aproximação entre direito e norma, a crença de que haveria uma solução racional para cada caso, com efeito, nada mais do que ocultava uma realidade caótica, assistemática, que insistia em se revoltar contra os códigos.

Nessaesteira, surgiram várias respostas ao positivismo jurídico, dentro os quais é relevante citar, para efeitos deste trabalho, o Realismo Jurídico norte-americano, que clamava pela interdisciplinaridade com as demais ciências, para aproximar o direito da realidade social, e pelo abandono do formalismo estéril. A análise econômica do direito é fruto direto dessa ideação[70], ao lado da Critical Legal Studies, embasados na perspectiva política, e as teorias rights-based, lastreadas na filosofia moral e política[71].

Já nos países de tradição europeia-continental, a maior reação aos postulados do positivismo é identificada como o neo-constitucionalismo, que visa denunciar a insuficiência do raciocínio lógico formal e lidar com questões valorativas. Seu foco é a reaproximação do direito com a moral, por meio da constitucionalização principiológica do direito, no que se aparta do antigo jusnaturalismo, pois os valores são buscados no próprio ordenamento, e não e uma ordem superior[72].

Assim, o neo-constitucionalismo defende a necessidade de espaço para escolhas além da regra legal, mas carece de acordo quanto à metodologia a ser aplicada na tomada de decisões, com vistas a conferir-lhe um mínimo de racionalidade[73]. Não há, ademais, foco nas consequências reais das leis e decisões, muitas vezes expressamente relegadas a outros campos do saber[74].

Nesse sentido, a análise econômica do direito começa a ser discutida no Brasil como uma metodologia intersubjetivamente controlável, apta a contribuir significativamente para a compreensão de fenômenos sociais e que auxilie na tomada racional de decisões jurídicas[75]. A esse respeito, manifesta-se Ivo Gico Júnior[76]:

Em resumo, é exatamente nesse aspecto que a Análise Econômica do Direito oferece sua maior contribuição do ponto de vista epistemológico jurídico. Se a avaliação da adequação de determinada norma está intimamente ligada às suas reais conseqüências sobre a sociedade (conseqüencialismo), a juseconomia se apresenta como uma interessante alternativa para esse tipo de investigação. Primeiro, porque oferece um arcabouço teórico abrangente, claramente superior à intuição e ao senso comum, capaz de iluminar questões em todas as searas jurídicas, inclusive em áreas normalmente não associadas como suscetíveis a este tipo de análise. Segundo, porque é um método de análise robusto o suficiente para o levantamento e teste de hipóteses sobre o impacto de uma determinada norma (estrutura de incentivos) sobre o comportamento humano, o que lhe atribui um caráter empírico ausente no paradigma jurídico atual. E terceiro, porque é flexível o suficiente para adaptar-se a situações fáticas específicas (adaptabilidade) e incorporar contribuições de outras searas (inter e transdisciplinariedade), o que contribui para uma compreensão mais holística do mundo e para o desenvolvimento de soluções mais eficazes para problemas sociais em um mundo complexo e não-ergódigo.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

2.6   FUNDAMENTOSda ECONOMIA

Embora o senso comum tenda a associar o estudo da economia a dinheiro e questões como desemprego, inflação e taxa de juros, deve-se deixar claro que a economia vai muito além do estudo dessas variáveis. Segundo Vasconcellos e Garcia[77],

Economia é a ciência social que estuda como o indivíduo e a sociedade decidem (escolhem) empregar recursos produtivos escassos na produção de bens e serviços, de modo a distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, a fim de satisfazer as necessidades humanas.

É um postulado básico da economia que, em qualquer sociedade, os recursos ou fatores de produção são escassos, enquanto as necessidades humanas são ilimitadas e se renovam constantemente. Isso obriga a sociedade a escolher entre alternativas de produção e de distribuição dos resultados da atividade produtiva aos vários grupos da sociedade[78].

Como visto, a economia tem por pretensão, antes de tudo, orientar a escolha humana em um cenário de escassez. Assim toda forma de comportamento humano que requeira a tomada de uma decisão é abrangida no objeto da moderna ciência econômica[79].

Nesse sentido, é a lição de Lionel Robbins[80]:

Here, then, is the unity of subject of Economic Science, the forms assumed by human behaviour in disposing of scarce means [...].Economics is the science which studies human behaviour as a relationship between ends and scarce means which have alternative uses.

A partir desse conceito, observa-se que o objeto da economia é bem mais amplo do que o senso comum permite crer. Tal extensão se deve ao fato de que a economia é caracterizada, antes de tudo, por ser um método de investigação, e não por ter um objeto específico, de modo que pode conciliar-se, assim, com o objeto próprio de outras ciências – bastando que aí exista a necessidade de tomada de uma decisão[81].

