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Reflexos do neoconstitucionalismo na política ambiental brasileira

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Não se pode reduzir a tutela jurídica em matéria ambiental ao formalismo positivo. O sistema constitucional brasileiro abre espaço para a realização de reformas macroestruturais na Política Nacional do Meio Ambiente.

RESUMO

O presente artigo aborda o estágio atual da política ambiental no Brasil, mais especificamente a estrutura sistemática da Lei 6.938/1981, revelando que não obstante sua “boa-vontade”, seu objetivo não vem sendo cumprido a contento, uma vez que o aparelhamento estatal carece de uma estrutura mínima de pessoal e de equipamentos para realizar uma eficiente fiscalização dos recursos ambientais deste tão rico país continental. A resposta a esta necessidade pode ser encontrada na própria Constituição da República de 1988, gentilmente qualificada de “Constituição Verde”, que por meio de seus princípios, em especial o do desenvolvimento sustentável (arts. 225 e 170, VI), exigem do estado uma postura mais ativa em prol de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que possa proporcionar à população brasileira a realização de um outro princípio: o da dignidade da pessoa humana. Neste contexto de reflexões e mudanças surgem, de forma ainda embrionária, discussões sobre uma regulação ambiental, a ser exercida por entidade administrativa independente. Estes são, em síntese, alguns dos temas que passaremos a abordar neste ensaio.

Palavras-chaves: Política ambiental brasileira, regulação ambiental, neoconstitucionalismo ambiental.


1. Considerações iniciais e evolução histórica da proteção ambiental no Brasil

Uma das preocupações mais marcantes do direito constitucional na atualidade refere-se à força normativa dos princípios e a eficiência de seus comandos. O processo de constitucionalização que ganhou força logo após as revoluções que derrubaram absolutismo monárquico fortaleceu a democracia e a estruturação de um estado tipicamente de direito.

Em matéria ambiental, ao longo dos séculos que se seguiram, as normas ambientais foram ganhando espaço, regulando quase a totalidade dos bens ambientais, denominados pela doutrina jus-ambientalista de microbens ambientais.

No Brasil, a partir da segunda metade do século XX, mesmo que timidamente, o direito ambiental foi surgindo, tutelando alguns bens ambientais isolados, tais como as florestas, as águas, a fauna, entre outros. É certo que esta proteção ambiental somente ganhou contornos de uma maior sistematização após a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente de Estocolmo, em 1972. O principal reflexo dos debates havidos neste importante fórum no Brasil se concretizou na Lei 6.938/1981, que pela primeira vez na história do país criou uma política pública para administração ambiental.

A referida lei criou o Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, sendo este composto pelo conjunto de órgãos públicos responsáveis pela administração ambiental. Para Terence Dorneles Trennepohl[1] o sistema teve sua origem com o Decreto nº 73.030/1973 quando este criou a Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), logo após a Conferência de Estocolmo de 1972. Ainda segundo este autor, a estrutura do SISNAMA é oficialmente político-administrativa, governamental, aberta à participação de organizações não-governamentais, constituída pelos órgãos ambientais e entidades da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Esses órgãos têm, cada um em sua esfera de competência, um forte aparato normas à disposição para a implementação da política ambiental através dos inúmeros instrumentos previstos na própria Lei 6.938/1981.

A legislação brasileira é bastante ampla no que tange aos aspectos ambientais. Freqüentemente é citada como uma das mais bem elaboradas e mais completas do mundo inteiro. Não obstante este ponto positivo em favor de nosso país, a política ambiental no Brasil ainda está muito aquém do patamar em que deveria estar.

Constantemente aqui vemos interesses econômicos se sobrepondo a interesses preservacionistas e a legislação ambiental acaba ficando em segundo plano. Exemplo claro neste sentido aconteceu com a liberação, por Medida Provisória, do plantio e comercialização da soja transgênica na região sul do Brasil, movida por interesses econômicos da empresa multinacional Monsanto e do lobby dos poderosos agroindustriais interessados na liberação da atividade.

À época, o que fundamentou a suspensão do plantio e comercialização da soja transgênica, por meio de decisão judicial, foi a prevalência do princípio da precaução, que impõe que se não há certeza científica de que a atividade não causará danos ao meio ambiente e à saúde da população, deve ser a mesma suspensa, até que se tenha um posicionamento científico contrário.

