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Supremacia do Estado x supremacia do interesse público e o conflito com os direitos fundamentais processuais na aplicação de multas de trânsito por guarda

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08/10/2012 às 17:15
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4. Considerações finais.

Se antes o maior desafio da sociedade era proteger de forma positivada a dignidade humana dos seus cidadãos, hoje o dilema é conciliar a proteção já obtida na ambiência do cotidiano do estado democrático de direito. A tarefa é extremamente complicada e envolve o sopesamento das normas de Direitos Humanos com todos os diplomas legais do ordenamento, sem que a essência de cada lado dessa balança se perca. A regra, portanto, é a proporcionalidade, a ponderação, de modo a construir um ambiente juridicamente harmônico. Esse conflito é bem ilustrado pelo “embate” entre a consecução dos atos administrativos que buscam a efetivação do interesse público e o interesse e direitos do particular.

No caso, buscamos realizar uma breve análise sobre o atual procedimento de aplicação de multas de trânsito por guardas, no qual basta a declaração unilateral do agente para constituir a prova que culminará na sanção pecuniária do condutor, sem que ele, de fato, tenha chance de provar que não cometeu a infração. Quando há registro de radar ou “pardal” há uma prova sobre a qual discutir; mas considerar que a palavra do agente de trânsito, por si só, vale mais que a do cidadão é uma arbitrariedade, pois não se oferecem meios de questionamento da mesma, tornando a presunção de legitimidade do ato administrativo absoluta, quando deveria ser relativa. No caso, não obstante a Constituição e a Lei do Processo Administrativo requeiram a observância da ampla defesa e do contraditório, o motorista, seja em âmbito administrativo ou judicial, fica impossibilitado de exercê-los. Da análise jurisprudencial verificamos que não está sendo observado se o cidadão teve meios hábeis para defender-se, mantendo-se a presunção de legitimidade como meio de prova mais forte da administração. Consideramos que esse entendimento defasado e incentivador do autoritarismo estatal.

Obviamente, não pleiteamos um esvaziamento da presunção de legitimidade, nem questionar a grande relevância do Princípio da Supremacia do Interesse Público, vigas mestras da atuação do estado de forma coerente em nossa sociedade. Apenas visamos dar uma pequena contribuição para que o equilíbrio seja alcançado, de modo que tenhamos uma balança bem equilibrada com a proteção do bem-comum e o respeito aos interesses individuais, já que ambos possuem guarida constitucional e extrema importância no estado de direito.


5. Referências.

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Notas

[1]BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 71

[2]MORAIS, Márcio Eduardo da Silva Pedrosa. Sobre a evolução do estado. Do estado absolutista ao estado Democrático de Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2833, 4 abr. 2011 . Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/18831. Acesso em 20 ago. 2012. p. 01.

[3]Op. cit., p. 72

[4]SILVA, L. C. Fornecimento Restrito de Fraldas Descartáveis pelo Estado: dignidade da pessoa humana, mínimo existencial e princípio da universalidade do SUS. Monografia apresentada à Universidade da Amazônia - Instituto de Ciências Jurídicas como requisito obrigatório para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Belém, 2011. p. 41.

[5]Op. cit., p. 72

[6]Ibid., p. 73

[7]MARX apud BONAVIDES, Op. cit., p. 75.

[8]KANT apud BONAVIDES, Ibid., p. 73.

[9]DEL VECCHIO apud BONAVIDES, Ibid., mesma página.

[10]COSTA, Fábio Silva. Estado, Direito e Sociedade: perspectivas para uma Teoria Republicana Brasileira. Curitiba: Juruá, 2010. p. 72.

[11]COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos Direitos Humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 49.

[12]TORRES, Arthur. Constituição e Processo: elementos para a compreensão do contemporâneo sistema processual brasileiro. Páginas de Direito, 28 mar. 2012. Disponível em http://www.tex.pro.br/tex/listagem-de-artigos/351-artigos-mar-2012/8412-constituicao-e-processo-elementos-para-a-compreensao-do-contemporaneo-sistema-processual-brasileiro. Acesso em 24 set. 2012.

