RESUMO
Este artigo discute o exercício abusivo do poder regulamentar na elaboração do Decreto sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, e processo administrativo federal para apuração destas infrações (Decreto nº 6.514/08).
Com base em doutrinadores do direito ambiental, constitucional e administrativo, bem como na legislação pertinente, são discutidos os fundamentos jurídicos que embasam a discussão acerca da ilegalidade do referido Decreto.
Palavras-chave: direito ambiental; infrações administrativas ambientais; princípio da legalidade; princípio da reserva legal; poder regulamentar.
INTRODUÇÃO
Em 23 de julho de 2008 foi publicado o Decreto nº 6.514, acerca das sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, e processo administrativo federal para apuração destas infrações, com o fito de regulamentar a Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a qual dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.
Todavia, a confrontação do referido Decreto com a Constituição Federal, principalmente com os artigos 5º, II e 84, IV, bem como com o artigo 69 da Lei nº 9.784/99, permite a constatação de que o mesmo encontra-se eivado de ilegalidades.
O presente artigo encontra-se dividido em dois capítulos, sendo no primeiro explanado acerca do Direito Ambiental como parte integrante do Direito Público.
Em seguida, no segundo capítulo, apresentamos breve discussão acerca das incongruências legais presentes no Decreto nº 6.514/08, e seus reflexos na doutrina e jurisprudência.
1. O DIREITO AMBIENTAL COMO INTEGRANTE DO DIREITO PÚBLICO
A proteção ao meio ambiente apresenta importância cada vez maior para a sociedade. Isto se reflete nas ações governamentais, manifestadas, principalmente, através do exercício de sua função legiferante, elaborando leis e regulamentos que visem à proteção e uso consciente dos recursos naturais, bem como os mecanismos de repreensão aos infratores.
A coleção dos atos normativos voltados, principalmente, à proteção do meio ambiente, levou à formação de um ramo da ciência jurídica conhecido como Direito Ambiental, que segundo Luís Paulo Sirvinskas:
É a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta.[1]
Ou, nos ensinamentos de Édis Milaré:
O complexo de princípios e normas coercitivas reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando a sua sustentabilidade para as presentes e futuras gerações.[2]
Quanto ao ramo em que se encontra o Direito Ambiental (Público ou Privado), consideraremos os ensinamentos dos professores Marcelo Alexandrino e Alexandre Campos:
O direito público tem como objeto principal a regulação dos interesses da sociedade como um todo, a disciplina das relações entre esta e o Estado, e das relações das entidades e órgãos estatais entre si. Tutela ele o interesse público, só alcançando as condutas individuias de forma indireta ou reflexa.
[...]
O direito privado tem como escopo principal a regulação dos interesses individuais, como forma de possibilitar o convívio das pessoas em sociedade e uma harmoniosa fruição de seus bens.
A nota característica do direito privado é a existência de igualdade jurídica entre os pólos das relações por ele regidas.
[...]
O direito comercial e o direito civil são os integrantes típicos do direito privado.[3]
Assim como o Direito Constitucional, Penal e Administrativo, o Direito Ambiental, originários do último, integra o ramo do Direito Público, contudo, os interesses por ele defendidos não se enquadram em públicos ou privados, e sim em transindividuais, ou seja, dispersos ou difusos... (Sirvinskas, 2003, p. 27).
Uma das principais características do Direito Público é a observância ao princípio da legalidade, consubstanciado na Constituição da República em seu artigo 5º, II, conforme ensina Alexandre de Moraes:
O art. 5º, II, da Constituição Federal, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio de espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei.[4]
No Direito Adminitrativo encontramos a legalidade estrita ou administrativa, na qual, segundo Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo:
A Administração Pública somente tem possibilidade de atuar quando exista lei que o determine (atuação vinculada) ou autorize (atuação discricionária), devendo obedecer estritamente ao estipulado na lei, ou, sendo discricionária a atuação, observar os termos, condições e limites autorizados na lei.
