Na esteira da busca pela celeridade e recuperação da eficácia das decisões do Poder Judiciário, a Lei nº 11.232, de 22 de dezembro de 2005, trouxe uma série de inovações que reestruturaram o papel da execução no processo.
Dentre as inovações, pode-se citar o artigo 475-J do Código de Processo Civil:
Art. 475-J. Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação (grifos nossos).
Vê-se que o referido artigo determina que o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, deverá efetuar o pagamento no prazo de 15 dias, sob pena de acréscimo de multa no percentual de 10% (dez por cento). A clareza da norma revela-se falaciosa diante da realidade prática e das implicações que a adoção de uma interpretação equivocada quanto à contagem do prazo de 15 (quinze) dias pode gerar.
Diante de tantas polêmicas hermenêuticas em relação ao artigo em análise, ao menos um ponto é praticamente pacífico, qual seja, o necessário trânsito em julgado da decisão (lato sensu) para a sua aplicação. Neste sentido, Nelson Nery assim se manifesta:
Cumprimento voluntário da sentença. Transitada em julgado a sentença, o princípio da lealdade processual traz como consequência o dever de a parte condenada à obrigação de pagar quantia em dinheiro cumprir o julgado, depositando a quantia correspondente ao valor constante do título executivo judicial, sem opor obstáculos à satisfação do direito do credor, vitorioso em ação de conhecimento em virtude de sentença transitada em julgado. Esse dever decorre do CPC 14, II e V (grifos nosso) (NERY JÚNIOR, 2010:764).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresenta pacífica jurisprudência no mesmo sentido:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. MULTA DO ART. 475-J DO CPC. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA. AFASTAMENTO. 1. Segundo a jurisprudência do STJ, a aplicação da multa do art. 475-J apenas é possível após o trânsito em julgado da sentença. 2. Exigir do litigante o pagamento da dívida sob pena de multa, na fase de execução provisória, implica obrigá-lo a praticar ato incompatível com o seu direito de recorrer, acarretando a inadmissibilidade do recurso, nos termos do art. 503, parágrafo único, do CPC. 3. RECURSO ESPECIAL provido (STJ, RESP 201001665040, RESP - RECURSO ESPECIAL – 1209422; CASTRO MEIRA; SEGUNDA TURMA; DJE DATA:10/12/2010) (grifos nossos).
AGRAVO REGIMENTAL - IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.
IRRESIGNAÇÃO DO EXECUTADO. (...) 3. A ausência de adimplemento voluntário, no prazo de 15 (quinze) dias contados do primeiro dia útil posterior à intimação do devedor, na pessoa do seu advogado, está autorizada a aplicação de multa de 10% (dez por cento) sobre o montante da condenação (art. 475-J do CPC), haja vista que não se está diante de execução provisória. Precedentes. (STJ; AgRg no REsp 1319948 / SC, AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2012/0087290-9; MARCO BUZZI; T4 - QUARTA TURMA; DJe 03/10/2012) (grifos nossos).
Há de se concordar com o posicionamento da doutrina e da jurisprudência pacífica. De fato, seria incongruente exigir, em execução provisória, que a multa do art. 475-J fosse exigível. A execução provisória está ligada à faculdade do credor, responsabilizando-se, inclusive, em caso de reversão da decisão judicial. Ao “devedor” que tenha o interesse em apresentar recurso não se poderia cogitar que viesse a realizar o cumprimento voluntário da sentença.
Apresentada esta questão inicial, pode-se passar à análise da contagem do prazo de 15 (quinze) dias para o cumprimento voluntário da sentença.
Atualmente, podem-se distinguir, na Doutrina e na Jurisprudência, três correntes distintas quanto ao tema:
a) Primeira corrente: o prazo de 15 (quinze) dias inicia-se com o trânsito em julgado da sentença, sendo desnecessária a intimação do devedor, que já foi intimado no momento da publicação da sentença, por meio de seu advogado.
