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Sistema penitenciário e reincidência criminal

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5 POSSIBILIDADES PARA MELHORIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL

Diante das dificuldades encontradas no sistema prisional brasileiro e com base nelas – como superlotação, falta de material humano, falta de instalações adequadas, falta de acompanhamento do apenado após o cumprimento da pena, entre outras – necessário se faz elencar abaixo algumas alternativas possíveis e pontuais com o intuito de melhorar o complexo sistema penitenciário nacional.

Inicialmente, deve-se criar possibilidades que possam ser implantadas de maneira isonômica em todas as unidades da federação, para assim buscar um melhor controle e desempenho em âmbito nacional do sistema penal.

Nesses termos, é imprescindível a implementação efetiva do exame criminológico e do parecer da Comissão Técnica de Classificação (CTC), contidos na LEP, para a devida segregação dos apenados por meio de critérios objetivos e subjetivos e assim, manter nas unidades carcerárias populações homogêneas e, com isso, oferecer um trabalho de ressocialização mais proveitoso e eficaz, podendo inclusive vir a ser usado, no futuro, tal exame, como fonte de distribuição de penas alternativas (SÁ, 2010).

Outro objetivo a ser buscado é o oferecimento de cursos profissionalizantes, corrigindo, assim, disparidades sociais a que é e foi submetida a maioria dos apenados. Com isso,  pretende-se desenvolver trabalhos ressocializadores mais voltados para os possíveis fatores geradores da criminalidade, e não os trabalhos “lúdicos” voltados para a terapia como os que são aplicados hoje na maioria das penitenciárias que possuem condições de oferecer algum tratamento (BARATTA, 2002).

Bem ainda, aliado à oferta de cursos profissionalizantes, deve-se buscar também uma maior oportunidade de estudos aos apenados, seja o ensino fundamental, ou médio, assim como, dentro das possibilidades, inclusive o ensino superior – através de cursos por correspondência por exemplo.

Pois hoje, segundo dados de dezembro de 2011, fornecidos pelo InfoPen, das 471.254 pessoas presas que cumprem pena no sistema penitenciário nacional, 301.721 (64,02%) não possuem o ensino fundamental completo. E desse montante 26.434 são analfabetos e 58.417 são apenas alfabetizados.  E ainda tais números atingem patamares mais elevados se levado em consideração como quesito o ensino médio completo, atingindo a totalidade de 413.729 (87,8%). Assim como, apenas 1.910 reclusos possuem curso superior. Sendo que, pouco mais de 10% dos apenados participam de algum tipo de programa educacional.

Ressaltando-se que, além do acima exposto, o estudo ainda viabiliza, através da edição da Lei 12.433 de 29 de junho de 2011 que alterou a Lei de Execuções Penais, a remição de pena na proporção de 12 horas de estudo para cada dia de pena. E somando-se ainda a esse benefício, a lei em comento, também veio a garantir um acréscimo de 1/3 a mais sob a  remição para os apenados que concluem o ensino fundamental, médio ou superior durante o cumprimento de pena desde que certificado pelo órgão competente do sistema de educação.              

Há que se cuidar, ainda, do fortalecimento dos setores responsáveis pelo acompanhamento do egresso, como é o caso do Serviço de Assistência Social, para que  se possa propiciar ao sentenciado condições de se desenvolver socialmente, auxiliando-os na busca de   trabalho e estudo, mesmo que temporários. Assim, haverá a possibilidade de os apenados, terem um retorno menos traumático e mais proveitoso à sociedade (SÁ, 2010).

Por outro lado, não se pode descurar da implementação e o apoio aos Patronatos - órgãos da execução penal responsáveis por orientar e fiscalizar o cumprimento de penas alternativas, assim como a suspensão e livramento condicionais, além de prestar assistência aos albergados e egressos - fornecendo a esses órgãos suporte técnico e financeiro para que eles possam realmente ter condições de oferecer total apoio ao egresso, realizando uma “ponte de ligação” entre o término do cumprimento de pena e o retorno à sociedade (SÁ, 2010).