Este é apenas um dos muitos exemplos que poderiam ser citados para ilustrar casos em que os interesses econômicos se sobrepõem aos interesses ambientais.

No contexto atual em que o país experimenta um crescimento econômico nunca antes visto em sua história, o risco de que este crescimento afete a qualidade de seu patrimônio ambiental é considerável. Citem-se como outros dois exemplos, a total destruição (por queimadas e desmatamento) dos cerrados, na porção central do país, para a instalação de fazendas de soja, de mamona e de outros produtos agrícolas e da Floresta Amazônica no sul do Pará para o desenvolvimento da mineração e no Norte do Mato Grosso, para o desenvolvimento da pecuária.

Nestas áreas o lema é desenvolver a todo custo. O mais interessante é que tudo isso ocorre nas barbas do Estado, com todo o seu aparato de órgãos ambientais de fiscalização.

Diante de todos estes fatos, que são apenas alguns em meio ao caos que se observa no gerenciamento dos recursos ambientais no país, percebe-se que uma reforma ambiental precisa ser feita com urgência. O país tem experimentado inúmeras situações novas, principalmente após a abertura de mercado feita no governo de Fernando Collor, quando também se iniciou uma política de privatizações e delegações de serviços públicos aos particulares, sob a supervisão de entes reguladores independentes.

Recentemente o país anunciou, em plena crise econômica mundial, a descoberta de uma imensa reserva de petróleo na camada do pré-sal que pode tornar o país no detentor de uma das maiores reservas de petróleo do mundo. Ocorre que o também recente vazamento de petróleo da plataforma da British Petroleum no Golfo do México acendeu o debate sobre os riscos da exploração de petróleo no mar. Será que o Brasil estará preparado para conter e recuperar o ambiente em caso de vazamento de petróleo à semelhança do que aconteceu na costa dos Estados Unidos? Esta é uma pergunta que vem sendo feita com freqüência no país.


2. Resenha crítica da política ambiental brasileira

Diante destes acontecimentos, percebe-se o quanto tem sido utópica a tarefa de implementar a política ambiental no país. Acredito que esta fantasia não seja uma característica apenas do Brasil, mas de todos os países que adotam o regime capitalista de produção, onde cada vez mais se estimula o consumo e se criam necessidades desnecessárias. Esta preocupação, inclusive, será o ponto nodal da Conferência Rio + 20, que acontecerá ainda este ano no Rio de Janeiro, e que concentrará os debates em torno de uma alternativa econômica para o século XXI, a saber, a implementação da denominada economia verde.

Este breve artigo tem como objetivo principal suscitar um debate sobre a efetividade da legislação ambiental brasileira frente às situações que surgem neste ambiente globalizado, onde a corrida pelo desenvolvimento atropela patrimônios ambientais, com uma velocidade cada vez mais crescente.

Inúmeros juristas hoje dedicam linhas ao estudo do Estado de Direito Ambiental. Para Boaventura de Souza Santos[2], o Estado de Direito Ambiental é, na realidade, uma utopia democrática, porque a transformação a que aspira pressupõe a repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e coletiva, incluindo nela uma Carta de direitos humanos da natureza.

Em outras palavras, o Estado de Direito Ambiental pressupõe um Estado mais comprometido com a realização social, com uma menor intervenção nos ambientes naturais, uma vez que haverá uma redução significativa na mercantilização e no consumo. Isto parece a cada dia mais distante da realidade brasileira, uma vez que o país encontra-se deslumbrado com os prazeres do consumo, possíveis devido ao bom momento econômico que vivencia na atualidade.

Para Vicente Bellver Capella[3], o Estado de Direito Ambiental pode ser definido como a forma de Estado que se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para alcançar um desenvolvimento sustentável, orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural.

