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Ação civil pública: litisconsórcio passivo necessário com o terceiro prejudicado

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16/08/2012 às 15:46
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A aplicabilidade das normas de direito processual individual no âmbito do processo coletivo deve passar pelo crivo do princípio constitucional que fundamenta esse ramo jurídico, qual seja, o princípio do acesso à ordem jurídica justa, inscrito no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal.

Sumário: 1. Introdução. 2. O princípio do acesso à ordem jurídica justa como fundamento do direito processual coletivo. 3. Critérios para aplicação das normas de direito processual individual no âmbito do processo coletivo e a aplicabilidade do art. 47 do CPC. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.


1. Introdução

A ação civil pública, instrumento processual destinado à defesa dos direitos transindividuais, notadamente aqueles de natureza difusa e coletiva, em regra volta-se contra os ofensores desses direitos, não importando se pessoas jurídicas ou naturais, públicas ou privadas, os quais, não há dúvida, por sofrerem diretamente os efeitos de uma eventual sentença de procedência, são os legitimados para ocupar o pólo passivo dessas ações.

Contudo, assim como acontece no âmbito das demandas individuais, não raras vezes a sentença de procedência, ao entregar o provimento jurisdicional necessário à remoção da ofensa ao interesse transindividual tutelado, implica em prejuízos ao patrimônio jurídico de terceiros, hipótese em que surge a dúvida se é cabível o litisconsórcio passivo necessário, na forma do art. 47 do CPC, que assim dispõe:

Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo. (destaque aposto)

Analisando a questão no julgamento do Recurso Especial nº 405.706 – SP o Superior Tribunal de Justiça entendeu que o dispositivo transcrito acima é aplicável no âmbito do processo coletivo, como medida de se garantir ao terceiro prejudicado o direito ao devido processo legal, sendo indispensável a sua citação para compor a lide como litisconsórcio. Eis a emenda do acórdão proferido na ocasião:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO COM PARCELAMENTO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DOS ADQUIRENTES DOS LOTES. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NULIDADE DA RELAÇÃO PROCESSUAL. 1. Tratando-se de ação difusa em que a sentença determina à ré a proceder ao desfazimento do parcelamento, atingindo diretamente a esfera jurídico-patrimonial dos adquirentes dos lotes, impõe-se a formação do litisconsórcio passivo necessário. 2. O regime da coisa julgada nas ações difusas não dispensa a formação do litisconsórcio necessário quando o capítulo da decisão atinge diretamente a esfera individual. Isto porque consagra a Constituição que ninguém deve ser privado de seus bens sem a obediência ao princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF/88). 3. Nulidade de pleno direito da relação processual, a partir do momento em que a citação deveria ter sido efetivada, na forma do art. 47 do CPC. 4. Aplicação subsidiária do CPC, por força da norma do art. 19 da Lei de Ação Civil Pública. 5. Recurso especial provido para declarar a nulidade do processo, a partir da citação, e determinar que a mesma seja efetivada em nome do recorrente e dos demais adquirentes dos lotes do Jardim Joana D'Arc.

(BRASIL, 2002)

Com efeito, o presente trabalho visa a analisar criticamente o referido julgado, investigando se, efetivamente, é possível a aplicação do art. 47 do CPC nas ações coletivas e se de fato o litisconsórcio passivo com o terceiro prejudicado constitui medida essencial à garantia do devido processo legal, direito fundamental garantido pelo art. 5º, LIV, da Constituição Federal.

Para tanto, a análise proposta partirá da investigação dos princípios que orientam e justificam as ações coletivas, como parâmetro de interpretação das normas que autorizam a aplicação subsidiária do direito processual individual.