2.7  DIMENSÕES

À luz do exposto no item anterior, percebe-se que a economia pode fornecer os meios para a correta avaliação das consequências dos direitos, buscando responder indagações do tipo: as normas editadas trazem as consequências que dela se esperavam? Quais normas devem ser editadas para atingir determinada finalidade?

A essas duas questões correspondem duas dimensões distintas – mas inter-relacionadas – da análise econômica do direito, respectivamente, a positiva (o que é) e a normativa (o que deve ser). Enquanto a primeira se ocupa da análise do mundo dos fatos, através de um critério de verdade, a segunda responde a um critério de valor.

A análise econômica positiva do direito é voltada para a descrição de fatos passados e, através de projeções, antever como o ser humano se comportará diante de determinados fenômenos. À luz de conceitos microeconômicos, tal visão responde a indagações quanto aos efeitos de determinado enquadramento jurídico. Já a sua dimensão normativa analisa fatos sociais, regras morais e princípios éticos diante das instituições constantes da sociedade e das normas existentes, procurando formas de modificações destinadas à ampliação da eficiência, na busca do enquadramento jurídico mais adequado[82].

Interessante observar que a análise normativa, ao ser permeável a considerações valorativas, constitui uma ponte com o mundo do direito e sua ânsia por justiça. Nesse sentido, a análise econômica normativa do direito “procura investigar até que ponto a maximização da riqueza se relaciona com o ideal de justiça, constituindo uma fundação ética para o Direito. Neste contexto, tenta-se verificar até onde o Direito, enquanto ciência normativa, deve integrar relações de custo e benefício”[83].

Esclareça-se que, sob seu viés normativo, tal análise não servirá para isoladamente indicar quais consequências ou finalidades devem ser buscadas, as quais devem estar previamente estipuladas. A análise normativa depende de um objetivo para lhe servir de guia, para que possa aconselhar sobre o melhor meio de alcançar certa política pública[84].

Ademais, é de se observar que a análise normativa pressupõe uma análise positiva: não se pode sugerir a preferência por uma das opções sem antes se ter consciência da realidade como ela é. Essa é uma das mais fundamentais distinções entre o raciocínio juseconômico e o jurídico tradicional, que, por sua própria natureza, tem sua preocupação voltada apenas para questões deontológicas.

Carece o direito de um instrumental teórico que lhe permita compreender e prever o comportamento. Portanto, é fundamental explorar algumas categorias econômicas, que trarão mais luzes para a abordagem ora em tela.

2.8  POSTULADOS BÁSICOS

A análise econômica do direito repousa sobre alguns postulados básicos, tomados a partir da economia, de fundamental importância para seu correto manejo. Desta forma, arrolam-se, a seguir, os principais, a fim de traçar um panorama acerca da matéria com vistas a viabilizar a compreensão do instrumento posto à disposição do operador do direito.

2.8.1 Escolha Racional

O postulado primeiro da economia constitui-se sobre a racionalidade dos indivíduos, que efetuam suas escolhas sempre com vistas a maximizar o seu próprio interesse, ponderando os custos e os benefícios de cada alternativa. E, para tanto, reagem a incentivos[85].

A variação na estrutura de incentivos pode levar o indivíduo a alterar sua conduta, modificando o resultado de suas escolhas. Tal constatação é fundamental para a análise econômica do direito, pois, nesse contexto, todo o direito passa a ser visto como uma grande estrutura de incentivos. Se assim não fosse, o direito não teria grande utilidade, pois normas não teriam nenhuma influência sobre a vida das pessoas[86].

As escolhas humanas são sempre baseadas em suas preferências. A economia – e, portanto, a análise econômica do direito – não se ocupa em fazer juízos de valor acerca de tais preferências, nem procura saber suas razões. A existência de preferências é tomada como simples dado da realidade[87].

Em economia, racionalidade significa a capacidade para fazer escolhas consistentes, baseadas em preferências completas, transitivas e estáveis. Por completude, compreende-se a capacidade de elencar suas preferências dentre todas as alternativas disponíveis; por transitividade, a capacidade de ordenar logicamente as opções (se prefere A a B, e B a C, logo prefere A a C); por estabilidade, a presunção no sentido de que se as pessoas mudam de preferências, tal fato deve-se à mudança de algum fator externo, e não da própria preferência[88].

Tecnicamente, fala-se em preferência sob o signo da utilidade[89]: O indivíduo prefere a opção que lhe trará maior utilidade, pelo que se conclui que os indivíduos são maximizadores racionais de utilidade, ou seja, os indivíduos agem sempre buscando aumentar a sua própria satisfação, seus próprios interesses. É a concepção do homo economicus[90].