Esta a principal diferença do princípio da legalidade para os particulares e para a Administração. Aqueles podem fazer tudo o que a lei não proíba, esta só pode fazer o que a lei determine ou autorize. Inexistindo previsão legal, não há possibilidade de atuação administrativa.[5]
Sendo assim, o processo de elaboração de normas referentes ao Direito Ambiental deve observar a legalidade estrita, constituindo, pois, disposição de ordem pública, conforme Carlos Maximiliano, citado por Luís Carlos Silva de Moraes:
252 – Consideram-se de ordem pública as disposições que se enquadram nos domínios do Direito Público (1); entram, portanto, naquela categoria as constitucionais, as administrativas, as penais, as processuais, as de polícia e segurança e as de organização judiciária (2).[6]
E ainda:
266 – Interpretação. As prescrições de ordem pública, em ordenando ou vedando, colimam um objetivo: estabelecer e salvaguardar o equilíbrio social. [...] Atingido aquele escopo, nada se deve aditar nem suprimir. Logo é caso de exegese estrita. Não há margem para interpretação extensiva, e muito menos para analogia (1). É sobretudo teleológico o fundamento desse modo de proceder. Só ao legislador incumbe estabelecer as condições gerais da vida da sociedade; por esse motivo, só ele determina o que é ordem pública, e, como tal, peremptoriamente imposto. Deve exigir o mínimo possível, mas também tudo o que seja indispensável. Presume-se que usou linguagem clara e precisa. Tudo quanto reclamou, cumpre-se; do que deixou de exigir, nada obriga ao particular: na dúvida, decide-se pela liberdade, em todas as suas acepções, isto é, pelo exercício pleno e gozo incondicional de todos os direitos individuais. [...] Toda norma imperativa ou proibitiva e de ordem pública admite só a interpretação estrita (1). [7] (grifo nosso)
Pelo exposto conclui-se que o Direito Ambiental é norma de ordem pública, aplicando-se a ele o princípio da estrita legalidade, expresso no art. 37, caput, CR/88, in verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:[8] (g.n.)
Por ser de ordem pública, as normas de Direito Ambiental possuem interpretação estrita, sendo que qualquer dúvida do verdadeiro efeito e aplicação de dispositivo analisado, dará preferência às garantias individuais (art. 5º, CR/88), para que a interpretação seja “conforme a constituição”.
Neste sentido, temos:
A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo pode público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico.
[...]
A finalidade, portanto, dessa regra interpretativa é possibilitar a manutenção no ordenamento jurídico das leis e atos normativos editados pelo poder competente que guardem valor interpretativo compatível com o texto constitucional.[9]
E ainda, segundo Inocêncio Mártires Coelho:
[...] o princípio da interpretação conforme a Constituição consubstancia essencialmente uma diretriz de prudência política ou, se quisermos, de política constitucional, além de reforçar outros cânones interpretativos, como o princípio da unidade da Constituição e o da correção funcional.
Com efeito, ao recomendar – nisso se resume este princípio -, que os aplicadores da Constutuição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais [...][10]
2. BREVE DISCUSSÃO ACERCA DO DECRETO Nº 6.514/08
O Direito Ambiental adquiriu sua autonomia do Direito Administrativo com base na legislação vigente, em especial com o advento da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (Servinskas, 2003, p. 26), a qual busca a sintonia fina para a aplicação de pena administrativa, através da utilização de regras objetivas de procedimento e aplicação da correta exegese, buscando na lei dispositivo que especifique objetivamente uma infração e lhe comine pena (Luís Carlos Silva de Moraes, 2009, p. 5).
Dispõe a referida lei sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Em seu art. 70, encontramos uma definição genérica acerca das infrações administrativas ambientais:
Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.[11]
Trata-se de definição genérica, não havendo identificação das infrações ou suas respectivas penalidades.
Ainda segundo Sirvinskas, infração administrativa ambiental é:
Toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente é considerada infração administrativa ambiental e será punida com as sanções do presente diploma legal, sem prejuízo da aplicação de outras penalidades previstas na legislação (art. 1º do Dec. N. 3.179/99).[12]
E por fim, Édis Milaré:
Na esfera administrativa, porém, a infração é caracterizada não pela ocorrência de um dano, mas pela inobservância de regras jurídicas, de que podem ou não resultar consequencias prejudiciais ao ambiente.[13]
Ou seja, a infração administrativa é caracaterizada como ato antijurídico praticado por pessoa física ou jurídica, seja por ação ou omissão, o qual será apurado através de processo administrativo, com imposição de penalidade somente administrativa, como multa, advertência, restrição de direitos etc.
Além das sanções penais e administrativas por condutas lesivas ao meio ambiente, a Lei 9.605/98 apresenta em seu capítulo VI procedimento admistrativo próprio a ser observado na apuração e aplicação das infrações administrativas.
