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O mercado de trabalho para os deficientes visuais nas empresas privadas a partir da Constituição de 1988

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Capitulo 3 – Alternativas À Lei De Cotas.

Por tudo que foi apresentado no capitulo anterior, fica claro que ainda existem muitas barreiras para a colocação de trabalhadores com deficiência no mercado de trabalho formal. Infelizmente, apesar do caso de sucesso apresentado no final do capitulo anterior, ainda são muito poucas as empresas que pensam e agem daquela forma.

Como também foi citado, alguns equipamentos que os trabalhadores com deficiência podem vir a precisar tem um alto custo de aquisição e este é um dos motivos que podem levar as empresas a contratar apenas trabalhadores que tenham deficiências leves e que não precisem de muitas adaptações para desempenhar suas funções.

É possível pensar em varias formas para que estes equipamentos tenham seu custo reduzido e, desta maneira, fazer com que as empresas não tenham tanto receio de investir em equipamentos para trabalhadores com deficiência poderem, de fato, exercer suas atividades, facilitando sua contratação.

Umas das possíveis formas para que estes custos sejam diminuídos seria a existência de creditos oferecidos pelo governo, com baixos juros, específicos para a compra destes equipamentos.  Desta forma, aquelas empresas que alegassem não possuir capital suficiente para estas aquisições não mais teriam tal justificativa, pois haveria esta opção de obtenção de capital de menor custo para o investimento no trabalhador com deficiência.[28] Outra sugestão para incentivar a aplicação completa da Lei de Cotas seria a inclusão, também por parte do governo, da possibilidade de redução do imposto sobre a renda das empresas que adquirissem tais equipamentos.

Pode-se também pensar em alternativas à Lei de Cotas, e uma sugestão nesta direção é um sistema misto de cota-contribuição, onde as empresas que realmente não tivessem condições de contratar pessoas com deficiência contribuíssem para um fundo de amparo e estimulo à inclusão de deficientes no Brasil. Entretanto, esta é uma proposta que deve ser muito bem analisada e documentada, pois conforme Cibelle Linero Goldfarb cita, esta solução poderia vir na contramão ao propósito de sua criação. Abaixo segue trecho transcrito do seu livro:

A possibilidade da empresa não contratar pessoas portadoras de deficiência e, em compensação, contribuir financeiramente para um fundo de amparo, o chamado sistema misto de cota-contribuição, deve ser debatida como uma alternativa limitada aos casos especiais, quando houver comprovada impossibilidade de a empresa empregar uma pessoa portadora de deficiência.[29]

Conforme ela acertadamente menciona, esta medida deve ser usada de maneira bem limitada e com solida legislação e fiscalização, uma vez que, de certo modo, a utilização desta medida alternativa poderia trazer mais oportunidades para uma empresa não colocar um trabalhador com deficiência em seu quadro funcional, já que não existe nenhum tipo de parâmetro para que se possa avaliar qual seria considerada uma atividade proibitiva ou uma deficiência grave que impedisse a pessoa de exercer uma ocupação. Primeiramente seria preciso, portanto, que fossem criadas definições e tabelas, baseadas na analise de médicos e profissionais especializados na habilitação de pessoas com deficiência para o trabalho.  Neste trabalho inicial seriam determinados os tipos e graus de deficiências consideradas graves e impeditivas, assim como as atividades que possibilitassem risco excessivo para os deficientes.

