4 O PAPEL DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NA PONDERAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Considerando que a economia apresenta-se atualmente como a ciência social com maior base empírica, em virtude de seu refinado arsenal teórico, fortemente matematizado, sua interação com o direito possui relevante contribuição ao dar mais concreção e fundamentação aos raciocínios jurídicos, tantas vezes acusados de carentes de racionalidade.
Uma das dificuldades de comunicação entre juristas e economistas reside justamente na concreção do raciocínio destes e na abstração do daqueles. Embora ambos lidem com constantes ponderações, economistas o fazem através de equações e gráficos com unidades mensuráveis, objetivas, enquanto os juristas estão mais acostumados a trabalhar com valores abstratos, imateriais, o que demonstra sua incapacidade de transpor tal raciocínio para um gráfico[107].
Entretanto, ambas as disciplinas lidam com objeto análogo, que é, em maior ou menor grau, as escolhas humanas. A economia trabalha com escolhas em um cenário de escassez; o direito, ao prescrever condutas, delimita o raio dessas escolhas, ao mesmo tempo em que e a própria produção normativa é fruto de escolhas realizadas pelos legitimados para editá-las. Logo, não se pode mais ignorar a necessidade de integração entre os modos de proceder de ambas as disciplinas, considerando a aptidão da análise econômica para descrever o fenômeno jurídico e prescrever como ele pode ser mais eficiente[108].
Tal constatação é sobremaneira importante quando a escolha jurídica refere-se aos chamados hard cases. A análise econômica, nesses casos, pode oferecer parâmetros para decisões mais eficientes e, portanto, mais justas. Nesse diapasão, as análises dostrade offs, custos de oportunidade e demais categorias econômicas devem necessariamente ser levadas em conta pelos juristas, sobretudo nos casos em que se faça necessária uma ponderação entre princípios constitucionais.
Não se advoga, advirta-se desde já, a tese de que as consequências econômicas sejam o único parâmetro de justiça na solução de um caso. Defende-se, isto sim, que as considerações tipicamente jurídicas levem em conta também as consequências da solução a ser adotada, pois, como demonstrado supra[109], ainda que nem toda solução justa seja eficiente, toda solução ineficiente certamente é injusta, considerando que não se pode conceber como justiça a busca de finalidades através do desperdício de recursos insuficientes para atender todas as necessidades humanas.
4.1 MÁXIMA DA EFICIÊNCIA COMO CRITÉRIO DE PONDERAÇÃO ENTRE DIREITOS FUNDAMENTAIS
À luz das considerações até aqui expostas, já se pode afirmar que uma decisão jurídica, diante de um caso concreto em que interesses fundados em direitos fundamentais sejam conflitantes, constitui-se em uma escolha, e, para que tal solução seja eficiente, devem ser ponderados os interesses, com a consciência de que essa decisão necessariamente se constituirá num trade off: o reconhecimento do direito de um implicará na exclusão do direito de outro. Ademais, tal escolha gerará externalidades, positivas ou negativas, as quais também devem ser consideradas, pois causarão impactos não apenas às partes envolvidas, mas também a toda a sociedade[110].
Afirmou-se que nem toda solução eficiente pode ser considerada justa, mas que toda solução ineficiente certamente será injusta, tendo em vista que, num cenário de escassez de recursos, limitada principalmente, no caso do Estado, à sua capacidade arrecadatória, e necessidades ilimitadas – no âmbito dos direitos fundamentais, a necessidade de efetivação dos múltiplos direitos e garantias assegurados na Constituição – a adoção de providências que não maximizem a utilização dos recursos públicos implica em desperdício desses recursos que, utilizados eficientemente, permitiriam a efetivação ainda maior dos direitos fundamentais.
Essa é a razão pela qual, à luz da teoria de Alexy, não se pode, ao contrário que consta no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988, sustentar que eficiência seja um princípio. Ora, em face do que se acabou de referir, não é de se admitir, jamais, como válida uma decisão em desrespeito à eficiência. O critério de análise, aí, é à moda do tudo-ou-nada: ou a decisão maximiza a utilização dos recursos públicos, e é válida, ou não maximiza, e é inválida. Não se pode falar, assim, de graus de eficiência, não cabe sopesá-la com outros princípios.
Dessa forma, à luz da análise econômica do direito, demonstra-se que a natureza da eficiência aproxima-se da natureza da proporcionalidade, tendo em vista que ambas disciplinam um procedimento racional para o sopesamento de princípios diante de um caso concreto. Portanto, preferir-se-á a ela se referir como máxima da eficiência[111].
