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Privatização do sistema penitenciário brasileiro

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23/12/2012 às 10:04

Resumo:


  • A privatização do sistema penitenciário brasileiro é uma proposta que surgiu como alternativa diante das condições precárias e do caos instalado nas prisões do país, visando a redução de custos para o Estado e a busca por eficiência na gestão prisional.

  • A experiência de privatização das prisões é controversa, com divergências quanto à sua efetividade, legalidade e impactos éticos e sociais. Enquanto alguns defendem que a gestão privada pode trazer agilidade e melhores condições aos detentos, outros argumentam que o modelo pode levar à mercantilização do encarceramento e desvirtuar o propósito da pena.

  • No Brasil, a privatização parcial ou terceirização das prisões tem sido adotada em alguns estados, com co-gestão entre o poder público e empresas privadas para a prestação de serviços operacionais e logísticos, mantendo o Estado como responsável pela segurança e administração penitenciária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 A INSERÇÃO DA INCIATIVA PRIVADA NOS SISTEMAS PENITENCIÁRIOS

3.1 Os principais registros históricos da Privatização da Execução Penal

O ideário da participação da iniciativa privada por ocasião da execução penal é  uma experiência histórica notadamente conhecida. 

Embora haja registros que assentem a vigência de prisões privadas ainda no Período Antigo[108] - a exemplo da masmorra, conhecida no Direito Penal Hebreu -, esses devem ser considerados como elementos meramente informativos, mesmo porque, aquela época, “sequer havia surgido a idéia de Estado, tampouco havia sociedade politicamente organizada, e o conceito de soberania era desconhecido”[109].

Na Idade Média, destaca-se a intervenção das congregações eclesiásticas por ocasião da execução da pena de infrações de cunho religioso. Como refere Paganella Boschi, essas, mediante a aplicação da prisão, confinavam os condenados em celas  destinadas à meditação e à respectiva expiação pela falta praticada, objetivando, desse modo, o arrependimento e correção do agente[110]

Em 1791, Jeremy Benthan, através do modelo Panóptico, propôs a implementação de contratos que vinculariam da Administração e as empresas privadas por ocasião da execução penal. Esses acordos seriam tabulados em consonância com aquilo que chamou de “duas modalidades de controle de gestão empresarial”[111]:

1. A primeira, pautada nas premissas do tratamento a que o preso faria jus, as quais tocaria ao particular assegurar. Desse modo, o empresário estaria incumbido de não permitir que o detento passasse privações que atentassem contra sua dignidade ( tais como fome, ambiente insalubre, por exemplo), bem como quaisquer ofensas à integralidade física deste (agressões corpóreas)[112];

2.  A segunda, referente a fiscalização e controle que caberia ao poder público sob a atuação da iniciativa privada, no tocante ao devido cumprimento das disposições contratualmente estabelecidas,  como forma do Estado dispor de maior controle e conhecimento das práticas adotadas pelo particular no curso da aplicação da pena[113].

Entretanto, as intenções privatizadoras consubstanciadas no projeto Panóptico foram obstaculizadas diante à rejeição da proposta pelo parlamento britânico, muito embora, na prática, suas propostas arquitetônicas tenham fortemente influenciado as construções das penitenciárias públicas daquele país[114].

A contribuição francesa também foi significativa, tendo em vista ter sido na legislação daquele Estado o primeiro registro normativo envolvendo privatização de prisões, mediante a aprovação da Lei de 5 de agosto de 1850[115]. A referida lei autorizava a “criação de Colônias Penais Correcionais Públicas ou Privadas, destinadas a menores e jovens delinqüentes”[116].

Em meados do século XIX os Estados Unidos conheceram a experiência de privatização, quando conferiram as administrações penitenciárias ao empresariado, a exemplo as prisões de Auburn e Sing-Sing[117]. Tal modalidade, firmada através de arrendamento, foi amplamente utilizada pelo país após a Guerra Civil, tendo por característica marcante o trabalho prisional  nas lavouras e na indústria, em regime quase escravo, os quais deram margem a “todo tipo de maus tratos em relação aos detentos”[118].