2. O princípio do acesso à ordem jurídica justa como fundamento do direito processual coletivo

A ordem jurídica, a despeito de ser composta pelas mais variadas disposições normativas, apresenta-se, ainda assim, como sistema de normas lógica e coerentemente unidas entre si. Na lição de Jorge Miranda:

O Direito não é mero somatório de regras avulsas, produto de atos de vontade, ou mera concatenação de fórmulas verbais articuladas entre si. O Direito é ordenamento ou conjunto significativo e não conjunção resultada de vigência simultânea; é coerência ou, talvez mais rigorosamente, consistência; é unidade de sentido, é valor incorporado em regra. E esse ordenamento, esse conjunto, essa unidade, esse valor, projeta-se ou traduz-se em princípios, logicamente anteriores aos preceitos. (1990, apud DELGADO, 1993, p. 66)

Tal unidade somente se faz possível em virtude das funções prospectiva e ordenadora desempenhadas pelos princípios jurídicos, na medida em que, ao enunciarem os valores fundamentais do sistema normativo, impõem as diretrizes que condicionam tanto o legislador, no momento da criação das normas jurídicas, quanto os operadores do direito, no momento de interpretá-las e aplicá-las (DELGADO, 1993, p. 66).

Com efeito, sabe-se que as normas jurídicas apresentam-se, em regra, como enunciados dotados da generalidade e abstração imprescindíveis à abrangência da maior quantidade possível de situações sob seu âmbito de regulamentação. E por não disporem de densidade suficiente para a imediata aplicação aos casos concretos, prescindem de atividade interpretativa de seus aplicadores.

Ocorre que a aludida abstração resulta na impossibilidade da correta interpretação dos textos normativos, quando isoladamente considerados, uma vez que a pobreza semântica de uma determinada norma, tomada fora do contexto jurídico ao qual pertence, ora dá margem a interpretações inadequadas às finalidades do sistema normativo, ora impossibilita que se chegue ao significado que melhor atende a essas finalidades.

É exatamente nesse ponto que emerge a importância dos princípios jurídicos enquanto diretrizes interpretativas, na medida em que impõem a aplicação, ao caso concreto, da solução que melhor corresponde aos valores fundamentais do sistema normativo neles enunciados. Assim, “[...] em relação às normas de abrangência mais restrita, os sobre (princípios) exercem uma função interpretativa, na medida em que servem para interpretar normas construídas a partir de textos normativos expressos, restringindo ou ampliando seus sentidos” (ÁVILA, 2006, p.98). Por conseguinte, a integração e interpretação das normas que regem o processo não pode se realizar de maneira dissociada dos princípios constitucionais que o orientam. Dito isso, passa-se a analisar o conteúdo e fundamentos constitucionais dos princípios que orientam a análise proposta no presente trabalho.

Pois bem. A elaboração das normas disciplinadoras da vida social concentra-se, em boa parte, nas mãos do Estado. Todavia, de nada vale a edição de normas sem que lhes seja conferida obrigatoriedade. Então, o Estado tomou para si o papel de garantir o cumprimento coativo das normas que elabora, mediante monopólio do exercício da atividade jurisdicional. Nesse contexto, a jurisdição apresenta-se como uma das faces do poder do Estado, consistente na possibilidade de promover a pacificação dos conflitos interindividuais mediante aplicação das normas jurídicas por ele próprio elaboradas, bem assim de impor o cumprimento obrigatório das decisões proferidas.

Por constituir expressão do poder estatal, o exercício da jurisdição não se desenvolve de maneira livre e irrestrita, porquanto uma das principais características do Estado de Direito é a submissão do exercício do poder às limitações previstas no sistema normativo, cujas linhas mestras vêm definidas pelos princípios jurídicos. Com relação ao exercício do poder jurisdicional, essas limitações expressam-se na observância obrigatória do princípio do devido processo legal, positivado pelo art. 5º, LIV, da Constituição Federal, ao dispor que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.  Em comentários ao referido princípio, Carmen Lúcia Antunes Rocha afirma que:

[...] o processo, como antes anotado, é o meio constitucionalmente assegurado de fazer fluir-se a demanda jurisdicional para a solução de um conflito havido no grupo social. Aqueles princípios, dentre outros que podem ter e às vezes têm vertente legal e mesmo constitucional, demarcam o conteúdo fundamental deste instrumento. Na tônica democrática – única perspectiva sob a qual se enfocam os institutos jurídicos – o processo é timbrado, inicialmente, pelo sentido de sua adequação aos princípios basilares de justiça, o que se projeta, particularmente, na garantia fundamental do devido processo legal.” (1993, p. 39)

Frise-se que o princípio do devido processo legal constitui verdadeiro sobre princípio do sistema normativo processual, na medida em que dele decorrem inúmeros outros princípios “menores” (NERY JÚNIOR, 2002, p.31), previstos ou não no texto constitucional, tais como os princípios do juiz natural, da imparcialidade do juiz, do contraditório e da ampla defesa, da exigência de motivação das decisões, da publicidade e do duplo grau de jurisdição, dentre outros. A aplicação das normas processuais em consonância com o que enunciam esses princípios, além de coibir eventuais abusos pelos sujeitos da relação processual, garante que do exercício da jurisdição resultem soluções justas para os conflitos submetidos aos julgadores.

Contudo, a aplicação do princípio do devido processo legal e de seus corolários, por si só, não é suficiente para propiciar o exercício adequado do poder jurisdicional. A garantia de decisões justas tornar-se-ia absolutamente inócua se fosse permitido ao Estado decidir livremente sobre a conveniência e oportunidade de exercer a atividade jurisdicional, ameaçando não apenas a eficácia do sistema normativo processual, mas de todo o sistema jurídico. Então, o acesso à jurisdição é direito-garantia que objetiva possibilitar o exercício de todos os outros direitos de cunho material. Carmen Lúcia Antunes Rocha afirma que:

[...] o direito à jurisdição é a garantia fundamental das liberdades constitucionais. Sem o controle jurisdicional, todos os agravos às liberdades permanecem no limbo político e jurídico das impunidades. Todas as manifestações da liberdade, todas as formas de seu exercício asseguradas de nada valem sem o respectivo controle jurisdicional. A liberdade sem a garantia do pleno exercício do direito à jurisdição é falaciosa, não beneficia o indivíduo, pois não passa de ilusão do direito, o que sempre gera o acomodamento estéril e a desesperanças na resistência justa necessária. (1993, p. 43).

Na mesma linha de entendimento, eis o que asseveram Mauro Cappelletti e Bryant Garth:

[...] o direito de acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. (1988, p. 11 e 12)

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Com o objetivo de vedar a possibilidade de que o Estado disponha livremente sobre as hipóteses de exercício do poder jurisdicional a Constituição instituiu o princípio da inafastabilidade da jurisdição, ao dispor em seu art. 5º, XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Evidenciou-se, assim, a natureza de poder-dever de que se reveste a prestação da atividade jurisdicional.

Contudo, como bem salienta José Augusto Delgado (1993, p. 67), “as normas constitucionais, por si só, são insuficientes para fazer expandir os seus conceitos com a simples expressão de seu texto”. Ainda que da leitura apressada do dispositivo transcrito decorra tão somente a garantia de acesso à jurisdição, o princípio por ele enunciado ultrapassa os sentidos alcançáveis por meio da mera interpretação gramatical de seu texto.

Isso porque a garantia de acesso à jurisdição, enquanto poder-dever do Estado, há de ser interpretada em confronto com os valores fundamentais do sistema normativo, decorrentes do paradigma constitucional vigente em cada época. Nos dizeres de Luiz Guilherme Marinoni (1993, p. 13) “as teorias acerca da jurisdição não podem ser compreendidas à distância do ‘espírito das épocas’, ou das idéias de Estado que as inspiraram.”.

Assim, na vigência do paradigma do Estado Liberal, pautado no individualismo e na garantia de liberdades negativas ao cidadão em face do Estado, formal e abstratamente consideradas, e no paradigma do Estado Social, cunhado sobre a concepção de uma maior intervenção estatal, regida, contudo, por normas meramente programáticas, tinha-se como suficiente a simples previsão de acesso ao poder judiciário.  O “direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação. [...] O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva.” (CAPELETTI; GARTH, 1988, p. 9).

