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Possibilidade do credor em retomar a posse do imóvel antes da realização do leilão descrito na lei de alienação fiduciária

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Negar a imissão da posse ao credor implicaria autorizar que o devedor fiduciante permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação. Lacuna legislativa não pode implicar em imposição, ao credor fiduciário, de um prejuízo a que não deu causa.

Dúvidas não há de que a instuição da Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, pela Lei n.º 9.514/97, trouxe inúmeros beneficios ao Sistema de Financiamento Imobiliário, pois os credores passaram a contar com uma garantia de rápida recuperação do capital investido, sem, no entanto, reprimir o direito do devido processo legal aos devedores.

A obrigação garantida pela alienação fiduciária pode extinguir-se pelo seu cumprimento, mediante o pagamento da dívida, ou pelo seu inadimplemento. A sistemática da Lei n.º 9.514/97 é relativamente simples: o comprador do imóvel (fiduciante) aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia, ficando a propriedade do imóvel adquirida em caráter resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida. Uma vez paga a dívida, a propriedade do credor se extingue, com a consequente reversão da propriedade plena ao comprador-fiduciante.

Todavia, caso ocorra o inadimplemento do devedor (fiduciante), deve o credor (fiduciário) notificá-lo, por meio do Cartório de Registro de Imóveis, para purgar a dívida no prazo de 15 dias, e assim não o fazendo, diante da apresentação do comprovante de pagamento do Imposto de Transferencia Inter-Vivos, opera-se a consolidação da propriedade do imóvel em nome do credor (fiduciário), que deverá, no prazo de 30 dias, promover público leilão para a alienação do imóvel.

Ocorre que se tornou frequente a suspensão, pelo Poder Judiciário, do procedimento extrajudicial de execução da alienação fiduciária, após consolidada a propriedade do imóvel em nome do credor (fiduciário), gerando assim, uma verdadeira celeuma jurídica, pois o credor se vê impedido de realizar o leilão público para a venda do bem e consequentemente dispor do imóvel e da execução de sua garantia, ao mesmo tempo em que, já responde pelos encargos relativos a este, mesmo estando o imóvel na posse do devedor.

É certo que a Lei de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis, por força da inteligência contida no art. 30, confere ao credor (fiduciário) ou ao seu adquirente, por força do público leilão, a possibilidade de requerer a reintegração da posse do imóvel, desde que comprovada a consolidação da propriedade deste em seu nome.

Contudo, há quem defenda que da análise sistemática da Lei, a imissão da posse do credor (fiduciário) no imóvel somente seria possível a partir da realização do leilão. A uma, por determinar o art. 37-A que o marco inicial para o pagamento do devedor da taxa de ocupação do imóvel é a data da realização do leilão; e a duas, por ter o devedor (fiduciante) a possibilidade de purgação da mora até a data da alienação judicial do imóvel.

Não obstante, não nos parece razoável tal alegação, pois a posse do devedor decorre da relação fiduciária e é exercida como consequência natural dessa relação, só sendo admitida, por isso mesmo, enquanto adimplente o devedor.  Assim, ao romper-se a relação fiduciária por inexecução culposa do devedor, com a consequente consolidação da propriedade em nome do credor, sua posse deixa de existir a justo título, sendo, portanto, cabível a reintegração do credor na posse do imóvel, antes mesmo da realização do leilão público, que deverá ser concedida liminarmente no prazo de 60 dias.

Em recente julgado, o Superior Tribunal de Justiça, por meio da 3ª Turma Julgadora, se debruçou acerca deste imbróglio na análise do Recurso Especial 1.155.716-DF, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi. Entendeu-se que há diversos dispositivos na Lei n.º 9.514/97 cuja interpretação conjugada leva a uma possível situação de dúvida acerca da admissibilidade ou não da reintegração do credor (fiduciário) na posse do imóvel antes da realização do leilão público. Contudo, consignou que “a solução não pode se dar em um sentido contrário ao que recomenda a lógica jurídica”, decidindo que, se a posse do imóvel, pelo devedor fiduciário, é derivada do contrato firmado com o credor fiduciário, a resolução deste, por força da consolidação da propriedade em nome do credor, torna ilegítima a posse do devedor. No caso, cabível e legítima a reintegração de posse logo após a consolidação da propriedade na titularidade do credor fiduciário.

Frisou ainda o Tribunal Superior que negar a imissão da posse ao credor implicaria autorizar que o devedor fiduciante permaneça em bem que não lhe pertence, sem pagamento de contraprestação, razão pela qual a lacuna legislativa não pode implicar a imposição, ao credor fiduciário, de um prejuízo a que não deu causa.

Não poderia ser outro o posicionamento do Poder Judiciário. Admitir o contrário seria ir contra a celeridade e efetividade da garantia em alienação fiduciária de bens imóveis. Havendo suspensão do procedimento extrajudicial de execução, a consolidação da propriedade em nome do credor se tornaria inócua e sem sentido. Também iria de encontro à intenção do legislador, que encontrou na alienação fiduciária um meio pelo qual o credor teria garantida a recuperação do capital investido e não devolvido, espontaneamente, pelo devedor na data aprazada, em substituição à morosidade dos procedimentos de cobrança judicial. 

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Sobre o autor
Roberto Mariano de Oliveira Soares

Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, UNIP. Pós Graduado em Direito Constitucional pela Universidade de Brasília, UnB. MBA em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas, FGV. Membro da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual, ABPI. Foi Presidente da Comissão Extraordinária de Processo Eletrônico da Ordem dos Advogados, Conselho Seccional do Distrito Federal de 2010 a 2012.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Roberto Mariano Oliveira. Possibilidade do credor em retomar a posse do imóvel antes da realização do leilão descrito na lei de alienação fiduciária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3327, 10 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22398. Acesso em: 29 mar. 2024.

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