A vigência desse sistema se deu até a década de 30 do século XX, quando foi abolida graças à mobilização das entidades de classe trabalhistas, que denunciaram  as condições do trabalho prisional que ensejavam a minoração dos proventos dos operários. Assim, as prisões, que funcionavam sob a égide desse sistema retornaram ao controle estatal[119].

 Modernamente, a ascensão do ideário privatizador das prisões teve – e tem - por força propulsora a falência dos sistemas penitenciários, “onde a pena de prisão, forma de sanção ainda aplicada na grande maioria dos crimes, encontra-se em franco declínio, marcada por uma excessiva crueldade”[120].

 De acordo com o apontamento de Edmundo de Oliveira, “chegamos ao século XXI sem que nenhum país possa mostrar com clareza que conseguiu resolver todos os problemas penitenciários, com a prisão ou sem ela”[121]. Dessa forma, o “crime, criminoso, pena e execução de pena, constituem assunto por demais antigo e até agora indissolúvel”[122].

Finalmente, insta destacar que as modalidades historicamente aventadas servem a título elucidativo, mesmo porque são totalmente  antagônicas  à dimensão do projeto moderno de privatização das prisões, seja quanto à forma, seja quanto ao conteúdo”[123].

3.2 os Modelos de privatização da Execução Penal

Embora o presente capítulo se dedique a análise da inserção da iniciativa privada nos sistemas penitenciários, merece destaque as formas pelas quais a execução penal pode ser efetivada, de acordo com o sistema adotado pelo respectivo Estado. Conforme o tabulado por Grecianny Carvalho Cordeiro, são três as modalidades de sistemas de prisão existentes e difundidas mundialmente, quais sejam:

Pelo sistema estatal, largamente utilizado na grande maioria dos países, a execução da pena é responsabilidade tão-somente do Estado, não havendo qualquer participação ou ingerência  por parte da iniciativa privada.

No sistema prisional privado, por sua vez, verifica-se uma interferência da iniciativa particular na execução da pena privativa de liberdade, podendo esta ocorrer em menor ou maior grau.

Por fim, pelo sistema comunitário, a execução penal compete à própria comunidade que, através de associações, civis sem fins lucrativos ou organizações não-governamentais, promovem o cumprimento da pena privativa de liberdade, inclusive gerenciando os recursos provenientes do Estado[124].

3.2.1 Modalidades de Privatização

Os processos de  privatização do sistema penitenciário tem em curso modalidades que “variam do financiamento e arrendamento de presídios à administração total de estabelecimento penitenciário”[125].

A literatura jurídica diverge, entretanto, em relação ao número das distintas modalidades de envolvimento do setor privado em sede de execução da pena. O entendimento de Geisa de Assis Rodrigues, o qual é corroborado por Laurindo Dias Minhoto, aduz ocorrência de quatro modelos básicos:

(…) a entrega da direção da prisão à companhia privada, a entrega da construção à iniciativa privada, a entrega da construção à iniciativa privada que posteriormente a aluga ao Estado, a utilização do trabalho dos presos nas prisões industriais pelos particulares e a entrega de determinados serviços para o setor privado, que hoje vem se chamando de terceirização[126]

O entendimento exarado por Pedro Armando Egydio de Carvalho tabula a privatização prisional sob duas perspectivas: a privatização em amplo sentido e a privatização estrita:

1.  A é a modalidade em que a administração dos institutos penais é atribuição da iniciativa privada, no que tange ao fornecimento logístico e, inclusive, à execução da pena. Ou seja, o Estado confere ao particular, “sob dadas condições, a tarefa de fazer cumprir o castigo imposto a alguém pelo Poder Judiciário, em processo-crime”[127].

2. A segunda é aquela em que a iniciativa privada figura nos estabelecimentos penitenciários “a título acidental, fornecendo-lhes o mais das vezes, sob a vigilância pública, os bens materiais para regular o funcionamento das prisões (alimentação, vestuário etc.)[128];

Diante da divergência, opta-se por esta  última perscpectiva como norteadora da presente monografia, tendo em vista sua similitude com a prática adotada pelo Brasil. visando melhor cognição no tocante ao detalhamento infra-elencado. Cumpre pontuar destaque ao arrendamento de prisões como forma de incursão da iniciativa privada por ocasião da execução penal, muito embora não se perfectibilize como forma de privatização.