Mais medidas poderiam ser tomadas nesta área, não apenas como alternativas à Lei de Cotas, sendo uma delas de vital importância para que se criasse um ambiente de pleno incentivo para a colocação do trabalhador com deficiência no mercado de trabalho.  Seria um programa conjunto, oferecido pelo Governo e envolvendo os três Poderes da Republica, onde a criação, implantação e fiscalização de leis, campanhas, atividades e ações jurídicas voltadas para os trabalhadores com deficiência, realmente os ajudassem, tanto na capacitação e habilitação para conseguir um trabalho formal quanto para que estes trabalhadores conhecessem, de fato, seus direitos e as leis que os ajudam na inclusão.  Assim sendo, se necessário, eles poderiam fazer uso destas leis e direitos.  Tais atividades também precisariam contemplar os trabalhadores sem deficiência, dando a estes a chance de participar de oficinas de conscientização sobre a importância de aceitar o colega que possua alguma deficiência como um membro efetivo da equipe de trabalho.  Isto seria, assim, um trabalho completo, voltado a todos os interessados, ou seja, os deficientes, os trabalhadores sem deficiência e a própria empresa.  Seria possível não só contratar trabalhadores com deficiência, mas haveria também uma logística de suporte a esta ação, mostrando as adaptações que deveriam ser feitas, os equipamentos a serem adquiridos, os treinamentos necessários, os incentivos para redução dos custos desta contratação, a preparação do quadro funcional para aceitação e produtividade destas pessoas, além da conscientização de que estas ações não seriam apenas para o preenchimento das cotas estipuladas em lei, mas a verdadeira inclusão do portador de deficiência na sociedade.

Novamente Cibelle Linero Goldfarb traz uma excelente colocação do que foi acima exposto.

Cabe, portanto, aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e, enfim, á sociedade a conscientização da importância das ações afirmativas e da relevância do sistema de cotas previsto na legislação ordinária, pois se normalmente a pessoa portadora de deficiência enfrenta maiores dificuldades em obter e manter um trabalho digno, diante das desigualdades e da falta de oportunidade existentes no Brasil, a tendência é que estas pessoas fiquem a margem do mercado formal de trabalho, o que fere o principio da dignidade humana previsto na Constituição de 1988 e não se pode admitir.[30]

É certo que imaginar uma atitude de apoio por parte do Governo, seja no âmbito do Executivo, Legislativo ou Judiciário, é algo que não mostra um futuro promissor para os trabalhadores com deficiência, já que por muito tempo estas pessoas foram esquecidas e desconsideradas pelos órgãos públicos.  Mas hoje não podemos pensar em ações que visem a melhor condição do trabalhador com deficiência sem envolver o poder público, uma vez que ele está se transformando em fator chave para a mudança de mentalidade de toda a sociedade. Com a dupla “pão e circo”[31] e uma propaganda massiva sobre as pseudomelhorias introduzidas pelo governo, a sociedade vem sendo anestesiada em seus deveres e subtraída em seus direitos, deixando de lado reivindicações e lutas necessárias e importantes para a mesma.  Passiva, a mesma espera, sem cobrança alguma, que o Legislativo pense, discuta e crie leis que ajudem na inclusão de pessoas com deficiência, que o Executivo sancione e implemente leis e programas e que o Judiciário zele pela efetiva aplicação das leis criadas e sancionadas. Entretanto, a sociedade, por sua vez, não pode ficar a espera das atitudes tomadas pelos órgãos públicos. É necessário que haja, por parte da mesma, uma mobilização contra a situação vigente, mostrando para órgãos públicos e governo que a população está, de fato, engajada neste projeto, e que ela exige que eles tomem ações para concretizar esta necessidade da sociedade. Infelizmente, como dito antes, isto tudo parece estar num plano muito mais idealístico do que em uma atitude concreta.

Em resumo, a situação vigente é que não há muitas medidas alternativas a Lei de Cotas na empresa, e esta lei, por sua vez, não garante por completo a inserção dos trabalhadores com deficiência, já que entendemos que a exclusão destas pessoas não ocorre somente na área do trabalho, mas também nas áreas de educação, saúde e habitação. Mais uma vez Cibelle Linero Goldfarb expõe, claramente, a ideia aqui apresentada.