[13]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 483.

[14]DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 12. ed. Salvador: Jus Podivm, 2010. vol. 01. p. 41 e 44.

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[15]Op. cit., p. 52.

[16]Op. cit., p. 39.

[17]ÁVILA apud DIDIER JR., Ibid., mesma página.

[18]FERREIRA FILHO apud MAGALHÃES, José Luiz Quadros de. Princípios constitucionais e interpretação constitucional. Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 13, maio 1997. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/87. Acesso em 30 ago. 2010.1997, p. 01.

[19]COMPARATO, Fábio Konder. Ética: Direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 500.

[20]BORGES, Alice Gonzalez. Supremacia do Interesse Público: construção ou reconstrução? Diálogo Jurídico, n° 15, Salvador: jan., fev. e mar. 2007. Disponível em http://www.direitopublico.com.br/pdf_seguro/Supremacia%20do%20Interesse%20P%C3%BAblico%20%20-%20Alice%20Gonzalez%20Borges.pdf. Acesso em 05 set. 2012. p. 04.

[21]A atividade administrativa em sentido estrito refere-se a todas as situações em que o estado trava relação jurídica com o particular em situação de poder, em nome da sociedade, como na cobrança de tributos, desapropriação de bens privados, entre outros. Não se refere a momentos em a figura estatal e o cidadão estão em relação paritária, como quando este abre uma conta bancária em um banco público.

[22]Op. cit., p. 05.

[23]BARROSO apud BORGES, Ibid., p. 06.

[24]ROUSSEAU apud BORGES, Op. cit., p. 08.

[25]BINENBOJM apud BORGES, Ibid., p. 13-14.

[26]Como é impossível atender a todas as necessidades de todos os cidadãos no mais elevado patamar, fatalmente algum grupo sempre ficará sem atendimento, já que o estado deverá eleger prioridades. Essa é a opção trágica, já que em nenhum momento todos ficarão satisfeitos ao mesmo tempo.

[27]DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 50

[28]LORO, Carlos Eduardo Pezzette. Presunção de legitimidade dos atos administrativos. Jus Vigilantibus, 14 fev. 2008. Disponível em http://jusvi.com/colunas/31549. Acesso em 21 set. 2012.

[29]BRASIL. Processo APL 129295720098260032 SP 0012929-57.2009.8.26.0032. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 5ª Câmara de Direito Público, Relator: Nogueira Diefenthaler, Julgado em 18 jun. 2012, Publicado em 05 jul. 2012.

[30]BRASIL. Processo  APL 14650220118260053 SP 0001465-02.2011.8.26.0053. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, 11ª Câmara de Direito Público, Relator: Luis Ganzerla, Julgado em 30 jul. 2012, Publicado em 02 ago. 2012.

[31]BRASIL. REsp 1108111 PB 2008/0261400-0. Superior Tribunal de Justiça, 2ª Turma. Relatora: Ministra Eliana Calmon, Julgado em 27 out. 2009, Publicado em 03 dez. 2009.

[32]BRASIL. AgRg na SLS 1266 SP 2010/0125544-1. Superior Tribunal de Justiça, CE – Corte Especial. Relator: Ministro Ari Parglender, Julgado em 28 out. 2010,  Publicado em 19 nov. 2011.

[33]Op. cit., p. 133.

[34]GASPARINI apud LORO, Op. cit., p. 01.

[35]BRASIL. Ônus da prova em multas de trânsito. Tribunal de Justiça de Minas Gerais, 16 abr. 2008. Disponível em http://direito2.com/tjmg/2008/abr/16/onus-da-prova-em-multas-de-transito. Acesso em 24 set. 2012.

[36]ESCOLA apud Borges, Ibid. p. 11.

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Sobre a autora
Liliane Coelho da Silva

Mestranda em Direitos Fundamentais pela Universidade da Amazônia - UNAMA. Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG. Servidora Pública Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Liliane Coelho. Supremacia do Estado x supremacia do interesse público e o conflito com os direitos fundamentais processuais na aplicação de multas de trânsito por guarda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3386, 8 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22732. Acesso em: 29 mar. 2024.

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