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Holdings familiares.

Mitos e realidades no uso das sociedades holding no contexto da sucessão familiar

13/06/2012 às 11:20
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A constituição de uma holding permite deslocar a disciplina jurídica dos interesses envolvendo família x patrimônio x empresa do eixo do direito civil tradicional para o do direito de empresa, mas com atenção para não burlar direitos de credores, direitos sucessórios, regimes de casamento etc.

Entendemos planejamento da sucessão, grosso modo, como o processo através do qual família e empresa criam os instrumentos e convenções que lhes permitirão dispor em longo prazo de perenidade, governabilidade e racionalidade. Fatores atuantes em nossa sociedade como o crescimento econômico, a competitividade, a facilidade de acesso àinformação, as experiências bem sucedidas de grandes grupos empresariais, entre outros, tem popularizado no ambiente das empresas de médio porte e do agronegócio a cultura do planejamento da sucessão. Para nós, que acompanhamos o assunto há mais de dez anos, essa popularização deve ser recebida com alegria e cautela.

A cautela se justifica pelo fato de que o mote “planejamento da sucessão” e a popularização do uso das sociedades holding tende a trazer consigo a banalização e o uso por vezes pouco ortodoxo dos institutos. O termo “holding” é uma expressão guarda-chuva que abriga uma série de acepções. A expressão é comumente traduzida como “controlar” e consiste no uso de uma sociedade personificada, geralmente uma S.A. ou uma limitada, para exercer o poder de controle sobre outra sociedade ou sobre um determinado patrimônio. Não existe a nosso ver uma significação jurídica relevante para o termo, muito embora o conceito de controle seja de grande relevância.

A doutrina jurídica identifica diversas espécies de holdings, classificando-as como puras ou mistas, familiares ou patrimoniais, etc. Tais classificações não tem maiores implicações práticas na medida em que o que realmente importa saber é a utilidade da holding no contexto em que está inserida. Na prática estas sociedades poderão servir de instrumento para controlar um determinado patrimônio familiar, controlar uma ou mais empresas, podendo exercer ou não alguma outra atividade operacional, tal qual o aluguel de bens e direitos, a atividade agrícola, o financiamento de investimentos em controladas, etc.

Se pudéssemos resumir em uma única sentença a vantagem estratégica no uso das sociedades holding, diríamos que sua constituição permite deslocar a disciplina jurídica que rege os conflitos e interesses envolvendo família x patrimônio x empresa do eixo do direito civil tradicional para o eixo do direito de empresa. Ganha-se com isso na medida em que passamos a lidar com normas mais flexíveis, maior respeito à autonomia da vontade e maior aptidão destas regras jurídicasalidar com a realidade econômica e social das empresas e negócios.

Esta flexibilidade, entretanto, não pode jamais ser concebida como uma brecha para burlar direitos de credores, direitos sucessórios, regimes de casamento ou quaisquer institutos oriundos do direito civil, família ou sucessões. Pensando nisto e tendo em vista as dúvidas e confusões comuns sobre o tema, nos parece oportuno apontar qual o real alcance e as vantagens que a constituição destas sociedades pode proporcionar a empresas e famílias, e ainda desmitificar algunstemas a ela relacionados.


Regimes de casamento e holding familiar

Formalmente a constituição de uma pessoa jurídica com a versão do patrimônio da pessoa física para o capital social da pessoa jurídica permite ao sócio administrador dispor destes bens sem a anuência do cônjuge, seja qual for o regime de casamento. É equivoco, entretanto, imaginar que um cônjuge poderá impunemente valer-se da constituição de uma holding familiar para fins de lesar direitos do outro cônjuge.

Essa flexibilização até pode ser vista como uma vantagem lícita na medida em que possibilita a desburocratização de determinados procedimentos, entretanto será sempre censurada pelo Poder Judiciário quando for arquitetada com intuito fraudulento ou vício de consentimento. Buscar através da constituição de uma holding a obtenção deste tipo de vantagem escusa não nos parece uma técnica inteligente ou promissora.