No entanto, o sistema de cotas, por si só, não resolve o problema da exclusão das pessoas portadoras de deficiência do mercado formal de trabalho, o qual decorre de um processo histórico de marginalização e exclusão em todas as esferas. Para que a inclusão se faça, os programas e políticas na área da educação, da saúde, da habilitação e reabilitação profissional devem ser implementados.[32]

Contudo é preciso salientar que, atualmente, não existe nenhuma outra medida que possa ajudar de forma direta e quase imediata o trabalhador com deficiência que procura uma colocação no mercado de trabalho. A Lei de Cotas ainda não é o ideal para que se consiga colocar muitos trabalhadores com deficiência nas empresas, porém é o mecanismo de inclusão e de aplicação de multas mais eficaz que temos no momento. Também é a opinião de Cibelle Linero Goldfarb, que vale a pena ser transcrita:

“No momento há que se concluir pela importância do sistema em vigor, que deve ser mantido...”.[33]


Conclusões

Antes de expor as conclusões que serão feitas aqui, precisamos ter em mente uma definição muito clara:

“Os deficientes não são doentes, são pessoas que necessitam de cuidados especiais, que incluem a oportunidade de trabalho e a assistência à saúde para compensar suas limitações e impedir ou retardar seu agravamento”.[34]

Por este trecho do livro “A pessoa com deficiência e o trabalho”, de Paulo Rebelo, vê-se que é obvia a necessidade de uma mudança de mentalidade por parte de todos, ou seja, o Governo, as empresas e a população, já que, como é exposto tanto no primeiro quanto no segundo capítulos, todos são responsáveis, de algum modo, pela exclusão e marginalização das pessoas portadoras de deficiência, tanto na questão da acessibilidade nas ruas e do tratamento a elas dispensado pelos não deficientes, quanto, principalmente, na questão do trabalho para estas pessoas, uma vez que a falta de acessibilidade nas ruas reflete diretamente na falta de acessibilidade dentro das empresas para seu trabalho.

É preciso também levar em conta outro aspecto muito importante e pouco notado. Cada deficiência tem suas particularidades, as quais precisam ser analisadas na hora da contratação de um trabalhador para uma determinada função. Os próprios livros que serviram como base para elaboração deste artigo não mencionam cada deficiência de maneira aprofundada, sequer comentam sobre a necessidade de procedimentos específicos que deveriam ser adotados para cada tipo de deficiência. Esta situação faz com que não exista uma base de referência para as empresas, para que antes mesmo de contratarem um trabalhador com deficiência, já saibam todas as adaptações que precisarão fazer no local de trabalho da pessoa com deficiência que será contratada.

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Por consequência, é razoável pensar que, ao tratamos todos os vários tipos e graus de deficiências da mesma forma, podemos estar aumentando ainda mais o preconceito e prejudicando a tentativa de dar melhor condição de vida e de trabalho às pessoas com deficiência. Com a apresentação destes argumentos é evidente que a postura do governo, das empresas e da sociedade deve mudar.  É preciso que os autores e autoras que escrevem os poucos livros sobre esta situação façam abordagens mais específicas para cada tipo de deficiência.

Como foi visto acima, a pessoa deficiente, particularmente aquela com deficiência visual, encontra muitas limitações para levar uma vida independente, especialmente porque, no mundo atual, a maior parte das atividades que realizamos, em qualquer área, está voltada para o sentido da visão e, desta forma, se não existirem adaptações para utilização dos outros sentidos destas pessoas, elas não terão uma independência plena. Também é de suma importância lembrar que a sociedade não consegue ainda diferenciar os dois tipos de deficiência visual que uma pessoa pode ter.  A deficiência mais conhecida é a cegueira, que se refere à pessoa considerada cega, ou seja, incapaz de enxergar.  Mas também existe a baixa visão ou visão subnormal, que se refere a pessoa que consegue enxergar de forma limitada, com auxilio de equipamentos e/ou textos ampliados e, assim, fazer muitas das atividades que necessitam o sentido da visão.

