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Unificação das polícias. Usurpação de função pública.

Ausência de integração entre as polícias judiciárias e de um sistema único de informações policiais eficiente. Um atraso para a segurança pública no Brasil.

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02/06/2012 às 16:22
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3. Da usurpação de função pública. Procedimento nocivo para os policiamentos ostensivo e repressivo

Inicialmente é de crucial relevância ter bem claro que Oficial da Policiai Militar não é Delegado de Polícia, assim como este não é Promotor de Justiça, nem mesmo o Membro do Ministério Público é Juiz. Cada ator desse teatro de operações precisa entender e desempenhar bem seu importante papel, sem querer um adentrar na esfera de competência do outro. Se qualquer agente ou servidor público esta descontente com a função que exerce, lhe é facultado submeter-se a concurso público para concorrer de forma legal e democrática a uma vaga para o cargo de Delegado de Polícia, Promotor de Justiça, Juiz ou outro qualquer onde possa se realizar profissionalmente.

O que se percebe no Brasil hodiernamente é uma completa inversão de valores e um acintoso descumprimento das leis. Rasga-se com absurda facilidade a Constituição Federal em cada esquina do País. São Guardas Municipais que querem andar armados e fazer o papel que incumbi unicamente aos Policiais Militares e estes, por sua vez, que querem desempenhar as funções de Polícia Judiciária, são agentes carcerários que querem ser chamados de Polícia Penal e investigar os crimes ocorridos no interior dos estabelecimentos prisionais, além de ter a atribuição de recapturar fugitivos, são Policiais Militares e Policiais Rodoviários Federais cedidos para integrar grupos de investigação comandados pelo Ministério Público e, pasmem, Agentes de Polícia que desejam desempenhar as funções de Delegados de Polícia.

Se nada for feito para frear estas distorções, chegará o dia em que o Delegado de Polícia ofertará denúncia crime, o Promotor de Justiça proferirá sentença e o Juiz editará leis.

Não é o fato de se ter formação acadêmica no curso superior de Direito que confere ao bacharel, a prerrogativa de exercer a função que melhor lhe convier, mas sim, a investidura no cargo público que se dá por meio, unicamente do concurso público.

Atento a esta problemática, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo, através do GECAP – Grupo Executivo de Controle Externo da Atividade Policial, emitiu a RECOMENDAÇÃO 003/2011[10], dirigida ao Corregedor Geral da Polícia Militar, Comandantes de Batalhões, Comandantes de Companhias Independentes, Diretor de Inteligência da Polícia Militar, a fim de que estes, fizessem os Oficiais e Praças observarem as seguintes balizas legais de procedimentos:

“[...] 1. Que se abstenham de requerer, em juízo comum e em sede de apuração de fato típico comum, quaisquer cautelares previstas na legislação processual penal e especial, A SABER: busca e apreensão; prisões, interceptação de dados e conversas telefônicas, correspondência, informações bancárias e fiscais, cuja postulação judicial é exclusiva de Delegados da Polícia Civil; 2. Que, em caso de constatação de ocorrência de crimes comuns, não sendo possível a prisão em flagrante delito, proceda, mediante a observância dos protocolos de segurança e compartimentação de informações, a comunicação dos fatos a Polícia Judiciária, adequando, o direcionamento, às Delegacias de Polícia Especializadas e, quando necessário, ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público; 3. Que, em caso de constatação de existência de bando, quadrilha, organização criminosa e não possível à prisão em flagrante delito, sejam os fatos sejam relatados, em especial, ao NUROC – Núcleo de Repressão as Organizações Criminosas, integrado ao Gabinete do Excelentíssimo Senhor Secretário de Estado de Segurança Pública e Ordem Social e, obrigatoriamente, ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público; 4. Que observem, em caso de constatação de envolvimento de servidor policial civil, na prática de conduta delituosa, a comunicação dos fatos, ao Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Polícia Civil, bem como ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo do Ministério Público; 5. Constituem abuso de autoridade e usurpação de função: a condução de pessoa civil atuada em flagrante delito, bem como sua retenção e interrogatório, em qualquer unidade militar, Batalhão, Companhia e Posto de Vigilância ou Patrulha, não sendo justificável qualquer ponderação em contrário; 6. Deve proceder a autoridade policial militar responsável pela ocorrência, o imediato encaminhamento do autuado, após a prisão, ao Departamento de Polícia Judiciária ou Delegacia de Plantão para lavratura do auto de prisão em flagrante quando, obrigatoriamente, sob pena de omissão penalmente relevante, em caso de suspeita de prática de lesões, deverá o Delegado de Polícia encaminhar o autuado a exame de lesões corporais ou informar, no ato do recebimento da ocorrência, a inexistência daquelas; 7. No caso de ocorrência ou constatação de crimes praticados em detrimento de pessoas, bens, serviços da União, especificados na legislação, deverá a autoridade policial militar responsável pela ocorrência ou relato dos fatos, não sendo possível a prisão em flagrante delito, relatar os fatos a Superintendência da Polícia Federal; 8. As recomendações aqui expedidas não se confundem com o cumprimento de ordem judicial expedida pela autoridade competente, para cumprimento de mandado de prisão ou busca e apreensão, expressamente dirigidos à autoridade policial militar (art. 289-A, § 1º do Código de Processo Penal); 9. Sempre que necessário e ao critério do Comandante da Unidade Militar, os fatos delituosos contatados em rotina operacional, bem como os relatados pela Polícia Reservada, deverão ser comunicados ao Promotor de Justiça com atribuições para conhecimento, para adoção de providências que julgar cabíveis, bem como ao GETI – Grupo Executivo de Trabalho Investigativo”.