O Brasil é um país continental, detentor de um território bastante extenso e rico em recursos naturais, sendo dotado de uma biodiversidade extraordinária. É inconcebível ver como esta riqueza é subaproveitada no país. A cada ano cresce o número de biopiratas estrangeiros que adentram nas matas brasileiras em busca de espécies animais e vegetais a serem utilizadas em pesquisas para a indústria farmacêutica ou de cosméticos. Enquanto isso, os brasileiros estão queimando as florestas em busca de terras nuas para o cultivo do gado ou determinada cultura agrícola.

Outro ponto a se considerar no contexto do poder de polícia ambiental no país é o aparelhamento dos órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização ambiental. Se os órgãos ambientais federais já sofrem com a insuficiência dos equipamentos (em termos quantitativos ou qualitativos, ou ambos), que se dirá dos órgãos ambientais dos Estados e dos municípios? A situação em alguns deles é precária, como sabem aqueles que lidam com pesquisas ou trabalham com consultoria na área.

Sobre esta questão, Andreas J. Krell[4] alerta que na prática, há poucos governos locais com capacidade técnica e vontade política para estabelecer um sistema próprio de licenciamento ambiental: por isso, os municípios normalmente concedem o seu alvará para atividades licenciadas por parte do órgão estadual ambiental.

Não há como atender a demanda por fiscalização com órgãos fracamente aparelhados. Diante deste problema aumenta significativamente a atuação dos criminosos ambientais, apostando na impunidade que esta situação gera.

Há um mal comum nos Estados brasileiros, principalmente nos Estados situados nas Regiões Norte e Nordeste: uma centralização da fiscalização nas capitais dos Estados, ficando o interior dos Estados praticamente descobertos pelas ações de fiscalização, salvo quando se resolver, no dia tal, fiscalizar tal área. A fiscalização deve ser permanente. O criminoso se esconde quando a fiscalização chega e se estabelece quando ela vai embora, sabendo que demorará um bom tempo para que tal fiscalização volte a ocorrer. É necessário que se criem núcleos permanentes de fiscalização, dotados de uma infraestrutura mínima que garanta a vigilância do local.

Deve-se considerar ainda a necessidade de dotar os órgãos de fiscalização ambiental de um quadro de funcionários efetivos qualificados que afastem de vez, ou pelos menos se reduza significativamente, as manobras possíveis na administração ambiental, devidas à política do medo que assola os ocupantes de cargos comissionados, que podem ver-se ameaçados em sua liberdade de atuação e obrigados a “concordarem”, mesmo que contra a sua consciência, com determinados projetos sob sua mesa.

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Diante desses casos e situações, os quais são apenas alguns, percebe-se que a política ambiental no Brasil precisa de uma reforma urgente, uma vez que o quadro atual é totalmente insuficiente para garantir um desenvolvimento que seja realmente sustentável.

A Lei 6.938/1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, aponta como seus principais objetivos a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico, as interesses de segurança nacional e à proteção da dignidade de vida humana. Teoricamente, é sem sombra de dúvidas, a mais importe lei em matéria ambiental no Brasil, até porque representa o corpo da atuação estatal, quando o assunto é a defesa ambiental e implementação de um desenvolvimento sustentável.

Faz-se a seguir uma análise da política ambiental brasileira, com base em objetivos específicos elencados na referida lei (6.938/1981), a saber:

I.           Compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico.

Esta é uma equação difícil de resolver em qualquer local do mundo. No Brasil, o momento de oportunidades e crescimento econômico que experimenta na atualidade pode levar a um deslumbramento cego da realidade ambiental. É preciso ter-se consciência do valor econômico e da importância na manutenção de seu patrimônio ambiental, na medida em que este campo se constitui em um universo de potencialidades a serem exploradas nas áreas de biotecnologias, indústria farmacêutica e indústria de cosméticos. Compatibilizar este crescimento econômico com a preservação da qualidade ambiental não possui apenas valor moral ou ético, mas essência em termos de sobrevivência na economia de mercado.

II.           Definição de áreas prioritárias de ação governamental relativas à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; o estabelecimento de critérios e padrões de qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais.

Este item fala, em síntese, da importância em se desenvolver um sistema de gestão pública do meio ambiente, de modo que seja possível realizar um mapeamento do patrimônio ambiental brasileiro, esparso em diversos ecossistemas e domínios morfoclimáticos, de modo que seja possível criar espaços a serem especialmente protegidos ou que possuam usos controlados, para que se garanta um mínimo existencial em matéria ambiental. Estes espaços são essenciais para a recomposição de áreas degradadas, para a manutenção gênica de espécies animais e vegetais, para fins estéticos e culturais, etc.

