6. Conclusão
Além de tudo o que já foi dito, alguns Projetos de Emenda à Constituição e Projetos de Lei que tramitam no Congresso Nacional dispondo de matérias que visam, principalmente, otimizar os trabalhos de Polícia Judiciária, podem ficar prejudicados por conta desta desastrosa tentativa de unificação das polícias, pondo a perder todo um trabalho legislativo de anos e anos de dedicação e empenho. Somente a título de exemplificação podemos citar as seguintes propostas:
PEC-549/2006 que acrescenta preceito às Disposições Constitucionais Gerais, dispondo sobre o regime constitucional peculiar das Carreiras Policiais que indica e fixa o valor do Subsídio do Delegado de Polícia;
PEC-184/2007 que dispõe sobre as Polícias Judiciárias da União e dos Estados e dá outras providências;
PEC-293/2008 que altera o Art. 144 da Constituição Federal, atribuindo independência funcional aos Delegados de Polícia, trata da Carreira Jurídica e outras garantias;
PEC-487/2010 que denomina de polícia judiciária dos Estados a polícia civil, que será dirigida por delegados de carreira, bacharéis em Direito aprovados em concurso público com a participação da OAB em todas a fases;
PEC-102/2011 (Câmara dos Deputados) que altera a Constituição Federal para incluir as Carreiras dos Defensores Públicos e dos Delegados de Polícia no Quinto Constitucional;
PL 1949/2007 que institui a Lei Geral da Polícia Civil e dá outras providências;
PL-7193/2010 que dispõe sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia;
PL-1028/2011 que altera a redação dos artigos 60, 69, 73 e 74, da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que dispões sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, possibilitando a composição preliminar dos danos oriundos de conflitos decorrentes dos crimes de menor potencial ofensivo pelos delegados de polícia;
PL-1843/2011 que acrescenta § 4º ao art. 304, do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 - Código de Processo Penal, prevendo que o Delegado de Polícia apreciara a existência de causas excludentes de antijuridicidade, por ocasião da lavratura do auto de prisão em flagrante, para, fundamentadamente, conceder ao investigado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento obrigatório ao juízo competente, sob pena de revogação.
Sem adentrar no mérito da discussão sobre a necessidade ou não de aprovação da PEC 37/2011 que altera a Constituição Federal para tornar privativa a investigação criminal pelas Polícias Civil e Federal, que, tudo indica, já ganhou inclusive o apoio da Advocacia-Geral da União e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, consoante matéria publicada no sítio do Consultor Jurídico[13], forçoso é reconhecer que com a unificação das polícias nos Estados, torna-se recomendável, para não dizer imperioso, que toda a investigação criminal seja entregue ao Ministério Público, que embora não esteja devidamente aparelhado e vocacionado para isso, é o único Órgão Público verdadeiramente independente, capaz de enfrentar os interesses obscuros de poderosos.
Vale aqui fazer a importante advertência de que a PEC 102/2011 do Senado também traz a previsão de alteração da Constituição Federal para tornar privativa a investigação criminal pela polícia que cria, ressalte-se, conforme já dito, totalmente subordinada aos Governadores dos Estados e do Distrito Federal. Vejamos a redação do inciso III do art. 4º da referida proposta:
Art. 4º. A polícia de que trata o artigo anterior, instituição de natureza civil, instituída por lei como órgão permanente e único em cada ente federativo, essencial à Justiça, subordinada diretamente ao respectivo Governador, de atividade integrada de prevenção e repressão à infração penal, dirigida por membro da própria instituição, organizada com base na hierarquia e disciplina e estruturada em carreiras, ressalvada a competência da polícia federal, destina-se:
[...]
III – ao exercício privativo da investigação criminal e da atividade de polícia judiciária. (grifos do autor)
Assim sendo, a unificação, consoante demonstrado, vai de encontro à justa e necessária independência almejada pela Polícia Judiciária, imprescindível para o fortalecimento da investigação criminal e, por conseguinte, do Estado Democrático de Direito.
Pede-se licença para transcrever, em parte, artigo intitulado A NECESSÁRIA GARANTIA DA INAMOVIBILIDADE PARA OS DELEGADOS DE POLÍCIA, escrito no ano de 2000 pelo Juiz de Direito e professor de Direito da Universidade Católica de Goiás e da Escola Superior da Magistratura, Ari Ferreira:
[...] Por quê o defensor público tem direito à inamovibilidade e o delegado não? Quem trabalhou em pequenas cidades do interior, onde grupos tradicionais dominam e representam o próprio poder, já deve ter visto, ou pelo menos tomado conhecimento, de agentes policiais, incluindo delegados, que foram transferidos bruscamente para qualquer outro lugar simplesmente porque o prefeito municipal ou seu vice, o deputado estadual da região, o simples vereador, ou qualquer outro líder político, não gostou de seu modo de atuação.
Permitindo-me não declinar nomes para não ferir as pessoas envolvidas, vez que o passar do tempo vai apagando da memória, lembro-me de que certa feita em comarca onde atuei como juiz de direito, num final de semana policiais civis apreenderam um veículo com o qual um adolescente fazia manobras perigosas (racha, derrapagens etc.) e, diante da reação do motorista, apreenderam-no também. Este foi o "erro" dos agentes, afinal de contas o adolescente era filho do vice-prefeito da cidade. Ao tomar conhecimento da apreensão do filho, o vice-prefeito ameaçou os agentes policiais dizendo que iria transferi-los da cidade. Não se passaram dois dias e, realmente, um dos agentes fora transferido sem maiores explicações, de nada adiantando nem mesmo meus apelos pela relevação da sanção, pois a cidade só tinha aqueles dois agentes e ficaria desguarnecida. E ficou. O agente remanescente e seu delegado disseram que nunca mais se envolveriam com filhos de autoridades, mesmo que os encontrassem na qualidade de malfeitores. Assim foi feito e o vice-prefeito mostrou, efetivamente, quem manda.
Este é um relato simples, mas que certamente se repete por nosso gigantesco país. Ora, se o defensor público, que não acusa, nem investiga ninguém, goze da garantia da inamovibilidade, o mais lógico é que o delegado de polícia, que exerce função de risco, mexe com interesses superiores, investiga filhos de autoridades e políticos, expõe sua vida e de sua família, também a tenha.
Em minha visão externa, assim considerado o fato de não pertencer aos quadros da polícia, penso que os delegados formam uma categoria, paradoxalmente, deveras importante e ao mesmo tempo desprestigiada. Importante, são os responsáveis pelas investigações criminais, atuando como um apêndice do Poder Judiciário; desprestigiada, porque não têm nem as mesmas garantias que se asseguram aos defensores públicos.
Se é lamentável ver um delegado de polícia tendo que recorrer a políticos para conseguir uma promoção ou remoção, é deprimente vê-lo tendo que recorrer a estes mesmos políticos para não ser removido ou transferido contra sua vontade, especialmente quando, no exercício de suas funções, contrariou interesses de quem manda. Nem é preciso dizer o quanto isso influencia, negativamente, na liberdade de ação policial, elemento indispensável para a segurança pública, ultimamente muito arranhada pelos altos índices de criminalidade que assustam até o mais despreocupado dos homens.
Seria, pois, de bom alvitre que as autoridades competentes provocassem o Poder Legislativo por meio de projeto de lei que estendesse aos delegados de polícia pelo menos a garantia da inamovibilidade. Esta garantia não representa diminuição de poder do Chefe de Polícia, Secretário de Segurança ou de quem quer seja o superior, mas apenas evita arbitrariedades e diminui a dependência da autoridade policial de intempéries políticas. A exemplo do que se passa com a magistratura, e bem assim com os membros do Ministério Público, a garantia da inamovibilidade não impedirá que o delegado seja transferido contra a sua vontade, desde que conveniente para o interesse público. O que não é admissível é confundir o interesse do governador ou outra autoridade superior como sendo, necessariamente, um interesse público. O interesse público está acima das pessoas e autoridades e não admite solução por amor ou ódio, paixão ou emoção, proteção ou perseguição.[14] (grifos do autor)
Escândalos como o do “mensalão” e, mais recentemente, o que envolve o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o Senador da República Demóstenes Torres e a Construtora Delta, que revelam relações obscuras entre o Poder Público e o Setor Privado, demonstram claramente a necessidade de aperfeiçoamento das instituições e instrumentos que possam barrar a promiscuidade entre os Governos e as Empresas.
A unificação das polícias será prejudicial para a investigação criminal, assim como para o povo brasileiro. A Polícia Judiciária é primordial para a efetivação dos direitos, na medida em que contribui de forma decisiva para a persecução criminal, garantindo, assim, o respeito à lei e à ordem. Portanto, a unificação das polícias é absolutamente contrária aos interesses da sociedade.
Nesse passo, dever-se-ia, também, observar o princípio da proibição do retrocesso social, pois a unificação das polícias pretendida pela PEC 102/2011, desconstruirá por completo o avanço criado pelo próprio legislador constitucional no campo das investigações criminais que se concretizaram sob a responsabilidade das Polícias Judiciárias a ponto de vir em uma crescente de aperfeiçoamento constante.
O legislador não pode retroceder nesta matéria, sob pena de prejudicar por completo as investigações criminais.
POLÍCIA JUDICIÁRIA INDEPENDENTE. BRASIL FORTALECIDO NO COMBATE À CORRUPÇÃO.
Notas
[1] PEC 102/2011 – Senado Federal – Altera dispositivos da Constituição Federal para permitir à União e aos Estados a criação de polícia única e dá outras providências. Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13 ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 476-477.
[3] Entrevista com José Paulo Pires: PRESIDENTE DO SINDELPOL-RJ FALA SOBRE A CRISE INSTALADA NA POLÍCIA CIVIL. Disponível em <http://www.sindelpol.com.br>. Acesso em 03 de maio de 2012.
[4] O Estado de S.Paulo. BRASÍLIA. Disponível em: <http://www.estadao.com.br>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[5] AMORIM, Paulo Henrique. Novo diretor da PF tentou impedir a Satiagraha. Conversa Afiada. 31 de dezembro de 2010. Política. Disponível em: <http://www.cartacapital.com.br>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[6] ROCHA, Marcelo. O bicheiro que assusta os políticos. Revista Época. São Paulo. n. 722. p. 34, mar. 2012.
[7] Entrevista com José Mariano Beltrame: os desafios da Segurança Pública no Rio de Janeiro. Disponível em <http://amaivos.uol.com.br>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[8] BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[9] BRASIL. DECRETO-LEI Nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em 01 de maio de 2012.
[10] MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. GECAP- GRUPO EXECUTIVO DE CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL. RECOMENDAÇÃO 001/2011. Disponível em <http://mpes.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2012.
[11] RESOLUÇÃO SEJUSP MS Nº 543 – DE 21 DE FEVEREIRO DE 2011. Disponível em <http://sejusp.ms.gov.br>. Acesso em 10 de maio de 2012.
[12] Portal CNJ. Ministro Cezar Peluso diz que Cnipe contribui para desenvolvimento do país. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/18937>. Acesso em 10 de maio de 2012.
[13] AGU É CONTRA MINISTÉRIO PÚBLICO PODER INVESTIGAR. Disponível em <http:// www.conjur.com.br >. Acesso em 10 de maio de 2012.
[14] QUEIROZ, Ari Ferreira de. A necessária garantia da inamovibilidade para os delegados de polícia. Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 47, 1 nov. 2000 . Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/1131/a-necessaria-garantia-da-inamovibilidade-para-os-delegados-de-policia>. Acesso em: 14 abr. 2012.