3.2.1.1 Gerenciamento Privado dos Estabelecimentos Prisionais

Por esta modalidade, o Estado entrega totalmente a responsabilidade da execução penal à iniciativa privada, inexistindo qualquer interferência ou participação do ente público[129]. Notadamente, tal classificação privatizante é tida por “mais ousada e, por isso mesmo, também a mais controvertida de participação do setor privado na esfera das prisões”[130] e, por isso, tem sido a menos empregada dentre as classificações de privatização.

Edmundo de Oliveira destaca que essa modalidade é adotada nos Estados Unidos da América, em determinadas unidades, dentre as quais a Huston Detection Center (Prisão Individual de Segurança Média), em Huston, no Texas[131].

Segundo Laurindo Dias Minhoto, esse modelo também é conhecido por administração total de estabelecimentos penitenciários, o qual poderá ser firmado de duas maneiras[132]:

1. Na primeira,  à contratação do particular objetiva a administração dos estabelecimentos já existentes;

2. Na segunda se refere aos chamados DCFM contracts, se destinando a constituição de um contrato de financiamento, construção e operação de novos estabelecimentos.

Marcelo de Figueiredo Freire ensina que a participação do empresariado no gerenciamento prisional nesses moldes se distingue em três possibilidades[133].: 

- nas unidades prisionais destinadas aos cumprimento do estágio final das penas, em que os detentos são preparados ao retorno à sociedade;

- instituições para delinqüentes juvenis;

- nos estabelecimentos destinados ao recolhimento de imigrantes ilegais

Ao enfatizar o caráter privado desse modelo, Edmundo de Oliveira salienta que os estabelecimentos construídos pela iniciativa privada, são de propriedade da empresa. O Estado, em não participando da execução penal, apenas fiscaliza “à preservação da dignidade humana e dos direitos humanos no tratamento penitenciário”[134].

Contudo, o referido gerenciamento prisional exclusivamente desempenhado pelo particular, por seu mister, desperta ponderações e críticas quanto a sua aplicabilidade. Dentre as indagações relacionadas a delegação de poderes ao particular nesses moldes, se destaca o questionamento quanto a eficiência da redução de custos ao erário público no tocante a sua operacionalização, bem como o aspecto da conveniência pública, sopesando os óbices aquilatados a sua veiculação, mormente, quanto às razões suscitadas de ordem jurídica, política, ética e simbólica[135].  

O impasse no campo jurídico está adstrito ao monopólio do jus puniendi, em que se interroga qual a legitimidade de uma empresa privada de dispor do pleno exercício do poder coercitivo,  quanto ao direito de punir e à própria execução penal. Entende Bogo Chies que a proposta de privatização poderia ser compreendida “como a quebra do monopólio estatal da atividade legítima da coerção física penal sobre o particular”[136], o que vem comprometer significaticamente os “postulados e exigências da perspectiva legitimadora da sociedade moderna a partir da consolidação de seu ente político de organização e dominação, o Estado Moderno”[137]. Outro ponto relevante diz respeito ao excesso de discricionariedade adotado no interior das prisões, uma vez que diante da concessão exclusiva de poderes ao particular, encontra-se legitimada a tomada de suas deliberações segundo mérito próprio[138].

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A amplitude dessa discricionariedade chega ao ponto de em algumas unidades prisionais, a responsabilidade da execução da pena capital também ficar a encargo da empresa privada[139].

Tabulando severa crítica a essa modalidade de privatização, sobretudo, no que diz respeito à aplicação da pena de morte pela iniciativa privada, Nils Christie refere que

  Toda a execução pode, aliás, ser melhor cumprida se o Estado não atrapalhar. A última refeição pode ser melhor preparada, os psiquiatras e o padre podem ser profissionais de primeira, cobrando salários muito além do que o Estado poderia pagar, e a própria execução pode ocorrer sem as constrangedoras tentativas fracassadas que por vezes acontecem. Os que vão morrer provavelmente apreciariam a qualidade do serviço privado[140].