Para propiciar seu fiel cumprimento, a lei supra encontra-se atualmente regulamentada pelo Decreto 6.514/08, de 22 de julho de 2008, o qual revogou o Decreto nº 3.179, de 21 de setembro de 1999, que dispunha sobre a especificação das sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, trazendo nova regulamentação para a mesma, no que concerne às infrações administrativas, bem como instituindo processo administrativo federal para apuração das infrações, conforme ementa abaixo:
Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências.[14]
Dispondo, ainda, em seu preâmbulo que:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Capítulo VI da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e nas Leis nºs 9.784, de 29 de janeiro de 1999, 8.005, de 22 de março de 1990, 9.873, de 23 de novembro de 1999, e 6.938, de 31 de agosto de 1981, (g.n)
Inicialmente, extrai-se do Decreto a referência, dentre outras, a duas Leis Federais que dispõem sobre processo administrativo: Leis 9.605/98 e 9.784/99, a primeira contendo disposições específicas, próprias, conforme mencionado acima, dispondo em seu artigo 70, § 4º que: “As infrações ambientais são apuradas em processo administrativo próprio, assegurado o direito de ampla defesa e o contraditório, observadas as disposições desta Lei”, e a segunda, lei genérica que dispõe sobre processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, a qual expressa em seu art. 69 que: “Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei”[15], pelo que se infere que esta será aplicada subsidiariamente à primeira.
Posto isto, nota-se uma discrepância patente no referido Decreto, pois, a partir do momento em que estalece processo administrativo federal, fere o disposto no artigo 70, § 4º da lei regulamentada, bem como da lei processual geral supracitada.
Trata-se, portanto, de lesão ao princípio da reserva legal. Senão vejamos os ensinamentos do mestre Alexandre de Moraes:
José Afonso da Silva ensina que a doutrina não raro confunde ou não distingue suficientemente o princípio da legalidade e o da reserva legal. O primeiro significa a submissão e o respeito à lei, ou a atuação dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal.[16]
E ainda, segundo a Constituição da República, temos:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
XI - procedimentos em matéria processual;
Tratamos aqui de um Decreto Regulamentar (6.514/08), ou seja, emanado do chefe do Poder Executivo, para fins de proporcionar o fiel cumprimento de uma lei, no caso a Lei nº 9.605/98, conforme inscrito no art. 84, IV, da Constituição Federal:
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
[...]
IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Para Pedro Lenza:
Trata-se do poder regulamentar, que se perfaz mediante decretos regulamentares. Como regra geral, o Presidente da República materizaliza as competências do art. 84 por meio de decretos. É o instrumento através do qual se manifesta. No tocante às leis, algumas são auto executáveis. Outras precisam de regulamento para que seja dado fiel cumprimento aos seus preceitos. Para tanto, são expedidos os decretos regulamentares.[17]
Ou seja, poder regulamentar é aquele atribuído pela Constituição Federal ao Presidente da República, para fins de expedição de regulamentos, mediante decretos, com a finalidade de promover a fiel execução das leis, o que não ocorreu com o Decreto em questão, haja vista a patente extrapolação de sua finalidade, conforme visto.
Além da ilegalidade acima, podemos verficar que apesar de já constar no capítulo V da Lei nº 9.605/98 os crimes contra o meio ambiente, com suas respectivas sanções, o Decreto 6.514/08 trouxe diversas inovações, embasando-se no disposto no art. 70 da mesma lei, o qual apresenta apenas a definição genérica de infração administrativa ambiental, não cabendo ao Decreto Regulamentador enumerar nem individualizar as condutas sujeitas a tais sanções administrativas, cabendo isso somente à lei, tendo em vista que ao referido decreto cabe apenas explicar e facilitar a aplicação da lei regulamentada.
Temos, assim, as infrações previstas nos artigos 28, 30 a 33, 37, 38, 41, 51, 53 a 55, 58, 65, 68, 69, 71, 76, 78, 80, 81, 84 a 90 do Decreto em tela, mas ausentes na lei originária[18].
