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Querela nullitatis e coisa julgada inconstitucional no Direito brasileiro.

Uma proposta de adequação à teoria dos princípios jurídicos

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Resumo:


  • O presente trabalho analisa a querela nullitatis e sua aplicação pela jurisprudência brasileira.

  • A querela nullitatis é uma ação autônoma que busca invalidar uma decisão judicial, sendo utilizada para impugnar vícios de atividades graves no processo.

  • A querela nullitatis é essencial para assegurar garantias fundamentais do processo, como o contraditório e a ampla defesa, especialmente em casos de ausência ou defeito na citação do réu.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A querela nullitatis (ação de nulidade de sentença) é um daqueles institutos jurídicos que não possui previsão expressa no ordenamento jurídico-positivo brasileiro. A despeito da ausência de um marco normativo, alguns dos tribunais pátrios têm recepcionado a utilização dessa via processual para desconstituição de decisões judiciais transitadas em julgado. Os casos mais comuns envolvem decisões judiciais proferidas em processos que transcorreram sem a citação do réu ou que esta se deu de forma defeituosa, impossibilitando a formação da relação processual. Nesses casos, a querela funciona como instrumento para garantir que a parte ré possa ser ouvida naqueles casos em que a sua ausência no processo decorreu de uma falha no procedimento citatório.

O ponto de divergência na doutrina acerca da querela nullitatis envolve aqueles casos em que se pretende por meio desta ação a desconstituição da coisa julgada formada com base em lei declarada inconstitucional em momento posterior. Ou seja, nos casos em que se tem a chamada coisa julgada inconstitucional. O ponto conflituoso aqui consiste em estreitar as relações entre a proteção da coisa julgada – garantia constitucional – com o sistema de controle de constitucionalidade. Como visto, esse conflito pode ser desdobrado nos seguintes pontos: (a) lei declarada inconstitucional antes de passados dois anos do trânsito em julgado de sentença declaratória; (b) lei declarada inconstitucional após o cumprimento da sentença, mas antes de passados dois anos do trânsito em julgado; (c) lei declarada inconstitucional após o cumprimento da sentença e depois de passados dois anos do trânsito em julgado.

A questão controvertida, então, é a de saber em que medida uma decisão do Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou controle difuso seguido de resolução do Senado Federal, declarando a inconstitucionalidade de uma norma, pode atingir aquelas decisões pretéritas tomadas com base na lei ora impugnada e já acobertadas pela coisa julgada. Vale lembrar que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo STF em controle concentrado – em ação direta – produz, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), alcançando todas as relações jurídicas constituídas sob a vigência da lei ou ato normativo.

Em sede teórica, buscamos com este trabalho abordar a tese da desconstituição da coisa julgada inconstitucional com ponto de apoio na teoria dos princípios jurídicos e na possibilidade de superação das regras por meio do processo de ponderação entre valores constitucionais. Com base em estudos de Ronald Dworkin e Humberto Ávila, verifica-se que o procedimento de superação de regras é perfeitamente possível desde que atendidos determinados critérios formais e materiais. Para Ávila, o valor substancial das regras é o marco delimitador das situações em que a mesma pode ser superada. Nesse sentido, a regra constitucional que protege a coisa julgada tem como valor substancial, ou finalidade subjacente, a promoção da segurança jurídica. Eventual desconstituição da coisa julgada deve levar em consideração, em cada caso, os efeitos produzidos sobre o valor segurança jurídica, bem como a repercussão dessa desconstituição sobre casos futuros similares.

Por meio da querela nullitatis, a desconstituição da coisa julgada taxada de inconstitucional deve estar orientada pelos critérios estabelecidos para a ponderação entre valores constitucionais, bem como deve atentar para os efeitos da desconstituição sobre o sistema jurídico como um todo.


