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Pode o Delegado de Polícia representar diretamente medidas cautelares ao Judiciário, no curso do inquérito policial?

18/10/2012 às 15:00

Resumo:


  • As medidas cautelares no inquérito policial incluem busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo, entre outras, e há debate sobre a capacidade do Delegado de Polícia para representar diretamente ao juízo por elas.

  • Argumenta-se que apenas o Ministério Público teria capacidade para solicitar tais medidas, contudo, a legislação permite que o Delegado de Polícia represente ao Judiciário para a aplicação de medidas cautelares.

  • O sistema processual penal brasileiro estabelece divisão de funções entre Polícia Judiciária, Ministério Público e Poder Judiciário, e a Polícia Judiciária deve poder requerer medidas cautelares diretamente ao juiz para o bom andamento do inquérito policial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

As medidas cautelares não são pleitos preparatórios para o manejo do futuro processo penal. Quando representadas pelo Delegado de Polícia, as medidas cautelares servem ao inquérito policial, procedimento administrativo, inquisitivo, sigiloso, escrito, que tramita no âmbito da Polícia Judiciária, sob a presidência da Autoridade Policial.

As medidas cautelares referidas no título do artigo são, por exemplo, as de busca e apreensão, interceptação telefônica e telemática, quebra de sigilo bancário e fiscal, representação pela prisão preventiva ou temporária de investigados/indiciados, todas materializados no curso do inquérito policial.

Os que advogam a tese de que a Autoridade Policial não pode representar diretamente ao Juízo competente pela decretação de medidas cautelares, constroem sua argumentação em suposta ausência de capacidade postulatória do Delegado de Polícia. Entendem que a ação penal deve ser tida como processo principal e as medidas cautelares como pleitos preparatórios para o manejo do futuro processo. Afirmam que apenas quem tem capacidade postulatória para ajuizar a ação penal pode deduzir pleito cautelar em juízo (somente o Ministério Público, no caso das ações penais públicas).

Andrey Borges de Mendonça sintetiza o argumento acima desenhado (e combatido por este ensaio):

“Como possui a prerrogativa de decisão sobre o início da ação penal principal, com muito maior razão deve possuir legitimidade para decidir se é o caso ou não de requerimento das medidas cautelares na fase das investigações” (in Prisão e outras Medidas Cautelares Pessoais, Editora Método, 2011, página 68).

O autor citado arremata asseverando que: “todas as representações da autoridade policial, portanto, devem ser dirigidas ao Ministério Público, que, caso concorde, as proporá ao Juízo” (obra acima citada, página 69).

A meu ver, tais argumentos não se sustentam. Em primeiro lugar porque não vejo como considerar tais medidas cautelares como pleitos preparatórios para o manejo do futuro processo penal (esta não deve ser a relação principal-acessório). Em verdade, quando representadas pelo Delegado de Polícia, as medidas cautelares servem ao inquérito policial, procedimento administrativo, inquisitivo, sigiloso, escrito, que tramita no âmbito da Polícia Judiciária, sob a presidência da Autoridade Policial (a relação principal-acessório é, na verdade, inquérito-medida cautelar). Finda derrubada a viga mestra da argumentação que pretende ver negada a pergunta desenhada no título do ensaio.

O sistema processual penal brasileiro desenhou uma clara e salutar divisão de tarefas confiadas a órgãos estatais distintos: o Estado-investigação, representado pela Polícia Judiciária, órgão do Poder Executivo que tem a missão de elucidar as infrações penais, deve perquirir autoria e materialidade delitiva; o Estado-acusação, representado pelo Ministério Público, responsável por manejar ação penal em face dos que dilaceraram a ordem jurídica através do cometimento de delito; e o Estado-juiz, representado pelo Poder Judiciário, quem tem a missão de julgar os processos penais, condenando ou absolvendo os réus.

Neste panorama, com o fito de se desincumbir do seu mister, a Polícia Judiciária tem o dever de instaurar inquérito policial com o fito de elucidar os crimes e apontar seus autores, coligindo provas suficientes da existência do delito (materialidade) e de autoria delitiva. No curso do feito inquisitivo, pode o Delegado de Polícia entender que o fato será melhor aclarado com o manejo de medida cautelar (de busca e apreensão, interceptação telefônica, quebra de sigilo bancário, etc.), que deve ser representada ao Poder Judiciário. Fica claro, nesta esteira, que o que está sendo acautelado é o próprio inquérito (e a prova a ser produzida em seu bojo). Assim é que a Autoridade Policial terá que demonstrar a necessidade/utilidade da medida mitigadora dos direitos do investigado/indiciado para que a mesma seja deferida pelo Juízo competente.

Nesta esteira, nada mais coerente e lógico que a decisão a respeito da materialização de pleito cautelar levado a efeito no bojo do inquérito caiba também ao Delegado de Polícia (o Ministério Público tem legitimação concorrente para requerer tais medidas).

A resposta ao quesito proposto no título pode ainda ser fundamentada de maneira muito mais simplória: a legislação autoriza o manejo direto pela Autoridade Policial de todos os pleitos cautelares possíveis no curso do inquérito policial, vejamos alguns exemplos:

Lei 9.296/96:

Art. 3° A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

Lei 7.960/89:

Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

Código de Processo Penal:

Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:

§ 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Demonstrado está que tentar submeter a representação do Delegado de Polícia à autorização ou à aquiescência do Ministério Público é subverter a ordem jurídica e, em última análise, afirmar que o entendimento da Autoridade Policial está condicionado ao pensar do Parquet (conclusão, a meu ver, teratológica).

O que diz o arcabouço legislativo pátrio é que o MP ofertará parecer no bojo das medidas cautelares quando estas forem representadas pelo Delegado de Polícia, mas estes não vinculam a Autoridade Judiciária, que pode deferir o pleito, mesmo diante de entendimento contrário do Parquet.

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Sobre o autor
Márcio Alberto Gomes Silva

Delegado de Polícia Federal, Professor do CERS, do Supremo TV, do Gran Cursos On Line, do CICLO, da Escola Nacional dos Delegados de Polícia Federal, da Faculdade Pio X, Mestrando em Direito Público pela UFS, Especialista em Ciências Criminais pela UNAMA/UVB, Especialista em Inteligência Policial pela ESP/ANP/PF, autor dos livros Inquérito Policial – Uma análise jurídica e prática da fase pré-processual, Prática Penal para Delegado de Polícia e Organizações Criminosas – Uma análise jurídica e pragmática da Lei 12.850/13.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Márcio Alberto Gomes. Pode o Delegado de Polícia representar diretamente medidas cautelares ao Judiciário, no curso do inquérito policial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3396, 18 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22829. Acesso em: 18 dez. 2024.

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