Nessa mesma linha de entendimento, recentemente, o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul através de sua Secretaria de Justiça e Segurança Pública – SEJUSP, expediu a RESOLUÇÃO SEJUSP MS Nº 543 – DE 21 DE FEVEREIRO DE 2011[11], a qual dispõe sobre a normatização de atuação de setores de inteligência das instituições no âmbito da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, disciplinando diretamente os serviços de inteligência da PMMS, quando em seu Art. 2° diz:

“A Segunda Seção do Estado Maior do Comando-Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso do Sul- PM2/PMMS, tem por atribuição legal, proceder em âmbito criminal, investigações exclusivamente em sede de inquérito policial militar, instaurado para apurar infrações penais militares”.

E em seu Parágrafo Único estabelece:

“É vedada a PM2/PMMS proceder a investigações criminais comuns através de ações de campo ou de emprego de tecnologia ou equipamento de qualquer natureza para apurar infrações penais praticadas por civis”.

O Poder Judiciário também já se manifestou em diversas ocasiões no sentido de afastar a pretensão da Polícia Militar de usurpar as funções da Polícia Civil:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DECRETO N. 1.557/2003 DO ESTADO DO PARANÁ, QUE ATRIBUI A SUBTENENTES OU SARGENTOS COMBATENTES O ATENDIMENTO NAS DELEGACIAS DE POLÍCIA, NOS MUNICÍPIOS QUE NÃO DISPÕEM DE SERVIDOR DE CARREIRA PARA O DESEMPENHO DAS FUNÇÕES DE DELEGADO DE POLÍCIA. DESVIO DE FUNÇÃO. OFENSA AO ART. 144, CAPUT, INC. IV E V E §§ 4º E 5º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente a ação direta, vencido parcialmente o Ministro Relator, que a julgava procedente em parte. Votou a Presidente, Ministra Ellen Gracie. Plenário, 20.09.2007.

(ADI/3614-PR. Rel. MIN. GILMAR MENDES) (grifos do autor)

BUSCA E APREENSÃO - AUSÊNCIA DE PROVA IDÔNEA - RELATÓRIO DA PMMG - ENCAMINHAMENTO À POLÍCIA CIVIL PARA INVESTIGAÇÃO. - A investigação das infrações penais incumbe à Polícia Civil, por isto, havendo indícios de prática delitiva, deverá o relatório da Polícia Militar ser encaminhado à primeira, para, após apuração dos fatos, e em se verificando a existência de prova idônea, requerer a medida cautelar de busca e apreensão. - Apelação não provida.

(TJMG – Ap.Crim.: 1.0702.09.585753-9/001(1). Numeração Única: 5857539-79.2009.8.13.0702. – 1ª C.Crim. – Rel. Des. EDIWAL JOSE DE MORAIS. DJ: 16/07/2010) (grifos do autor)

É preciso que os Governos dos Estados e do Distrito Federal, assim como o fez corretamente o Governo do Estado do Mato Grosso do Sul, imponham ordem e sepultem de uma vez por todas as constantes invasões de competências que vêm sendo cometidas por algumas instituições e não permaneçam inertes fomentando, assim, a não integração entre as polícias.


4. Da prejudicial ausência de integração entre as polícias judiciárias da União, Estados e Distrito Federal

A integração que se busca entre as Polícias Civis e Militares deveria, de igual modo, ser perseguida também com o Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública e outras instituições oficiais como o Conselho de Atividades Financeiras (Coaf), a Receita Federal, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e até as CPIs. Ressalte-se que integração é algo que deve existir naturalmente entre todos os órgãos e instituições públicas e não somente entre Polícia Civil e Militar. O que se deve perseguir como Política de Estado é uma cooperação entre todos estes órgãos.

Adequado ressaltar, também, que pouco se fala em integração entre as Polícias Civis dos Estados, do Distrito Federal e a Polícia Federal. As Polícias Judiciárias da União, dos Estados e do Distrito Federal precisam se espelhar nas iniciativas profícuas do CNJ que desde a sua criação vem buscando de forma louvável a integração e uniformização do judiciário no Brasil.

As Polícias Judiciárias da União, dos Estados e do Distrito Federal, dirigidas por Delegados de Polícia de carreira, que exercem atividade essencial à persecução penal, necessitam de recursos prioritários e de atuação integrada, principalmente com o compartilhamento de cadastros e informações policiais, nos mesmos moldes do estabelecido para as administrações tributárias conforme preceitua o art. 37, inc. XXII da CRFB/88:

Art. 37. (...)

