Introdução
Nenhum tema recebeu mais atenção nos últimos anos na dogmática jurídica, especialmente no que concerne a direito constitucional e teorias da argumentação e interpretação, do que a distinção entre princípios e regras. Isso, por si só, deveria levantar suspeitas quanto a qualquer artigo que pretendesse desenvolver mais uma contribuição ao tema. Essa é, no entanto, minha modesta proposta. Antes de mais nada, saliento que não irei procurar explicar as diversas teorias já elaboradas. Não vejo sentido em somar mais um artigo a um debate que já está praticamente esgotado. Isso não é dizer que a dogmática brasileira, especialmente, é clara e precisa quando trata desses temas. Muito pelo contrário, ela é muitas vezes confusa e pouco esclarecedora, mas creio que a solução para esse mal não é adicionar mais um artigo procurando esclarecer essas confusões, mas apenas recomendar a leitura atenta dos trabalhos originais daqueles que deram as mais importantes contribuições ao tema, como Dworkin[1] e Alexy.
O que pretendo aqui, apenas, é tanto marcar alguns pontos que acredito que foram insuficientemente tratados mesmo por esses dois autores, como enfatizar alguns aspectos que não têm merecido o devido relevo nas discussões sobre o tema, para assim contribuir para uma visão um pouco mais rica da distinção entre regras e princípios.
Por que um sistema jurídico deve contemplar princípios jurídicos?
Comecemos com uma questão crucial: por que um sistema jurídico contempla, ou até deve contemplar, princípios jurídicos? Pois alguém poderia sugerir que se poderia prescindir deles caso uma legislação exaustiva contemplasse todas as situações possíveis de conflito e estabelecesse uma solução para elas. No entanto, a prática atesta que muitos casos, devido à sua complexidade, não podem ser capturados por regras, que teriam de ser tão especiosas que um dos objetivos de haver regras (orientar a conduta dos cidadãos) seria abalada, pois ninguém conseguiria dominá-las todas. Princípios são um outro TIPO de standard normativo, não algo que existe devido a uma falha legislativa. Mesmo a legislação ideal precisaria de princípios, pois esses surgem não de um problema com a legislação, mas, poderíamos dizer, de um problema com o mundo, que falha em ser completamente normatizado apenas com regras.
Isso não implica que o poder legislativo pode se abster de sua tarefa de estabelecer regras. A bem da verdade, em um modelo ideal o debate em torno de princípios conflitantes se dá nos debates legislativos, que encerram-se com uma votação onde a maioria determina qual será não apenas o princípio vencedor, mas a forma como ele será instanciado numa regra. Mas mesmo aí haverá espaço para princípios, embora esse seja reduzido. Num Estado com poucas regras, ou com essas excessivamente genéricas, é natural que os princípios tenham um espaço maior, e que o juiz acabe atuando como legislador.
É interessante explorar também como surge, para o intérprete, a necessidade de um caso ser resolvido com a invocação de um princípio. Tudo começa com um desconforto pela aplicação da regra, um sentimento de injustiça com as consequências que ela trará. Ainda que o caso à primeira vista pareça corresponder à descrição da regra e, com isso, atrair sua consequência, o intérprete sente que isso acarretará numa injustiça, como alguém ser punido ou absolvido indevidamente, ou receber uma punição maior ou menor do que a que merece.
A partir daí, o intérprete passa a analisar o propósito da norma e se ele é de fato obtido ao aplicar a regra daquela maneira ou se, pelo contrário, a instanciação da norma daquela maneira, ainda que de acordo com o dispositivo legal, ofende a razão que o fundamenta. Ou então ele parte para considerar se os propósitos de outra norma não podem auxiliar no afastamento daquela, mostrando que o seu propósito, no caso concreto, está em dissonância com outros propósitos de outras normas, e que esses refletem melhor tanto a solução mais justa como a mais harmônica com o ordenamento jurídico. É com esse tipo de método que, geralmente, princípios jurídicos passam a ter uma importância fundamental na argumentação jurídica.