III.           O desenvolvimento de pesquisas e tecnologias nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais.

Não há como fugir desta regra, a não ser que se ignore o retrocesso e se caia nele. O Brasil tem obtido vantagens econômicas com o desenvolvimento de pesquisas com biocombustíveis, principalmente com o etanol e com o biodiesel. Em tempos que se buscam energias alternativas ao petróleo, movidos pela possibilidade de esgotamento deste recurso ou pelos debates acerca do aquecimento global, não investir neste setor representa um desperdício imperdoável, em termos de benefícios econômicos.

Mas a questão pode ser ainda mais ampliada, com incentivos estatais à pesquisa das florestas. As florestas, com uma exploração extrativista e orientada por técnicas de manejos sustentáveis, podem ser altamente rentáveis. É para este potencial que deve despertar as autoridades deste país.

IV.           A difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, a divulgação de dados e informações ambientais e a formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico.

No quesito difusão de tecnologias e de manejo do meio ambiente, ler item anterior que trata especificamente desta temática. No que se refere a informações ambientais, importante se faz destacar que este é um dos pontos mais importantes, aliados ao fortalecimento de uma democracia includente e participativa. Aqui não há espaço para uma democracia “vira-lata”, que se materializa através de uma abertura meramente formal. Uma estrutura realmente democrática tem permitir que seu corpo possua uma vontade consciente e politizada. E isso só se consegue com o fortalecimento da educação básica, fundamental e superior, enfim, do fortalecimento de todo o setor da educação. Só a educação é capaz de encurtar o espaço entre a ficção e a realidade, em seu aspecto político. Infelizmente, alguns políticos ainda enxergam vantagem no caos educacional existente no país. Não têm compromisso com o Estado, mas com seus interesses ou de seu grupo aliado. Quanto mais alienada a população, mas fácil será manobrá-la. No quesito ambiental, quanto mais alienada for esta população, menos importante será a informação ambiental à sua disposição, no que se refere ao exercício de uma cidadania verde.

V.           A preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida.

A Constituição Federal, em seu art. 225, deixa claro que um desenvolvimento sustentável é imprescindível para a realização humana no Estado brasileiro. Trata-se de um imperativo para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Não há dignidade humana em um ambiente completamente degradado, onde os bens ambientais encontram-se gravemente afetados.

Já que toda e qualquer intervenção humana no ambiente natural causa alteração das características físicas, ou seja, toda intervenção antrópica, inevitavelmente gera impactos ao meio ambiente, este impacto deve ser o menor possível. O ordenamento jurídico brasileiro adota a idéia do dano ambiental não significativo, tendo-o como aceitável. Tanto que, no caso de danos considerações insignificantes, o Poder Público está dispensado de exigir estudos prévios de impactos ambientais.

Para a constatação de que o dano identificado é realmente insignificante, o Poder Público deve realizar uma competente avaliação ambiental. Caso o dano ambiental extrapole os limites do que o Poder Público considera aceitável (podendo utilizar-se de padrões de qualidade ambiental estabelecidos pelo CONAMA ou por outros conselhos estatuais ou municipais), deve exigir não só o EPIA, mas os documentos que assegurem um eficiente controle ambiental (plantas, projetos de execução, listagem dos materiais utilizados, movimentações de terra, etc.).

VI.           A imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

Dois princípios informadores do direito ambiental, a saber, o do poluidor-pagador e o da responsabilidade, exigem daqueles que causam dano ambiental, a obrigação imediata de reparar o ambiente afetado, além de ter que arcar com indenizações ao Estado, pelo dano causado. Aqueles que desenvolvem determinadas atividades econômicas, com risco em potencial de causarem danos ao meio ambiente, devem suportar o ônus de ter que reparar o meio ambiente em caso de acidentes ou outros incidentes nocivos. Como gestores da atividade, devem ter muita cautela para com o funcionamento da atividade, investindo em equipamentos e métodos de controle de riscos, além de realizarem a manutenção destes equipamentos e sistemas. Isso é o mínimo que pode ser feito pelo desenvolvimento de uma atividade lucrativa que possa causar estes indesejáveis eventos.