 Referências Bibliográficas

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Notas

[1] O conceito jurídico de coisa julgada é comumente trabalhado na doutrina em duas vertentes: a coisa julgada formal e a coisa julgada material. Nesse sentido: “A autoridade da coisa julgada, de que se tenha revestido uma decisão judicial, cria para o juiz um vínculo consistente na impossibilidade de emitir novo pronunciamento sobre a matéria já decidida. Essa impossibilidade às vezes só prevalece no mesmo processo em que se proferiu a decisão (coisa julgada formal), e noutros casos em qualquer processo (coisa julgada material).” BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Comentários ao Código de Processo Civil. V. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 122. Leonardo Greco destaca que a coisa julgada possui dois fundamentos no âmbito de um Estado de Direito: “(...) um político e outro jurídico. Este se baseia no princípio da unidade da jurisdição, segundo o qual o exercício da jurisdição exterioriza a vontade única do Estado acerca da postulação que lhe foi encaminhada. É o que está consagrado como regra geral no artigo 471 do Código de Processo Civil: ‘nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide’. (...) O fundamento político da coisa julgada é a necessidade de estabilidade das decisões, que evita que os litígios se eternizem. (...) Isso porque a coisa julgada é uma garantia não somente da segurança jurídica (Constituição, artigo 5º, caput e inc. XXXVI), mas também da própria tutela jurisdicional efetiva (Constituição, artigo 5º, XXXV). Sem coisa julgada não há Estado Democrático de Direito.” GRECO, Leonardo Instituições de Processo Civil. Processo de Conhecimento. Vol. II, São Paulo: Forense, 2010, pp. 355-356.

[2]Art. 475-L. A impugnação somente poderá versar sobre: (...);

II - inexigibilidade do título; (...);

§ 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

Art. 741 - Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: (...);

II - inexigibilidade do título; (...) Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.

[3] O termo vícios transresciórios foi extraído da obra dos professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha: Curso de Direito Processual Civil. Meios de Impugnação às Decisões Judiciais e Processo nos Tribunais. Vol. 3, Salvador: Podivm, 2006, p. 477.

[4] MACEDO, Alexander dos Santos. Da Querela Nullitatis. Sua subsistência no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 70. 

[5] Teresa Arruda Alvim Wambier discorda parcialmente da posição sustentada acima. Para a autora, não há necessidade de se utilizar da via dos embargos do executado para impugnar a falta ou a nulidade da citação. Já que não há sentença condenatória, a sua execução é incompossível, perdendo o sentido a utilização dos embargos para impugnar uma sentença que já não existe. O magistrado poderá verificar o vício nos próprios autos do processo. WAMBIER, Teresa Arruda A. Nulidades do Processo e da Sentença, São Paulo: Revista dos Tribunais (RT), 1998.

[6] Dessa tese discordam Teresa Arruda Alvim Wambier e Roque Komatsu, para quem a querella nullitatis se volta para a impugnação de sentenças inexistentes, as quais não podem estar protegidas pela coisa julgada. Especificamente com relação às hipóteses de falta de citação, a autora defende que: “A solução adequada seria uma ação de declaração de inexistência da sentença proferida em processo a que esteve ausente o réu ou um dos réus por não ter sido citado. Basta, neste caso, declarar-se a inexistência. Desnecessário é desconstituir-se a coisa julgada, pois a sentença inexistente, à diferença da nula, não passa em julgado.” WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op. cit., 1998, p. 369.

[7] MACEDO, Alexander dos Santos, op. cit., p. 39.

[8] THEODORO JR., Humberto. “Ação rescisória e o problema da superveniência do julgamento da questão constitucional.” RePro, 79/158, p. 159. 

[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, op. cit., 1998.

[10] KOMATSU, Roque. Da Invalidade no Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais (RT), 1991.

[11] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2009.

[12] FURTADO, Adroaldo Fabrício Furtado. “Réu revel não citado, querela nullitatis e ação rescisória.” Ensaios de Direito Processual. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

[13] DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro, op. cit., 2012.