Portanto, um ordenamento jurídico necessita de princípios por, basicamente, duas razões:
1) porque o mundo é complexo demais para ser capturado unicamente por regras;
2) porque o intérprete sente que é possível corrigir uma injustiça que seria advinda da aplicação de uma regra através do apelo a princípios subjacentes à ela mesma ou em outras normas, decisões e no próprio ordenamento jurídico.
A equivocidade do termo “princípios”
A primeira observação que deve ser feita é que o termo “princípios” admite diversos sentidos: um princípio pode ser aquilo que dá sustentação a um sistema, o que é mais importante, aquilo que serve como ponto de partida, que dá sentido a diversas regras, que são objetivos a serem alcançados etc. Sem uma definição precisa do sentido que se está usando, duas pessoas podem discutir sem chegar a conclusão alguma porque utilizam sentidos diferentes do mesmo termo, como dois sujeitos que discutem se o banco é para sentar ou para colocar seu dinheiro. Tais discussões são estéreis porque o debate não gira em torno de um pressuposto comum previamente estabelecido.
Nos debates jurídicos, são basicamente dois sentidos completamente diversos que estão em jogo: o de princípios como a articulação de algo subjacente a diversas normas e ao ordenamento jurídico como um todo e o de princípios como mandados de otimização de estado de coisas no mundo. A grosso modo, a primeira posição é típica de um sistema de Common Law, e a segunda, de Civil Law. Não à toa, ambas foram inicialmente tratadas por representantes dessas tradições, respectivamente Dworkin e Alexy.
O primeiro sentido fica claro nos próprios exemplos oferecidos por Dworkin. No primeiro deles (Riggs x Palmer), ao discutir se alguém que matou seu avô pode receber a herança, Dworkin mostra como o caso foi decidido apelando-se para o princípio de que “ninguém pode se valer da sua torpeza”:
(...) all laws as well as all contracts may be controlled in their operation and effect by general, fundamental maxims of the common law. No one shall be permitted to profit by his own fraud, or to take advantage of his own wrong, or to found any claim upon his own iniquity, or to acquire property by his own crime.[2]
Já no segundo caso (Henningsen x Bloomfield Motors, Inc) o que estava em questão eram problemas como a limitação de responsabilidade, autonomia privada e injustiça de uma barganha com abuso de poder econômico. Os problemas vieram à tona na discussão de se um fabricante de automóveis pode limitar sua responsabilidade no caso de defeito do veículo quando isso traz como consequência um grave acidente automobilístico, mesmo se o comprador assinou um contrato em que o fabricante limitava sua responsabilidade a apenas consertar as partes defeituosas. Segundo Dworkin, a decisão da corte foi no sentido de que o fabricante era responsável, e os argumentos para sustentar tal posição foram embasados em princípios:
(...) is there any principle which is more familiar or more firmly embedded in the history of Anglo-American law than the basic doctrine that the courts will not permit themselves to be used as instruments of inequity and injustice?(...) More specifically the courts generally refuse to lend themselves to the enforcement of a “bargain” in which one party has unjustly taken advantage of the economic necessities of other.[3]
Também podem ser encontrados vários exemplos de princípios nesse sentido no Direito brasileiro como, por exemplo, no art. 4º, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece que a Política Nacional das Relações de Consumo será orientada pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo. Em todos esses casos, o que está por trás da compreensão dos princípios é que eles subjazem ao ordenamento jurídico, são o fundamento diversas normas, dando sentido ao ordenamento e indicando linhas de interpretação. Mas nenhum deles pode ser encarado como “mandados de otimização”, como diretrizes para trazer um certo “estado de coisas” no mundo. Que ninguém possa se valer da sua torpeza e que as relações de consumo devem ser orientadas pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor não são propriamente coisas que devem otimizadas.