A máxima da eficiência, expressamente agasalhada pelo art. 37 da Constituição Federal, portanto, deve servir de parâmetro adicional à da proporcionalidade, dando-lhe mais concretude e permitindo um maior controle intersubjetivo das decisões tomadas em seu nome. A efetivação prática dessa máxima é imperiosa num país com tantos desafios como o Brasil, de modo a, mais velozmente, se lograr a efetivação dos direitos e garantias fundamentais nela previstos, sem recair em posições utópicas[112] que desconsideram os custos – inclusive os de oportunidade – da efetivação de tais direitos[113].
4.2 REVALORIZAÇÃO PRÁTICA DA MÁXIMA DA PROPORCIONALIDADE À LUZ DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO
Como visto[114], apesar de a proporcionalidade já gozar de prestígio na doutrina e jurisprudência pátrias, o Supremo Tribunal Federal ainda não acolheu em seus discursos, em sua inteireza, a necessidade de fundamentação racional dos juízos de ponderação, seguindo o caminho determinado pela aplicação de tal máxima. Tal proceder solapa a respeitabilidade desse ponto da teoria, fazendo parecer, injustamente, que Alexy defende um procedimento irracional.
Desta forma, demonstrar-se-á que a utilização do instrumental da análise econômica do direito pode contribuir para uma revalorização prática da ponderação através da proporcionalidade, enriquecida pela noção de eficiência trazida da economia.
Assim, partindo-se dos ensinamentos de Alexy, observamos que suas duas leis da solução de colisão entre princípios – a lei da colisãoe a lei do sopesamento – são sobremaneira enriquecidas quando a elas acrescentamos considerações a partir do instrumental fornecido pela análise econômica do direito.
Constatado que a colisão entre princípios somente pode ser solucionada diante do caso concreto, imperioso se faz, para a correta operação da solução da colisão, analisar as circunstâncias, as quais abrangem limitações fáticas e jurídicas aos princípios em análise. Nesse contexto, tem lugar a lei de colisão[115].
Da necessidade de identificação dessas circunstâncias e de suas consequências para identificação do princípio de maior peso, decorre a aplicação da máxima da proporcionalidade, em seus três subcritérios: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, os quais serão adiante analisados.
4.2.1 Adequação
Como bem observado por Ávila, o exame da adequação não é tão simples quanto sua definição inicial faz parecer. Ao se estatuir que adequado é o meio apto a promover a realização do fim, fica em aberto a questão de saber o que significa, efetivamente, promover um fim. Assim, ele identifica três aspectos para a devida resposta: quantitativos (intensidade), qualitativos (qualidade) e probabilístico (certeza)[116]. Nesse sentido[117]:
Em termos quantitativos, um meio pode promover menos, igualmente ou mais o fim do que outro meio. Em termo qualitativos, um meio pode promover pior, igualmente ou melhor o fim do que o outro meio. E, em termos probabilísticos, um meio pode promover com menos, igual ou mais certeza o fim do que o outro meio. Isso significa que a comparação entre os meios que o legislador ou administrador terá que escolher nem sempre se mantém em um mesmo nível [...].
Assim, Ávila defende que, diante de uma escolha entre: a) um meio que promove melhor, mas de forma incerta, o fim, e b) outro meio que o promove menos, mas com mais certeza, não há como identificar a solução mais adequada, sendo exigível daquele que tomará a decisão “devem escolher um meio que promova minimamente o fim, mesmo que esse não seja o mais intenso, o melhor nem o mais seguro”[118].
Apesar da clareza e da correção da constatação, entende-se que, partindo-se da análise econômica do direito, Ávila se equivoca ao defender que, na ausência de um critério apriorístico para identificar qual dos aspectos da adequação deve prevalecer na análise, deve-se ter como válida qualquer decisão que “minimamente” promova o fim. Como consequência, caberia ao judiciário declarar inválida a medida apenas “nos caos em que a incompatibilidade entre o meio e o fim for claramente manifesto”[119].
Tal solução consagraria, em diversas situações, soluções manifestamente ineficientes e, como tal, injustas por levarem ao desperdício.
A análise econômica do direito possui instrumentos que permitem analisar os custos de cada uma das opções – aqui não restritas a questões financeiras – a fim de se tomar uma decisão racional. Tem tal análise condições de reduzir a avaliação dos três aspectos a um denominador comum: o conceito de utilidade[120].