2.8.2        Utilidade

Utilidade, em sentido econômico, pode ser conceituado como “a qualidade que os bens econômicos possuem de satisfazer as necessidades humanas”[91]. Assim, indica a satisfação que uma pessoa tira de determinado bem. Como tal unidade é de difícil quantificação, já que varia subjetivamente, é possível, à luz do conceito do homo ecconomicus, ordenar as suas preferências.

É válido lembrar que utilidade não se restringe a dinheiro, mas a qualquer benefício que o indivíduo pretende obter. Nesse sentido, a clássica lição de Cooter e Ulen[92]:

Economists usually assume that each economic actor maximizes something: consumers maximize utility (i.e., happiness or satisfaction); firms maximize profits, politicians maximize votes, bureaucracies maximize revenues, charities maximize social welfare, and so forth. Economists often say that models assuming maximizing behavior work because most people are rational, and rationality requires maximization. Different people want different things, such as wealth, power, fame, love, happiness, and so on. The alternatives faced by an economic decision-maker give her different amounts of what she wants.

Uma derivação importante do conceito de utilidade é sua subdivisão em utilidade total e utilidade marginal. Utilidade total representa o somatório da satisfação obtida por todasas unidades consumidas, de modo que, quanto mais se consumir de determinado produto, maior a satisfação total. Por outro lado, a utilidade marginal se refere à satisfação adicional (na margem) obtida pelo consumo de mais uma unidade do bem. Enquanto a utilidade marginal tende a crescer com o consumo de novas unidades do bem, a utilidade marginal tende a decrescer, pois o consumidor vai perdendo a capacidade de percepção da utilidade proporcionada por mais uma quantidade do bem[93].

2.8.3        Equilíbrio e Eficiência

A respeito das escolhas, diz-se que, quando as mesmas são realizadas em um contexto social onde é possível a livre interação entre os indivíduos, que podem relacionar-se para realizar trocas por meio de barganhas, está-se no âmbito do mercado. É oportuno salientar que o contexto de mercado não pressupõe necessariamente troca de valores pecuniários. Em economia, “a referência a mercado significa pura e simplesmente o contexto social no qual os agentes poderão tomar suas decisões livremente, barganhando com os demais para obter o que desejam por meio da cooperação”[94].

Havendo possibilidade para livres trocas – ou seja, no mercado – a interação entre agentes maximizadores de utilidades os conduzirá à realização de trocas até que os custos para tanto se igualem aos benefícios auferidos, ponto a partir do qual não haverá mais interesse na sua realização. Esse é o chamado ponto de equilíbrio.

Equilíbrio, pois, pode ser definido como “o padrão de interação entre indivíduos que é alcançado quando todos os agentes estão maximizando sua utilidade simultaneamente, e de forma que nenhuma alteração no quadro possa implicar em incremento nessas utilidades”[95]. Esse padrão tende a permanecer, a menos que seja perturbado por forças externas[96].

O conceito de equilíbrio permite antever o resultado provável de uma alteração na estrutura de incentivos dos agentes. Por exemplo, ao alterar-se determinada norma jurídica – e, portanto, ao modificar-se a estrutura de incentivos – o ponto de equilíbrio será deslocado, o que levará os agentes à realização de novas interações até que o novo equilíbrio seja atingido.

Esse equilíbrio ao qual tende um livre mercado corresponde ao conceito de eficiência de Pareto, “que significa simplesmente que não existe nenhuma outra alocação de recursos tal que eu consiga melhorar a situação de alguém sem piorar a de situação outrem. Equilíbrios constituem, portanto, ótimos de Pareto”[97].

Deve-se notar também que uma situação perfeita de livre mercado é de rara verificação empírica. Aí o lugar das chamadas falhas de mercado, que incluem situações de concorrência imperfeita (monopólios, oligopólios, dentre outros), bens públicos (economicamente, são aqueles cuja utilização por uns não exclui sua utilização por outros)e externalidades (custos ou benefícios gerados para terceiros, que não participam da relação econômica).

Nesse sentido, a eficiência de Pareto deve ser encarada como uma tendência, a fim de conferir um valor preditivo à economia. Ao direito, pois, cabe acrescer à noção de eficiência de Pareto os critérios de justiça e equidade que lhe são próprios, considerando os efeitos das falhas de mercado, para que possa bem realizar seu papel social.

Importante observar que nem sempre uma situação Pareto-eficiente será justa segundo algum critério normativo. Contudo, uma situação que não guarda consonância com a eficiência de Pareto certamente será injusta, pois alguém poderia ter a sua situação melhorada sem que isso implicasse na piora da situação de outrem[98]. Em outras palavras, não há que se falar em justiça numa situação em que existe desperdício de recursos.

