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Não incidência de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras.

Equívocos da jurisprudência que afirma a natureza salarial do adicional

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20/08/2012 às 09:33
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7 - A NATUREZA INDENIZATÓRIA DO ADICIONAL DE HORA EXTRA

Importante referir, ao início deste tópico, que o presente trabalho versa sobre a incidência das contribuições previdenciárias somente sobre o adicional de horas extras, ou seja, sobre aquele valor que é acrescido ao preço da hora normal trabalhada, e não sobre toda a sua remuneração.

Exemplifica-se: se o trabalhador recebe ordinariamente R$ 100,00 pela hora trabalhada e R$ 150,00 pela hora extra trabalhada, aqui se está a tratar da incidência do tributo apenas sobre o acréscimo de R$ 50,00 incidente sobre o salário normal, vez que esse difere da remuneração, tendo por razão exatamente INDENIZAR ao trabalhador o horário de descanso e de lazer sacrificado.

Com efeito, quando o trabalhador labora durante o seu horário normal, a contraprestação salarial recebida tem por natureza REMUNERAR, CONTRAPRESTAR a força de trabalho posta à disposição do empregador, o que se dá dentro daquele valor que previamente empregado e empregador ajustaram atribuir a esta força de trabalho. A natureza da contraprestação salarial, em hipóteses tais, é incontestavelmente remuneratória.

Da mesma forma, quando, além da jornada normal o trabalhador avança com seu labor em jornada extraordinária, sua força de trabalho continua a ser remunerada pelo mesmo valor que é remunerada a jornada normal, eis que se trata da mesma força de trabalho, a qual, por isso, tem o mesmo valor

Todavia, em razão de que o trabalhador, para empregar sua força de trabalho na jornada extraordinária, obrigatoriamente tem de sacrificar o tempo que dispunha para o seu descanso, lazer e convívio familiar, em indenização a este sacrifício paga-se o adicional que a lei estipula para as horas extraordinárias, verba esta que, por isso, ostenta nítida natureza INDENIZATÓRIA.

A jurisprudência atual, renovada vênia, parte de uma premissa equivocada, qual seja, a de que o referido adicional tratar-se-ia de mera remuneração que o empregado recebe complementarmente por estar trabalhando em jornada extra ou sob condições especiais.

Mais uma vez se diz: a força de trabalho despendida na jornada extraordinária é remunerada pelo mesmo valor que remunera aquela despendida na jornada normal, porque, novamente se explica, trata-se da mesma força de trabalho.  E isso não se discute. O que está em pauta é apenas o acréscimo decorrente das horas extras, a indenização pelo prejuízo oriundo do trabalho extraordinário.

Quando o trabalhador labora em jornada normal ele vende ao seu empregador a sua força de trabalho; quando em jornada extraordinária, além de vender sua força de trabalho, sacrifica seu tempo destinado ao descanso e lazer, prejuízo que é INDENIZADO pelo adicional de horas extras.

Diga-se, em prol da tese aqui advogada, que a quantidade de horas extras que o empregado pode laborar sofre limitação legal (art. 59 da CLT), que se dá exatamente em face da natureza prejudicial que o labor em jornada extraordinária representa ao direito de o obreiro repousar e estabelecer o seu convívio social e familiar. Tanto é assim que a prorrogação da jornada extraordinária além do limite legal é considerada infração que, aliás, não se elide nem com o pagamento da hora trabalhada e seu respectivo adicional.

Em suma: o labor em jornada extraordinária causa dano ao trabalhador e, por isso, o adicional que legalmente lhe é assegurado tem nítida NATUREZA INDENIZATÓRIA.

Enfatiza-se que tal é a natureza indenizatória do adicional de horas extras que quanto mais importante o período de descanso e de lazer sacrificado, maior o percentual do adicional de horas extras.

Se o labor extraordinário foi prestado, por exemplo, no domingo ou feriado, o adicional, em regra, é bem maior do que aquele que incide na jornada extra desenvolvida em dia útil, pois o sacrifício do convívio familiar no dia de domingo ou feriado representa dano maior, demandando, por isso, indenização maior.

Da mesma forma, a jornada extraordinária noturna, por representar sacrifício ao direito de repouso preferencial à noite é mais danosa e, portanto, o adicional em hipóteses tais é mais elevado do que aquele previsto para o trabalho extraordinário em horário diurno.