Nas precisas palavras de Patrícia Faga Iglesias Lemos[5], de acordo com o princípio do poluidor-pagador, o causador da poluição arcará com seus custos, o que significa dizer que ele responde pelas despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. As implicações práticas do princípio do poluidor-pagador, segundo esta mesma autora, estão em alocar as obrigações econômicas em relação as atividades causadoras de danos, particularmente em relação à responsabilidade, o uso dos instrumentos econômicos e a aplicação de regras relativas à concorrência e subsídios.

Este item trata de outro princípio informador do direito ambiental: o do usuário-pagador. Segundo Maria Luiza Machado Granziera[6], este princípio se refere ao uso autorizado de um recurso ambiental, observadas as normas vigentes, inclusive os padrões legalmente fixados. Trata-se de pagar pelo uso privativo de um recurso ambiental de natureza pública, em face de sua escassez, e não como penalidade em caso de ilícito (como ocorre nos casos onde se aplicam os princípios do poluidor-pagador e da responsabilidade). A referida autora cita como exemplo a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, prevista no art. 19 da Lei 9.433/1997.

Em linhas gerais, estes são os objetivos específicos da Política Nacional do Meio Ambiente no Brasil. Em tese, trata-se de uma política muito bem idealizada e estruturada, mas que infelizmente, na prática, deixa muito a desejar. Não se afirma aqui que existe o total descumprimento da lei Brasil afora. É lógico que existem louváveis ações por parte de órgãos de fiscalização ambiental. No entanto o sistema é posto com uma fragilidade tal que dificulta e muito um trabalho eficiente em prol da defesa ambiental. Como será exposto adiante no item: Regulação ambiental, uma reforma legal se faz necessária para que seja assegurada uma maior autonomia e independência dos membros (avaliadores de impactos ambientais) dos órgãos ambientais. Além disso, imprescindível se faz que haja um investimento maciço na estrutura dos órgãos (pessoal habilitado e capacitado, equipamentos, etc.).

Vale trazer à lume reflexão de Andreas J. Krell[7] quando afirma que as falhas na implementação das normas jurídicas, problema tradicional e gravíssimo no Brasil, estão a ser manifestar com severidade também na implementação deficiente da legislação ambiental recente de todos os níveis estaduais. É evidente que em um país de porte continental, a fiscalização descentralizada da aplicação das leis promete resultados melhores, visto que apenas no âmbito regional e local é possível obter uma imagem precisa das partes concretas do meio ambiente, as quais merecem ser protegidas, e a maneira adequada de fazê-lo.

É fato que os Estados e municípios estão mais aptos a fiscalizar, de forma mais presente o ambiente afetado, e ainda, estão mais aptos a sentir os efeitos destes impactos. O problema é que a grande maioria destes entes federados está completamente despreparada para exercer esta função, em termos de pessoal qualificado e de estrutura. O próprio Andreas J. Krell[8], em outro momento de sua exposição destaca que o avanço da legislação ambiental sem uma correspondente estruturação da Administração Pública tem gerado um “vácuo institucional”, o que dificulta também a identificação pela sociedade civil do órgão responsável em cada caso.

Em síntese, percebe-se que o Sistema Nacional do Meio Ambiente, instituído pela mesma Lei 6.938/1981 precisa de uma reforma, de modo que se estabelece, de forma mais precisa, as funções de cada nível de seus componentes. Frise-se que este é apenas um aspecto de toda a problemática que expomos neste breve estudo.

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Sobre o autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Doutor em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucional pena Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Especialista em Direitos Fundamentais pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte (FESMP/RN), Professor Adjunto IV do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), Advogado especializado em Direito Ambiental, Presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024), Geógrafo, Conselheiro Seccional da OAB/RN (2022-2024), Conselheiro Titular no Conselho da Cidade de Natal (CONCIDADE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel. Reflexos do neoconstitucionalismo na política ambiental brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3274, 18 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22013. Acesso em: 24 abr. 2024.

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