Nesse diapasão, observa-se, inclusive, julgado do Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL – ART. 475-J – DESNECESSIDADE DE INTIMAÇÃO PARA CUMPRIR A OBRIGAÇÃO – ART. 21 DO CPC – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. A contagem do prazo para o pagamento voluntário da condenação imposta na sentença independe de requerimento do credor, ou de nova intimação do devedor. É consequência do trânsito em julgado da sentença, da qual o devedor toma ciência pelos meios ordinários de comunicação dos atos processuais. 2. A citação só se fará necessária no procedimento seguinte, ou seja, na expedição do auto de penhora e avaliação, requerida pelo credor, em caso de não satisfação da dívida no citado prazo. Assim, é desnecessária a intimação pessoal do devedor para pagamento de quantia certa estabelecida na sentença. (Precedentes) (STJ; Processo: AGA 200902165182; AGA - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 1249450; Relator(a): HUMBERTO MARTINS; Órgão julgador: SEGUNDA TURMA; Fonte: DJE DATA:24/03/2010) (grifos nossos).
Nesse sentido é o posicionamento do ilustre doutrinar Humberto Theodoro Júnior:
(...) não há necessidade de prévio mandado de pagamento ou prévia intimação pessoal do devedor para que a fluência do prazo do art. 475-J se dê e a multa de 10% se torne exigível. O cumprimento da sentença não se instaura como uma nova ação que exigisse citação ou intimação do devedor. É apenas continuidade do processo que a sentença condenatória não teve o condão de encerrar. Publicada e intimada a sentença, seus efeitos se projetam sobre a continuidade dos atos que se lhe seguem. O prazo de cumprimento, portanto, não decorre de uma nova instância. É consequência da normal intimação do julgado.
(...) Intimado, portanto, o advogado do devedor acerca da sentença publicada, intimado automaticamente estará aquele em cujo nome atua o representante processual. Não há, pois, duas intimações – uma do advogado e outra da parte – para que o prazo de cumprimento da sentença condenatória transcorra. O prazo do art. 475-J é efeito legal da sentença e não fruto de assinação particular do juiz, donde inexistir necessidade de outra intimação que não aquela normal do ato judicial ao advogado da parte condenada a pagar quantia certa (2009: 49) (grifos nossos).
Na defesa da mesma tese, Araken de Assis assim se pronuncia:
Era ideia fixa do legislador dispensar nova citação, na fase de cumprimento, economizando tempo precioso e evitando percalços na sempre trabalhosa localização do devedor. Daí por que qualquer medida tendente a introduzir intimação pessoal, ou providência análoga, harmoniza-se mal com as finalidades da lei. (2007:193) (grifos nossos).
Humberto Theodoro, embora coerente com a sua tese, relativiza, por questões práticas, o seu posicionamento quando o trânsito em julgado se dá em instância recursal, pois não seria razoável, o início da contagem do prazo sem que os autos tenham retornado ao juízo de origem (2007: 146).
b) Segunda corrente: o prazo de 15 (quinze) dias inicia-se com a intimação pessoal do devedor para pagamento.
A corrente é defendida por autores como Luiz Rodrigues Wambier, Teresa Arruda Alvim Wambier, José Miguel Garcia Medina e Alexandre Freitas Câmara. Neste sentido:
Esta intimação é exigida para que corra o prazo por força do disposto no art. 240 do CPC, segundo o qual os prazos, salvo disposição em contrário, correm da intimação. Não havendo no art. 475-J do CPC a indicação de um termo inicial para o prazo de quinze dias, é imperioso que se aplique a regra geral, por força da qual os prazos correm a partir da intimação. Além disso, é de se considerar que a intimação far-se-á pessoalmente ao devedor em razão do próprio conceito de intimação, estabelecido pelo art. 234 do CPC. (...) É evidente, pois, que o destinatário da intimação é aquele de quem se espera um determinado comportamento processual. No caso, o comportamento esperado (pagar o valor da condenação) é da parte, e não de seu advogado, razão pela qual é aquela, e não a este, que se deve dirigir a intimação. (grifos nossos) (CÂMARA, 2007:354).
c) Terceira corrente: o prazo de 15 (quinze) dias inicia-se com a intimação do devedor para pagamento na pessoa do seu advogado.