Diversamente, no paradigma constitucional contemporâneo, denominado paradigma do Estado Democrático de Direito (art. 1º, caput, da CF), marcado pela maior participação e inter-relação entre as esferas pública e privada e pela busca de efetiva concretização dos direitos fundamentais,  a jurisdição, anteriormente tratada como simples acesso formal ao judiciário, ganhou novos contornos, passando a ser considerada enquanto efetivo acesso à justiça (ROCHA, 1993, p. 32) ou, na expressão cunhada por Kazuo Watanabe (1988, p. 128), acesso à ordem jurídica justa, uma vez que, conforme afirmamos acima, a adequada prestação jurisdicional viabiliza a eficácia de toda a ordem jurídica.

À luz desse paradigma e das idéias dele decorrentes deve ser interpretada a norma do art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal que, a despeito de textualmente enunciar apenas a garantia de inafastabilidade da jurisdição, fornece o fundamento constitucional do princípio do acesso à ordem jurídica justa. Nos dizeres de Nelson Nery Junior, “[...] pelo princípio constitucional do direito de ação, todos têm o direito de obter do Poder Judiciário a tutela jurisdicional adequada. Não é suficiente o direito à tutela jurisdicional. É preciso que essa tutela seja a adequada, sem o que estaria vazio de sentido o princípio.” (2002, p. 100). Na mesma linha, Carmen Lúcia Antunes Rocha: “[...] é insuficiente que o Estado positive a jurisdição como direito, enunciando-o na fórmula principiológica da inafastabilidade do controle judicial, mas não viabilize as condições para que este direito seja exercido pelos seus titulares de modo eficiente e eficaz.” (1993, p. 34).

Com o objetivo de atingir a aludida eficiência e eficácia, foram implementadas nos países ocidentais ao longo do século XX diversas inovações, ora mediante alteração dos sistemas normativos processuais, ora por meio da atuação concreta do Estado, ora pela simples proposta de uma nova postura por parte dos aplicadores do direito. Com base nas referidas inovações, Mauro Cappelletti e Bryant Garth (1988, p. 31) identificaram três tendências de densificação do princípio do acesso à ordem jurídica justa, à quais atribuíram o nome de ondas renovatórias de acesso à justiça. A primeira, tinha por objeto o provimento dos meios necessários ao efetivo acesso ao poder judiciário. A segunda, dedicava-se à proteção judicial dos interesses transindividuais. Por fim, a terceira onda visava difundir a necessidade de adequada prestação jurisdicional.

Com efeito, o acesso à ordem jurídica pelo enforque da segunda onda renovatória, de especial relevo para a análise ora proposta, nasce da observação de que, mesmo que removidos todos os obstáculos de cunho financeiro, cultural e psicológico por meio da adequada prestação de assistência jurídica aos necessitados,  os interesses de natureza transindividual permaneceriam excluídos da apreciação pelo poder judiciário, uma vez que os sistemas jurídicos processuais, desenvolvidos inicialmente sob a influência dos ideais individualistas do liberalismo, visavam tão somente à solução de controvérsias surgidas entre duas partes, em decorrência de interesses individuais de cada uma delas. Na lição de Carreira Alvim:

A preocupação com a segunda onda resultou da incapacidade de o processo civil tradicional, de cunho individualista, servir para a proteção dos direitos ou interesses difusos. É que o processo civil foi sempre visto como campo de disputa entre particulares (Ticio versus Caio), tendo por objetivo a solução de controvérsia entre eles a respeito de seus próprios direitos individuais. De uma perspectiva equivocada, em que se pensava que se o direito ou interesse pertencia a todos é porque não pertencia a ninguém, percebeu-se que se o direito ou interesse não pertencia a ninguém é porque pertencia a todos, e, a partir desse enfoque, cuidou-se de buscar meios adequados à tutela desses interesses, que não encontravam solução confortável na esfera do processo civil. (2003)

Os direitos transindividuais somente começaram a receber atenção da ciência processual no contexto sócio-econômico vigente a partir do início do século XX. Na lição de Luiz Guilherme Marinoni (1993, p. 54-55), “A sociedade contemporânea é uma sociedade de produção e de consumo de massa. Daí ser natural que eclodam, justamente porque o direito passa a regular situações cada vez mais complexas, conflitos de massa, próprios de violações de massa.” E, considerando que, em várias ocasiões, os conflitos levados ao conhecimento do poder judiciário encontravam fundamento em um mesmo problema, que trazia conseqüências a um determinado grupo de pessoas, ou mesmo à coletividade como um todo, a solução caso a caso das demandas individualmente propostas, quando não era inviabilizada pela indivisibilidade do direito pleiteado, apresentava-se como dispendiosa e ineficiente. Surgiu, então, a necessidade de tratamento conjunto, em um mesmo processo, dos litígios que apresentavam a mesma origem.

Nesse contexto surgiu a segunda onda renovatória de acesso à justiça (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 49 et. seq.), que tem por escopo enfrentar o problema da eficaz representação dos interesses transindividuais, aí considerados tanto os de natureza difusa ou coletiva, quanto aqueles que, a despeito de apresentarem natureza eminentemente individual, são suscetíveis de proteção conjunta por terem origem em um problema comum.

Por essa segunda onda renovatória, entende-se que para a efetivação do acesso à justiça é imprescindível a adaptação das normas procedimentais às peculiaridades das demandas que versam sobre interesses transindividuais, especialmente quanto à definição dos legitimados a ingressar em juízo na defesa desses interesses, sejam eles indivíduos, entidades privadas ou estatais, ou especificamente criados com essa finalidade.

Com efeito, o sistema normativo brasileiro não se manteve distante das novas tendências de efetivação do acesso à ordem jurídica justa. Ao prever a legitimidade de todos os cidadãos brasileiros para a propositura de ação popular visando à anulação de ato lesivo ao patrimônio público, a Lei 4.717/65 inaugurou no país a sistemática de defesa judicial aos direitos transindividuais, haja vista que a proteção do patrimônio público, por ser interesse de todos os brasileiros, constitui direito de natureza claramente difusa.

Posteriormente foi editada a Lei 7.347/85 que, instituindo a ação civil pública, aumentou o rol dos interesses difusos e coletivos passíveis de proteção judicial, além de conferir legitimidade ao Ministério Público, à Defensoria Pública, à União, aos Estados e Municípios, bem assim às autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações privadas para a defesa judicial desses interesses.

Finalmente, destaca-se a importância do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) que, dentre outras inovações, prevê a possibilidade de ajuizamento de ação civil pública para a defesa de direitos individuais com origem comum, os chamados direitos individuais homogêneos.

Em nível constitucional, a defesa de interesses transindividuais encontra previsão, por exemplo, no art. 5º, incisos LXX, que prevê o mandado de segurança coletivo, e LXXIII, fundamento constitucional da ação popular. Além disso, o art. 129, inciso III, inclui expressamente dentre as atribuições do Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos.

Conclui-se, portanto, que no vértice de todo o sistema processual coletivo pátrio, composto pelas normas citadas acima, está o princípio do acesso à ordem jurídica justa, de modo que o aplicador do direito deve estar atento à necessidade de que a tramitação das demandas coletivas deve sempre ter por objetivo a entrega célere e eficaz da prestação jurisdicional necessária à proteção dos interesses transindividuais.

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Sobre o autor
Inácio André de Oliveira

Graduado pelo Centro Universitário do Triângulo. Assessor de Ministro no Tribunal Superior do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Inácio André. Ação civil pública: litisconsórcio passivo necessário com o terceiro prejudicado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3333, 16 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22428. Acesso em: 28 mar. 2024.

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