 Por fim, é desejável uma participação maior da sociedade nos projetos de ressocialização do apenado, seja dentro do sistema, como por exemplo, por meio do Conselho da Comunidade -  órgão da execução penal responsável por fiscalizar os estabelecimentos penais e diligenciar a obtenção de recursos para melhorar a assistência ao apenado em conjunto com as direções dos estabelecimentos - seja fora dele, com o oferecimento de condições de trabalho e educação adequadas ao convívio social sem estigmas e preconceitos. Ajudando-os assim, os apenados e os egressos poderão transpor as barreiras sociais que lhe são infligidas muitas vezes desde o nascimento (ZAFFARONI, 2001).

E concordando com tal entendimento tem-se hoje o Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária[13], desenvolvido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e  Penitenciária (CNPCP), onde, dentre várias medidas a serem seguidas pelos órgãos públicos, destaca-se a Medida 2 que trata da implantação de uma política de integração social dos egressos do sistema prisional. Possuindo como diretrizes básicas a implantação de programas integrados entre Ministérios e Poderes envolvendo ações sociais, familiares, educacionais e laborativas; assim como, incentivar fiscalmente as empresas que contratam egressos; e ainda, efetivar a assistência à educação, a capacitação profissional e laboral nas unidades prisionais, vinculando-as com ações para os egressos.

E também  a Medida 8 que trata do fortalecimento do controle social, que prima por uma maior participação da sociedade civil no sistema penitenciário, quer fiscalizando, quer participando dos programas voltados a reintegração social.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cabe ressaltar que o investimento na melhoria do sistema penitenciário não é a solução definitiva para a erradicação da reincidência, pois como pode-se concluir, o sistema atua em uma fase da vida do apenado em que ele já possui personalidade forjada. Sendo que essa construção pessoal se deu nas mais variadas situações sociais e psicológicas, que como viu-se podem influenciar no cometimento do crime.

Assim, o cumprimento de pena no Brasil deve ser visto e repensado, com olhos postos em novas formas de tratamento do apenado.

   Contudo, é apenas uma parte do problema ou a menor delas, pois o mesmo pensamento dispensado com o apenado deve prevalecer no que diz respeito as melhorias de condições de vida das classes mais abastadas, com uma melhor distribuição de renda, propiciando assim melhores condições de educação, saúde, segurança, lazer entre outros.

Dito isto, deve-se entender que o sistema penitenciário brasileiro sofre com muitos problemas e necessita urgentemente de planejamento e organização, com o intuito de, dentro da realidade que se apresenta, implementar ações que possibilitem imprimir efetividade à Lei de Execuções Penais.

Devendo para isso, também observar-se que o sistema, dentro de sua complexidade subjetiva, possui dois flancos de atuação, quais sejam, um voltado para o apenado que ingressa no sistema e a necessidade de individualização da sua pena e o outro voltado para a necessidade de evitar que as influências negativas do cárcere deixem o apenado pior do que entrou.

Basicamente, o desenvolvimento dessas ações deve obedecer a duas diretrizes principais, quais sejam: implementar projetos dentro do contexto atual, para melhorar o sistema nas unidades já existentes, e, ao mesmo tempo, planejar e organizar, desde a construção, as unidades futuras, que já iniciariam seus trabalhos com novos projetos e modelos de ressocialização.

E, aliado a isso, deve-se realizar um alto investimento nos profissionais que trabalham nesse complexo sistema, a fim de alcançar um entrosamento maior entre eles, com o desenvolvimento de uma visão interdisciplinar de suas funções, com vistas ao cumprimento de novos projetos voltados ao tratamento dos apenados.

E, por fim, mas não menos importante, é fundamental uma maior participação da sociedade no que diz respeito ao desenvolvimento e realização de projetos voltados para a ressocialização dos internos, dentro e fora do sistema, colaborando com isso, para uma diminuição gradativa dos paradigmas existentes entre o estabelecimento penal e a vida em sociedade, assim como para uma mudança  na visão da sociedade em relação ao egresso.