Esse segundo sentido, no entanto, é o que está presente nos conflitos que Alexy apresenta, como o já clássico exemplo da liberdade de informação x direito à privacidade. Aqui temos dois princípios que, tomados separadamente, devem ser otimizados: o ideal é que uma sociedade tenha o maior nível possível de liberdade de informação e direito à privacidade. E, embora eles possam, como no primeiro sentido de princípios, ser compreendidos como fundamento de diversas regras, não é nesse sentido que são utilizados num conflito, mas como desvinculados dessas regras e enfrentando-se num nível abstrato, onde o que é levado em conta é o peso que cada um tem no caso concreto.
Temos, assim, os dois principais sentidos em que o termo “princípios” é usado, e cada um deles remete à tradição jurídica dos seus principais teóricos. Aliás, é interessante observar como eles guardam relação com o próprio método de operar de cada uma dessas tradições. O primeiro sentido é relacionado a casos (case-related), pois surge da análise das razões subjacentes a diversas decisões; já o segundo sentido prescinde de casos, ele surge através da análise em abstrato dos fins almejados por um determinado ordenamento jurídico e sociedade (é dizer, embora o conflito entre princípios nesse segundo sentido sempre se dê em casos concretos, os princípios não são compreendidos como a ratio decidendi subjacente a diversas decisões e casos, mas como um fim, explícito na legislação ou implícito entre os valores fundamentais, que deve ser perseguido, um estado de coisas que deve ser buscado).
A distinção entre regras e princípios como uma distinção lógica
Embora Dworkin e Alexy possuam visões distintas de princípios, como anteriormente analisado, ambos concordam num ponto: o critério de distinção entre regras e princípios é um critério LÓGICO, e diz respeito ao modo como ambos operam. Irei me centrar, no entanto, na análise do artigo de Dworkin.
Para Dworkin, uma regra se aplica sempre que suas condições são verificadas (por exemplo: a responsabilidade jurídica penal se dá aos 18 anos, e não se invoca princípio alegando que aos 17 anos e 11 meses o sujeito já é capaz de entender as implicações dos seus atos e controlá-los tão bem quanto alguém 1 mês mais velho). Da mesma forma, se há exceções à regra, uma enumeração completa delas é, em princípio, possível. Princípios não operam dessa forma: eles são razões que devem ser levadas em conta e que inclinam a decisão mais para um lado. Princípios têm uma dimensão de PESO que não existe nas regras. Enquanto uma regra é ou não é válida, princípios são hierarquizados de acordo com sua importância num caso concreto. Por exemplo, o principio do caso Riggs (ninguém pode se valer da sua torpeza) não vale em todo caso, como na possibilidade de usucapir produto de crime, possibilidade aceita pela jurisprudência e pela doutrina brasileiras. Poderíamos dizer que nesse caso estaríamos frente à uma exceção, mas para Dworkin esse não é o caso, pois não poderíamos capturar contraexemplos como este simplesmente por uma melhor exposição do principio. Tais contraexemplos não estão, mesmo em teoria, sujeitos a enumeração, pois os casos hipotéticos são inumeráveis.
A distinção entre ambos se torna mais clara ao se verificar que muitos princípios nem sequer se parecem com regras, como a "obrigação especial" dos fabricantes de carros (expressa no caso Henningsen), que não estabelece quais deveres ela impõe ao fabricante e quais direitos garante ao consumidor. Ela não elimina completamente a liberdade contratual nem estabelece que os juízes podem alterar os contratos como lhes aprouver, somente que se uma clausula for demasiado injusta, pode ser anulada.
É importante ressaltar dois critérios que NÃO podem ser utilizados para distinguir regras de princípios, o da sua origem e o da sua expressão linguística. Uma regra não se distingue de um princípio por ser legislada, enquanto um princípio não o seria. Sendo o critério essencial a forma de operar (por tudo ou nada, no caso de regras, ou por balanceamento de razões, no caso de princípios), a origem da norma é completamente indiferente. Tanto um princípio pode ser legislado (como o já citado exemplo da vulnerabilidade no CDC), como uma regra pode ser não legislada (como as regras criadas a partir dos princípios invocados nos casos Riggs e Henningsen[4]).