Sob a perspectiva da obstaculização política, coloca-se sob suspeita “a compatibilidade entre a natureza pública do processo de tomada de decisões inerente à formulação da política criminal e a finalidade lucrativa das empresas”[141]. Desse modo, buscando o favorecimento de seus interesses financeiros, as empresas, ao optarem pela absorção da camada que depreende menores investimentos, acabariam por determinar o processo de precarização dos estabelecimentos públicos e, conseqüentemente, prejuízo significativo ao Estado[142].

No que versa o ponto de vista ético, este vem sendo articulado no sentido de repudiar a extração de lucros através do sofrimento humano[143]. Sobre a dita oposição simbólica, a penitenciária, cuja gestão compete exclusivamente ao particular, desqualificada a condição do poder do Estado, na medida em que, para os indivíduos custodiados sob égide empresarial, a administração do estabelecimento é quem soberanamente comanda e delibera, inexistindo a figura do ente público[144].

3.2.1.2 Gerenciamento Privado dos Serviços Penitenciários 

Marcelo de Figueiredo Freire destaca que “o conceito de privatização abrange a forma de contratação de empresas privadas para a prestação de certos serviços, tais como o fornecimento de alimentação ou assistência médica”[145].

Tal modelo de inserção da iniciativa privada é também denominada por “sistema misto, dupla responsabilidade, co-gestão ou terceirização”[146].

Para melhor compreensão, colaciona-se o conceito de terceirização exarado por Rita Tourinho que refere ser “Aquela que tem por objeto a gestão material de atividade que não é atribuída ao Estado como serviço Público, exercida apenas em caráter acessório ou complementar da atividade-fim da Administração Pública[147].”

Diferentemente do que ocorre no gerenciamento exclusivamente privado, nessa modalidade não há que se falar no afastamento da Administração por ocasião da execução da pena.  É celebrado um contrato entre o Poder Público e iniciativa privada, que os vincula por determinado prazo de vigência, Na co-administração da unidade prisional objeto do acordo[148]

 O Estado não vê preterido ou tem minimizada sua competência ou prerrogativas, vez que “a responsabilidade pela administração penal, pela administração geral da unidade e pela execução da pena permanece íntegra como poder-dever do Estado, já que indelegável”[149]. Ademais, o controle desses estabelecimentos permanecem sob crivo Estatal, uma vez que são “os diretores nomeados pela autoridade competente, ou seja, por agentes públicos”[150].

A cargo da empresa privada fica a execução de serviços operacionais e o provimento logístico, serviço de hotelaria, ou, como define Maurício Küehne, “execução material propriamente dita”, que consiste no fornecimento de alimentação, vestuário, assistência médica, jurídica, odontológica, vigilância, entre outros[151].

As unidades prisionais que fazem a adoção dessa modalidade de inserção da iniciativa privada são, geralmente, penitenciárias industriais, instaladas com a finalidade da utilização da mão-de-obra carcerária[152]. Em outros casos, há possibilidade de que detentos sejam contratados para o exercício de serviço em companhias vizinhas ao estabelecimento prisional. A esse respeito, refere Marcelo de Figueiredo Freire: ”No sistema de prisão-indústria, o Estado faz um contrato com o particular que concorda em abrigar, alimentar e vestir os presos, evitando as fugas, em troca de seu trabalho em benefício próprio.”

A França incorporou o respectivo modelo de administração conjunta entre o setor público e a iniciativa privada a sua rotina de gerenciamento penitenciário, assim como os Estados Unidos da América, tratando-se, igualmente, do modelo adotado pelo Brasil[153].