Ana Claudia Vieira de Oliveira Ciszewski, em seu livro “O Trabalho Da Pessoa Portadora De Deficiência”, traz uma excelente explicação de como as pessoas com baixa visão eram tratadas até pouco tempo atrás:

Até recentemente, não se levava em conta a existência destes resíduos visuais; a pessoa era tratada com se fosse cega, aprendendo a ler e escrever em braile, a movimentar-se com o auxilio de bengala, etc. Hoje em dia, oftalmologistas, terapeutas e educadores trabalham no sentido de aproveitar este resíduo visual nas atividades educacionais, na vida cotidiana e no lazer.[35]

Infelizmente, ainda nos dias de hoje muitas pessoas com visão residual são tratadas como cegas e, por não serem estimuladas a aproveitar este resquício de visão, acabam por deteriorá-lo ainda mais.[36]

Por fim, temos que entender e colocar em prática que uma pessoa com deficiência não deve ser tratada com inferioridade ou com um sentimento de pena.  Estas pessoas não querem nem precisam de nossa piedade, elas querem e precisam que nós as respeitemos e que a elas sejam dadas condições dignas de vida e de trabalho. Se forem dadas a elas condições para se locomover com segurança nas ruas e condições de trabalho adequadas a sua deficiência, certamente estas pessoas obterão sua independência e exercerão de forma plena suas funções nas empresas e na sociedade.

Paulo Rebelo nos traz a seguinte visão daquilo que é esperado da sociedade:

“Compaixão, no sentido de colocar-se no lugar do outro, para procurar entendê-lo, e não a piedade, que é o sentimento de pena, deve nortear nossas relações com as pessoas com deficiência...”.[37]

Desta forma o autor salienta, de maneira exemplar, aquilo que devemos ter sempre em mente, que o portador de deficiência é indivíduo assim como os demais, merecendo respeito e condições de vida e de trabalho condignas.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil. Saraiva - São Paulo - 2008 - 41ª Ed.

BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Portal do IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>.  Acesso em: 1° dez. 2011.

BRASIL. Lei n° 8.213 de 24 de julho de 1991. Diário Oficial da União, Poder Executivo - Brasília - 24 jul 1991.

BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. A inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. SIT - Brasília - 2007 - 2ª Ed.  Documento digital disponível em <http://acessibilidade.org.br/cartilha_trabalho.pdf>. Acesso em: 25 nov. 2011.

BRASIL, Ministério do Trabalho e Emprego. Portal do Ministério Público do Trabalho. Disponível em: <http://www.portal.mte.org.br>. Acesso em: 28 nov.2011

CISZERWSKI, Ana Claudia De Oliveira. O trabalho da pessoa portadora de deficiência. LTR - São Paulo - 2005 - 1ª Ed.

GOLDFARB, Cibelle Linero. Pessoas portadoras de deficiência e o mercado de trabalho. JURUA - Curitiba - 2007 - 1ª Ed.

INTERNET. Entidades Que Assistem Os Deficientes Visuais – documento digital disponível em <http://www.sac.org.br/Mapa_Br.htm>. Acesso em: 3 dez. 2011.

INTERNET. Deficienteonline.com.br. Disponível em: <http://www.deficienteonline.com.br >. Acesso em 30 nov. 2011.

MACIEL, Álvaro Dos Santos. A inclusão das pessoas com deficiência no mercado de trabalho. LTR - São Paulo - 2011 - 1ª Ed.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito Do Trabalho. Atlas - São Paulo - 2006 - 22ª Ed.

RAGAZZI, Ivana Aparecida Grizzo. Inclusão Social - A importância do trabalho da pessoa portadora de deficiência. LTR - São Paulo - 2010 - 1ª Ed.

REEBELO, Paulo. A pessoa com deficiência e o trabalho. QUALITYMARK - Rio de Janeiro - 2008 - 1ª Ed.

Internet. Acessibilidade total Disponível em: www.acessibilidadetotal.com.br Acesso em 10 de Março de 2012

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Sobre a autora
Amanda Teixeira Silva Ferretti

Estudante de Direito do do Centro Universitário Jorge Amado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRETTI, Amanda Teixeira Silva. O mercado de trabalho para os deficientes visuais nas empresas privadas a partir da Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3339, 22 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22468. Acesso em: 28 mar. 2024.

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