Não se tem dúvida, pois, que quando o trabalhador labora em jornada extraordinária ele lança mão de um direito, sacrificando-o e, por isso, por este sacrifício faz jus à devida indenização, a qual está assegurada pelos incisos IX e XVI do art. 7º da Constituição da República e se dá pela incidência do adicional de horas extras, já que se trata de indenização em lei pré-tarifada.

Aliás, hipótese em tudo análoga ao adicional de horas extras é a do abono de férias previsto nos arts. 143 e 144 da CLT, verba sobre a qual, por expressa previsão contida no item nº 6, da alínea “e”, do § 9º, do art. 28 da Lei nº 8.212/91, não incidem as contribuições previdenciárias.

O abono de férias – que é a conversão em pecúnia de 1/3 do período de férias – popularmente chamado de “férias vendidas” é legalmente isento das contribuições previdenciárias porque, nada obstante recebido em razão do trabalho que o obreiro prestou durante o período que por direito poderia ter gozado férias, como o adicional de horas extras não se destina a contraprestar o trabalho, já que este será contraprestado pelo ordenado normal que o obreiro receberá pelos dias trabalhados. O valor do abono se destina a indenizar o período de descanso e lazer que o trabalhador sacrificou ao vender uma parte de suas férias.

Ora, quando o trabalhador labora em jornada extraordinária, tal qual como o faz quando trabalha em período em que deveria estar gozando suas férias, sacrifica seu período de descanso, lazer e convívio social e familiar. Logo, se no caso do abono pecuniário o valor por tal sacrifico recebido é pela lei reconhecido como INDENIZATÓRIO, por que o mesmo não ocorreria com o adicional de horas extras, que é o acréscimo pago ao trabalhador pelo mesmo sacrifício?

A resposta é simples: não há motivo para dar a hipóteses análogas tratamento diferenciado.  O adicional de horas extras tem natureza indenizatória como também o tem o abono pecuniário, uma vez que ambos, sem distinção alguma, visam compensar pecuniariamente a perda de um direito, qual seja, o direito ao descanso, ao lazer, ao convívio familiar e social, perda esta que se opera quando num e noutro caso o obreiro labora durante o período que por força de lei lhe era lícito e, considera a lei, necessário estar descansando.

Ressalta-se que, como bem citado por Ives Gandra Martins em artigo de sua autoria intitulado “A Natureza Não Salarial do Adicional de Horas Extras: Caráter Indenizatório e Não Sujeição à Incidência do Imposto Sobre a Renda e das Contribuições Sociais”, in http://www.fiscolex.com.br/doc_6224320: 

“Já decidiu o STJ, sumulando inclusive a matéria, que os juízes que trabalham em Câmaras de Férias não recebem, por seu trabalho, vencimentos, mas indenização, visto que sacrificam, a bem do serviço público, seu lazer, para julgar as questões, hoje em número maior do que a capacidade do Poder Judiciário de atender aos jurisdicionados (2).”

Do mesmo artigo acima citado, destaca-se:

“(...) Salários, subsídios, vencimentos recebidos como compensação de trabalho realizado em hora de lazer, não têm natureza remuneratória do trabalho, mas indenizatória de lazer perdido a bem do serviço público ou de terceiros.

Não consigo ver qualquer diferença entre a remuneração de horas extras, em que o lazer do trabalhador é sacrificado por imposição da empresa, e a remuneração que percebem, por trabalharem nas férias, os desembargadores dos Tribunais Estaduais, embora esta seja considerada compensatória de lazer ou de descanso perdido, a favor do bem público (3).

O sentido do art. 170 da CF, que tem os seus poderes maiores assentados na livre iniciativa e na valorização do trabalho humano, estaria fortemente maculado, se tal valorização do trabalho implicasse em "menos valia" do legítimo direito do trabalhador de gozar seu descanso e seu lazer, a não ser que compensado para trabalhar, durante o período em que deveria gozar de seu "direito de não trabalhar" (4).”

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Como se vê, é incontestável a natureza indenizatória do adicional de horas extras, o que, salienta-se, é questão que o Excelso STF, como antes se evidenciou, vem reconhecendo e pacificando.

Registre-se, por oportuno, que não é possível comparar, como tem feito a jurisprudência, o adicional de horas extras aos adicionas de periculosidade e insalubridade, e isto porque, diferentemente do trabalho perigo e do trabalho insalubre, o trabalho extraordinário não é trabalho prestado em condições especiais.