[14] Trataremos mais detidamente sobre o tema, mas cabe aqui mencionar que há também autores que incluem a chamada coisa julgada inconstitucional no rol das hipóteses de cabimento da querela nullitatis. É o caso de Carlos Valder do Nascimento, para quem a sentença inconstitucional é nula. Para o autor: “Se a sentença inconstitucional é nula, contra ela não cabe rescisória, por incabível lançar-se mão dos recursos previstos na legislação processual. Na espécie, pode-se valer, sem observância de lapso temporal, da ação declaratória de nulidade da sentença, tendo presente que ela não perfaz a relação processual, em face do grave vício que a contaminou, inviabilizando, assim, o seu trânsito em julgado.” NASCIMENTO, Carlos Valder do. Por Uma Teoria da Coisa Julgada Inconstitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 166.

[15] Uma análise bem perfilhada sobre a evolução histórica do instituto da querela nullitatis pode ser encontrada em Barbosa Moreira: “Foi no direito intermédio, nos estatutos italianos, por influência dos elementos germânicos misturados aos de origem romana, que se julgou necessário criar, para a denúncia dos errores in procedendo, um remédio especial, a querela nullitatis, exercitável de modo autônomo, não propriamente como ação, mas por simples imploratio officii iudicis. Esse remédio comportava duas modalidades: a querela nullitatis sanabilis e a querela nullitatis insanabilis. Na maioria dos ordenamentos europeus, a primeira foi pouco a pouco absorvida pela apelação, e a segunda acabou desaparecendo, de modo que os motivos de invalidação da sentença passaram a ter de alegar-se por meio de recurso, sob pena de ficarem preclusos com o esgotamento das vias recursais.” Comentários ao Código de Processo Civil. V. 5, Rio de Janeiro: Forense, 2005.

[16] MACEDO, Alexander dos Santos. Da Querela Nullitatis. Sua subsistência no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

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[17] A preclusão pro iudicato opera sobre ato decisório irrevogável, de conteúdo processual, que já foi decido no curso do processo. Os juristas que defendem a inaplicabilidade da preclusão pro iudicato aos vícios dessa categoria, levantam os seguintes fundamentos: referidos vícios podem provocar a desconstituição da sentença de mérito, mediante ação rescisória; o juiz pode e deve deles conhecer de ofício; podem também ser analisados após a sentença de mérito de primeiro grau, quando devolvido o conhecimento do processo em grau de apelação, aplicando-se ao juízo ad quem o disposto no art. 267, §3 do CPC.

[18] ARAGÃO, Egas Dirceu Moniz de. Comentários ao Código de Processo Civil. Vol. II, Rio de Janeiro: Forense, p. 275. 

[19] Importante destacar que há forte divergência na doutrina processualista sobre o cabimento da querela nullitatis. Assim como está exposto no Ponto I deste trabalho, para Alexander Macedo dos Santos, o seu cabimento se restringe às hipóteses em que o réu não foi citado ou a citação ocorreu de forma irregular. No entanto, como já foi exposto neste trabalho, outros autores defendem o cabimento da querela nullitatis em outras situações, comumente relacionadas com um grave vício acometido aos pressupostos de existência do processo.  