Tais inovações são ilegais, pois, conforme ensina Alexandre de Moraes:
O exercício do poder regulamentar do Executivo situa-se dentro da principiologia constitucional da Separação dos Poderes (CF, arts. 2º; 60, § 4º, III), pois, salvo em situações de relevância e urgência (medidas provisórias), o Presidente da República não pode estabelecer normas gerais criadoras de direitos ou obrigações, por ser função do Poder Legislativo. Assim, o regulamento não poderá alterar disposição legal, tampouco criar obrigações diversas das previstas em disposição legislativa.[19]
No caso em tela, estamos diante de um exercício de delegação indevida, que, conforme Gilmar Ferreira Mendes:
...há delegação indevida quando se permite ao regulamento inovar inicialmente na ordem jurídica, atribuindo-lhe a definição de requisitos necessários ao surgimento de direito, dever, obrigação ou restrição. Explicitando esse entendimento, sustenta Celso Antônio Bandeira de Mello que “inovar que dizer introduzir algo cuja preexistência não se pode conclusivamente deduzir da ‘lei regulamentada’, verificando-se inovação proibida toda vez que não seja possível ‘afirmar-se que aquele específico direito, dever, obrigação, limitação ou restrição incidentes sobre alguém não estavam estatuídos e identificados na lei regulamentada.[20]
Por fim, temos que o Decreto 6.514/08 majorou abusivamente as multas previstas no Decreto precedente (3.179/99), bem como na Lei regulamentada (9.605/98), fugindo, assim, do caráter educativo do infrator, com vista a assegurar o interesse público, que é, no caso, a preservação da qualidade de vida, conforme insculpido no art. 225 da Constituição Federal ao afirmar que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Como exemplo de tal abuso, podemos citar os artigos 25 e 30 do Decreto nº 3.179/99 (revogado):
Art. 25. Destruir ou danificar floresta considerada de preservação permanente, mesmo que em formação, ou utilizá-la com infringência das normas de proteção:
Multa de R$1.500,00 (mil e quinhentos reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por hectare ou fração.
Art. 30. Extrair de florestas de domínio público ou consideradas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Multa simples de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), por hectare ou fração. (g.n)
Majorados abusivamente nos artigos equivalentes do Decreto nº 6.514/08:
Art. 43. Destruir ou danificar florestas ou demais formas de vegetação natural ou utilizá-las com infringência das normas de proteção em área considerada de preservação permanente, sem autorização do órgão competente, quando exigível, ou em desacordo com a obtida: (Redação dada pelo Decreto nº 6.686, de 2008).
Multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), por hectare ou fração.
Art. 45. Extrair de florestas de domínio público ou áreas de preservação permanente, sem prévia autorização, pedra, areia, cal ou qualquer espécie de minerais:
Multa simples de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) por hectare ou fração. (g.n.)
Temos ainda a penalidade de perdimento de bens, inscrito no art. 134 do Decreto supra:
Art. 134. Após decisão que confirme o auto de infração, os bens e animais apreendidos que ainda não tenham sido objeto da destinação prevista no art. 107, não mais retornarão ao infrator, devendo ser destinados da seguinte forma: (g.n.)
Criando, assim, um mecanismo de confisco por parte do poder público, na medida em que o valor da multa poderá facilmente superar o valor do bem envolvido, como no caso de apreensão de um veículo (um caminhão, por exemplo, de R$ 300.000,00), como penalidade por extração de madeira avaliada em R$ 50.000,00.
Lembrando que a Constituição Federal, em seu artigo 5º consagra que:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...]
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
XXIV - a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição;
Conflitando, também, com a Lei 9.784/99, a qual deveria ser observada, tendo em vista seu caráter geral, ao dispor no parágrafo único, VI, de seu art. 2º que:
A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
[...]