Assim, a eficiência é um critério essencial, mas não o único, a ser levado em conta na apreciação da justiça. É importante, para que se alcancem quaisquer fins considerados justos, que os meios sejam eficientes[99].

Tais afirmações são coerentes com a incapacidade da análise econômica do direito de dizer o que é justo ou injusto, certo ou errado, tendo em vista que tais categorias pertencem ao mundo dos valores, enquanto sua preocupação maior é com o mundo dos fatos. Contudo, tal método advoga que, não importa a política pública que venha a ser deliberada, sua execução deve-se dar de forma eficiente[100].

Nesse sentido, clara é a lição de Ivo Gico Júnior[101]:

Como dito, se os recursos são escassos e as necessidades potencialmente ilimitadas, todo desperdício implica necessidades humanas não atendidas, logo, toda definição de justiça deveria ter como condição necessária, ainda que não suficiente, a eliminação de desperdícios (i.e. eficiência). Não sabemos o que é justo, mas sabemos que a ineficiência é sempre injusta, por isso, não consigo vislumbrar qualquer conflito entre eficiência e justiça, muito pelo contrário, uma é condição de existência da outra.

A análise econômica do direito pode contribuir para a identificação do que é injusto (no caso, ineficiente), bem como para balizar os parâmetros de ponderação entre as alternativas disponíveis, a partir da identificação das reais consequências da adoção de cada uma das opções. Não se pode tomar responsavelmente uma decisão sem consciência de seus reais custos e benefícios a serem alcançados[102].

2.8.4        Custos de oportunidade

Toda escolha pressupõe um custo, identificado por custo de oportunidade, correspondentes à utilidade da segunda opção, que foi preterida em face da efetivamente adotada. Tendo em vista a limitação de recursos, toda escolha importa em renúncia às alternativas[103], razão pela qual sempre há necessidade de se comparar entre objetivos para se tomar uma decisão.

Segundo a definição de Vasconcellos e Garcia[104], “custos de oportunidade são custos implícitos, que não envolvem desembolso monetário. [...]. Esses valores são estimados a partir do que poderia ser ganho no melhor uso alternativo”.Assim, ao realizar uma escolha, os agentes ponderam os benefícios e os custos, inclusive os de oportunidade, de cada alternativa, a fim de tomar a decisão de maximize os seus interesses.

Intimamente relacionado aos custos de oportunidade, está o conceito de trade-off. Segundo Cordeiro[105],

Trade off é um conceito utilizado em economia, sem traduçãoadequada em português, que exprime a idéia de que, para seobter algo que se deseja, é necessário sacrificar ou abrir mão dealguma coisa que se tem. As empresas devem buscar o equilíbriodo trade-off.

Assim, considerando que trade-off representa uma situação em que há a necessidade de uma escolha, e que, num cenário de escassez, toda escolha implica custos de oportunidade, não há como dissociar os conceitos.

2.8.5        Externalidades

Uma das consequências do postulado da escolha racional implica, como visto, na ponderação entre os custos e os benefícios da adoção de determinada escolha. A este ponto, deve-se frisar que o conceito de custos envolve não apenas aspectos financeiros, mas também os efeitos da decisão gerados sobre terceiros, não relacionados direitamente à decisão tomada. Tais efeitos podem ser benéficos ou prejudiciais, e, como irradiam para fora do âmbito da decisão, são chamados de externalidades, respectivamente, positivas ou negativas.

Tecnicamente, em economia, consideram-se externalidades como falhas de mercado, que “ocorrem quando o consumo e/ou a produção de um determinado bem afetam os consumidores e/ou produtores, em outros mercados, e esses impactos não são considerados no preço de mercado do bem em questão”[106].

Assim, em qualquer decisão, havendo externalidades, deve-se avaliar o impacto que elas acarretarão a terceiros. Isso é sobretudo importante no âmbito jurídico, pois as decisões tomadas pelos agentes públicos, notadamente pelos juízes, em face de seu poder de coerção diferenciado,podem afetar, significativamente, toda a sociedade, e não apenas as partes envolvidas em um litígio em particular. Potencialmente, pois, toda decisão judicial tem, economicamente, efeitos erga omnes.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Lucas Hayne Dantas Barreto

Procurador Federal. Professor de Direito Administrativo na Faculdade Ruy Barbosa. Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Direito do Estado. Membro do Instituto de Direito Administrativo da Bahia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARRETO, Lucas Hayne Dantas. Racionalidade do processo de solução de colisões entre direitos fundamentais à luz da análise econômica do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3245, 20 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21780. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos