1. Introdução
O objeto deste estudo é demonstrar a premente necessidade de se conferir às Polícias Judiciárias, encarregadas de promover as investigações das infrações penais no Brasil, autonomia financeira e garantias como as da inamovibilidade e independência funcional, e que, por conseguinte, a unificação das polícias representará um retrocesso para a Segurança Pública e o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
2. Da Unificação das Polícias como obstáculo ao avanço da Polícia Judiciária. Retrocesso para a persecução penal no Brasil
Recentemente foi apresentada no Senado Federal pelo Senador da República Blairo Maggi do PR-MT a Proposta de Emenda Constitucional n. 102/2011[1] que visa alterar dispositivos da Constituição Federal para permitir à União e aos Estados a criação de polícia única. Por esta proposta, os oficiais da Polícia Militar passariam à condição de Delegados de Polícia, cargo de conteúdo ocupacional absolutamente distinto.
Eis a redação de alguns dos dispositivos legais da PEC 102/2011 apresentada no Senado Federal:
Art. 4º [...]
§ 3º. Nos concursos públicos para provimento dos cargos das carreiras de delegado de polícia e de perito de polícia, será permitida a ascensão funcional em percentual das vagas, a ser fixado em lei aos integrantes das carreiras de analista de polícia, que preencherem os requisitos legais. (grifos do autor)
[...]
Art. 6º. Na unificação das polícias, os oficiais oriundos da polícia militar e os delegados de polícia dos Estados e do Distrito Federal ficam transpostos para membro da carreira de delegado de polícia, na forma da Lei.
Inicialmente cumpre advertir para uma possível inconstitucionalidade do referido projeto de emenda que prevê a investidura em cargo público sem a necessária realização de concurso público, em total afronta ao quanto estabelecido pelo art. 37, inciso II da CRFB/88 que assim dispõe:
Art. 37 [...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
Discorrendo acerca do provimento em cargo, emprego ou função pública, a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] nos ensina que:
[...] Provimento derivado é o que depende de um vínculo anterior do servidor com a administração; a legislação anterior à atual Constituição compreendia (com pequenas variações de um Estatuto funcional para outro) a promoção (ou acesso), a transposição, a reintegração, a readmissão, o aproveitamento, a reversão e a transferência.
Com a nova Constituição, esse rol ficou bem reduzido, em decorrência do artigo 37, II, que exige a aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos para a investidura em cargo ou emprego público, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
O dispositivo trouxe algumas inovações quando comparado com o artigo 97, §1º, da Constituição de 1967:
1. [...]
2. enquanto o dispositivo anterior fazia a exigência para a primeira investidura, o atual fala apenas em investidura, o que inclui tanto os provimentos originários como os derivados, somente sendo admissíveis as exceções previstas na própria Constituição, a saber, a reintegração, o aproveitamento, a recondução e o acesso ou promoção, além da reversão ex officio, que não tem base constitucional, mas ainda prevalece pela razão adiante exposta.
[...]
A transposição (ou ascensão, na esfera federal) era o ato pelo qual o funcionário ou servidor passava de um cargo a outro de conteúdo ocupacional diverso. [...]
[...]
Portanto, deixaram de existir, com a nova Constituição, os institutos da readmissão, da transposição e da reversão [...]
E continua a doutrinadora:
A respeito da ascensão, a Consultoria Geral da República adotou o entendimento de que “com a promulgação da Constituição de 1988, foi banida do ordenamento jurídico brasileiro, como forma de investidura em cargo público, a ascensão funcional”. No corpo do parecer, da lavra do Consultor José Marcio Monsão Mollo, está dito que “estão abolidas as formas de investidura que representam ingresso em carreira diferente daquela para a qual o servidor ingressou por concurso e que não são, por si mesmo, inerentes ao sistema de provimento em carreira, ao contrário do que acontece com a promoção, sem a qual não há carreira, mas, sim, sucessão de cargos ascendentes” (Parecer nº CS-56, de 16-9-92, aprovado pelo Consultor Geral da República, conforme publicado no DOU de 24-9-92, p. 13.386-89). (grifos do autor)
No mesmo sentido foi a decisão do STF, ao declarar a inconstitucionalidade do §1º do artigo 185 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro (ADIN-245, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-8-92, p. 12.157).
Pelo mesmo fundamento, o STF considerou inconstitucional o instituto da transferência previsto nos artigos 8º, IV, e 23 da Lei nº 8.112, de 11-12-90, ambos suspensos pela Resolução nº 46, de 23-5-97, do Senado Federal.
Ultrapassada essa questão de índole constitucional, a unificação das polícias vai de encontro aos avanços da investigação criminal no país e, consecutivamente, aos anseios da sociedade que urge por instrumentos eficientes de combate à corrupção que se faz endêmica no Brasil.
Na última década os Delegados de Polícia Civil de todo o Brasil vêm buscando de forma vigorosa alcançar as mesmas garantias e subsídios dos membros da Magistratura e do Ministério Público, como forma legítima de aperfeiçoar a atividade de Polícia Judiciária, contribuindo, assim, para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito.
Com efeito, recentemente a Polícia Civil do Estado de São Paulo experimentou um precioso avanço nesse campo com a aprovação unânime pela Assembléia Legislativa da Proposta de Emenda à Constituição n. 19/2011 de iniciativa do Governador Geraldo Alckmin, que conferiu profundas mudanças na carreira dos Delegados de Polícia, ao reinseri-la no âmbito das carreiras jurídicas de Estado, de onde, aliás, nunca deveria ter saído, e, principalmente, garantir independência funcional aos Delegados.
Este progresso terá reflexos positivos para a sociedade paulista com o passar dos tempos, quando se verificar a diminuição das maléficas ingerências políticas que ocorrem na condução de investigações policiais.
Atualmente sete estados já inseriram os Delegados de Polícia Civil nos quadros de suas carreiras jurídicas, são eles: Paraná, Goiás, Minas Gerais, Maranhão, Amapá, Pará e São Paulo. Com esta ação, que para os leigos pode parecer uma simples alteração legislativa, estes estados começam a fortalecer uma Instituição Pública de fundamental importância para uma persecução penal eficiente.
Sem dúvidas há outras garantias que devem ser perseguidas e alcançadas pela Polícia Judiciária, a exemplo da inamovibilidade. Sem essa prerrogativa, os Delegados de Polícia de todo o Brasil continuarão a sofrer interferências políticas no combate à criminalidade, notadamente àquela que envolva autoridades do Executivo, Legislativo e, em menor proporção, do Judiciário.
Somente a garantia da inamovibilidade permitirá que o Delegado de Polícia atue com absoluta isenção em suas investigações sem qualquer temor de, uma vez contrariando interesses de poderosos, sofrer perseguições ou punições, ainda que dissimuladas sob o manto da lotação em outra Delegacia em município distante.
A inamovibilidade é uma garantia reservada a proteger agentes políticos, assegurando-lhes o livre e independente exercício de sua função. Com isso, salvaguarda-se a própria coletividade, garantindo uma atuação pautada exclusivamente na lei. Independência funcional e inamovibilidade são garantias que devem caminhar lado a lado com determinadas carreiras de Estado.
A independência funcional, por exemplo, poderá assegurar que o superior hierárquico do Delegado de Polícia não avoque para si a presidência de um Inquérito Policial em curso, em atendimento a interesses obscuros, simplesmente para preservar seu cargo comissionado, limitando, assim, seu poder de administração.
Para se construir uma polícia investigativa realmente eficiente, fundamental para o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, faz-se imprescindível, ainda, torná-la independente financeira, administrativa e funcionalmente, como é hoje o Ministério Público e, mais recentemente, a Defensoria Pública, conferindo aos Delegados de Policia, garantias semelhantes às dos magistrados.
Com autonomia financeira, possibilitar-se-ia uma melhor reestruturação das Polícias Civis, que se encontram sucateadas em praticamente todo o país por conta do descaso dos Governos Estaduais que já provaram que não sabem ou não têm interesse algum em investir na Polícia Judiciária.
A maior parte dos investimentos realizados pelos Estados na seara da Segurança Pública se dá no âmbito das Polícias Militares. Talvez porque traga maior visibilidade política. Ressalte-se, entretanto, que não se está aqui a criticar os investimentos Estatais na polícia ostensiva que são, sem dúvidas, investimentos absolutamente necessários. A advertência é para falta de uma política clara de aplicação de recursos para o aparelhamento e aperfeiçoamento da Polícia Civil.
As Polícias Civis dos Estados necessitam urgentemente de planejamento estratégico e recursos orçamentários para aparelhamento, qualificação e reciclagem de seus integrantes e, também, para a operacionalização de sua atividade-fim que é a investigação de infrações penais. Tais atividades encontram-se extremamente prejudicadas por escassez de recursos estruturais e logísticos para montar uma operação, que envolve desde o deslocamento de equipes policiais até o pagamento de diárias, sem falar de aquisição de viaturas e aparelhos tecnológicos de ponta.
O Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro, José Paulo Pires, entrevistado sobre a crise instalada na Polícia Civil, assim se manifestou:
[...]
5 – Os projetos governamentais na área de segurança pública são consistentes?
R. Quais são os projetos? Cidade da Polícia? DEDIC? Quais são os outros projetos? As polícias civis de todos os entes federados só conseguirão dar um grande salto de qualidade quando os governos federal e estaduais decidirem descentralizar a gestão financeira. De resto, projetos faraônicos não resolverão o grande problema da polícia civil nos dias atuais. A polícia civil poderia oferecer muito mais resultados em suas investigações. Isto porque não administra corretamente os seus recursos. Além disso, sua atual estrutura ou falta de estrutura impede ou dificulta a execução da sua atividade fim. Vejam o que ocorreu com a Defensoria Pública, com o Ministério Público e outras instituições que conquistaram suas autonomias financeiras. O administrador da delegacia, o Delegado Titular, não tem recursos para consertar uma fechadura. Ninguém vai tirar do bolso para consertar carro, ar-condicionado, fechadura, comprar papel ou outro material. A PCERJ tem que ter autonomia financeira.
[...]
8. O que o senhor espera da Polícia Civil?
R. A polícia civil deve atuar como uma empresa privada, respeitando os princípios da administração pública. Produção, bom atendimento, qualificação, remuneração adequada e tecnologia são itens essenciais para se realizar um adequado planejamento estratégico, tático e operacional. Acredito também que a polícia civil deva focar seus esforços na busca da excelência na sua atividade-fim, ou seja, na investigação. Deve fortalecer o processo de controle interno, inviabilizando ou combatendo transgressões disciplinares. Finalmente, deve se lançar como órgão de controle contra desvios em qualquer instituição onde se mostrem presentes.[3]
[...]
O discurso da desmilitarização das polícias ostensivas dos Estados não passa por uma indesejável unificação com a polícia judiciária. Essa é uma temática que merece estudo e discussão dissociada. Isto porque para melhor controlar a polícia encarregada da prevenção da criminalidade, que conta com um contingente que muitas vezes ultrapassa a casa dos 30 mil servidores, como nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Bahia, faz-se recomendável sua subordinação ao Chefe do Poder Executivo estadual.
Esta é a inteligência que se extrai da interpretação sistêmica dos arts. 42, caput e 144, §6º da CRFB/88 que estabeleceram, acertadamente, que a organização das instituições militares fundamenta-se na hierarquia, disciplina e subordinação aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal.
Ao contrário, a subordinação da Polícia Judiciária ao Governo dos Estados, como previsto constitucionalmente, é extremamente prejudicial para o desempenho de suas atividades. Como exemplo desta relação perniciosa vale relembrar alguns dos mais recentes episódios em que o Poder Executivo afastou ou tentou afastar Delegados de Polícia da condução de Inquéritos Policiais em razão de investigações conduzidas pelos mesmos:
a) O governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz, oficializou nesta quinta-feira, 3, a exoneração de toda a cúpula da Polícia Civil. Ao todo, 43 delegados-chefes, sete diretores de departamento e a diretora-geral, Mailine Alvarenga, foram afastados. A mudança, segundo delegados, é uma reação à divulgação de escutas telefônicas que captaram conversas de Agnelo com o policial militar e lutador de Kung Fu João Dias Ferreira, delator dos desvios de verbas no Ministério do Esporte[4];
b) O novo Diretor Geral da Polícia Federal, Leandro Daiello Coimbra, convocou para a sua sala na Superintendência da PF em São Paulo uma reunião de mais de 10 delegados. Esta reunião foi gravada. Ela ocorreu na véspera da Operação Satiagraha. Na reunião, Daiello teve destacado papel na pressão sobre o ínclito delegado Protógenes Queiroz para saber contra quem eram os mandados de prisão expedidos pelo corajoso juiz Fausto De Sanctis. Protógenes valeu-se de prerrogativa legal e recusou-se a dar o nome de quem ia prender. Só daria com a autorização por escrito do corajoso juiz Fausto De Sanctis. Participavam dessa reunião, entre outros, os delegados Troncon e Saadi.O novo DG da PF chegou a ameaçar não ceder a Protógenes o efetivo necessário para prender Naji Nahas, Celso Pitta e o passador de bola apanhado no ato de passar bola Daniel Dantas.Na gravação, fica clara a tentativa de obstrução da Operação Satiagraha.Corre hoje no MPF/SP um inquérito para avaliar exatamente essa tentativa de obstrução. Zé Cardozo, o novo ministro da Justiça, começou bem.[5];
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c) A operação Monte Carlo mostrou que as ligações de cachoeira com autoridades do governo de Goiás, hoje dirigido pelo tucano Marconi Perillo, continuam fortes. Em setembro do ano passado, um delegado da Polícia Civil de Goiás, Alexandre Lourenço, concluiu um relatório de quase 500 páginas com endereços e nomes de integrantes da quadrilha que explorava jogos ilegais em Goiás. Lourenço entregou seu relatório ao então diretor-geral da polícia, delegado Edemundo Dias. O próximo passo seria solicitar à Justiça a quebra de sigilos telefônicos para chegar aos principais integrantes. Cachoeira seria, obviamente, o primeiro atingido pela investigação. Mas isso não ocorreu – Lourenço foi afastado do caso pelo delegado Dias, que também é tesoureiro do PSDB goiano, e a investigação foi interrompida.[6]
Nesse sentido, a PEC 102/2011 em tramitação no Senado Federal, contraria a perspectiva de avanço na qualidade dos serviços prestados pela Polícia Judiciária na medida em que prevê sua subordinação aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal. Isso é o que estabelece a redação do artigo 4º da referida proposta de emenda constitucional:
Art. 4º. A polícia de que trata o artigo anterior, instituição de natureza civil, instituída por lei como órgão permanente e único em cada ente federativo, essencial à Justiça, subordinada diretamente ao respectivo Governador, de atividade integrada de prevenção e repressão à infração penal, dirigida por membro da própria instituição, organizada com base na hierarquia e disciplina e estruturada em carreiras, ressalvada a competência da polícia federal, destina-se:
É preciso compreender que garantias como as da inamovibilidade e independência funcional proporcionarão condições imprescindíveis para a livre convicção motivada nos atos de polícia judiciária aos Delegados de Polícia, permitindo, deste modo, que a atividade investigativa seja desenvolvida sem interferências externas e, por conseguinte, que a persecução penal seja séria, confiável e qualificada.
Ademais, a coexistência de polícias distintas é fundamental, dentre outras razões, para se evitar efeitos deletérios do corporativismo. O controle direto que na prática a Polícia Judiciária exerce sobre a Polícia Ostensiva, ao apurar alguns ilícitos penais cometidos por seus integrantes, restará profundamente prejudicado com uma eventual unificação.
Aliás, quando o Poder Constituinte Derivado Reformador percebeu que um crime de elevada gravidade como o homicídio praticado por Policial Militar contra civil, deveria ser investigado pela Polícia Civil e julgado pela Justiça Comum e não pela Militar, a fim, justamente, de evitar a super-proteção inerente ao corporativismo e garantir a imparcialidade da decisão, alterou o texto constitucional do §4º do art. 125 da CRFB/88 através da EC n. 45/2004, que passou a ter a seguinte redação:
§ 4º. Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças. (grifos do autor)
De igual modo, outros crimes como o de Abuso de Autoridade, Tortura e Formação de Quadrilha quando praticados por Policiais Militares, são julgados pela Justiça Comum e não pela Justiça Militar.
Por vezes se tem ouvido falar em adotar no Brasil, o mesmo modelo de polícia de outros países, como, por exemplo, dos EUA, porém o que não se diz é que estes paradigmas também não foram capazes de alcançar a tão sonhada perfeição. E mais, bom que se diga que os EUA, em verdade, também possuem várias instituições policiais, umas distintas das outras e diferentes em cada Estado que coexistem de forma harmônica.
Fala-se em adotar estes modelos, mas não se prova sua eficiência. Não existe no Brasil nenhum estudo científico que tenha demonstrado qualquer vantagem em copiar modelos americanos ou europeus.
O Ciclo Completo de Polícia, outro tema bastante ventilado por aqueles que defendem a unificação das polícias, é um erro. Permitir que a Polícia Militar registre as ocorrências policiais nos locais onde não há Polícia Civil é razoável, porém fazê-lo onde há uma Delegacia de Polícia é prejudicial para o desenvolvimento do policiamento ostensivo e preventivo, pois mantém aquartelados diversos policiais que deveriam estar nas ruas oferecendo segurança aos cidadãos.
O Secretário de Estado da Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, em entrevista concedida ao RIO COMO VAMOS, explicitou sua intenção de desaquartelar a Polícia Militar. O lugar desses policiais é nas ruas. Em questionamento feito pela RCV, assim se manifestou o Secretário:
“[...] E entendo que sem dúvida nenhuma faltam policiais nas ruas. Se pegar a relação de policiais por habitantes, o Rio de Janeiro em comparação a outros estados não está mal. Só que essa análise tem que levar em consideração uma série de outras coisas. Você não tem aqui no Rio de Janeiro, muitas vezes nessas áreas mais conflagradas, condição de patrulhar. Patrulhar aqui no Centro é uma coisa, você pega um carro lá na Candelária e vai parar longe. Agora, em lugares que não tem acesso, onde só vai moto ou bicicleta... O Dona Marta mesmo tem uma entrada e uma saída. Como é que vai patrulhar lá dentro? Só a pé. No momento em que perde a dinâmica, que tem que capilarizar, isso exige muito policial. O Rio de Janeiro é muito denso, tudo muito apertado. Em outros lugares, até mesmo em São Paulo, você pega um carro com dois policiais e consegue cobrir uma área imensa. Então, eu acho que faltam, sim, policiais, e falta também nós melhorarmos ainda muito na questão de recursos humanos. Eu acho que o policial ainda procura muitas vezes ficar aquartelado, e mudar isso é uma luta. O Mário Sérgio (Duarte, comandante da Polícia Militar) conseguiu reduzir isso significativamente, mas nós precisamos desaquartelar cada vez mais os policiais. A polícia não precisa estar dentro dos quarteis. A polícia é prestadora de serviço.”[7] (grifos do autor)
No modelo de Segurança Pública adotado em alguns Estados da Federação, por exemplo, quando uma guarnição da Polícia Militar efetua uma prisão em flagrante, primeiro se dirige ao Quartel ou Batalhão da Polícia Militar, onde faz o registro da ocorrência durante longas e longas horas, chegando às vezes a permanecer entre 6 e 10 horas AQUARTELADA, onde fotografa o cidadão que foi preso e os materiais apreendidos para posteriormente encaminhar para sítios de notícias policiais espalhados pelo País, sem nem mesmo saber se a única Autoridade Policial competente para decidir sobre a prisão, o Delegado de Polícia, a manterá.
Muito tempo se perde tempo de forma desnecessária com esta ação e alguns Policiais Militares ainda se queixam da demora na lavratura do Auto de Prisão em Flagrante nas Delegacias, instrumentalização esta imprescindível para que o Delegado de Polícia possa formar sua convicção acerca das circunstâncias da prisão e decidir pelo encarceramento ou não do conduzido, diminuindo o risco de cometer injustiças.
Quais os prejuízos que o procedimento em referência pode trazer para a segurança pública? Primeiro, são dois ou mais policiais a menos para patrulhar as ruas e, em algumas cidades, convenhamos, esse é o único efetivo da escala. Segundo, de forma equivocada, a jurisprudência majoritária entende que o início da contagem do prazo para o encaminhamento de cópia do flagrante ao Juiz e à Defensoria Pública, se dá com a efetiva captura do conduzido e não com o encerramento do flagrante que somente ocorre com o encarceramento determinado pelo Delegado de Polícia. E isto faz, muitas vezes, com que o Delegado tenha que se apressar indevidamente para comunicar a prisão, sob pena de ser declarada ilegal e relaxada pelo Juiz.
Um dos argumentos levantados por aqueles que defendem o ciclo completo de polícia é o de justamente evitar a perda de tempo dos Policiais Militares nas Delegacias.
Ocorre que para solucionar este problema, no ano de 2005, o Código de Processo Penal foi alterado pela Lei nº 11.113/2005 que fracionou o Auto de Prisão em Flagrante em dois momentos bem distintos, passando o art. 304 do referido Diploma Legal a ter a seguinte redação:
Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto.[8] (grifos do autor)
Portanto, após a oitiva do condutor, primeiro procedimento a ser adotado na lavratura do Auto de Prisão em Flagrante, estará o Policial Militar liberado para retornar ao seu trabalho de prevenção da criminalidade.
Ademais a questão não pode ser vista apenas sob o ponto de vista do tempo que se espera para a formalização de um flagrante, mas sim, também, e principalmente, sob o ângulo da segurança jurídica, afinal estamos falando de medida extrema e excepcional de privação da liberdade de locomoção. Não é por outro motivo que o legislador pátrio entendeu por submeter toda e qualquer prisão ao crivo do Juiz e hoje, com mais rigor, com a participação do Promotor de Justiça e do Advogado ou do Defensor Público. Assim dispõe o art. 306 do Código de Processo Penal com a nova redação dada pela Lei nº 12.403/2011:
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao ministério público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1º Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a defensoria pública.[9]
E mais, na Delegacia ou em qualquer outro recinto, esta mesma guarnição da Polícia Militar que efetuou a captura do suspeito pelo cometimento de um ilícito penal, terá que sobrestar sua atuação ostensiva por certo tempo, para que seja formalizado um procedimento legal a fim de submetê-lo ao crivo da Autoridade Judiciária.
Enfim, uma eventual unificação das polícias inviabilizaria por completo a independência almejada pela Polícia Judiciária.