Assim, analisando as curvas de utilidade marginal, é possível saber o que mais interesse à sociedade: uma providência, no particular, em maior quantidade, em maior qualidade, ou em maior certeza? Por exemplo, numa política para à finalidade de efetivar o direito à educação, o que mais interessa à sociedade: mais vagas em escolas, ou melhor qualidade para as escolas que já existem? Tratar-se-ia aí de um típico dilema no âmbito da adequação, entre qualidade e quantidade.
O conceito de utilidade marginal é útil para essa solução: tomem-se duas situações exemplo: (a) caso o acesso à escola, naquele dado nível de ensino já esteja universalizado, ou próximo disso, a utilidade marginal de mais vagas será bem mais reduzida do que a utilidade marginal do incremento da qualidade; (b) caso os serviços de educação sejam próximos à excelência, mas em um número reduzido de vagas, a utilidade marginal da melhoria da qualidade será bem mais reduzida do que a da ampliação das vagas.
Dessa forma, ao deliberar sobre o investimento, por exemplo, em (i) construção de uma nova escola ou (ii) aperfeiçoamento e qualificação docente, segundo a lição de Ávila, ambas as providências seriam adequadas para promover o direito à educação e, portanto, válidas. Contudo, nos casos limites acima ilustrados, constata-se que a adoção da providência (i) no caso (a), bem como da providência (ii) no caso (b) seria manifestamente ineficiente, pois, com aqueles recursos, se lograria mais utilidade para a sociedade tomar a decisão oposta – e, como tal, inadequada para promover a finalidade da efetivação ao direito à educação.
Os exemplos acima citados foram casos extremos. Mas, na realidade prática, nem sempre a decisão é tão clara assim. Dessa forma, a economia, em especial a econometria[121], fornece os instrumentos necessários para a medição estatística de tais utilidades, de modo que, ao revés do que quer Ávila, deve-se indicar a solução mais adequada no caso de conflito entre aspectos diferentes da máxima parcial da adequação. Descaberia, assim, o recurso a uma “incompatibilidade manifesta entre meios e fins”, conceito de difícil definição e controle, que cederia lugar a uma avaliação objetiva de utilidades.
4.2.2 Necessidade
Da mesma forma, o conceito de necessidade como impossibilidade de promoção do objetivo pretendido, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite em menor medida o direito fundamental atingido padece de insuficiência.
Ávila defende que o exame da necessidade deve-se dar em dois passos: em primeiro lugar, o exame da igualdade da adequação dos meios; e, em segundo lugar, o exame do meio menos restritivo[122]. Contudo, à luz do exposto na seção anterior deste trabalho, entende-se aqui que o exame da “igualdade da adequação de meios” é típico da máxima parcial da adequação: através da avaliação das utilidades das opções, será adequada a medida que mais promova o fim atendido. Caso se conclua que mais de uma medida promova igualmente, de forma igualmente máxima, o fim atendido, ambas terão passado pelo crivo da adequação, cabendo, quanto à necessidade, apenas a análise do meio menos gravoso, o seja, em termos econômicos, que gere menos externalidades negativas sobre terceiros.
Tais externalidades também podem ser quantificadas econometricamente, a fim de se saber qual o impacto que elas terão para fora dos lindes da colisão sob exame. Dessa forma, havendo duas soluções igualmente adequadas, deve-se buscar conhecer o impacto na efetivação de direitos de outros indivíduos, para, com isso, ter-se uma base empírica sólida apta a fundamentar o juízo de necessidade.
Desenvolvendo o mesmo exemplo adotado supra, suponha-se que, em dado município, quantifique-se economicamente que tanto a solução (i) quanto a solução (ii) seriam igualmente adequadas, em face do equilíbrio ali hipoteticamente existente entre quantidade de vagas e qualidade do ensino. Nessa situação, sob o prisma da adequação, ambas as medidas seriam eficientes. Cumpriria, passando ao âmbito da necessidade, verificar qual das duas medidas, então, afetaria menos eventuais direitos fundamentais colidentes.
Simplificando a questão, pode-se afirmar que seria necessário então analisar, no caso da solução (i), o prejuízo causado aos estudantes que já estão matriculados, que não terão uma maior qualidade de ensino; no caso da solução (ii), o prejuízo aos alunos que não conseguem uma matrícula. Calculadas assim as externalidades negativas, será possível dizer, com razoável grau de precisão, qual a medida é desproporcional por não ser necessária, assim identificada aquela na qual o prejuízo será maior à sociedade.
Destaque-se que, quanto à adequação e à necessidade, tratam-se de análises acerca de pressupostos fáticos, razão pela qual se mostra ainda mais relevante a adoção de análises empíricas, que vão à concreção dos efeitos sobre a realidade, para fundamentar os juízos assim formulados.