O Superior Tribunal de Justiça, em oposição à tese acima defendida, se manifesta no seguinte sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ARTS. 475-I E 475-J DO CPC. (...) PRAZO DO ART. 475-J DO CPC. TERMO INICIAL. PRIMEIRO DIA ÚTIL POSTERIOR À PUBLICAÇÃO DA INTIMAÇÃO DO DEVEDOR NA PESSOA DO ADVOGADO. 1. A fase de cumprimento de sentença não se efetiva de forma automática, ou seja, logo após o trânsito em julgado da decisão. De acordo com o art. 475-J combinado com os arts. 475-B e 614, II, todos do CPC, cabe ao credor o exercício de atos para o regular cumprimento da decisão condenatória, especialmente requerer ao juízo que dê ciência ao devedor sobre o montante apurado, consoante memória de cálculo discriminada e atualizada. 2. Concedida a oportunidade para o adimplemento voluntário do crédito exeqüendo, o não-pagamento no prazo de quinze dias importará na incidência sobre o montante da condenação de multa no percentual de dez por cento (art. 475-J do CPC), compreendendo-se o termo inicial do referido prazo o primeiro dia útil posterior à data da publicação de intimação do devedor na pessoa de seu advogado. 3. Agravo regimental desprovido. (STJ: Processo: AGRESP 200800937741; AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1052774; Relator(a): JOÃO OTÁVIO DE NORONHA; Órgão julgador: QUARTA TURMA; Fonte: DJE DATA:16/11/2009) (grifos nossos).
A terceira corrente tem como defensores doutrinadores como Nelson Nery Júnior, Rosa Maria Nery e Cássio Scarpinella Bueno, in verbis:
Multa de 10%. Intimado o devedor, na pessoa de seu advogado, pode cumprir (pagar) ou não cumprir o julgado (não pagar). O descumprimento desse dever de cumprir voluntariamente o julgado acarreta ao devedor faltoso a pena prevista no caput do CPC 475-J: acresce-se ao valor do título 10% (dez por cento), sob a rubrica de multa. (NERY JÚNIOR, 2010:764) (grifos nossos).
A intimação a que se referem os parágrafos anteriores deve ser feita ao advogado do devedor. Não há razão para entender que ela seja encaminhada para as partes diretamente, porque não há qualquer exigência neste sentido na lei processual civil, prevalecendo, destarte, a regra geral. Que o pagamento será feito pelo devedor e não pelo seu advogado é entendimento irrecusável, mas ocorre que importam para o art. 475-J os efeitos processuais deste pagamento e não, apenas, sua ocorrência no plano material. Por isto, é irrecusável ver, neste ato, um ato processual e, consequentemente, um ato de postulação. O advogado é, nos casos em que representa o seu constituinte em juízo, verdadeira ligação entre o que ocorre no plano material e no plano processual. Trata-se de múnus ínsito à profissão, de inspiração, por isso mesmo constitucional (grifos nossos) (BUENO, 2006: 168-169).
Vê-se que as duas últimas teses possuem um ponto relevante em comum, qual seja, a de que o decurso do prazo para pagamento não é um simples efeito do trânsito em julgado da sentença, sendo necessária uma intimação posterior para o seu transcurso.
A segunda corrente, que tem sido corretamente afastada pelos Tribunais, considera necessária a intimação do devedor com base na distinção que deve ser feita entre os tipos de intimações e os seus destinatários. Algumas das intimações, diante de sua natureza, devem ser destinadas à própria parte, como seria o caso dos cumprimentos de obrigações, uma vez que seriam atos cuja realização não dependeriam da capacidade postulatória e que somente poderiam ser exigidos da própria parte. Assim, a segunda corrente afirma que a consequência negativa pelo descumprimento recairia sobre o réu e não sobre o seu advogado, razão pela qual seria necessária a sua intimação.