[20] Nesse sentido é a posição do STJ no RE 1.252.902-SP: “PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. DESCABIMENTO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não configura ofensa ao art. 535 do Código de Processo Civil, o fato de o C. Tribunal de origem, embora sem examinar individualmente cada um dos argumentos suscitados pela parte recorrente, adotar fundamentação contrária à pretensão da parte, suficiente para decidir integralmente a controvérsia. 2. O cabimento da querela nullitatis insanabilis é indiscutivelmente reconhecido em caso de defeito ou ausência de citação, se o processo correu à revelia (v.g., CPC, arts. 475-L, I, e 741, I). Todavia, a moderna doutrina e jurisprudência, considerando a possibilidade de relativização da coisa julgada quando o decisum transitado em julgado estiver eivado de vício insanável, capaz de torná-lo juridicamente inexistente, tem ampliado o rol de cabimento da querela nullitatis insanabilis. Assim, em hipóteses excepcionais vem sendo reconhecida a viabilidade de ajuizamento dessa ação, para além da tradicional ausência ou defeito de citação, por exemplo: (i) quando é proferida sentença de mérito a despeito de faltar condições da ação; (ii) a sentença de mérito é proferida em desconformidade com a coisa julgada anterior; (iii) a decisão está embasada em lei posteriormente declarada inconstitucional pelo eg. Supremo Tribunal Federal. 4. Entretanto, não é cabível, em virtude do instituto da preclusão, o ajuizamento de querela nullitatis insanabilis, com base em falta ou deficiência na fundamentação da decisão judicial. Não há falar, pois, em hipótese excepcional a viabilizar a relativização da coisa julgada, sobretudo porque aqui não se vislumbra nenhum vício insanável capaz de autorizar o ajuizamento de querela nullitatis insanabilis, pois bastaria à parte ter manejado oportunamente o recurso processual cabível, para ter analisada sua pretensão. 5. Recurso especial a que se nega provimento.” (grifo nosso). No mesmo sentido, acórdão do TRF-1ª Região: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS INSANABILIS. SUPOSTA ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. SENTENÇA MANTIDA. 1. A ação declaratória de nulidade insanável - querela nullitatis insanabilis, subsiste no direito processual brasileiro, como ação ordinária autônoma, para declarar a não oponibilidade dos efeitos da sentença proferida contra réu não citado para a ação, tornando inválido o processo contra prolatado contra ele (Art. 214, do CPC e Art. 5º, LIV e LV, da CF). 2. A apelante requer a desconstituição da sentença transitada em julgado no bojo da ação ordinária n. 96.00.02655-6 (execução n. 2002.36.00.007046-5) que julgou procedente o pedido e reconheceu o direito dos autores ao reajuste salarial de 28,86%, a partir de janeiro/93, condenando a União ao pagamento das diferenças salariais daí resultantes. Alega-se ilegitimidade passiva ad causam da União, dado que os autores eram servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, autarquia federal com representação própria. 3. Correta a sentença que extinguiu o processo por inadequação da via eleita, pois a ação declaratória de nulidade de sentença somente é admissível em relação ao réu revel no processo de conhecimento (art. 741, I, do CPC), qual seja, aquele que teve seus interesses atingidos sem que tenha recebido qualquer oportunidade de defesa, o que não restou caracterizado na lide em apreciação. 4. A parte ora requerente foi regularmente citada, contestou, apelou, agravou etc. Enfim, integrou e participou de modo ativo e efetivo da relação processual originária. Desta sorte, verdadeiramente não se vislumbra como, somente agora, uma vez ultrapassada a preclusão máxima (prazo da ação rescisória), pretender impugnar a validade da relação processual. 5. Apelação a que se nega provimento. (AC 200536000087963, JUIZ FEDERAL FRANCISCO HÉLIO CAMELO FERREIRA, TRF1 - 1ª TURMA SUPLEMENTAR, e-DJF1 DATA:09/05/2012 PAGINA:637.) (grifo nosso).

[21] Roque Komatsu observa que: “A apontada ação [querela nullitatis] traz à baila a existência de dissenso, na doutrina, acerca da natureza do vício da falta ou nulidade da citação, no processo, onde o réu vem a tornar-se revel. Sustentam alguns tratar-se de inexistência da sentença, enquanto outros veem, no caso, nulidade ipso jure. Mas há consenso de que, dada a gravidade do defeito, este permanece imune a todas as decisões, inclusive à maior delas, correspondente à coisa julgada, ou defeito tão grave, idôneo a impedir que ela se constitua.” KOMATSU, Roque, op. cit., 1991, p. 161.

[22] MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., 2005.

[23] Constituição Federal, artigo 102, I, “a” (primeira parte).

[24] Constituição Federal, artigo 103, § 2º.

[25] Constituição Federal, artigo 102, I, “a” (segunda parte).

[26] Constituição Federal, artigo 36, III.

[27] Constituição Federal, artigo 102, §1º.

[28] Acerca do tema do controle de constitucionalidade no direito brasileiro, ver, por todos: CLÈVE, Clèmerson Merlin. Fiscalização Abstrata de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; BITTENCOURT, Lúcio. O Controle Jurisdicional de Constitucionalidade das Leis. Reimp. Brasília: Ministério da Justiça, 1997. Vale lembrar que a classificação entre controle difuso e concentrado diz respeito ao caráter subjetivo da jurisdição, ou seja, está relacionada com o(s) órgão(s) do Poder Judiciário que exerce(m) o controle. Dessa forma: “Diz-se que o controle é difuso quando se permite a todo e qualquer juiz ou tribunal o reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma e, consequentemente, a sua não aplicação ao caso concreto levado ao conhecimento da corte. (...) No sistema concentrado, o controle de constitucionalidade é exercido por um único órgão ou por um número limitado de órgãos criados especificamente para esse fim ou tendo nessa atividade a sua função principal.” BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 69-70.

[29] Na Constituição Federal, o controle difuso é previsto

[30] Apesar de não ser a regra, o STF já conferiu efeitos ex nunc e para o futuro em controle difuso, cujo o leading case foi o julgamento do RE 197.917 em que a Suprema Corte decidiu por reduzir o número de vereadores de determinado município, mas somente a partir da legislatura seguinte: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MUNICÍPIO. CÂMARA DE VEREADORES. COMPOSIÇÃO. AUTONOMIA MUNICIPAL. LIMITES CONSTITUCIONAIS. NÚMERO DE VEREADORES PROPORCIONAL À POPULAÇÃO. CF, ARTIGO 29, IV. APLICAÇÃO DE CRITÉRIO ARITMÉTICO RÍGIDO. INVOCAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA RAZOABILIDADE. INCOMPATIBILIDADE ENTRE A POPULAÇÃO E O NÚMERO DE VEREADORES. INCONSTITUCIONALIDADE, INCIDENTER TANTUM, DA NORMA MUNICIPAL. EFEITOS PARA O FUTURO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. (...) 8. Efeitos. Princípio da segurança jurídica. Situação excepcional em que a declaração de nulidade, com seus normais efeitos ex tunc, resultaria grave ameaça a todo o sistema legislativo vigente. Prevalência do interesse público para assegurar, em caráter de exceção, efeitos pro futuro à declaração incidental de inconstitucionalidade. (grifo nosso).

[31]Art. 52 - Compete privativamente ao Senado Federal:

(...)

X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;

[32] Sistematicamente, Luís Roberto Barroso indica as novas perspectivas trazidas pelo artigo 27 da Lei 9.868/99: “O dispositivo permite, portanto, que o Tribunal: a) restrinja os efeitos da decisão, excluindo de seu alcance, por exemplo, categoria de pessoas que sofreriam ônus ponderado como excessivo ou insuportável, ou ainda, impedindo a retroação sobre determinado tipo de situação; b) não atribua efeito retroativo a sua decisão, fazendo-a incidir apenas a partir de seu trânsito em julgado; e c) até mesmo fixe algum momento específico como marco inicial para a produção dos efeitos da decisão, no passado ou mesmo no futuro, dando à norma uma sobrevida.” BARROSO, Luís Roberto, op. cit., 2012, pp. 238-239. 

[33]Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

V - violar literal disposição de lei;”.  

[34] Com relação à doutrina, anotamos, por todos: LIMA, Arnaldo Esteves Lima e DYRLUND, Poul. ação rescisória. São Paulo: Forense, 2ª edição, 2003. No que toca à jurisprudência, cf.: Resp nº128.239/RS, Resp nº 36017/PE. Nesse sentido, vale destacar ementa de decisão do STJ: AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. PROCESSUAL CIVIL. TUTELA ANTECIPADA. REQUISITOS. VEROSSIMILHANÇA DAS ALEGAÇÕES E FUNDADO RECEIO DE DANO. PRESENÇA CUMULATIVA. DEFERIMENTO. ART. 489 DO CPC. CONDENAÇÃO À PUBLICAÇÃO DE SENTENÇA. LEI DE IMPRENSA. NÃO-RECEPÇÃO. STF. ADPF 130/DF. AUSÊNCIA DE DISPOSITIVO, SEJA LEGAL OU CONSTITUCIONAL, QUE AMPARE ESSA PRETENSÃO. PRECEDENTE DA TERCEIRA TURMA (REsp 885.248/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 21/05/2010). FUNDAMENTOS INSUFICIENTES PARA REFORMAR A DECISÃO AGRAVADA. 1. O agravante não trouxe argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada, razão que enseja a negativa do provimento ao agravo regimental. 2. A concessão da antecipação da tutela em ação rescisória é possível quando presentes cumulativamente os requisitos autorizadores do art. 273 do CPC (art. 489 do CPC). 3. De acordo com a jurisprudência desta Corte, é cabível a ação rescisória, com fulcro no art. 485, inciso V, do Código de Processo Civil, quando o acórdão rescindendo encontrar suporte em norma declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, ainda que, à época do julgado rescindendo, o dispositivo legal tivesse interpretação divergente. Precedentes. 4. Na hipótese, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, em 30.04.2009, julgou procedente, por maioria, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 130/DF, relator Ministro Carlos Britto, considerando não-recepcionado pela Constituição Federal todo o conjunto de dispositivos da Lei de Imprensa (Lei 5.250/67). 5. O direito à publicação de sentença, que não se confunde com o direito constitucional de resposta, não encontra fundamento direto na Constituição Federal, nem é abrangido pelo princípio da reparação integral do dano, que norteia a legislação civil. Precedente da Terceira Turma (REsp 885248/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 21/05/2010). 6. Dos elementos existentes nos autos, extrai-se que o acórdão rescindendo considerou devida a publicação da sentença civil condenatória nos mesmos moldes das notícias que ensejaram a ação de indenização, com base nos artigos 12, parágrafo único e 75 da Lei de Imprensa. 7. Destarte, em um exame perfunctório, próprio das liminares, constata-se a plausibilidade jurídica das alegações da autora, pelo menos no que tange à impossibilidade de condenação à publicação da sentença condenatória em periódico. 8. Agravo regimental a que se nega provimento.(AGRAR 201000844070, VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), STJ - SEGUNDA SEÇÃO, DJE DATA:01/09/2010 RSTJ VOL.:00220 PG:00343.) (grifo nosso).

[35] Importante ressaltar que a Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determina ser incabível a ação rescisória com base no artigo 485, V do CPC nos casos em que a interpretação da lei é divergente nos tribunais. Contudo, a despeito de tal súmula, o STF vem entendendo que cabe a rescisória ainda nos casos em que a decisão transitada em julgado tenha simplesmente divergido da interpretação constitucional fixada pela Corte, e mesmo que essa interpretação seja posterior ao julgado rescindendo. 

[36] No mesmo sentido já se pronunciou o STJ, decidindo questão tributária envolvendo a constitucionalidade de decretos-leis regulamentadores do recolhimento do PIS: “A quaestio juris está em saber em que medida a superveniente decisão do STF que reconhece, em controle difuso, a inconstitucionalidade de preceito normativo e a Resolução do Senado que suspende a execução desse comando afetam as sentenças em sentido contrário, ou seja, as que decidiram pela constitucionalidade da norma, e foram proferidas e transitaram em julgado em data anterior. In casu, a recorrente pleiteou, no mandado de segurança, em 1988, o reconhecimento do direito de continuar a obedecer rigorosamente aos procedimentos da LC n. 7/1970 (que instituiu o PIS), sendo a pretensão atendida em primeira instância, porém denegada no TRF, ao fundamento da constitucionalidade dos DLs ns. 2.445/1988 e 2.449/1988, transitada em julgado a referida decisão em 1991. Posteriormente, em 1998, ingressou com ação declaratória de pleito, substancialmente, idêntico ao do anterior mandado de segurança (ver reconhecido o direito de recolher o PIS com base naquela LC, bem como compensar os valores recolhidos a maior em função dos referidos DLs), uma vez que o STF declarou a inconstitucionalidade desses decretos-lei, cujas execuções foram suspensas com o advento da Res. n. 49/1995 do Senado Federal. O tribunal a quo extinguiu o processo sem julgamento do mérito, tendo em vista que a pretensão estava submetida à coisa julgada. Neste Superior Tribunal, a Turma entendeu que a sentença, afirmando a constitucionalidade da norma, reconhece a legitimidade da exação fiscal nos termos nela estabelecidos, fazendo juízo sobre situação jurídica de caráter permanente e com eficácia para o futuro, motivo pelo qual tem sua eficácia temporal submetida à cláusula rebus sic stantibus, ou seja, sua força mantém-se enquanto continuarem inalterados o estado do direito e o suporte fático sobre os quais estabeleceu o juízo de certeza, o que equivale a dizer que ela atua enquanto se mantiverem íntegras as situações de fato e de direito existentes quando da prolação da sentença. No entanto, a superveniente decisão do STF, em controle difuso, reconhecendo a inconstitucionalidade da norma, não representa, por si só, modificação no estado de direito apta a retirar a eficácia da sentença transitada em julgado em sentido contrário. A modificação do estado de direito perfaz-se a partir do advento da resolução do Senado Federal que suspende a execução do preceito normativo, universalizando, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a decisão do STF declarando a inconstitucionalidade. Embora não produza, automaticamente, a anulação ou a modificação dos efeitos já produzidos por sentenças em sentido contrário, a resolução do Senado faz prevalecer, a partir de seu advento, a sentença de inconstitucionalidade. A partir de então, ficam submetidas à decisão do STF as relações jurídicas futuras e os desdobramentos futuros de anteriores relações jurídicas de trato continuado. Na hipótese dos autos, ficou reconhecida, relativamente ao período anterior ao advento da Res. n. 49/1995 do Senado Federal, a eficácia da sentença anterior transitada em julgado que reconheceu a constitucionalidade dos DLs ns. 2.445/1988 e 2.449/1988; todavia, com a modificação do estado de direito decorrente da publicação dessa resolução, que suspendeu a execução dos mencionados decretos-lei declarados inconstitucionais pelo STF, cessou a eficácia temporal da sentença anterior em sentido contrário. Portanto, a eficácia temporal do acórdão proferido no primitivo mandado de segurança teve como termo final a data da publicação da resolução do Senado Federal, devendo ser mantido, em relação àquele período, o acórdão recorrido. Porém, no que se refere ao período posterior, é de se afastar a preliminar de coisa julgada, podendo a causa ser apreciada sem esse empecilho. Por outro lado, para desfazer as consequências produzidas por sentença anterior à resolução, faz-se mister a utilização da via rescisória. Diante disso, a Turma, ao prosseguir o julgamento, após o voto-vista do Min. Teori Albino Zavascki e a retificação do voto do Min. Relator, deu parcial provimento ao recurso e determinou que os autos retornem ao tribunal a quo, para que prossiga o julgamento como entender de direito. REsp 1.103.584-DF, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 18/5/2010.” Informativo 0435, 17 a 21 de maio de 2010.

[37] BARROSO, Luís Roberto, op. cit., pp. 254-255.

[38] Revisão criminal é uma ação que permite rever uma sentença condenatória que já transitou em julgado. Ela, portanto, desfaz a coisa julgada. O Código de Processo Penal assim dispõe: Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos; II - quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos; III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.

[39] Acerca da função dos princípios jurídicos no ordenamento constitucional brasileiro, Luiz Guilherme Marinoni destaca que eles funcionam como ferramentas não somente para orientar substancialmente o modo de ser do ordenamento jurídico, mas também para: “i) a interpretação de acordo; ii) a não aplicação da lei inconstitucional (declaração de inconstitucionalidade da lei; iii) se agregar conteúdo à lei, tornando-a conforme à Constituição (interpretação conforme); iv) o afastamento das interpretações inconstitucionais propostas para a norma (declaração parcial de nulidade sem redução de texto); v) geração da regra necessária para que o direito fundamental seja feito a valer (controle da omissão inconstitucional); e vi) a proteção de um direito fundamental diante de outro (aplicação da regra do balanceamento).” MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de Processo Civil. Teoria Geral do Processo. Vol. I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, pp. 99-100.  

[40] Na literatura estrangeira, a teoria dos princípios teve grande repercussão a parti do último quarto do século XX com a publicação de Taking Rights Seriously (1977). A tese dworkiana pode ser explicada, em linhas gerais, a partir da ideia de direito como integridade. O direito não é constituído tão-somente como um sistema de regras jurídicas que podem ser identificadas a partir de um padrão formal de validade jurídica, como tradicionalmente afirmado pelo positivismo jurídico. Mais do que isso, o direito pressupõe um sistema integrado de princípios que compõem a cultura social de uma comunidade política e que constituem a razão de ser da normatividade jurídica. É com base nessa premissa que Dworkin estabelece uma divisão fundamental entre regras e princípios jurídicos. Cf. DWORKIN, Ronald. Taking Rights Seriously. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1977.

[41] “The difference between legal principles and legal rules is a logical distinction. Both sets of standards point to particular decisions about legal obligation in particular circumstances, but they differ in the character of the direction they give. Rules are applicable in an all-or-nothing fashion. If the facts a rule stipulates are given, then either the rule is valid, in which case the answer it supplies must be accepted, or it is not, in which it contributes nothing to the decision.” DWORKIN, Ronald, op. cit., p. 24.

[42] “When principles intersect, one who must resolve the conflict has to take into account the relative weight of each. This cannot be, of course, an exact measure, and the judgment that a particular principle or policy is more important than another will often be a controversial one. Nevertheless, it is an integral part of the concept of a principle that it has this dimension that it makes sense to ask how important or how weighty it is.” DWORKIN, Ronald, op. cit., pp. 26-27.   

[43] ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios. Da definição à aplicação dos princípios jurídicos, São Paulo: Malheiros, 7ª edição, 2007.

[44] Um exemplo trazido por Ávila pode ajudar na compreensão dessa característica das regras: “(...) o dispositivo que exclui a competência das pessoas políticas para instituir impostos sobre livros, jornais e periódicos (art. 150, VI, ‘d’) predetermina quais são os objetos que são preliminarmente afastados do poder de tributar, podendo ser enquadrados, nesse aspecto relativo à exclusão de poder, na espécie de regras. Nesse sentido, possui a pretensão de determinar que somente os livros, os jornais e os periódicos não podem ser objeto de tributação, afastando, de antemão, quaisquer dúvidas quanto à inclusão de outros objetos, como quadros ou estátuas, no seu âmbito de aplicação. O mesmo não ocorreria se a Constituição Federal, ao invés de predeterminar os objetos abrangidos pela imunidade, apenas estabelecesse que ficariam excluídos da tributação todos os objetos que fossem necessários à manifestação da liberdade do pensamento ou da arte. Nesse caso a solução a respeito do conflito entre razões contra e a favor da inclusão de determinados objetos no âmbito normativo ficaria aberta.” ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 76-77.

[45] ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 77.

[46] ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 115-119.

[47] ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 119-120.

[48] ÁVILA, Humberto, op. cit., p. 119.

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Sobre os autores
Fabricio Faroni Ganem

Procurador Federal lotado no INSS. Mestrando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD-UFRJ), na linha de pesquisa em Teorias Jurídicas Contemporâneas.

Bernardo Zettel

Graduando em Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pesquisador de Iniciação Científica – IC/FAPERJ.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GANEM, Fabricio Faroni ; ZETTEL, Bernardo. Querela nullitatis e coisa julgada inconstitucional no Direito brasileiro.: Uma proposta de adequação à teoria dos princípios jurídicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3416, 7 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22961. Acesso em: 22 dez. 2024.

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