Só com a conjunção de todos esses fatores é que será possível desenvolver e executar projetos verdadeiramente ressocializadores, sob uma nova ótica, e, assim, contribuir efetivamente para a reeducação do apenado, dando-lhe condições de um retorno favorável  à sociedade, ensejando uma  aceitação sem preconceitos e, por consequência, concorrendo para a diminuição da reincidência penal.


REFERÊNCIAS

ALEXANDRINO, Marcelo; VICENTE, Paulo – Direito Administrativo Descomplicado – 17º edição. São Paulo: Editora Método – 2009.

BARATTA, Alessandro – Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal3º edição. Rio de Janeiro: Editora Revan – 2002.

DIAS, Jorge de Figueiredo – Questões fundamentais do direito penal revisitadas – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – 1999.

GRECO, Rogério – Código Penal Comentado – Niterói: Editora Impetus, edição 2008.

JÚNIOR, Dirley da Cunha – Curso de Direito Constitucional – 5º edição. Salvador: Editora Podivm – 2011.

LENZA, Pedro – Direito Constitucional Esquematizado – 13º edição. São Paulo -  Editora Saraiva – 2009.

MASSON, Cleber – Direito Penal – Parte Geral – Vol. 1 – 4º edição. São Paulo: Editora Método – 2011.

NUCCI, Guilherme de Souza – Manual de processo penal e execução penal – 5º edição. São Paulo – Editora Revista dos Tribunais – 2008.

RODRIGUES, Anabela Miranda – Novo olhar sobre a questão penitenciária – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – 2001.

SÁ, Alvino Augusto de – Criminologia Clínica e  Psicologia Criminal – 2º edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais - 2010.

TRINDADE, Jorge – Manual de Psicologia Jurídica para Operadores do Direito – 4º edição,  Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado – 2010.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique – Manual de Direito Penal  Brasileiro – Parte Geral – 3º edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais – 2001.

BRASIL, Constituição Federal de  1988.

BRASIL, Lei de Execução Penal nº 7.210 de 1984.

CNPCP – Plano Nacional de Política Criminal e Penitenciária – 26/04/2011, disponível em(http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJE9614C8CITEMIDD1903654F8454D5982E839C80838708FPTBRNN.htm) – Consulta em 27/04/2012.

INFOPEN – Estatística – Edição:  Dezembro/2011 – 10/04/2012, disponível em    (http://portal.mj.gov.br/data/Pages/MJD574E9CEITEMIDC37B2AE94C6840068B1624D28407509CPTBRIE.htm) – Consulta em 03/05/2012.

MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos) – Sistema prisional de Rondônia terá modelo para todo país – disponível em (http://www.mndh.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=3046&Itemid=56) – Consulta em 28/05/2012.

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MONTEIRO, André -  Sistema Penitenciário Brasileiro é “disfuncional.”  – 17/04/2010, disponível em  (http://www.coletivodar.org.br) – Consulta em 10/08/2011.

STF – HABEAS CORPUS: HC 82.959 SP – disponível em (http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/761705/habeas-corpus-hc-82959-sp-stf) – Consulta em 28/05/2012.


notas

[1] Art. 64 – Para efeito de reincidência:

I – não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação; 

[2] Ministério da Justiça, DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) e principalmente  CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e  Penitenciária), órgão consultivo do Ministério da Justiça voltado para o sistema penitenciário, que possui a função de criar diretrizes, formar grupos de trabalho e outros meios voltados ao melhoramento do sistema penitenciário.

[3] Sistema Integrado de Informações Penitenciárias. É o sistema responsável por gerenciar os dados e estatísticas do sistema penitenciário nacional.

[4] O princípio da individualização da pena, conforme extraí-se do voto vista do Ministro do STF Gilmar Mendes, no julgamento do HC 82.959-7/SP-STF, compreende três fases: a abstrata que consiste na proporcionalidade entre o crime praticado e a pena em abstrato; a concreta que faz menção a pena aplicada ao crime praticado em concreto e a da  execução, que esta relacionada com o cumprimento de pena de acordo com o princípio da dignidade humana, levando-se em consideração o comportamento do condenado e o delito cometido.