Proteção patrimonial e holding familiar

Propaga-se aos quatro ventos a possibilidade da utilização deholdingsfamiliares como forma de “blindar” o patrimônio contra eventuais ou – o que é pior – contra atuais credores. Essa crença merece ser vista com máxima cautela na medida em que não é totalmente verdadeira. A constituição de holdingsfamiliares com o intuito de proteger o patrimônio em conjunto com estratégias de planejamento sucessórioé medida que se mostra, diante de determinadas situações, eficaz somente em alguns casos.Não nos parece de todo correto o uso da expressão “blindagem patrimonial”, pois induz os desavisados à crença de que seja possível tornar seu patrimônio imune a quaisquer credores, assertiva que não é verdadeira.

Em realidade legislações protetivas tais quais a consumerista e – notadamente – a trabalhista encontram guarida no posicionamento dos Tribunais para flexibilizar o formalismo na busca da satisfação do hipossuficiente (no caso, trabalhadores e consumidores). Por outro lado mesmo diante de outros credores, tais como fisco e fornecedores, jamais a constituição de uma holdingpoderá servir de abrigo para atos praticados em fraude a credores ou fraude a execução, ou seja, se determinado cidadão já se encontra na situação de devedor ou executado, será anulado ou desconsiderado pelo Poder Judiciário o ato praticado com vistas a lesar os interesses já estabelecidos e manifestos de seus credores.

Por outro lado a chamada proteção patrimonial será medida eficaz contra a maior parte dos possíveis credores se adotada de forma preventiva e merece ser indicada sempre que se tenha ciência de suas limitações. O caderno de Finanças do jornal Valor Econômico publicado no dia 12 de novembro de 2010 mostra como executivos do Banco Panamericano – a época em que a crise eclodiu na empresa – “ajustaram” seu patrimônio particular diante de eventuais “infortúnios”. Com propriedade, ao se referir à constituição de holdingspatrimoniais, a reportagem menciona que “Estratégias de planejamento patrimonial e sucessório como a que aparentemente foi feita pelo executivo são legitimas e podem ocorrer legalmente”.

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Continuidade, unanimidade e previsibilidade

A possibilidade de legar à família, através do uso de sociedades holding, as facilidades e conveniências relacionadas à continuidade dos negócios, evitar a unanimidade na tomada de decisões, atribuir previsibilidade aos rumos da empresa e do patrimônio, a separação da gestão do negócio da gestão do patrimônio, entre outras vantagens, mesmo após o falecimento de algum membro da família é uma expectativa legítima a ser buscada no uso destas empresas.Mas cuidado! Não existe uma fórmula mágica concebida por trásdas holdings capaz de por si só trazer todos estes benefícios. É ingenuidade imaginar que exista advogado ou consultor apto a vender a qualquer família ou empresa um ou mais contratos prontos a espera de assinatura e registro que sejam capazes de trazer todos estes benefícios.Quiçá o máximo que farão é não trazer prejuízos. A obtenção destas vantagens depende, sobretudo, de envolvimento e comprometimento da família e empresa com estes objetivos. Os contratos nada mais são do que o reflexo deste esforço.


Conclusão

Há ainda uma série de outros aspectos que mereceriam ser abordados neste artigo a respeito das holdings, tais como planejamento tributário, usufruto e doação de quotas, o direito dos sucessores à “legitima” e a possibilidade do sucedido usar o “disponível”, o uso da arbitragem em conflitos societários, além de uma infinidade de outros aspectos. Temos visto no dia-a-dia que de maneira geral os empresários têm uma visão distorcida e recheada de equívocos e preconceitos sobre tais temas, os quais abordaremos oportunamente em ocasiões futuras.

 Por hora nos parece oportuno parafrasear a frase atribuída ao escritor russo Dostoiévski, para quem “Para se conhecer qualquer pessoa, é preciso ir-se chegando a ela devagar e com cautela, para evitar equívoco e preconceito, coisas bem difíceis de corrigir e reparar depois”. O mesmo vale para o planejamento da sucessão, pois em relação ao tema equívocos e preconceitos cobram um preço muito alto.

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Sobre o autor
Ricardo Paz Gonçalves

Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS; Advogado inscrito na OAB-RS sob nº 75.209; Extensão em Gestão Tributária Empresarial pela FEEVALE, Consultor externo do Sebrae-RS nas áreas de Políticas Públicas e Desenvolvimento de Metodologias; Membro ativo da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (FESDT).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GONÇALVES, Ricardo Paz. Holdings familiares.: Mitos e realidades no uso das sociedades holding no contexto da sucessão familiar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3269, 13 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21992. Acesso em: 20 nov. 2024.

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