Da mesma forma, uma regra não se distingue de um princípio por ser clara e direta, enquanto um princípio seria vago e impreciso. Dworkin é muito didático nesse ponto ao explicar as dúvidas que surgiram em torno do Sherman Act, que estabelece, no seu primeiro artigo, que “every contract in restraint of trade shall be void.”[5] A Suprema Corte considerou o artigo em questão uma regra, mas interpretou-a como contendo a palavra “irrazoável” (unreasonable), o que permitiu que substancialmente ela se tornasse um principio, pois com essa inserção deve-se investigar o quê, em termos econômicos (ou sociais ou culturais, em outros casos) é unreasonable. Mas, mesmo sendo construído com um termo vago e impreciso, a norma ainda é uma regra. Como afirma Dworkin:
If we are bound by a rule that says that “unreasonable” contracts are void, or that grossly “unfair” contracts will not be enforced, much more judgment is required than if the quoted terms were omitted. But suppose a case in which some consideration of policy or principle suggests that a contract should be enforced even though its restraint is not reasonable, or even though it is grossly unfair. Enforcing these contracts would be forbidden by our rules, and thus permitted only if these rules were abandoned or modified. If we were dealing, however, not with a rule but with a policy against enforcing unreasonable contracts, or a principle that unfair contracts ought not to be enforced, the contracts could be enforced without alteration of the law.[6]
O mesmo pode ser direto de diversas normas do direito brasileiro que utilizam termos como “inexperiente”, “injustamente”, “probidade”, “zelo” etc, onde, embora funcionando logicamente como regras, substancialmente, em virtude desses termos, funcionam como princípios.
Além do mais, ainda que tenhamos clareza sobre o critério lógico como essencial para a distinção dos dois tipos normativos, isso não significa que será fácil realizar essa separação. Como afirma Dworkin,[7] nem sempre é claro a partir da forma de uma norma se ela é uma regra ou princípio. Seu exemplo é da Primeira Emenda:
The first amendment to the United States Constitution contains the provision that Congress shall not abridge freedom of speech. Is this a rule, so that if a particular law does abridge freedom of speech, it follows that it is unconstitutional? Those who claim that the first amendment is “an absolute” say that it must be taken in this way, that is, as a rule. Or does it merely state a principle, so that when an abridgement of speech is discovered, it is unconstitutional unless the context presents some other policy or principle which in the circumstances is weighty enough to permit the abridgement? That is the position of those who argue for what is called the “clear and present danger” test or some other form of “balancing”.[8]
O mesmo problema verifica-se na interpretação, para citar apenas como exemplo, dos artigos 421 e 422 do Código Civil e 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor, que estabelecem:
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;
Como disse, do fato de os termos dessas normas serem vagos e imprecisos não segue que elas são necessariamente princípios. Da mesma forma, do fato de serem legislados não segue que sejam necessariamente regras. Temos que verificar como eles operam, e isso se pode fazer através de perguntas como estas:
1) uma vez verificado que um contrato não cumpriu sua função social, ele é ipso facto nulo ou a função social deve ser pesada com a liberdade contratual e a proteção das expectativas legitimas?
2) uma vez verificado que um contratante violou os ditames da boa-fé objetiva, ou que certas obrigações são iníquas ou abusivas, o contrato é nulo ou, de novo, questões como liberdade contratual e expectativas legítimas devem ser levadas em conta?
O critério da distinção eminentemente lógica entre regras e princípios foi disputado por vários autores. Quero me concentrar aqui apenas num deles, Humberto Ávila e seu livro “Teoria dos Princípios”,[9] tanto pelo impacto que ele causou na doutrina brasileira contemporânea como por considerar um tratamento bem argumentado e articulado. Também me concentrarei em apenas algumas das suas críticas, que servirão como início de análise dos seus argumentos, tarefa esta que pretendo completar futuramente.