[5] Conforme matéria publicada no site do MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos), o estado de Rondônia em parceria com o DEPEN, Tribunal de Justiça, Ministério Público e embaixada Americana, está implementando um projeto piloto, baseado no sistema penal americano, onde a classificação dos apenados, para alocação nas unidades prisionais, será determinada pela aferição do grau de periculosidade do indivíduo.

[6] Grau de periculosidade é a tendência que o indivíduo possui para cometer delitos, manifestada através de  condutas contrárias as normas sociais, provenientes ou incentivadas por fatores biopsicossociais (TRINDADE, 2010).

[7] Art 8º O condenado ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime fechado, será submetido a exame criminológico para a obtenção dos elementos necessários a uma adequada classificação e com vistas à individualização da execução.

[8] São unidades autônomas ou anexas a estabelecimentos penais, nos termos do artigo 96 da LEP, responsáveis por receber os presos que iniciam o cumprimento de pena no sistema penitenciário para a realização do exames gerais e  criminológico.

[9] Composição das CTC’s determinada pelo art. 7º da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984.

[10] As entrevistas de inclusão são entrevistas realizadas pela CTC quando da chegada do preso na unidade prisional. E em alguns estados vem-se substituindo o exame da personalidade contido no art. 9º da LEP, podendo ser encontrada também com o nome de exame admissional.

[11] Relatório publicado pelo Instituto de Direitos Humanos da IBA (Associação Internacional dos Advogados, sigla em inglês) em fevereiro de 2010.

[12] A Súmula 439 do STJ admite o exame criminológico, para subsidiar a decisão de  concessão de benefício ao apenado, desde que devidamente motivado pelo magistrado.

[13] O Plano Diretor é um conjunto de medidas aprovadas pelo CNPCP em 26/04/2011 na 372ª reunião ordinária com o fito de oferecer diretrizes a serem seguidas pelo sistema penitenciário nacional.


RECURRENCE FROM THE PERSPECTIVE OF CRIMINAL BRAZILIAN PENITENTIARY SYSTEM

ABSTRACT

The present work aims to list the possible factors that cause or contribute to the criminal recurrence from the perspective of the Brazilian penitentiary system, ie, which factors can contribute to generate criminal recurrence during the serving time by the convicted, and provide a contemporary scenery of the Brazilian penitentiary system, approaching their problems and needs. Besides that it is intended to drawing a paradox between the reality of prison system and the Criminal Law, and the needs for its implementation for the improvement of the system itself. And finally, to set options that can help in the treatment of the prisoner taking into account the general aspects of the jail and its population. Firstly the study will be focused on the theories of punishment and its historic aspects. Then, it will be traced parameter of the a current national prison system as a whole, pointing out the main problems detected in general. Also, it will be established a comparison between the penitentiary system and the Criminal Law. Finally, it will be listed the possibilities to change the national prison system, during and after the penalty accomplishment, in order to reduce criminal recurrence of the convicted. The procedure applied is the literature review and the theoretical study and then the qualitative, descriptive/explanatory and observational approaches.

Keyworks: Prison System. Resocialization. Recurrence.

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Sobre os autores
Marcos Tudisco de Souza

Acadêmico do curso de direito da FAG em Cascavel-Pr, foi Agente de Segurança Penitenciário Estadual na Penitenciária I de Presidente Venceslau de 1994 à 2006 e desde então é Agente Penitenciário Federal na Penitenciária Federal de Catanduvas-Pr Orientadora: Professora Mestre do colegiado de Direito da Faculdade Assis Gurgacz.

Camila Milazotto Ricci

Professora Mestre do Colegiado de Direito da Faculdade Assis Gurgacz

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Marcos Tudisco ; RICCI, Camila Milazotto. Sistema penitenciário e reincidência criminal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3336, 19 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22445. Acesso em: 20 abr. 2024.

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Trabalho elaborado sob orientação da Profª Drª Camila Milazotto Ricci.

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