Com efeito, tanto o adicional de insalubridade quanto o de periculosidade majoram o preço do trabalho porque o consideram prestado em condições especiais. Ou seja, em razão das condições especiais em que o trabalho é prestado (ambiente insalubre ou em situação e perigo) o preço do trabalho é majorado pelos citados adicionais.

No adicional de horas extras não é isso que se verifica pois, como já se disse, o labor prestado em jornada extraordinária é o mesmo prestado na jornada normal e é prestado em condições idênticas ao prestado na jornada normal. O preço trabalho, assim, é o mesmo e não sofre majoração alguma. O que o adicional de horas extras faz é produzir indenização pecuniária pelo direito sacrificado pelo empregado.

Aliás, tanto é assim que a legislação do trabalho permite que o labor prestado em jornada extraordinária seja COMPENSADO com a redução do labor prestado durante a jornada normal (banco de horas).

Assim, não resta dúvida de se estar diante de verba indenizatória. Dessa forma, não há que se falar em caráter remuneratório da parcela, tampouco se pode aceitar sua inclusão na folha de salários como verba salarial.


8 - ARTS 457 E 458 DA CLT – IMPOSSIBILIDADE DE SE DAR ÀS REFERIDAS NORMAS FORÇA DE TORNAR LÍCITA A COBRANÇA DE CONSTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA SOBRE O ADICIONAL DE HORAS EXTRAS.

Por fim, também não se mostra correto afirmar que a contribuição previdenciária deva incidir sobre o adicional de horas extras por força ou efeito do quanto dispõem os arts. 457 e 458 da CLT.

Primeiro porque as normas em questão não versam sobre as horas extras e seus adicionais, referindo-se a gorjetas e pagamentos in natura, tais como habitação, alimentação dentre outros.

Segundo, porque as verbas sobre as quais versam os arts. 457 e 458 da CLT não se confundem, do ponto da natureza jurídica, com o adicional de horas extras, e isto porque as rubricas ali mencionadas são aquelas que costumeiramente o empregador alcança ao empregado, in natura, para contraprestar o trabalho e não para indenizar dano ou direito sacrificado

Com efeito, quando o empregador dá ao seu empregado, in natura, veículo, habitação, alimentação, dentre outros, ele não está INDENIZANDO nenhum sacrifício, mas, por via diversa e paralela ao salário, contraprestando in natura o trabalho. Por isso nesta hipótese a lei estipula que para todos os fins tais contraprestações devem ser consideradas e integradas ao salário.

O objetivo da lei é o de impedir a fraude aos direitos trabalhistas, assegurando a integridade do salário que deve servir de base para todos os demais consectários que a lei garante ao trabalhador.

O adicional de horas extras, ao contrário, como à exaustão já se falou, além de ser eventual, condicionado à prestação do labor em jornada extraordinária – o que por si só já difere daquelas rubricas mencionadas nos arts. 457 e 458 – não se destina a contraprestar trabalho, eis que tal função é cumprida pelo preço normal da hora de trabalho, mas sim a INDENIZAR o descanso sacrificado.

Assim, não se mostra verdadeira também a premissa no sentido de que os arts. 457 e 458 atribuiriam ao adicional de horas extras natureza salarial.


9 - CONCLUSÃO

Deste modo, os valores pagos a título de indenização pelas horas extras, clara e notadamente, os valores relativos ao adicional de hora extra, extrapolam o campo de incidência das contribuições previdenciárias e RAT, eis que o adicional ostenta nítida natureza indenizatória, sendo esta, inclusive, a interpretação dada pelo Excelso STF, não se mostrando corretas as premissas e fundamentos adotados pelas decisões que têm reconhecido legítima a cobrança de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras.

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Sobre o autor
Luiz Ricardo de Azeredo Sá

Bacharel em Direito - PUC/RS. Advogado. Sócio da Totum Empresarial. Cordenador da Área Contenciosa e de Tribunais Superiores do Villarinho, Sá, Lubisco & Prevedello Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÁ, Luiz Ricardo Azeredo. Não incidência de contribuições previdenciárias sobre o adicional de horas extras.: Equívocos da jurisprudência que afirma a natureza salarial do adicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3337, 20 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22440. Acesso em: 19 abr. 2024.

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