XXII - as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Grifos nossos)

Enquanto as Polícias Judiciárias não dialogarem de forma consistente, os agentes do crime, não só os integrantes de organizações criminosas, mas principalmente estes, triunfarão sobre a justiça, pois para os mesmos, diferentemente das polícias, as fronteiras entre os Estados são meramente imaginárias.

A Polícia Judiciária Federal, devido à grande reestruturação pela qual passou nos últimos anos, conta com diversos bancos de dados, aos quais as Polícias Judiciárias dos Estados não têm acesso, assim como se encontra melhor aparelhada para enfrentar o crime organizado e de colarinho branco.

O resultado dos investimentos feitos na Polícia Federal pela União, que perpassaram necessariamente pelo pagamento de subsídios dignos a seus integrantes, refletiu nas inúmeras operações deflagradas pela instituição que culminaram na prisão, dentre outros, de Deputados Federais e Estaduais, Prefeitos, Vereadores, Secretários, Desembargadores de Tribunais e Juízes, na queda de Senadores e Ministros de Estado e, mais do que isso, na recuperação de recursos pecuniários desviados dos cofres públicos para ONGs de fachada e empresas fantasma.

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Esta nova Polícia Federal pode seguramente ser considerada como um divisor de águas entre uma Polícia Judiciária apática e ineficiente e uma verdadeira polícia investigativa, que sem dúvidas alcançaria a excelência na prestação dos seus serviços, servindo de paradigma em todo o mundo, se fosse independente financeira, administrativa e funcionalmente.

Prova disso são os dados estatístico das investigações da Polícia Federal disponíveis na internet no sítio da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal que indicam que entre os anos de 2005 e 2011 foram realizadas cerca de 1.481 (um mil, quatrocentos e oitenta e uma) operações policiais.

Infelizmente as Polícias Civis no Brasil, à exceção da Polícia Civil do Distrito Federal, que também possui bons investimentos e onde os Delegados de Polícia percebem subsídios muito próximos dos que são pagos aos Delegados da Polícia Federal – em razão de sua organização e manutenção ser de competência da União (art. 21, inc. XIV da CRFB/88), não realizam grandes operações para desbaratar verdadeiras organizações criminosas que se encontram instaladas na Administração Pública, de onde se desviam recursos públicos que deveriam ser aplicados em áreas estratégicas para o desenvolvimento de um Estado como na saúde, educação, saneamento, infraestrutura e na própria segurança pública, causando enorme prejuízo aos cofres públicos e, por conseguinte, a toda sociedade.


5. Da ausência de um sistema único de dados policiais

A única unificação pela qual se deveria lutar, e que, aliás, já deveria ter ocorrido há muito tempo, é a unificação de dados de informações policiais. É inconcebível que em pleno século XXI, na era da internet, ainda hoje, alguém que foi preso em uma região do país, não seja inscrito em um banco de dados capaz de ser acessado em qualquer Delegacia de Polícia do território Nacional. O acesso às informações contidas em bancos de dados é um dos requisitos básicos de uma boa investigação.

De forma lamentável, cada Estado da Federação ainda insiste em manter seu próprio sistema de informações policiais, como que numa guerra de vaidades, sem alimentar de forma obrigatória e corretamente a Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização – REDE INFOSEG, instituída oficialmente pelo Decreto nº 6.138/2007, criada para integrar efetivamente os bancos de dados de diversos órgãos estaduais e federais.

O problema é que devido ao fato de cada Estado da Federação possuir um Sistema de Informações Policiais com plataformas diferentes e com arquiteturas individualizadas, a implementação da Rede INFOSEG torna-se por demais complexa, dificultando, assim, a integração. Por qual razão então não se adota um sistema único, capaz de tornar tais dados disponíveis para consultas pelos Órgãos de Segurança Pública?

Saindo à frente na correção de falhas injustificáveis como a presente, o Poder Judiciário está em vias de implantação de um Banco Nacional de Mandados de Prisão, em atendimento à Lei nº 12.403/2011 que alterou o Código do Processo Penal para incluir o art. 289-A que estabelece:

Art. 289-A. O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade.

Atento ao comando legal e ciente da premente necessidade de implementação de tal medida, o CNJ em 13 de julho de 2011 publicou a Resolução 137/2011 regulamentando a matéria. Mais recentemente, em 13.04.2012, o CNJ lançou a Central Nacional de Informações Processuais e Extraprocessuais (CNIPE), que segundo o presidente do órgão, ministro Cezar Peluso[12], “[...] a partir da desburocratização do acesso público aos dados dos tribunais e cartórios, trará impactos positivos para o processo de desenvolvimento do País”.

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Sobre o autor
Helder Carvalhal de Almeida

Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais. Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Ilhéus-BA. 2002 Especialista em Ciências Criminais – Curso de Pós-Graduação Lato Sensu pela UNAMA/IUVB/LFG realizado no período de 02/09/2005 a 30/102007.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Helder Carvalhal. Unificação das polícias. Usurpação de função pública.: Ausência de integração entre as polícias judiciárias e de um sistema único de informações policiais eficiente. Um atraso para a segurança pública no Brasil.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3258, 2 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21910. Acesso em: 5 nov. 2024.

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