3.2.1.3 Arrendamento das Prisões:

 Marcelo de Figueiredo Freire define por arrendamento, um contrato de aluguel firmado pela Administração Pública e a iniciativa privada, tendo por objeto uma propriedade particular,  que será destinada a construção de uma unidade prisional[154]. Estabelecido o acordo, a empresa providencia a edificação às suas próprias expensas, imediatamente arrendando o imóvel ao Estado, “a quem caberá a execução da pena privativa de liberdade em toda sua plenitude”[155].

Por sua vez, Newton Fernandes sinaliza quanto aos riscos à iniciativa privada da adesão a esse tipo de negócio, notadamente caso venha a ser diminuída a população carcerária ou  não ser mantida a locação pactuada[156]. O imóvel objeto do arrendamento, também chamando de leasing, é geralmente, após o encerramento da vigência contratual,  incorporado aos bens de natureza pública[157].

3.3 As modernas e principais experiências privatizantes no panorama mundial

Para melhor compreensão dos aspectos da privatização dos sistemas prisionais, passa-se a discorrer a respeito dos modelos de prisões privadas do Sistema Norte-Americano e do Sistema Francês, considerados por Edmundo de Oliveira as “duas vertentes da prisão privada no Mundo”[158].

3.3.1 O Sistema de Privatização Prisional Norte-Americano:

A década de oitenta foi considerada um verdadeiro marco divisor do sistema de execução penal então aplicado nos Estados Unidos da América, com a operacionalização da privatização da execução penal naquele país[159].

O sistema prisional norte-americano foi até o limiar dos anos oitenta, norteado pela chamada hands off, prática segundo a qual as autoridades administrativas exerciam quase que exclusiva e totalmente o poder de execução penal, com absoluta discricionariedade. Neste contexto, a atuação do Poder Judiciário se restringia, pura e simplesmente, ao processamento, julgamento e prolação do veredicto da culpa. A ausência de balizadores chegava ao ponto de o sentenciado sofrer uma “espécie de morte civil”, através da aplicação de sentenças temporalmente indeterminadas[160].

Assim, o início da década de oitenta foi decisivo para as transformações  na aplicação da pena, culminando com a abolição da hands off. De acordo com Marcelo de Figueiredo Freire, “o abuso e a violação dos direitos dos presos tornaram insustentável o sistema até então vigente, logo, evidenciou-se a necessidade de um controle por parte do Poder Judiciário”[161].

 Naquela época, as prisões norte-americanas eram marcadas pelas deploráveis carências estruturais, corroboradas ao déficit de vagas e à superpopulação, decorrentes do considerável aumento da população encarcerada[162].

Esse panorama de descaso motivou o ingresso de inúmeras ações judiciais, buscando na tutela jurisdicional “providências para atenuar as péssimas condições oferecidas aos encarcerados”[163]. Através de dados estatísticos constatou-se que no, ano de 1987, “60% dos Estados encontravam-se sob ordem judicial para reduzir a superpopulação”[164].

Merece relevo que a inserção do Poder Judiciário na execução penal teve forte influência na iniciativa da própria magistratura norte-americana, “insatisfeita de constatar a violação e desrespeito de seus mandamentos”[165].  

 Tal conjuntura trouxe onerar sérios prejuízos financeiros ao Estado, na medida em que teve de despender altos valores, para investimentos de emergência nas instituições prisionais. É neste contexto em que a Administração tratou de buscar medidas alternativas à solução dos entraves, momento em que a proposta privatizadora se corporificou[166].

Grecianny Carvalho Cordeiro destaca que, diante da recusa da sociedade norte-americana no tocante a investimentos no setor penitenciário,  as autoridades públicas daquele país viabilizaram métodos para driblar a crise e a escassez de recursos financeiros. Assim, a contratação das empresas administradoras dos estabelecimentos prisionais “favoreceu sobremaneira à expansão política de privatização dos presídios nos Estados Unidos”[167].

A situação prisional norte-americana obrigou os Tribunais Federais à aplicação da 8ª Emenda Constitucional. Foi mediante a conjugação desses fatores que em 1980, ”Thomas Beasley, presidente do Partido Republicano, no  Tenesseee, teve a idéia de privatizar os presídios para ‘resolver o problema e ganhar dinheiro’”[168].

Foi a partir da Súmula 1981 que a Suprema Corte dos Estados Unidos se posicionou definitivamente a respeito, ao estabelecer que:

Não há obstáculo constitucional para impedir a implantação de prisões privadas, cabendo a cada Estado avaliar as vantagens advindas dessas experiências, em termos de qualidade e segurança, nos domínios da execução penal[169].

Para Edmundo de Oliveira, “o atual modelo de prisão privada norte-americano floresceu a partir de 1982, embora os debates tivessem sido impulsionados desde 1975”[170].  Mas, antes que fosse instituída tal modalidade, refere o autor que nos Estados Unidos já se ensaiavam experimentos nesse sentido, nas chamadas “Prisões de Xerifes” (County Jails), existentes nos Condados (municípios), destinadas à custódia de presos provisórios ou àqueles constritos por curto período, dadas as perpetrações de pequenas infrações[171]

Assim, em 1983, foi fundada  por Thomas Beasley a Corrections Corporation of America (CCA). Segundo Laurindo Dias Minhoto, o objetivo da empresa era oferecer as Unidades Federativas norte-americanas “fórmulas alternativas de financiamento à construção de novos estabelecimentos e adotar técnicas de gestão empresarial na administração das prisões”[172]. Tal proposta visava, além de disponibilizar condições condignas à reabilitação da massa detenta,  o enfretamento do grave impasse dos custos e da superpopulação, mediante a construção de novos estabelecimentos.

Desse modo, com a inauguração da Penitenciária de Silverdale, situada na localidade de Chattanooga, Condado de Hamilton, em 1983, é operacionalizada a adoção do sistema de privatização das prisões americanas (atualmente vigente) , empreendimento viabilizado através de acordo firmado com a Corrections Corporation of America (CCA) [173].

Seguindo a tônica da empresa pioneira dedicada ao ramo das prisões privadas, surgiu a Wackenhut Corrections Corporation e a United States Corrections Corporation[174].

A privatização prisional norte-americana surpreende nos resultados que atinge, demonstrando sua alta rentabilidade. É o setor que mais cresceu, “vertiginosos 34 pontos percentuais nos últimos cinco anos”[175],

 Enquanto o valor de custo do preso na prisão pública é de U$ 45,00 ao dia,  nas penitenciárias privadas este valor é, em média, de U$ 25,00[176]. Dentre os motivos ventilados para que as empresas privadas possam conferir uma considerável redução  no valor por detento, estão os “salários mais baixos aos guardas e funcionários e não se importam muito em oferecer serviços que poderiam transformar os presos em membros produtivos da sociedade quando libertados”[177].

 Registra-se, ainda, que “73% dos americanos admitem a prisão privada, porque acham que o poder público gasta demasiadamente para manter os presos, em muitos casos sem retorno positivo para a sociedade”[178].

César Barros destaca que “a privatização no país tomou um impulso muito grande na era Reagan, Bush e Clinton”[179].

Porto Rico, Canadá, Inglaterra, Escócia, Japão e Austrália merecem alusão, uma vez que estes países introduziram a  experiência norte-americana nos seus sistemas penitenciários privatizados[180].

3.3.1.1 A punição enquanto mercado promissor ao empresariado norte-americano

Perpassados mais de vinte anos desde a experiência pioneira da privatização penitenciária nos Estados Unidos, há quem afirme, como Nils Christie, que o sistema adotado se transformou numa verdadeira “indústria do controle do crime”, especialmente diante da franca expansão das margens de lucratividade da iniciativa privada envolvida nesse setor[181]

Atualmente são oito companhias que administram mais de 100 presídios em 19 Estados[182]. Cumpre destacar que a Corrections Corporation of America e a Wackenhut Corrections Corporation “são responsáveis por ¾ do mercado global das prisões, administrando prisões nos mais variados lugares do mundo e em quase todos os continentes”[183].

Atualmente, nos Estados Unidos, o mercado da punição é apontado como promissor ao empresariado. Analisando o momento econômico do país, Eric Lotke aduz que as prisões substituíram o capital fomentado pelas produções agrícolas e industriais de muitas cidades pequenas. Refere o autor que o crescimento sem precedentes da população prisional o torna uma visível e crescente fonte de investimento da iniciativa privada, incentivando maior lucro e o aumento do número das prisões. Tal expansão é tida como uma ameaça à democracia, mormente, pelo fato de que a ressocialização deixará de ser o mote da aplicação da pena, visto que “as indústrias enriquecem na medida em que conseguem apanhar mais pessoas”[184]. Nesta perspectiva, visando evitar a desastrosa conjuntura, destaca que “para tornar o setor privado mais responsável, os Estados poderiam fazer com que taxas baixas de reincidência fossem consideradas uma pré-condição para renovação de um contrato”[185]

Laurindo Dias Minhoto, aquilatando os altos faturamentos do empresariado, afirma que as receitas das duas principais companhias norte-americanas cresceram entre os anos de 1995 e 1996 mais de 40%[186]. Digno de menção, igualmente, segundo o autor um traço singular, qual seja, “o estreito vínculo entre as principais empresas privadas envolvidas no programa de privatização e o aparato burocrático público formal do sistema penitenciário”[187] tendo em vista que as mais bem sucedidas empresas do gênero mantêm em seus quadros dirigentes ex-integrantes que atuaram em nome do governo.

Finalmente, as opiniões divergem quanto à eficiência da privatização prisional dos Estados Unidos, cujas posicionamentos não chegam a um denominador comum. A adoção da privatização, precipuamente defendida pela iniciativa privada, é articulada sustentando que a qualidade do serviço disponibilizado pela iniciativa privada supera aquele ofertado pelos órgãos públicos, bem como o fato de o dispêndio anual de um preso ser 37% menor do que aquele sob custódia da administração pública[188].  

Em pólo oposto, refere Eric Lotke a inoperância da privatização ao fim que se destina, argumentando, especialmente, o fato de o detento ser tido pela iniciativa privada não como alvo potencial da ressocialização, mas como meio de auferir lucratividade. Nils Christie, ao tratar do tema, singulariza a privatização prisional como um “mecanismo que pode facilmente desenvolver um monstro, um mostro com aparência de dócil”[189].

3.3.2 O Sistema de Privatização Francês

O ano de 1945 foi decisivo para as transformações no sistema penitenciário francês. Naquela época, o aumento estrondoso da população carcerária, sem que o mesmo tivesse acontecido com o número de agentes da Administração Pública, ensejou uma crise[190].

O panorama alarmante era então percebido mediante um número significativo de insurreições da massa detenta. Alexandre Ferreira de Assumpção Alves afirma que “não se podia mais falar em crise e sim de estado endêmico grave”[191], o que conduzia a questionamentos não apenas quanto à eficiência da política penitenciária, mas, especialmente, à efetividade da política criminal adotada pelo Estado. 

Paul Amor, promotor responsável pela reforma penitenciária francesa, ao assumir suas funções em 1944, constatou a disparidade existente entre os fundamentos pretendidos e a realidade que se dispunha com a pena privativa de liberdade. A questão sobrevinha, especialmente, dada às dificuldades financeiras que a França perpassava, que obstaculizavam quaisquer medidas à realização dos projetos de reformas. 

Assim, a partir de 1945, foi iniciada a reforma penitenciária francesa, tendo por norteadores quatorze princípios[192], sendo o principal deles o ensejo de propiciar o retorno condigno do egresso ao meio social. Contudo, paradoxalmente, a situação prisional francesa se agravou, especialmente constatada através de levantamentos oficiais feitos no ano de 1984, que apontaram que em vinte anos o “número de crimes aumentou 469,73% e a população 15,26%, as taxas de criminalidade 394,40%, a população carcerária atingia a cifra e 44.498 detentos, chegando a mais de 51.000 em 1987”[193]. Ao elucidar o momento vivenciado por aquele país, Alexandre Alves refere que:

A situação atingiu um patamar de inadmissibilidade; a distância entre as idéias e fatos estando ainda mais grave que há quarenta, cinqüenta anos, os esforços de humanização da vida carcerária foram neutralizados pela superpopulação Havia ao menos quinze dentre os estabelecimentos penitenciários merecendo ser desativados. A França colocou-se, assim, numa posição de infratora não só de seus regulamentos internos, mas também dos internacionais os quais ela aderiu e muito contribuiu[194]

3.3.2.1 A moderna experiência privatizadora francesa

Segundo Edmundo de Oliveira, “o atual modelo francês de prisão privada floresceu a partir de 1985, embora os debates sobre o assunto tivessem ganhado força desde 1976”[195].

O sistema de privatização penitenciária da França difere substancialmente daquele adotado pelos Estados Unidos da América[196], já que a experiência francesa implanta um modelo de dupla responsabilidade, estabelecendo uma relação de administração e gerenciamento conjunto das instituições prisionais pelo ente público e a iniciativa privada.

Frente ao momento desfavorável e utilizando da experiência que foi pioneira, a França, através da Lei n.º 87.432, de 22 de junho de 1987, sancionada pelo então presidente François Mitterrand, aprovou a inserção da iniciativa privada em seu sistema penitenciário[197].

Em 1988 o país desenvolveu um projeto denominado Programme 13.000, segundo o qual o governo recorreu ao setor privado visando, precipuamente, a resolução da problemática da superpopulação. Através do referido programa, “o Governo, com a participação do capital de empresas privadas, deveria construir 13.000 celas, distribuídas em 25 penitenciárias, edificadas em várias regiões da França”[198].   

Atualmente, as empresas Sogep-Fougerolle, Spie Batignolle, GTM Entrepose e Dumez são os quatro grupos privados que atuam conjuntamente com o governo na administração dos estabelecimentos vinculados ao Programme 13.000[199].

Na França, em termos efetivos, é firmado um sistema de co-gestão entre o ente público e a iniciativa privada, também denominado “modelo de dupla responsabilidade”[200] ou gestão mista,  pelo qual através de um contrato, estes se vinculam ao gerenciamento e administração das instituições penitenciárias. A incumbência do Estado se refere à segurança externa, bem como à indicação de um diretor geral ao estabelecimento. À iniciativa privada compete a segurança interna do estabelecimento, bem como o fomento logístico e os serviços oferecidos aos detentos (alimentação, saúde, trabalho, assistência médica e jurídica, educação, entre outros). Importa destacar que o contrato de gestão da empresa privada tem duração de dez anos, podendo ser objeto de renovação[201].

Destaca-se ainda que o Estado paga por preso, diariamente o que equivalente a U$ 25,00, enquanto um detento nas instituições públicas custa ao erário aproximadamente U$ 42,00 ao dia[202].

De acordo com Grecianny Carvalho Cordeiro, o modelo de gerenciamento prisional da França ainda se encontra em “fase de experiência, não tendo ainda sido feito um estudo conclusivo a respeito de sua definitiva efetivação”[203]. Refere a importância da análise mais apurada do aludido sistema, tendo em vista a semelhança substancial àquele que vem sendo adotado no Brasil, nas penitenciárias industriais de Guarapuava, no Estado do Paraná, bem como na do Cariri, em Juazeiro do Norte, no Estado do Ceará.

Embora, como referido, haja quem defenda que o método adotado França consista em privatização, João Marcello de Araújo Júnior sustenta o contrário, aduzindo que a proposta não “encontrou eco no próprio governo, nem na lei”[204], enquanto o “projeto dos 13.000 nada tem de privatizante”[205], mesmo porque, segundo o autor o setor público dispõe da integralidade das suas funções no que tange a questão penitenciária. O posicionamento sustentando tem por escopo firmar que “a invocação do modelo francês, para justificar o projeto de privatização brasileiro é insustentável”.

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Sobre a autora
Jianine Simões Rodrigues

Advogada, inscrita junto ao quadro da OAB/RS Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS Pós-graduanda em Gestão Pública - Fundação Escola do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Jianine Simões. Privatização do sistema penitenciário brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3462, 23 dez. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22979. Acesso em: 22 dez. 2024.

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