4.2.3 Proporcionalidade em Sentido Estrito
Por fim, o subcritério da proporcionalidade em sentido estrito deve ser alvo de uma análise diferenciada. Nota-se que, enquanto as máximas parciais da adequação e da necessidade envolvem, necessariamente, a análise da decisão adotada em face das demais opções disponíveis, a proporcionalidade em sentido estrito debruça-se apenas sobre a alternativa escolhida, para avaliar a relação de custos dos meios e benefícios dos fins a serem atingidos.
Nesse sentido, Humberto Ávila entende que se trata de um exame complexo, uma vez que[123]:
“[...] o julgamento daquilo que será considerado como vantagem e daquilo que será considerado como desvantagem depende de uma avaliação fortemente subjetiva. Normalmente um meio é adotado para atingir uma finalidade pública, relacionada ao interesse coletivo [...], e sua adoção causa, como efeito colateral, restrição a direitos fundamentais do cidadão”.
A análise da proporcionalidade em sentido estrito guarda estreita relação com a lei do sopesamento, que pugna que a medida permitida de não-satisfação ou de afetação de um princípio depende do grau de importância da satisfação do outro[124]. Como Alexy advertiu, ao revés da adequação e da necessidade, que dizer respeito aos pressupostos fáticos, a proporcionalidade em sentido estrito refere-se aos pressupostos jurídicos, ou seja, a própria definição do alcance do princípio sob ponderação e dos demais com eles colidentes.
Interessante notar que Alexy utiliza-se de um conceito econômico para ilustrar seu entendimento acerca da fundamentação relacionada ao sopesamento: as curvas de indiferença[125].Tais curvas são entendidas como os pontos que representam combinações de diferentes quantidades de bens, cujas combinações representam, para o consumidor, a mesma utilidade.
Tais curvas são uma representação significativa da lei do sopesamento: se a finalidade a ser atingida com a decisão vai fomentar um direito fundamental, o meio adotado para tanto vai prejudicar um outro direito fundamental. Destarte, quanto maior a restrição causada pelo meio adotado, maior deve ser a satisfação trazida pelo fim atingido.
Assim, continuando o exemplo formulado, caso se delibere que o menor prejuízo é causado pela alternativa (i), deve-se analisar, em si, os meios para que tal decisão seja adotada. Por exemplo, para construir uma escola em determinada área da cidade, onde se identificou haver tal necessidade, para ampliar o número de vagas, será necessário desapropriar o único imóvel, naquela localidade, que reúne características suficientes para a instalação de uma unidade de ensino. Mas, no caso, em tal imóvel funciona uma fábrica que, com tal desapropriação, teria de ser fechada, ou instalada em outro lugar. Haveria um conflito, aí, entre o direito à educação e o direito ao trabalho dos empregados que seriam afetados pelo encerramento das atividades da fábrica. Nesse sentido, se a efetivação do direito à educação afeta em grande medida o direito fundamental ao trabalho, ambos devem ser sopesados, à luz do caso concreto, para saber-se o que tem maior peso, assim entendido o que maximize a utilidade social decorrente da sua efetivação.
Mas a utilização que Alexy faz em sua obra das curvas de indiferença, para efeitos do que defende a análise econômica do direito, é muito tímida, pois se limita a fazer o papel de uma ilustração. Tais gráficos, na verdade, permitem identificar quanto, em utilidade decorrente do direito fundamental ao trabalho, a sociedade estaria disposta a abrir mão para auferir, em utilidade decorrente do direito à educação.
A análise, nesse prisma, não é comparativa entre diversos meios disponíveis, como dito, mas acerca do que deve ser a relação entre direitos fundamentais colidentes. Nesse diapasão, Alexy refere-se a “curvas de indiferença de segundo nível”[126] para representar o que deve ser a importância que se deve conferir a cada direito fundamental, a qual é construída num metanível em relação às curvas de indiferença individuais. Daí falar-se que tais curvas representam os pontos em que os sopesamentos conferem idêntica utilidade à sociedade. Cada ponto seria a representação de específicas condições de relação de precedência entre os princípios sopesados.
Ante o exposto, não se pode negar que a análise econômica do direito, com seus precisos métodos de avaliação das escolhas e suas consequências, constitui-se num instrumental apto a contribuir para a racionalização das decisões relativas à solução de colisões entre direitos fundamentais, mediante o oferecimento de dados empíricos, objetivos, aptos a estimular a adoção de práticas eficientes, que maximizem a utilidade maior buscada pelo direito – a justiça.