Com tais argumentos não se pode concordar. Inicialmente, tal necessidade acabaria por gerar uma absurda perda de celeridade com o consequente prejuízo à própria noção de processo sincrético e o retrocesso com a volta da citação. No mesmo sentido, as consequências processuais pelo cumprimento ou descumprimento de um determinado ônus processual recaem, ainda que indiretamente, na própria parte, razão pela qual, se tal argumento fosse relevante, toda e qualquer intimação deveria ser sempre e necessariamente pessoal.
De fato, é a própria intimação, seja na pessoa do devedor, seja por advogado, que não parece razoável. Como já destacado acima, o cumprimento da sentença não pode ser mais considerado como uma nova ação, mas como parte do processo, devendo a intimação ser vista, nesse caso, como uma tentativa retrógrada de manutenção de formalismos incompatíveis coma nova metodologia executória.
De outro lado, o advogado não deve ser visto como um defensor relapso, mas como um sujeito responsável pelos seus atos e com o dever de orientar a parte quanto às consequências de cada um dos atos do processo.
Em que pese tal posicionamento pessoal, o Superior Tribunal de Justiça já uniformizou o posicionamento sobre a matéria em defesa da terceira corrente. Neste sentido:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TERMO INICIAL DO PRAZO DE 15 DIAS. INTIMAÇÃO NA PESSOA DO ADVOGADO. ART. 475-J DO CPC. MATÉRIA PACIFICADA PELA CORTE ESPECIAL. SÚMULA 168/STJ. INCIDÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Acórdão embargado que se encontra em harmonia com a orientação firmada pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é necessária a intimação do devedor para fins de cumprimento da sentença transitada em julgado, para início do prazo de 15 (quinze) dias, a que se refere o art. 475-J do CPC (REsp 940.274/MS, Rel. p/ acórdão Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Corte Especial, DJe 31/5/10). 3. Agravo regimental não provido. (STJ; AgRg nos EREsp 1119688 / SP, AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGENCIA EM RECURSO ESPECIAL 2011/0056155-6; ARNALDO ESTEVES LIMA; CORTE ESPECIAL; DJe 01/02/2012) (grifos nossos).
CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TRÂNSITO EM JULGADO ANTERIOR. INTIMAÇÃO PARA PAGAMENTO OCORRIDA NA VIGÊNCIA DA LEI 11.232/2005. MULTA DO ART. 475-J. APLICABILIDADE. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEFENSOR PÚBLICO. SUFICIÊNCIA. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL CONFIGURADO. 1. Admitindo-se como termo inicial do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J não mais o trânsito em julgado da sentença, mas a intimação do devedor, na pessoa de seu advogado, se essa ocorreu na vigência da Lei 11.232/05, há incidência da multa. 2. Inexiste necessidade de intimação pessoal do devedor para o cumprimento da sentença, sendo válida a intimação do defensor público, desde que feita pessoalmente. 3. Recurso especial a que se nega provimento (grifos nossos) (STJ; REsp 1032436 / SP, RECURSO ESPECIAL 2008/0034776-4; NANCY ANDRIGHI; TERCEIRA TURMA; DJe 15/08/2011).
Referências Bibliográficas
ASSIS, Araken de. (2007), Manual do processo de execução. 11ª. ed., São Paulo, Revista dos Tribunais.
BUENO, Cassio Scarpinella. (2006), A Nova Etapa da Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo, Saraiva. v. I.
CÂMARA, Alexandre Freitas. (2007), Lições de direito processual civil. 14ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, v. II.
NERY JÚNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. (2010), Código de Processo Civil Comentado e legislação extravagante. 11ª edição. São Paulo, Revista dos Tribunais.
THEODORO JUNIOR, Humberto. (2009), Curso de Direito Processual Civil: Processo de Execução e cumprimento da sentença. Processo Cautelar e Tutela de Urgência, 44ª ed., Rio de Janeiro, Forense, v. II.
_____. (2007), As Novas Reformas do Código de Processo Civil. Rio de Janeiro, Forense.