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
Neste sentido, uma manifestação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL - ADMINISTRATIVO - CONTRABANDO DE DOIS RIFLES - APREENSÃO DE VEÍCULO - PENA DE PERDIMENTO DE VEÍCULO CUJO VALOR É QUATRO VEZES SUPERIOR AO DOS RIFLES - NÃO CABIMENTO - APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. Esta Corte Superior de Justiça pacificou o entendimento segundo o qual é “inadmissível a aplicação da pena de perdimento do veículo, quando evidente a desproporção entre o seu valor e o da mercadoria de procedência estrangeira apreendida" (REsp n. 109.710/PR, Rel. Min. Hélio Mosimann, DJ de 22.04.97). Na hipótese em exame foi apreendido veículo no valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), enquanto os dois rifles contrabandeados equivaliam, em conjunto, a R$ 1.000,00 (mil reais). Dessa forma, em respeito aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, não deve ser aplicada ao caso dos autos a pena de perdimento, uma vez que o valor das mercadorias contrabandeadas é muito inferior ao valor do veículo. Recurso especial ao qual se nega provimento.[21]
Apesar das irregularidades apresentadas, há quem defenda a legalidade do Decreto 6.514/08, como o ilustre Édis Milaré, pelo que transcrevemos abaixo:
A incidência do princípio da legalidade, salvo disposição legal em contrário, não implica o rigor de se exigir que as condutas infracionais sejam previamente tipificadas, uma a uma, em lei, tal como ocorre no Direito Penal. Basta, portanto, a violação de preceito inserto em lei ou em normas regulamentares, configurando o ato como ilícito, para que incidam sobre o caso as sanções prescritas, estas, sim, em texto legal formal. [...]
Este é o caso da Lei 9.605/1998 que, de forma bastante genérica e ampla, considerou infração administrativa “toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente”. (art. 70, caput)
Trata-se de um tipo infracional aberto, que possibilita ao agente da Administração agir com ampla discricionariedade, ao buscar a subsunção do caso concreto na tipificação legal adotada, para caracterizá-lo como infração administrativa ambiental.[22]
Em que pese a opinião do mestre, nos contrapomos ao seu entendimento, lembrando, inicialmente, que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX, CR/88), bem como pelas justificações já expostas, das quais destacam-se alguns preceitos constitucionais:
· Princípio da legalidade (art. 5º, II, e 37);
· Princípio da reserva legal (art. 22, I, e 24, XI);
· Princípio da separação dos poderes (art. 60, § 4º, III);
· Poder regulamentar (art. 84, IV).
Corroborados pela doutrina:
· A Administração Pública somente tem possibilidade de atuar quando exista lei que o determine (atuação vinculada) ou autorize (atuação discricionária). (Marcelo Alexandrino e Alexandre Paulo)
· Toda norma imperativa ou proibitiva e de ordem pública admite só a interpretação estrita. (Carlos Maximiliano)
· Na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. (Alexandre de Moraes)
Pelo entendimento do Supremo Tribunal Federal:
Decretos existem para assegurar a fiel execução das leis (art. 84, IV, da CF/1988). A EC 8 de 1995 – que alterou o inciso XI e alínea a do inciso XII do art. 21 da CF – é expressa ao dizer que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei. Não havendo lei anterior que possa ser regulamentada, qualquer disposição sobre o assunto tende a ser adotada em lei formal. O decreto seria nulo, não por ilegalidade, mas por inconstitucionalidade, já que supriu a lei onde a Constituição a exige. A Lei 9.295/1996 não sana a deficiência do ato impugnado, já que ela é posterior ao decreto.[23]
Pela jurisprudência do Tribunal Regional Federal:
ADMINISTRATIVO. IBAMA. AUTO DE INFRAÇÃO. IMPOSIÇÃO MULTA. LEI Nº 9.605/98. ART. 50. DEC Nº 3.179/99
I - O art. 50 da Lei 9.605/98 tipifica crime cometido contra o meio ambiente e não infração administrativa a ser punida pelo IBAMA. Assim sendo, somente o Juiz criminal, após regular processo penal, poderia impor as penalidades nele previstas.
II - É ilegal a tipificação de infrações administrativas por meio de Decreto.
III - Apelação provida.[24]
E para finalizar, a lição de Pedro Lenza:
Sabe-se que o conteúdo e a amplitude do regulamento devem sempre estar definidos em lei, subordinando-se aos preceitos desta última. Quando o regulamento extrpolar a lei padecerá de vício de ilegalidade, podendo, inclusive, o Congresso Nacional, nos termos do art. 49, V, sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar.
Isso porque, ao contrário da lei, fonte primária do direito, o regulamento se caracteriza como fonte secundária. Outro entendimento feriria o princípio da legalidade previsto no art. 5º, II, da CF/88, bem como o princípio da separação de Poderes, previsto no art. 2º e elevado a categoria de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, III), na medida em que a expedição de normas gerais e abstratas é função típica do Legislativo. Quando o constituinte originário atribui função atípica de natureza legislativa ao Executivo, ele o faz de modo expresso, como se percebe, por exemplo, no art. 62 (medidas provisórias).[25]