CONCLUSÃO
Os centros urbanos brasileiros passaram por intensas transformações após a década de 1950, quando se observou o incremento do processo de industrialização no país. Neste período, o país, que era conhecido por ser essencialmente agrário, com mais da metade de sua população vivendo no campo, passou a ter a maioria de sua população residindo nos centros urbanos.
O processo de ocupação ocorreu, por muitas décadas, sem maiores rigores urbanísticos, até pela ausência de normas determinantes de comportamentos nesta matéria. A maior parte dos problemas ambientais urbanos observados hoje é devida a esta falta de planejamento ocorrida no passado, quando as cidades experimentavam um crescimento que nunca tinham visto.
A consciência ambiental no Brasil aumentou após a realização da Conferência de Estocolmo (Conferência das Nações Unidas de Meio Ambiente), em 1972. Um ano depois, foi criada no Brasil uma Secretaria Especial para o trato da questão ambiental, a SEMA. Em 1981, foi editada a Lei 6.938, que instituiu uma política nacional do meio ambiente e criou um sistema nacional de meio ambiente – SISNAMA – dando uma nova “roupagem” para o trato das questões ambientais. Esta lei foi, sem dúvida, o marco divisor da política ambiental brasileira. Com base nesta lei foram criados os mais importantes órgãos que atuam em favor da defesa ambiental.
A coroação da tutela ambiental ocorreu sem dúvida com a Constituição brasileira de 1988, que reservou um artigo específico tratando desta questão, o artigo 225.
No entanto, a lei 6.938/81 já completou 28 anos e a Constituição Federal vigente, 21 anos, e nestas duas décadas, quase três em relação à primeira lei citada, o que se observa é que apenas algumas ações isoladas ocorreram dignas de aplausos. Na maior parte destas ações, o sucesso observado deveu-se, principalmente, ao interesse e à consciência ambiental e funcional de alguns dos membros destes órgãos integrantes do SISNAMA. A realidade é que poucos órgãos têm estrutura física e recursos humanos capacitados a realizar uma eficiente fiscalização do meio ambiente nas cidades e no campo.
Some-se a este problema o fato de que muitos dos funcionários destes órgãos responsáveis pela fiscalização ambiental não são concursados e estão ali ocupando cargos comissionados (livre nomeação e exoneração), com interesse nenhum ou pouco em relação à sua função. Mesmo quando despertam referidos interesses, muitos são impedidos de agir por suas próprias consciências, que sempre os recordam que exercem funções de confiança do governo. Essas situações acabam por gerar grandes aflições nos bons funcionários, pois estes logo percebem que o principal agente causador de degradação ambiental, em muitos casos é o próprio Estado.
Até mesmo em situações de fiscalização dos administrados, que visam instalar e operar determinado empreendimento, é possível constatar ingerências sobre a atuação dos órgãos ambientais, devido a uma ausência de independência funcional e de garantias que se tem, por exemplo, em relação às agências reguladoras. Infelizmente há casos em que interesses escusos atravessam os labirintos destes órgãos e chegam até quem tem um poder de decisão quase supremo, que, movido por interesses políticos, pessoais e eleitoreiros, acabam interferindo na fiscalização ambiental ou urbanística de tais empreendimentos, simplificando as coisas. Estes casos são quase que diariamente difundidos nos meios de comunicação, país afora.
Neste sentido, a doutrina mais abalizada já observa com bons olhos a instituição da regulação ambiental. É certo que este tema ainda é embrionário, mas não restam dúvidas que pode vir contribuir significativamente para a defesa do patrimônio ambiental brasileiro.
Hoje se vive um momento de expansão do mercado global. O fenômeno da globalização já se alastrou por quase todo o mundo. Há uma tendência mundial, na verdade uma exigência econômica, que haja uma desregulamentação de diversas matérias, sejam elas constitucionais (desconstitucionalização) ou legais (deslegalização). Tais matérias deixariam os textos constitucionais e legais e ficariam ao encargo da própria Administração, através dos órgãos administrativos independentes, que teriam competência para editar regulamentos autônomos, a exemplo da França e da Itália.