Ao criticar o que ele chama de distinção por “modo final de aplicação”, Ávila se vale de um exemplo da jurisprudência do STF em que o réu foi inocentado da acusação de estupro de um menor de 14 anos, mesmo com uma norma (o art. 224 do Código Penal) estabelecendo uma presunção incondicional de violência para o caso de a vítima ter idade inferior a 14 anos. Não irei adentrar na análise do caso concreto, mas no mínimo três críticas podem ser avançadas: 1) o STF errou; 2) foi adicionada uma exceção não prevista na norma; 3) a presunção funciona não como uma regra, mas como um princípio.
Outra crítica de Ávila é que, por haver regras com expressões cujo âmbito de aplicação não é delimitado, o intérprete fica encarregado de decidir pela incidência ou não da norma diante do caso concreto e, nessas hipóteses, o caráter absoluto da regra se perde em favor de um modo mais ou menos de aplicação, como um princípio. Ora, mas o que está em questão aqui é, na verdade, apenas a complexidade dos fatos, e não o modo de incidência da regra. Para uma norma ser uma regra não é necessário que os fatos sobre os quais ela incide sejam facilmente verificáveis. A estrutura de tudo ou nada da regra pode prevalecer mesmo que os fatos sobre os quais ela irá incidir sejam de difícil apuração, mas isso não quer dizer que ela operará como um princípio, apenas orientando a decisão num sentido, pois uma vez que os fatos tenham sido corretamente delimitados, a regra incidirá normalmente.
Em outro ponto Ávila afirma que:
(...)a distinção entre princípios e regras não pode ser baseada no suposto método tudo ou nada de aplicação das regras, pois também elas precisam, para que sejam implementadas suas consequências, de um processo prévio – e, por vezes, longo e complexo como o dos princípios de interpretação que demonstre quais as consequências que serão implementadas.[10]
A segunda parte está absolutamente correta, mas ela não é oposta à afirmação inicial como Ávila supõe. Só o seria caso as regras fossem tomadas de forma caricata, como se fosse essencial que elas sejam aplicadas mecanicamente. Mas isso não é assim: é compatível com o método de aplicação tudo ou nada que os fatos possam ser complexos e de difícil classificação, e que os termos da regras sejam vagos e demandem intensa interpretação.
Por fim, Ávila comenta que “não é coerente afirmar, como fazem Dworkin e Alexy, cada qual a seu modo, que, se a hipótese prevista por uma regra ocorrer no plano dos fatos, a consequência normativa deve ser diretamente implementada.”[11] Em primeiro lugar, segundo ele, porque “há casos em que as regras podem ser aplicadas sem que suas condições sejam satisfeitas”.[12] Mas essa crítica está claramente equivocada, pois ela sustenta que um argumento condicional do tipo “se p então q” (como é o caso de “se a hipótese prevista por uma regra ocorrer no plano dos fatos, então a consequência normativa deve ser diretamente implementada), quando tem seu antecedente negado, deve ter igualmente o seu consequente negado (“se não-p, então não-q”), o que nada mais é do que a famosa falácia da negação do antecedente. As teses de Dworkin e Alexy só seriam refutadas caso, presente o antecedente, não se verificasse o consequente, ou seja, nos casos em que as regras não são aplicadas apesar de suas condições terem sido satisfeitas. E, de fato, Ávila também dirige essa crítica quando afirma que é isso o que ocorre nos casos de “cancelamento da razão justificadora da regra por razões consideradas superiores pelo aplicador diante do caso concreto.”[13] Nesses casos pode ser dirigida a crítica acima: o tribunal pode ter errado; o que ocorreu, na verdade, não foi o cancelamento da regra naquele caso com sua permanência no sistema, mas meramente a inserção de uma exceção; a regra, na verdade, é um princípio.