Nem muito, nem tão pouco. A criação de agências reguladoras em matéria ambiental não deixa de ser uma boa idéia. No entanto, algumas garantias constitucionais e legais devem permanecer, visando à correção de distorções. Até porque as normas legais disporão sobre a matéria a ser regulada, funcionando como diretrizes de ação, como norte, como linhas gerais. O papel dos órgãos administrativos independentes seria, neste sentido, apenas o de complementar aquilo que a lei (geral) tivesse omitido ou não tivesse tratado (especificado) e que fosse essencial para atingir sua finalidade.
Para que todas estas transformações sejam operadas, de modo a permitir uma otimização das ações de defesa do meio ambiente, primeiramente se faz necessário que haja uma modificação na Constituição para definir um mínimo de características e garantias para as agências reguladoras, o que não se tem hoje. Após referida reforma, não restam dúvidas que a criação de uma agência reguladora ambiental no Brasil significaria um grande passo para a tutela do patrimônio ambiental nacional, seja ele natural ou artificial. Só assim, nossas cidades poderiam ganhar um verdadeiro e eficaz instrumento de controle e planejamento ambiental.
REFERÊNCIAS
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Notas
[1] Entidade autárquica vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
[2] Ioberto Tatsh Banunas recorda que: “O arcabouço legal ambiental existente em nosso país possibilita, sem sobra de dúvida, uma eficaz proteção aos recursos naturais, necessitando-se apenas de sua maximização quando de sua aplicação pelo poder local”. (BANUNAS, Ioberto Tatsh. Poder de polícia ambiental e o município: guia jurídico dos gestor municipal ambiental; orientador legal do cidadão ambiental. Porto Alegre: Sulina, 2003.)
[3] FRANÇA, Vladimir da Rocha. Eficiência administrativa na constituição federal. Texto extraído do Jus Navigandi – http://jus.com.br/revista/texto/334. Acesso em 28 de julho de 2009.
[4] Op. Cit.
[5] BANUNAS, Ioberto Tatsh. Poder de polícia ambiental e o município: guia jurídico dos gestor municipal ambiental; orientador legal do cidadão ambiental. Porto Alegre: Sulina, 2003, pág. 78., citando MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2000., pág. 90.
[6] BANUNAS, Ioberto Tatsh. Poder de polícia ambiental e o município: guia jurídico dos gestor municipal ambiental; orientador legal do cidadão ambiental. Porto Alegre: Sulina, 2003, pág. 78.
[7] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2001, pág. 83.
[8] SILVA, Carlos Sérgio Gurgel da. Análise da efetividade da legislação ambiental no combate ao processo de desertificação na região do Seridó Potiguar. Revista de Direito Ambiental nº 50 (abril-junho de 2008). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. pág. 35.
[9] SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 4. Ed. São Paulo: Malheiros, 2002.
[10] O Brasil possui um das legislações mais completas e complexas em matéria de defesa ambiental. É bem provável que não exista sequer algum elemento da fauna, flora, dos recursos minerais ou qualquer bem ambiental que não tenha sido atingido por regulamentações ambientais. No entanto, a ausência de uma sistematização ou de uma codificação em matéria de direito do ambiente permite a existência de confusões na aplicação de uma norma, pois podemos estar diante de uma norma que não merece observância por não ter sido recepcionada pela nova ordem jurídica instaurada após a Constituição de 1988, ou que já tenha sido tacitamente revogada por outra norma mais recente. Ademais, a própria Constituição Federal de 1988, em seus artigos 23 e 24 não deixa clara a competência da União, dos Estados-Membros, do Distrito Federal e dos Municípios em matéria ambiental, o que tem gerado muitos questionamentos perante os tribunais.
[11] Para Calixto Salomão apud Lizziane Souza Queiroz e Fabiano André de Souza Mendonça, “... no sistema brasileiro, jamais houve a tentativa de uma teoria geral da regulação. A razão para é jurídica e simples. Trata-se tradicional concepção do Estado como agente de duas funções diametralmente opostas: a ingerência direta na vida econômica e a mera fiscalização dos particulares...” (In: MENDONÇA, Fabiano André de Souza; FRANÇA, Vladimir da Rocha; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (org.) Regulação econômica e proteção dos direitos humanos: um enfoque sob a óptica do direito econômico. Fortaleza: Fundação Konrad Adenauer, 2008, pág. 127
[12] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. pág. 231.